Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
178/13.3TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: TÁVORA VICTOR
Descritores: ARBITRAGEM
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
AÇÃO DE ANULAÇÃO
ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA
LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL
COMPROMISSO ARBITRAL
CADUCIDADE
COMPETÊNCIA
Data do Acordão: 09/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ARBITRAL - ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA - COMPROMISSO ARBITRAL ( CADUCIDADE ).
DIREITO DO DESPORTO - LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL / ASSOCIAÇÃO DE DIREITO PRIVADO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 157.º, 184.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 209.º.
D.L. N.º 248-B/2008, DE 31-12: - ARTIGO 10.º.
ESTATUTO DA LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL (LPFP): - ARTIGO 53.º.
LEI DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA (LAV) / 1986: - ARTIGOS 4.º, N.º 1, AL. C), 19.º, N.º2, 27.º, N.º1.
LEI N.º 5/2007, DE 16-1 - LEI DE BASES DA ACTIVIDADE FÍSICA E DO DESPORTO (LBAFD): - ARTIGOS 18.º, 22.º.
Sumário :
I - Os tribunais são as instituições reconhecidas constitucionalmente como idóneas à resolução de conflitos pelo art. 209.º da CRP.

II - A arbitragem constitui uma jurisdição menos formal que a comum e por isso mais célere, quiçá mais pragmática e eficaz, na medida em que, não raro, através da especialização, se pretende obter uma decisão mais adequada à especificidade do caso em análise.

III - Há dois tipos de jurisdição arbitral: a voluntária e a necessária, consoante o recurso àquela jurisdição decorra de imposição legal ou seja adoptada voluntariamente.

IV - A jurisdição arbitral está sujeita, nas condições do respectivo exercício, à lei, prevendo o art. 27.º, n.º 1 da LAV de 1986, os casos em que a sentença arbitral, verificadas que sejam determinadas previsões, poderá ser anulada a pedido de qualquer das partes.

V - A Liga Portuguesa de Futebol Profissional assume a natureza de uma associação de direito privado, sujeita aos arts. 157.º e 184.º do CC e aos estatutos aprovados em Assembleia Geral de Associados que prevêem os direitos e deveres destes últimos, nomeadamente os de aceitarem a competência da comissão arbitral para dirimir os eventuais conflitos entre associados no âmbito da associação.

VI - A partir do momento em que as partes se inscrevem na Liga Portuguesa de Futebol Profissional têm de aceitar as cláusulas respectivas, incluindo a cláusula de sujeição ao Tribunal Arbitral.

VII - Mas porque a lei não se desinteressa pelo funcionamento da arbitragem, estabelece um conjunto de normas de molde a disciplinar o seu funcionamento, cuja inobservância é passível de provocar a anulação das decisões proferidas naquela sede.

VIII - Numa acção que opõe duas partes inscritas na Liga Portuguesa de Futebol Profissional e em que não está em causa uma questão estritamente desportiva (dado que não houve lugar à nomeação de árbitros), deveria a decisão ter sido proferida no prazo de seis meses – art. 19.º, n.º 2, da LAV de 1986.

IX - Tendo a acção dado entrada na comissão arbitral em 14-10-2010 e sido distribuída no dia seguinte, sem que tenha sido proferida sentença até ao dia 15-04-2011, tornou-se o Tribunal Arbitral incompetente para decidir a questão atenta a extinção por caducidade do compromisso arbitral – art. 4.º, n.º 1, al. c), da LAV de 1986.

Decisão Texto Integral:
Acordam na secção cível do Supremo Tribunal de Justiça.


AA - FUTEBOL, S.A.D., com sede na Rua D. ..., ao abrigo do disposto no art. 27.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto intentou acção declarativa constitutiva de anulação de decisão arbitral, seguindo os termos de processo civil experimental, contra BB - FUTEBOL, S.A.D., com sede ..., Porto.

Alega ter celebrado, em 20/01/2001, contrato de trabalho desportivo com o atleta profissional de futebol CC, mais conhecido por DD, por cinco épocas desportivas, com início em 01/07/2001.

Afirma que, em 21/05/2004, foi outorgado entre si e a Recorrida um contrato, denominado em epígrafe de “ACORDO”, de “cessão de direitos de inscrição desportiva" e que, por conta do aludido negócio, a Recorrida liquidou à Recorrente a quantia global de € 3.647.500,00, pelo que entendia ser credora da Recorrida da quantia de € 552.500,00, dos respectivos juros de mora e da compensação devida pelo facto de não ter cumprido integralmente com o vertido na condição 2.ª, parágrafo Primeiro, do ACORDO.

Expõe que propôs, em 14/10/2010, na Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol a respectiva acção declarativa de condenação contra a aqui Recorrida, pedindo a sua condenação a pagar-lhe: a) A quantia global de € 726 793, 17, correspondente ao capital de € 552.500,00 e juros de mora; b) A quantia de € 34.760,41, correspondente aos juros de mora vencidos sobre as quantias referidas na tabela inserida no artigo 51° da Petição Inicial; c) A título de indemnização pelo não cumprimento da respectiva obrigação contratual, a quantia salarial prevista no contrato de trabalho desportivo outorgado entre a Recorrida e o jogador EE, para a época desportiva 2004/2005, descontada da quantia de € 75.000,00 acrescida de juros de mora.

Adianta que, em 16/11/2010, a Recorrida contestou e deduziu reconvenção, alegando ter liquidado € 100.000,00 a mais por erro dos seus serviços financeiros.

Relata que, por decisão de 14/09/2012, a acção interposta foi julgada parcialmente improcedente, julgando-se ainda procedente o pedido reconvencional deduzido pela Recorrida, decisão essa que veio a ser confirmada por Acórdão do Plenário da Comissão Arbitral de 1 de Fevereiro de 2013.

Defende que tal decisão padece de nulidade, por incompetência do tribunal (caducidade da convenção de arbitragem) e por irregularidade da sua constituição (violação do princípio do juiz natural) – cfr. artigos 19.º, 21.º e 27.º da Lei n.º 31/86, de 29/8.

A Recorrida "BB - FUTEBOL S.A.D." veio contrapor que são desprovidas de qualquer fundamento as pretensões da Recorrente.

Defende que a jurisdição arbitral da Comissão Arbitral da LPFP não é voluntária (mas sim necessária), pelo que resulta impossível a aplicação subsidiária da Lei da Arbitragem Voluntária e, menos ainda, por analogia.

Mais defende que o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, não se vislumbrando a alegada violação do princípio do juiz natural.

Remata pugnando pela improcedência da acção, por não provada e fundamentada, com a sua consequente absolvição do pedido formulado, declarando-se válido o Acórdão do Plenário da Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 01 de Fevereiro de 2013, no âmbito do Processo 06-CA/2010.

Após os articulados das partes foi proferido despacho saneador, afirmando a validade e regularidade processuais, e, por se considerar serem apenas de direito as questões suscitadas nos autos, foi proferida sentença que, conhecendo do mérito da causa, julgou “o presente recurso improcedente, por não provado e, em consequência, julgam-se improcedentes os fundamentos invocados pela Recorrente no sentido da nulidade ou anulação do Acórdão do Plenário da Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 01 de Fevereiro de 2013, proferido no Processo n.º 06-CA/2010”.

2. Inconformado com tal decisão, dela interpôs o Recorrente “AA – Futebol, S.A.D.” recurso de apelação para a Relação, a qual julgando procedente a apelação, tendo a 2ª instância revogado a decisão recorrida, anulando, em consequência, a decisão proferida pela Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional no âmbito do processo nº 06-CA/2010, nela instaurado.

Por seu turno inconformado com o decidido na Relação veio o BB – Futebol, SAD interpor recurso para este Supremo Tribunal de Justiça terminando por pedir que seja julgado procedente o recurso e consequentemente revogado o acórdão mantendo-se a sentença que confirmou a decisão da Comissão Arbitral proferida a 14/9/2012.

Foram para tanto apresentadas as seguintes,


Conclusões:


1) A qualificação da Comissão Arbitral da LPFP como Tribunal Arbitral Voluntário tout court é incorrecta e traduz-se numa errada interpretação e violação do disposto nos artigos 202.° e 209.° da Constituição da Republica Portuguesa e artigo 18.°, n." I da Lei 5/2007 [LBAFD] de 16 de Janeiro;

2) Aliás, a sentença revogada adiantou - e bem, a nosso ver - que este modelo é um meio caminho entre a arbitragem voluntária e a necessária, não se vendo motivos para alterar esta qualificação jurídica.

3) O modelo de arbitragem voluntária de origem não contratual, como é a Comissão Arbitral da LPFP, não está enquadrado no modelo de arbitragem português, embora haja situações semelhantes nos modelos alemão e espanhol, sendo certo que, quanto a estas situações, o disposto na LAV não pode ser objecto de aplicação subsidiária de forma cega, sob pena de violação das regras ínsitas no artigo 9.° do Código Civil.

4) A solução de direito consagrada do acórdão recorrido conduz à caducidade da cláusula compromissória que consta dos Estatutos da LPFP e, consequentemente, implica que os associados da LPFP, partes no processo, não mais fiquem obrigados a sujeitar quaisquer outros litígios à Comissão Arbitral, o que seguramente não é a solução prevista pelo legislador desportivo, pois que é manifesto que o sistema de justiça desportivo assenta num modelo de auto-regulação, com expressa renúncia até ao direito de recorrer aos tribunais comuns.

5) Isto porque a adesão à convenção arbitral (sujeição de todos os conflitos à jurisdição da Comissão Arbitral da LPFP) não resulta de um acto de vontade, mas por aplicação de regulamento, de natureza pública, atentos os poderes exercidos pela LPFP por delegação da Federação Portuguesa de Futebol, a que as SAD's estão obrigadas por via da inscrição obrigatória na LPFP, para poderem ter acesso a disputar a competição profissional;

6) Além de que resulta de normas internacionais e nacionais que os conflitos desportivos devem ser sanados pelas instâncias desportivas, penalizando-se severamente aqueles que recorrerem às instâncias não desportivas para sanar os que são de matéria estritamente desportiva, reservando-se a competência ao contencioso administrativo para conhecer dos conflitos relativos à disciplinar e às questões regulamentares;

7) A natureza do litígio que foi sujeito à Comissão Arbitral da LPFP enquadra-se no âmbito de um conflito desportivo: a interpretação do teor de uma cláusula do acordo de cessação de direitos de inscrição desportiva (relativamente ao atleta conhecido por "DD") e não inclusão nos quadros da recorrente de um outro atleta (EE).

8) Pelo que, com este fundamento, deve o acórdão ser revogado, reconhecendo-se que a resolução do litígio como o emergente nos autos deve ser qualificado como sendo necessária e à qual não podem ser aplicadas o regime jurídico da LAV.

Sem prescindir,

8) Ainda que se admita - o que tão só se consente para este efeito - que a Comissão Arbitral da LPFP deva ser qualificada como Tribunal Arbitral Voluntário, é incorrecta a determinação de aplicação subsidiária da LAV à referida Comissão, concretamente, no que ao prazo supletivo para proferir decisão diz respeito, uma vez que do Regulamento Geral da LPFP não consta qualquer prazo previsto para a prolação de decisão.

9) Desde logo porque as regras de caducidade apenas são aplicáveis por imposição legal ou por vontade das partes, nos termos no previsto no artigo 298.°, n.º 2 do CC, inexistindo qualquer uma dessas no caso em discussão.

10) A inexistência da estipulação de prazo para prolação de decisão no Regulamento Geral da LPFP não significa, por si só, a existência de um caso omisso que reclame a aplicação supletiva da LAV, menos quando dessa aplicação subsidiária resulte a declaração de caducidade da convenção arbitral, determinando o esgotamento do poder jurisdicional dos árbitros, contrariando o espírito do legislador desportivo que, manifestamente, pretende que os conflitos desportivos sejam sanados pelas instâncias desportivas; L)    Contrariamente ao que previsto na CCT para a Comissão Arbitral Paritária de um prazo de 40 dias para a prolação da decisão, o Regulamento Geral da LPFP não contém qualquer prazo para que a Comissão Paritária profira decisão;

11) A sentença interpretou incorrectamente e violou o disposto nos artigos 9.° e 10.° do CC, dado ser manifesto que a aplicação supletiva da LAV é incompatível com o todo do edifício normativo desportivo que, conforme se deixou dito, afasta da jurisdição estadual a resolução de conflitos desportivos.

12) Por conseguinte e com este fundamento, deve ser revogado o acórdão que julgou verificada a caducidade do compromisso arbitral e a consequente incompetência da Comissão Arbitral para conhecimento do litígio, proferindo-se acórdão que declare válida a decisão proferida por aquela Comissão Arbitral em 14/09/2012.



Contra-alegou o AA pugnando pela manutenção do decidido.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


*


2. FUNDAMENTOS.


O Tribunal da Relação deu como provados os seguintes,


2.1. Factos.


2.1.1. A aqui Recorrente "AA - FUTEBOL, S.A.D." intentou contra a aqui Recorrida "BB - FUTEBOL, S.A.D." acção declarativa de condenação, a que coube o nº 06-CA/2010, na Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

2.1.2. Nesta, a Recorrente pediu a condenação da aqui Recorrida a pagar-lhe: a) A quantia global de € 726 793, 17, correspondente ao capital de € 552 500 e juros de mora;    b) A quantia de € 34 760, 41, correspondente aos juros de mora vencidos sobre as quantias referidas na tabela inserida no artigo 51° da Petição Inicial; c) A título de indemnização pelo não cumprimento da respectiva obrigação contratual, a quantia salarial prevista no contrato de trabalho desportivo outorgado entre a Recorrida e o jogador EE, para a época desportiva 2004/2005, descontada da quantia de € 75 000, acrescida de juros de mora.

2.1.3. Esta acção deu entrada na Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional no dia 14 de Outubro de 2010, tendo sido autuada no dia seguinte.

2.1.4. Por despacho datado de 15 de Outubro de 2010, os autos foram distribuídos à Exma Sr.ª Juiz FF.

2.1.5. Por despacho proferido a 04 de Novembro de 2010, ordenou-se a citação da Ré para contestar.

2.1.6. Por despacho proferido a 14 de Dezembro de 2010, ordenou-se a notificação da Contestação.

2.1.7. Em 26 de Janeiro de 2011, a Vogal Relatora inicial do processo renunciou ao mandato de Vogal da Comissão Arbitral.

2.1.8. A fls. 303 dos autos, consta um "Despacho" proferido pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, do seguinte teor:

"Em face da renúncia pela Sra. Dra. Juiz FF ao mandato de Vogal da Comissão Arbitral, comunicada por escrito de vinte e seis de Janeiro do corrente ano, nos termos conjugados dos artigos 15.º, alínea c), e 17.º dos Estatutos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, a vacatura do respectivo cargo é preenchida, de acordo com o que prescreve o n.º 2 do artigo 20.º dos mesmos Estatutos, pela Sra. Dra. Juiz GG, já empossada, na qualidade de membro suplente daquele Órgão, aos sete dias do mês de Junho de 2010."

2.1.9. A 11 de Março de 2011, o processo foi objecto de redistribuição.

2.1.10. Em 05 de Maio de 2011, as partes foram notificadas para a realização de uma tentativa de conciliação.

2.1.11. Em 11 de Maio de 2011, a Recorrente veio arguir a caducidade da convenção de arbitragem pelo decurso do prazo de seis meses, nos termos constantes do requerimento de fls. 315 e ss. daqueles autos.

2.1.12. Por despacho de 23 de Maio de 2011, indeferiu-se o requerido reconhecimento e consequente declaração de caducidade da convenção de arbitragem.

2.1.13. Em 06 de Junho de 2011, a Recorrente veio apresentar um requerimento, pedindo que se anulasse a redistribuição operada em 11/03/2011 porquanto, atentos os factos carreados para os autos, a Juíza Relatora inicial não se escusou nem está permanentemente impossibilitada de exercer a função, sendo ilegal a substituição operada - conforme decorre, entre outros, do disposto no art. 52,º-5 dos Estatutos da LPFP, com todas as consequências legais, decretando, por consequência a caducidade da convenção arbitral (o regime dos artigos 4.º, n.º 1, al. c), 13.º, 19.º, n.º 2, e 27.º, n.º 1 , al. b), todos da Lei de 31/86, de 29 de Agosto - da Arbitragem Voluntária), nos termos constantes do requerimento de fls. 425 e ss.

2.1.14. Por despacho de 13 de Outubro de 2011, o Sr. Presidente da Comissão Arbitral indeferiu o requerido, considerando validamente efectuada a substituição do árbitro.

2.1.15. A Recorrente renovou, em 21/10/2011, o seu requerimento de arguição de caducidade, nos termos constantes do requerimento de fls. 452 e ss.

2.1.16. Tal requerimento foi indeferido por despacho de 27 de Outubro de 2011, com o teor de fls. 462 e ss..

2.1.17. Por decisão de 14/09/2012, a acção foi julgada parcialmente improcedente, julgando ainda procedente o pedido reconvencional deduzido pela Recorrida, com o teor de fls. 697 e ss..

2.1.18. A Recorrente interpôs recurso desta decisão para o Plenário da Comissão Arbitral.

2.1.19. Na sequência de recurso interposto pela aqui Recorrente, esta decisão veio a ser confirmada por Acórdão do Plenário da Comissão Arbitral, de 01 de Fevereiro de 2013, com o teor de fls. 62 e ss.


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2.2. O Direito.


Nos termos do preceituado nos arts.º 608.º nº 2, 635.º nº 3 e 690.º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:


- Da qualificação da Comissão Arbitral da LPFP como Tribunal Arbitral Voluntário.

- Da incorrecta aplicação subsidiária da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV) à data em vigor: Lei 31/86 de 29 de Agosto.



2.2.1. Da qualificação da Comissão Arbitral da LPFP como Tribunal Arbitral Voluntário.



Está em causa nos presentes autos a anulação da decisão arbitral que recaiu sobre o diferendo entre o AA e o BB acima aludido e que veio a ter o seu desfecho na sentença arbitral de 14/9/2012 que julgou a acção parcialmente improcedente, julgando procedente o pedido reconvencional deduzido pela recorrida decisão essa que veio a ser confirmada por Acórdão de Plenário da Comissão Arbitral de 1 de Fevereiro de 2013.

Interposta acção de anulação da decisão intentada ao abrigo do preceituado nos artigos 27º ss da LAV nº 31/86 de 29 de Agosto, pelo AA, veio o mesmo a ser julgado improcedente por sentença de 1ª instância. Todavia interposto recurso de apelação pelo BB, quanto ao decidido neste particular, veio a sentença em causa a ser revogada e consequentemente anulada a decisão arbitral.

Por seu turno, inconformado com o decidido na Relação, recorre, agora de revista, o BB – Futebol SAD, tendo pedido que se revogue o Acórdão em crise, e consequentemente, a manutenção da sentença que confirmou a decisão da Comissão Arbitral proferida a 14/9/2012.


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2.2.2. Da incorrecta aplicação subsidiária da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV) à data em vigor: Lei 31/86 de 29 de Agosto.

Sustenta o recorrente BB ser incorrecta a qualificação da Comissão Arbitral da LPFP como Tribunal Arbitral Voluntário o que se traduz numa errada interpretação dos artigos 202º e 209º da Constituição da República, bem como 18º nº 1 da Lei 5/2007 (LBAFD) de 16 de Janeiro. Assim o modelo de arbitragem voluntária de origem não contratual como é a Comissão Arbitral LPFP não está enquadrado no modelo de arbitragem português, embora haja situações semelhantes nos modelos alemão e espanhol, sendo certo que quanto a estas situações o disposto na LAV não pode ser objecto de aplicação subsidiária cega sob pena de violação das regras ínsitas no artigo 9º do Código Civil. No entanto, defende o recorrente, esta não é a solução imposta pela lei aplicável; o modelo de auto-regulação do sistema desportivo assenta na renúncia expressa até ao direito de recorrer nomeadamente aos tribunais comuns. A adesão à comissão arbitral não resulta, na tese do FCP, de um acto de vontade mas por aplicação de regulamento de natureza pública, atentos os poderes exercidos pela LPFP por delegação da Federação Portuguesa de Futebol a que as SAD’s estão obrigadas por via da inscrição obrigatória na LPFP, para poderem ter acesso a disputar a competição profissional. Em suma dir-se-á que resulta das normas internacionais e nacionais que os conflitos desportivos devem ser sanados pelas instâncias desportivas e a natureza do litígio que foi sujeito à Comissão Arbitral da LPFP enquadra-se no âmbito de um Conflito desportivo: a interpretação do teor de uma cláusula de acordo de cessação de direitos de inscrição desportiva (relativamente ao atleta conhecido por DD e não inclusão nos quadros da recorrente de outro atleta (EE).

Vejamos:

Como é sabido, os tribunais são as instituições reconhecidas constitucionalmente como idóneas à resolução de conflitos pelo artigo 209º da CRP. Constitui a arbitragem uma jurisdição menos formal que a comum e por isso mais célere, quiçá mais pragmática e eficaz, na medida em que, não raro, através da especialização, se pretende obter uma decisão mais adequada à especificidade do caso em análise; ela assume uma natureza necessária ou voluntária, sendo certo que ambas são vocacionadas à obtenção de decisões imbuídas do mesmo valor e reconhecidas como tal no seio da ordem jurídica.

Há dois tipos de jurisdição arbitral; a voluntária e a comum consoante o recurso àquela jurisdição decorra de imposição legal ou seja adoptada voluntariamente – artigo 1º nº 1 da LAV de 2011 e artigo 1º da LAV de 2011.

A jurisdição arbitral está sujeita, nas condições do respectivo exercício, à lei, o que vem patenteado nos artigos 27º ss da LAV referindo o nº 1 do primeiro preceito citado, os casos em que a sentença arbitral, verificadas que sejam determinadas previsões, poderá ser anulada a pedido de qualquer das partes.

A Liga Portuguesa de Futebol Profissional assume a natureza de uma Associação de direito privado, sujeita aos artigos 157º e 184º do Código Civil e aos estatutos aprovados em Assembleia Geral de Associados que prevêem os direitos e deveres destes últimos, nomeadamente os de aceitarem a competência da comissão arbitral para dirimir os eventuais conflitos entre associados no âmbito da associação – “A Liga e os clubes seus associados reconhecem expressamente a jurisdição da Comissão Arbitral, com exclusão de qualquer outra, para dirimir todos os litígios compreendidos no âmbito da associação e emergentes, directa ou indirectamente, dos presentes Estatutos e Regulamento Geral”. É bem certo que a Liga exerce alguns poderes de natureza pública nomeadamente os delegados pela Federação Portuguesa de Futebol; trata-se contudo de parcelas ínfimas dos poderes que a caracterizam – artigo 10º do DL 248-B/2008 – que não são de molde a afastar o seu enquadramento no artigo 22º da LBAFD – Lei de Bases da Actividade Física e do Desposto - onde pode ler-se que “1 – As federações unidesportivas em que se disputem competições desportivas de natureza profissional, como tal definidas na lei, integram uma liga profissional, sob a forma de associação sem fins lucrativos, com personalidade jurídica e autonomia administrativa, técnica e financeira.

A qualidade de associado da LPFP adquire-se através de declaração escrita formulada por escrito devendo o pretendente manifestar de forma expressa e inequívoca a adesão integral e sem reservas aos Estatutos da Liga e ainda dos direitos e deveres inerentes bem como a aceitação da jurisdição arbitral da Comissão Arbitral da liga. A arbitragem da LPFP surge-nos como voluntária porque resulta de uma cláusula compromissória integrada nos estatutos de uma associação de direito privado. Por outro lado, atentando no estatuído no artigo 53º da LPFP vemos que compete à Comissão arbitral: a) Julgar os recursos interpostos das deliberações disciplinares da Comissão Disciplinar nas matérias estritamente respeitantes às infracções disciplinares previstas no Capítulo V dos presentes Estatutos; b) Dirimir os litígios entre a liga e os clubes membros ou entre estes, compreendidos no âmbito da associação”. Do exposto se pode concluir que a Comissão Arbitral da LPFP é competente para apreciar e decidir sobre as matérias do foro disciplinar relacionadas com a violação por parte dos associados das normas estatutárias e regulamentares da LPFP bem como relativas a acordos celebrados pelos clubes seus associados.

No caso em análise não está em jogo apenas uma questão estritamente desportiva; são questões desta índole “as que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, enquanto questões emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas competições” – artigo 18º nº 3 da LBAFD. Nesta conformidade os tribunais comuns não estão afastados da sua análise – artigo 18º nº 2, 3 e 4º da LBAFD. Assim em virtude de serem associados da FPFP estão as partes obrigadas à observância dos respectivos estatutos e considerando a cláusula compromissória neles inserta, a submeter os seus litígios à respectiva Jurisdição Arbitral, a saber a Comissão Arbitral da LPFP. Não estamos aqui perante um caso de arbitragem necessária mas antes voluntária, mau grado a partir do memento em que adere ao Compromisso arbitral não podem as partes furtar-se à sua aplicação. A autonomia da vontade das partes em que assenta a sujeição à comissão arbitral assenta num acto livre no momento em que as partes se inscrevem como associados. E esta conclusão não é afastada pelo facto de ser obrigatória a inscrição na LPFP, já que o acto de adesão é livre; no entanto a partir do momento em que as partes se inscreveram na liga já têm de aceitar as cláusulas respectivas; ora in casu uma dessas cláusulas é precisamente a da sujeição ao Tribunal Arbitral. Mas porque a lei não se desinteressa pelo funcionamento da arbitragem estabelece um conjunto de normas de molde a disciplinar o seu funcionamento, cuja inobservância é passível de provocar a anulação das decisões proferidas naquela sede. É o que sucede com a Lei de Arbitragem Voluntária LAV de 86 e mais recentemente LAV de 2011;

É o que se passa prazo para proferir a decisão arbitral, problema que perpassa por toda esta acção na medida que é fundamental para a problemática da anulação da sentença arbitral. Para solver esta questão haverá que atentar no artigo 19º da LAV 86 onde pode ler-se que: “Podem as partes acordar por escrito, até à aceitação do primeiro árbitro, determinado prazo para a prolação da decisão arbitral, como podem ainda, por acordo e no decurso da acção, prorrogar tal prazo até ao dobro da sua duração inicial: Por seu turno o nº 2 do mesmo Dispositivo legal refere que na ausência de qualquer acordo das partes quanto ao prazo para prolatar a decisão o mesmo será de seis meses de harmonia com o disposto no artigo 19º nº 2 da LAV 86.

Nesta conformidade e dado que a acção deu entrada na comissão arbitral a 14 de Outubro de 2010 e distribuída no dia seguinte e dado que não houve lugar à nomeação de árbitros, deveria a decisão ter sido proferida até ao dia 15 de Abril de 2011, data em que terminava o aludido prazo de seis meses. A falta de prolação da sentença dentro do aludido prazo acarreta pois a extinção por caducidade da comissão arbitral – artigo 4º nº 1 alínea c) da LAV 86.

Em suma decorrido que foi o prazo em análise o Tribunal Arbitral tornou-se incompetente para decidir da questão pelo que a decisão da Relação que foi nesse sentido agiu correctamente face à lei aplicável, o normativo por último citado.

Nesta conformidade nada há a censurar à Relação quando chegou à mesma conclusão. A revista está pois votada à improcedência.


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3. DECISÃO.


Pelo exposto acorda-se em negar a revista.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 24 de Setembro de 2015


Távora Victor (Relator)

António da Silva Gonçalves

Fernanda Isabel Pereira