Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1236/15.5T8PVZ.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: APLICAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
INTERMEDIÁRIO
DEPÓSITO A PRAZO
OBRIGAÇÃO
BANCO
ILICITUDE
NEXO DE CAUSALIDADE
INSOLVÊNCIA
PRESSUPOSTOS
TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA
INCUMPRIMENTO
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
VALORES MOBILIÁRIOS
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 10/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / V´CIOS E REFORMA DA SENTENÇA.
Doutrina:
- Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Estudos sobre o Mercado de Valores Mobiliários, Coimbra, 2008, p. 85 e 86;
- Felipe Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil, Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, n.º 31, de Dezembro de 2008, p. 74 e ss. e 684;
- Paulo Câmara, Manual de Direitos dos Valores Mobiliários, Almedina, 2.ª Edição, p. 691 e 692.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º2, 615.º, N.º 1, ALÍNEAS B), C) E D), 635.º, Nº4 E 639º.
CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGOS 289.º, N.º 1, ALÍNEA A), 290.º, N.º 1, ALÍNEA C), 304.º E 312.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 06-06-2013, PROCESSO N.º 364/11.0TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-02-2014, PROCESSO N.º 1970/09.9TVPRT.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I – O intermediário financeiro encontra-se vinculado às normas do que estabelecem regras próprias inerentes à sua atividade, designadamente cumprimento de deveres de informação (arts. 304º e 312º, ambos do CVM);

II - O cumprimento dos deveres de informação que impendem sobre o intermediário financeiro é, porém, de geometria variável. Quer isto significar que a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente;

III – O dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa - em absoluto – o investidor de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento;

IV – Não cabe, em regra, nas funções dos intermediários financeiros assumir o compromisso de reembolsar os clientes pelos investimentos efetuados em produtos emitidos por outras entidades.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – Relatório  

                   

1. Em 23.9.2015, AA e BB instauraram a presente ação declarativa com processo comum contra “Banco CC, S.A.” (atualmente “Banco DD, S.A.”) pedindo:

- A condenação da ré a pagar aos autores a quantia de EUR 55.000,00, acrescida dos juros vincendos, desde a citação até integral pagamento;

Subsidiariamente:

- Seja declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que a ré invoque para ter aplicado a quantia de EUR 50.000,00, que os autores entregaram ao réu, em obrigações subordinadas “SLN Rendimento Mais 2004”;

- Seja declarado ineficaz em relação aos autores a aplicação que a ré tenha feito dos correspondentes montantes;

- Seja a ré condenada a restituir aos autores o valor de EUR 55.000,00 que ainda não recebeu, bem como os juros vencidos à taxa contratada, acrescido dos juros vincendos, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;

- Seja a ré condenada a pagar aos autores a quantia de EUR 5.000,00, a título de dano não patrimonial.

Para tanto, alegou, em síntese, que:

Os autores abriram no “Banco CC, S.A.” (de ora em diante, CC) uma conta através da qual efetuavam as suas poupanças.

Em Outubro de 2004, funcionários do Banco CC propuseram-lhes investir o seu dinheiro (EUR 50.000,00) numa aplicação com as mesmas características e segurança de um depósito a prazo.

Assim, o autor assinou um impresso, que terá sido preenchido por funcionário do Banco, e sem ter percebido que estava a dar ordem de compra de obrigações “SLN Rendimento Mais 2004”, um produto de risco e sem capital garantido.

Nunca lhes foi lido ou explicado ou entregue cópia de qualquer contrato, pelo que, a existir, sempre seria nulo, nos termos previstos no art. 5º, do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.

Os autores tentaram levantar a quantia depositada, o que o Banco, contudo, recusou.

Essa atuação do Banco colocou os autores num estado de permanente ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras, pelo que pretendem, por via desta ação, ser ressarcidos dos correspondentes danos.

2. A ação foi contestada. Em sua defesa, a ré excecionou a prescrição, alegando que os autores tiveram conhecimento da suposta subscrição abusiva desde inícios de 2009 e que, na data da propositura da presente ação, já tinha decorrido o prazo de dois anos previsto no art. 324º, do CVM. Por impugnação, negou a factualidade invocada pelos autores.

3. Na 1ª instância, realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a ré dos pedidos.

4. Inconformados com a sentença, dela apelaram os autores, tendo o Tribunal da Relação de … proferido acórdão que, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, confirmou a decisão da 1ª instância.

5. De novo irresignados, os autores interpuseram recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a sua admissão como revista normal ou, subsidiariamente, como revista excecional.

6. Neste Supremo, foi proferida decisão pela relatora que, em face da dupla conforme, ordenou a remessa do processo à Formação de Juízes, a que se alude no art. 672º, nº3, do CPC, tendo sido proferido acórdão a admitir a revista como excecional.

Nas suas alegações de recurso, os autores, em conclusão, disseram:

O presente recurso de revista deve ser admitido pois, apesar de, aparentemente, ocorrer uma situação de dupla conformidade, uma vez que a decisão não foi alterada, mas antes “confirmada”, o que está em causa não é o sentido da decisão, em si, mas a possível violação da lei processual pela Relação, no não uso ou no uso deficiente dos poderes que a esta, são conferidos.

Neste caso, pretende-se atacar não a decisão em si, mas o “vício na formação da decisão” e, por isso, o Acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia sobre as questões de direito apresentadas, mormente, a assunção da responsabilidade do Banco Réu e responsabilidade como intermediário financeiro.

O que consubstancia uma nulidade, que aqui se invoca, prevista na alínea d), do nº1 do artigo 615.º, pois não foi apreciada questão que devia ser apreciada.

DO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO:

Quanto ao direito aplicável ao caso, não tendo o Tribunal da Relação de … apreciado o mesmo, nem analisado a interpretação que os recorrentes do mesmo fizeram, impõe-se a este Supremo Tribunal a decisão sobre a conduta do Réu à luz das normas aplicadas.

O CC na sua relação com o autor, intervinha como instituição de crédito e como intermediário financeiro, por conta da SLN.

Como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta que o RGICSF – em vigor na altura da subscrição das obrigações, nomeadamente os artigos (art.73º e 74º do RGICSF), e ainda o critério de diligência previsto no artigo 76.º, segundo o qual devia atuar nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos investidores.

Como intermediário financeiro a sua responsabilidade está prevista no artigo 314.º do C.V.M. (na redação que foi oferecida pelo D.L. n.º 486/99, de 13-11) que determina que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua catividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.”;

O Banco Réu, ao ter avançado para aquisição do produto financeiro aqui em causa, sem observar os deveres de informação torna-se responsável pelos prejuízos causados aos Autores;

A responsabilidade a que se reporta o artigo 314º do CVM é qualificada como sendo responsabilidade contratual – artigo 799º do CC;

Outrossim, com base na responsabilidade civil pré-contratual que decorre do preceituado no artigo 227.º do C.C., conjugado com o preceituado no artigo 314.º do CVM, se chega à conclusão de que impende sobre o Banco Réu a obrigação de indemnizar a Autora do dano por ela sofrido.

No caso em apreço, verificam-se os pressupostos da responsabilidade decorrente do acordo de garantia do capital e de juros feito com o cliente: a ilicitude, por violação do dever de informação e do compromisso de garantia do capital e de juros; a culpa, a qual como vimos, se presume nos termos do art.799º, nº1 do CC, e a causalidade, ou seja, o nexo entre o facto e o dano, que a doutrina também considera estar abrangida pela presunção do art.799º, nº1 do CC.

O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos causados aos autores (art.563º do CC) decorreu da prestação de informação falsa e a falsidade da informação é uma forma de violação do dever de prestar informações por ação;

Esse dano, desde logo, abrangerá o valor do capital investido, isto é, os € 50.000,00, acrescido dos respetivos juros.

Houve incumprimento por parte do Banco Réu, na pessoa dos seus funcionários, de deveres inerentes à atividade de intermediação financeira, nos termos que resultavam dos arts.7º, 8º, 304º e 312º do CVM, o que basta para sustentar a constituição da obrigação de indemnização correspondente ao reembolso do capital investido.

O Autor só aceitou negociar com o Banco Réu, porque lhe foi comunicado que estaria a aplicar o dinheiro num produto semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo CC e com rentabilidade assegurada; 

E o Banco Réu sabia que prestava informação errada ao Autor – dizendo-lhe que o produto em questão era semelhante a um depósito a prazo e que garantia o capital e os juros – e sabia que essa errada informação era determinante, como foi, da declaração de vontade emitida;

Resulta que os funcionários do CC apresentaram o produto seguro, como produto próprio do banco e este como garante do seu reembolso.

A apresentação do produto como produto seguro, como do próprio do banco, constitui violação do dever de informação.

Acresce que por força do art. 314º nº 2 do C.V.M. - redação original, presume-se a culpa do intermediário financeiro.

Nos termos do art. 563º do C.C., “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão”.

Afirmar que o produto é produto seguro, como do próprio banco é o mesmo que afirmar que é o próprio banco que reembolsará o cliente do capital investido.

Que não é um produto de risco.

Ao dizer-se que o produto era produto seguro, do próprio do banco, o Autor não foi colocado perante a hipótese de investir as suas poupanças em produto que não era próprio do CC.

Aos AA. foi apresentado e criado um quadro que condicionou a declaração de vontade tal como acabou por se exteriorizar, quadro esse que essencialmente assentou na circunstância de o capital investido se encontrar garantido, tal como sucede com um depósito a prazo, e em que plenamente confiou dada a relação que mantinha com o gerente da instituição bancária.

Tivessem os Autores tido conhecimento do que verdadeiramente estava em causa e não teriam investido em obrigações subordinadas.

Por outro lado, e neste contexto a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido e de risco exclusivamente banco, envolve que tal garantia seja, não a da entidade dele emitente, mas sim ou também do intermediário financeiro;

Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, nomeadamente se no relacionamento contratual com o (cliente) assumir também o pagamento do valor nominal dos títulos financeiros adquiridos, conforme aconteceu no caso em apreço.

A garantia de retorno de capital prestada pelo banco à autora, ”à própria luz do art. 236º, nº 1 do CC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do banco réu (…) traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados ativos financeiros”.

Estamos perante um compromisso contratual (relação de mandato) em que o banco réu assume perante o autor o pagamento do capital investido na aludida aquisição dos ativos financeiros e nessa medida verifica-se uma situação de responsabilidade contratual que o banco réu não pode deixar de assumir e com as consequências decorrentes do art. 798 do C. Civil. e conforme o que supra vem referido.

Sem a informação (errada do Banco de capital garantido e risco exclusivamente banco) os AA, não dariam o seu assentimento, pelo que é evidente que há um acordo das partes nesse sentido.

Assim, os AA. sempre teriam direito à restituição das quantias aplicadas mercê desta garantia prestada pelo banco réu e conforme os termos do disposto nos artº 762º, 798º e seg do CC.

Donde que também daqui emerge a responsabilidade do banco réu na medida em que ficou vinculado à garantia prestada sendo que em tal caso a obrigação de indemnizar não se distingue daquela que foi encontrada ao abrigo das disposições do CMVM.

Existe um erro na formação da vontade que acarreta a conversão do negócio para um depósito a prazo (artigo 292º do CC).

Ainda, no caso dos autos, em especial da matéria de facto alegada na petição inicial sob os artigos 42º e 46º decorre, claramente, a existência de um dano não patrimonial que é grave e que, por isso, merece a tutela do direito, nos termos do preceituado no artigo 496º, nº1 do CC, devendo o Réu ser condenado no valor peticionado a título de danos morais.

Em face do exposto, entendem os recorrentes que a sentença recorrida interpretou e aplicou incorretamente, entre outros, os artigos 590º, 607º, 615º nº1 al. b), c) e d) todos do CPC; artigos 227º, 236º, 483º, 496º, 562º, 762º, 798º, 799º, 800º, 805º do Código Civil; 7º, 290º, 204º, 312º, 314º do CVM, entre outros.

Ainda e subsidiariamente,

DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL:

No caso de se entender que o recurso de revista não é admissível como supra se defendeu, sempre será admissível o recurso de revista excecional, nos termos do disposto na al. a) do nº1 do artigo 672º do CPC;

Consagra o artigo 672º uma exceção a esta regra: apesar da verificação da dupla conforme, a revista é admissível, a título excecional, se se verificar o condicionalismo retratado no n.º 1 deste preceito, ou seja: “a) quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, que é o caso;

Estamos perante uma questão jurídica cuja apreciação, pela sua relevância jurídica é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

Tal questão jurídica é a referente à responsabilidade do Banco Réu, perante os autores, seja aquele intermediário financeiro ou não atue nessa qualidade, sendo apenas quem comercializa o produto financeiro;

Nos presentes autos está em causa a responsabilidade do Banco Réu na comercialização de um produto financeiro, tendo assumido perante o cliente o reembolso do capital investido e risco exclusivamente Banco.

Se o banco garantiu através dos seus funcionários, que o capital era garantido, o banco é responsável perante o cliente, seja pela responsabilidade pré-contratual, seja pela contratual civil ou extracontratual, como supra se expôs;

Há claramente violação do dever de informação (arts. 483º, 227º e 779º do CC), decorrente da utilização de informação enganosa ou ocultação de informação relevante para a adesão dos clientes, ao produto de risco obrigações SLN;

As informações prestadas pelo Banco Réu são inexatas, incompletas e falsas, sendo que foram causais de celebração de um contrato, pelo que terá aquele de ser responsabilizado pelos danos que assim causou, quer pela via contratual quer pela via extracontratual;

Sendo que a culpa do Banco Réu presume-se – 799º, nº1 do CC e 314º, nº 2 do CVM;

O nexo causal encontra-se abrangido pela supra referida presunção e além, os prejuízos dos Autores decorrem claramente da informação enganosa do R.;

A informação enganosa foi exclusivamente determinante para a celebração do contrato;

 E que provocou, com tal atuação, um estado de preocupação e ansiedade permanente os AA. que receiam em não reaver o seu capital;

Assim, é manifestamente necessário que este Supremo Tribunal se pronuncie sobre esta questão de direito, atendendo ao caso dos autos, pois não podem situações como a dos autos repetir-se e colocar em causa a segurança jurídica, sendo um claro abuso de direito a atuação dos bancos quando estão em causa produtos financeiros, devendo os mesmos ser responsabilizados tanto como entidade seja que comercializa o produto como quando agem na qualidade de intermediário financeiro;

O acórdão recorrido violou entre outras normas, todas as supra mencionadas nas alegações e conclusões referentes à responsabilidade pré-contratual, contratual e extracontratual e bem assim, as normas atinentes aos danos morais.

Ainda, cabe apreciar os pressupostos da admissibilidade da revista excecional, mormente, o da alínea c-) do nº1 do artigo 672º do CPC, que determina o seguinte: “c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência.”.

No nosso entender, o Acórdão da Relação, o acórdão recorrido, está em contradição evidente com dois acórdãos, que aqui vamos invocar, mormente o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º975/16.8T8GRD.C1, de 24 de Outubro de 2017, e o Acórdão do Tribunal da Relação de …, processo n.º2928/16.7T8GMR.C1.

Ora, atendendo a que o Tribunal recorrido confirmou a decisão do tribunal de 1ª instância, e perante a análise da fundamentação da matéria de direito deste último, verifica-se que ao Banco Réu não é imputada qualquer responsabilidade, enquanto intermediário financeiro, decorrente da circunstância deste lhes ter prestado informação falsa sobre as características do produto em causa e lhes ter omitido informação sobre o mesmo, mormente quanto à solvabilidade de terceiro (risco de insolvência), e de conselhos e recomendações sobre negócios como intermediação, com o propósito concretizado de os induzir em erro quanto às suas características, bem como na garantia assumida pelo Banco Réu, de restituir o capital findo o prazo acordado, decidindo assim de forma visivelmente oposta e contraditória à decisão proferida pelo Tribunal da Relação de … já transitado em julgado.

Sendo a situação relatada no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, semelhantes, uma vez que em ambos os processos foi dado como provado que os funcionários do Banco Réu transmitiram a informação ao cliente de que tinham uma aplicação que, em termos de risco, se assemelhava a um depósito a prazo, por ter capital garantido CC, e rentabilidade assegurada, e que o cliente estava convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, com risco exclusivamente Banco.

Os factos apurados configuram o exercício por banda do banco réu da atividade de intermediação financeira.

Sendo diversas as variantes desta atividade, a mesma envolve, além de outras, a “consultoria para investimento em valores mobiliários”- (art. 291º, al. c), do CVM).

O produto obrigações SLN foi proposto pelos funcionários do Banco equivalente a um depósito a prazo e não tinha risco;

Os princípios norteadores da atividade dos intermediários financeiros estão consagrados no art. 304 do CVM, onde, à data dos factos, se estabelecia, além do mais, que: 1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado. 2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.3 - Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente.

Também o art. 312 nº1 do CVM, no que concerne à observação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação, é bem explícito quando estatui: ”O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes: a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) O custo do serviço a prestar.

O que está subjacente a estes deveres informativos é a proteção dos investidores e do mercado – cf. Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, pág. 85.

E decorre do art. 7º do CVM que “a qualidade da informação” deve ser “completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita”.

Assim, os intermediários financeiros estão sujeitos a elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, devendo orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

No mercado dos valores mobiliários a informação surge como fator essencial. 

Ora, no caso em apreciação os AA. são uns investidores não qualificados, o que requeria maior informação, pois que sendo que a “extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente” (art. 312º, nº 1, al. a), e nº 2).

O investidor não qualificado não tem em regra capacidade para recolher as informações de que necessita para avaliar de uma forma esclarecida a relação risco/rendimento.

Ao invés de informar os autores do risco inerente à aquisição de obrigações SLN, de que eram obrigações subordinadas; de dar conhecimento a estes da situação financeira da SLN, de que se fosse à insolvência não pagava, informou que se tratava de uma aplicação equivalente a um depósito a prazo e não tinha risco e que o risco era exclusivamente banco;

Deram os funcionários do Banco Réu informação incompleta e manipulada, ainda que em consonância com as instruções internas da instituição em nome da qual agiu, pois que as instruções superiores do BANCO aos respetivos funcionários, eram no sentido de que não havia risco porque era "uma empresa do banco" e era equivalente a um depósito a prazo”. Cf. teor do e-mail junto com a p.i.;

Atentas as relações de confiança mútuas estabelecidas entre os autores e o banco réu, aqueles confiaram nas informações prestadas por este, de que se tratava de aquisição de um produto com garantia do montante investido, sem risco.

E o certo é que obrigações SLN, e como resulta da matéria dada como provada, e no que agora importa que se trata de realidade completamente diferente de um depósito a prazo, não permitindo quer pela própria natureza quer pelo regime legal qualquer equiparação.

O reembolso do capital investido cabe à entidade emitente, sem prejuízo de outras condições ou garantias estabelecidas nas respetivas condições de emissão.

A solvabilidade da sociedade emitente é fator importante na decisão de subscrição”.

Sendo embora insofismável e do conhecimento geral que no mercado de capitais não existem investimentos de risco nulo (até os depósitos bancários, que são considerados dos investimentos mais seguros, estão sujeitos ao risco de insolvência das entidade bancárias), o certo é que no caso havia risco e esse não era o da insolvência do banco, em quem os autores confiavam, mas sim da emitente do papel comercial.

Temos assim por evidente que no caso em apreciação ocorreu uma violação dos deveres de informação a que o banco réu estava vinculado na atividade que desenvolveu junto da autora.

Assim, os AA. avançaram para um aplicação financeira num montante considerável em dinheiro (€50.000,00), sem terem sido alertados das características e riscos que o produto em causa encerrava, incorrendo, assim, o banco réu em responsabilidade.

Com efeito, sendo o banco réu responsável perante os credores pelos atos dos seus funcionários (art. 800º, n.º 1, do CC), conclui-se que aquele violou, de forma ostensiva, os deveres de informação, bem como os princípios da boa-fé, diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito, quer por força do relacionamento contratual existente, e que se desenvolveu ao longo dos anos, gerador de uma relação de confiança, quer na qualidade de intermediário financeiro.

Atuou, por isso, de forma ilícita.

Por outro lado, estatui o art. 314, nº 2 do CVM (aplicável à data) que: 2 -A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

Ora, o Banco Réu não ilidiu esta presunção de culpa, sendo que a falha de informação inicial, atrás descrita, projetou-se negativamente na esfera patrimonial dos autores, a qual após o vencimento da aplicação não foi reembolsada pela emitente SLN;

Por outro lado, o comportamento do banco réu foi decisivo e causal na produção dos danos, pois que foi com base na informação de capital garantido e sem risco que os AA. deram o seu acordo na aquisição do mencionado produto;

Verifica-se, por isso, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e nomeadamente os deveres de informação a que o banco Réu está e os danos que a autora reclama (cf. art. 563º do C. Civil).

O dano corresponde ao valor do montante investido, e não reembolsado na data do seu vencimento, tal como se considerou na sentença recorrida.

Assim, salvo melhor entendimento, o tribunal recorrido, Tribunal da Relação de …, podia e devia ter apreciado o recurso admitindo a assunção da responsabilidade do Banco Réu, quer pela omissão e falsas informações bancárias prestadas ao cliente, quer pela responsabilidade do intermediário financeiro.

Deste modo, e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2 ambos do CPC, a decisão proferida pelo Tribunal “ a quo” deverá ser revogada e substituída por outra que responsabilize o Banco Réu pelos prejuízos causados aos AA., julgando, em consequência, a ação procedente por provada.

A decisão recorrida fez desadequada aplicação do direito, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que condene o Banco Réu no pedido;

O douto Acórdão recorrido, decidindo como decidiu, violou, frontalmente, o disposto dos artigos 590º, 615º, nº1, al. d) e 672º todos do CPC; artigos 227º, 236º, 483º, 496º, 562º, 762º, 798º, 799º, 800º, 805º do Código Civil; 7º, 290º, 204º, 312º, 314º do CVM, entre outros.

Termos em que e nos mais de direito aplicáveis e com o douto suprimento do muito omitido, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão sindicando, e substituindo-o por outro que ordene a apreciação do recurso dos Autores, quanto à matéria de direito.

No caso de assim não se entender, deve este Supremo Tribunal apreciar a matéria de direito em causa nos autos, condenando o R. nos termos peticionados.

Ainda e subsidiariamente,

No caso de o recurso de revista não ser admissível, deve o presente recurso ser admitido nos termos do disposto nos artigos 672º, nº1 alíneas a) e c) do CPC, como revista excecional, e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2 ambos do CPC, a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” deverá ser revogada e substituída por outra que responsabilize o Banco Réu pelos prejuízos causados aos AA., julgando, em consequência, a ação procedente por provada.


7. Nas contra alegações, pugnou-se pela improcedência da revista.

8. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 608.º, n.º2, 635.º, nº4 e 639º, do CPC),[1] importando, assim, decidir se o acórdão recorrido enferma de nulidade e se o Banco réu é responsável pelo pagamento aos autores das quantias peticionadas na ação.


***


II – Fundamentação de facto

9. As instâncias deram como provado que:

1- O réu Banco DD, girava anteriormente sob a denominação "Banco CC, S.A".

2 - O Estado Português procedeu à nacionalização da totalidade das ações do "Banco CC, S.A", através da Lei nº 62-A/2008, de 11/11, o qual estava até essa data autorizado a exercer a sua atividade pelo Banco de Portugal, exercendo, igualmente, a atividade de intermediário financeiro.

3 - Até à entrada em vigor da lei referida em 2, a totalidade do capital social do CC era detida, na íntegra, pela "CC, SGPS, S.A", a qual era detida na íntegra pela "SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.".

4 - Os autores eram clientes do réu, na sua agência de Leça da Palmeira, com a conta à ordem n° 15…01, onde movimentavam parte dos dinheiros, realizavam pagamentos e efetuavam poupanças.

5 - Em 19 de Outubro de 2004, o autor subscreveu uma obrigação SLN 2004 Rendimento Mais, no valor de 50.000,006, assinando o respectivo boletim de subscrição.

6 - O boletim de subscrição refere, sob a menção de "NATUREZA DA EMISSÃO", "Emissão até 1.000 obrigações, ao portador e sob a forma escritural, com o valor nominal de € 50.000,00 cada uma, oferecidas diretamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal. A emissão será efetuada por uma ou mais séries de acordo com as necessidades do emitente e a procura dos investidores. Não sendo totalmente subscrita, a presente emissão de obrigações ficará limitada às subscrições recolhidas. "MÍNIMO DE SUBSCRIÇÃO" € 50.000,00 (1 obrigação) PERÍODO DE SUBSCRIÇÃO de 11 a 22 de Outubro de 2004. DATA DE LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA 25 de Outubro de 2004. PRAZO E REEMBOLSO O prazo de emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efetuado em 27 de Outubro de 2014. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A, a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal. REMUNERAÇÃO Cupões de lªs dez semanas à taxa anual nominal bruta de 4% *; Cupões das restantes 10 semestres à taxa anual nominal bruta de Euribor 6 meses + 1,75%. * taxa anual efetiva líquida : 3,632%.

7 - Em Outubro de 2004, os funcionários do Banco réu da agência de …, disseram ao autor marido que tinham uma aplicação que, em termos de risco, se assemelhava a um depósito a prazo, por ter capital garantido e rentabilidade assegurada.

8 - Ao subscrever o produto referido em 5, o autor estava convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segurar com risco exclusivamente (do) Banco.

9 - Em 26/07/2008, o Dr. EE, elemento da Direção Coordenadora de Empresas Centro do banco réu, enviou aos trabalhadores do banco réu um email, onde, a propósito da "emissão de papel comercial da SLN Valor, SGPS, S.A.", escreve o seguinte: "Chegou o momento de colocarmos em evidência e à vista de todos (Administração, Acionistas e restantes Colegas), tudo aquilo por que temos vindo, nestes últimos 2 anos, a lutar, ou seja, PROFISSIONALISMO, ATITUDE, e fundamentalmente, HONESTIDADE PROFISSIONAL E RECONHECIMENTO pela CASA, o (CC). Independentemente dos objetivos que venham a ser fixados (divulgá-los-ei, logo que conhecidos), quero pedir a TODOS que, logo a partir das 08h30m de 2a feira, iniciem contactos, já definidos ou não, para a subscrição. Relembro que a SLN VALOR, é a maior acionista da SLN GPS (31%), que por sua vez detém 100% do CC, ou seja, na prática, estamos a "vender" o equivalente a um DP, com uma excelente taxa, (...). Quando o cliente efetua um DP está a comprar "risco" CC. Não vejo diferenças. Escuso-me de vos reiterar a importância que, pessoalmente e para todos nós atribuo a uma boa "performance" (no mínimo arrasar, logo na 2a feira, o objetivo que venha a ser fixado), com seguimento diário, hora a hora, minuto a minuto que esta operação vai ter, com todos os "olhos" nela focados. Obrigado a TODOS pelo excelente trabalho que, tenho a certeza, vamos realizar, e que será para todos nós motivo de orgulho e afirmação no futuro".

10 - Os autores pretenderam levantar o seu dinheiro na data de vencimento contratada, no entanto o réu não lhes disponibilizou tal quantia.

11 - O autor recebeu um extrato mensal onde apareciam as obrigações como integrando a sua carteira de títulos.

12 - Apesar de receber mensalmente tal extrato, nunca o autor apresentou qualquer reclamação.

13 - O autor vem recebendo semestralmente a remuneração dos cupões das obrigações que subscreveram.

14 - Para efeitos de subscrição da referida obrigação, o autor resgatou duas aplicações financeiras, no valor de € 32.983,44 e 12.000,00, assim perfazendo o saldo pré-existente na sua conta bancária, no valor de € 52.976,82.

15 - Antes da subscrição referida em 5., o autor já tinha subscrito emissão de papel comercial.

16 - Depois da subscrição referida em 5., o autor subscreveu obrigações emitidas pelo grupo económico do Banco réu.

17 - 0 Autor investiu em ações cotadas em bolsa.

9.1. Factos não provados:

1 - 0 Banco réu foi apresentado ao autor pelos seus funcionários da agência de …, como garante da aplicação financeira em causa.

2 - 0 réu, através dos seus funcionários, assegurou ao autor que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo.

3 - Ao subscrever o produto referido em 5 da Matéria Provada, o autor estava convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo.

4 - Se o autor tivesse percebido que com a sua assinatura do papel que lhe fora apresentado pelo gerente do réu poderia estar a dar uma ordem de compra de obrigações SLN rendimento Mais 2004 e que o capital não era garantido pelo CC, jamais o teria assinado.

5 - Os autores não sabiam o que era a SLN, pensavam que era uma mera denominação de conta a prazo, que o Banco réu utilizava.

6 - Não foi dado ao autor qualquer "nota informativa" que contivesse informação sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelos autores.

7 - Nunca o gerente ou funcionários do réu, explicou o que eram obrigações referidas em 6 da Matéria de Facto Provada.

8 - 0 réu colheu a assinatura do autor marido, num subscrito que terá sido preenchido por um funcionário da agência de ….

9 - As obrigações SLN Rendimento Mais 2004, tiveram um único propósito, que foi o do aumento do capital do Banco réu, que em Outubro de 2004 se situava em 250.000.000,006 e passou em Novembro de 2004 para 300.000.000,00€.

10 - Após a nacionalização do Banco réu, o autor foi informado pelo réu de que a responsabilidade pelo pagamento do produto referido em 5. era da SLN, passando a pagar-lhe os juros contratados a uma taxa da ordem de 1%.

11 - Com a sua atuação, o réu colocou os autores num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem, ou de não saber quando iam reaver o seu dinheiro.

12 - E tem provocado nos autores ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida.

13 - Os autores andam em permanente estado de "stress", doentes e sem alegria de viver, por terem sido desapossados das suas economias de uma vida, e sem perspectivas de futuro.

14 - O autor foi informado pelo réu de que a única forma de liquidar o tipo de produtos referidos em 6., de forma unilateral e antecipada, seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro mediante endosso.


***


III – Fundamentação de Direito

10. Das nulidades do acórdão recorrido

Nas conclusões das suas alegações, os recorrentes invocaram, como fundamento da revista, as nulidades da sentença previstas no art. 615º, nº1, als. b), c) e d), do CPC.

Vejamos, pois.

É entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que o vício da sentença previsto no nº 1, al. b), do art. 615º, do CPC, aplicável aos acórdãos da Relação por via das normas remissivas dos artigos 663.º, n.º 2, e 666.º, do CPC, apenas se verifica quando se omite ou se mostra de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar a decisão, ou, para além disso, se, não obstante a indicação dos factos, for completamente omisso quanto aos fundamentos de direito que justificam a decisão.

Ora, in casu, o acórdão recorrido discrimina os factos provados e não provados, com análise crítica da prova no âmbito do julgamento da impugnação da decisão de facto e, em sede de mérito, sufragando o entendimento plasmado na sentença, para cuja fundamentação jurídica expressamente remete, julgou a apelação improcedente.

Não ocorre, por conseguinte, nulidade por falta de fundamentação.

De igual forma, o acórdão recorrido não padece da nulidade por omissão de pronúncia, prevista na al. d), do nº1, do art. 615º, do CPC, por, na perspectiva dos recorrentes, não ter analisado as questões de direito suscitadas na apelação “quanto à assunção da responsabilidade do réu”.

Já vimos que não é assim: o acórdão, ainda que por remissão para a argumentação jurídica expendida na sentença, não deixou de se pronunciar sobre as pretensões dos recorrentes formuladas na apelação.

Note-se que a insuficiência ou mediocridade da fundamentação jurídica não constituem omissão ou excesso de pronúncia, podendo, quando muito, configurar erro de julgamento, mas não “errore in procedendo”.

Não se verifica, portanto, a invocada nulidade.

Os recorrentes vieram também arguir a nulidade prevista na al. c), do nº 1, do art. 615º, do CPC, segundo a qual a sentença é nula quando os fundamentos estejam em manifesta oposição com a decisão. Sanciona-se, assim, o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença.

Como se sabe, a sentença deve conter os fundamentos, devendo o Juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (cf. art. 607, nº4, do CPC). Constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade – como tem sido unanimemente afirmado na doutrina e na jurisprudência - só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído.


Importa, porém, ter presente que não ocorre a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão se o julgador (apenas) errou no tratamento jurídico do caso, mormente na seleção e interpretação das normas jurídicas aplicáveis.


Ora, no caso dos autos, não se depreende qualquer relação de exclusão formal entre a fundamentação de facto e de direito e o dispositivo do acórdão recorrido, pelo que – manifestamente – não foi cometida a aludida nulidade.


11. Da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil

Insurgindo-se contra a decisão das instâncias que julgou a ação improcedente, os recorrentes pedem nesta revista (admitida a título excecional, pela Formação de Juízes a que alude o nº3, do art. 672º, do CPC) a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que condene o Banco réu nos termos peticionados.

Em abono da sua pretensão, sustentam que, no caso em apreço, se mostram verificados “os pressupostos da responsabilidade decorrente do acordo de garantia do capital e de juros feito com o cliente: a ilicitude, por violação do dever de informação e do compromisso de garantia do capital e de juros; a culpa, a qual se presume nos termos do art.799º, nº1 do CC, e a causalidade, ou seja, o nexo entre o facto e o dano.”.

A obrigação de indemnizar está, como sabemos, sujeita aos pressupostos gerais previstos no art. 483º, do Código Civil: o facto; a ilicitude; a culpa efetiva ou presumida[2]; o dano; o nexo de causalidade entre o facto e dano.

Vejamos, pois.

11.1. Os Bancos são instituições de crédito que podem efetuar a generalidade das operações bancárias não vedadas por lei, designadamente atividades de intermediação financeira – cf. arts. 3º, al. a), 4., nº1 e 293º, nº1, al. a), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF), na redação em vigor à data dos factos.

Nas relações com os autores, o CC, como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta fixadas no RGICSF, designadamente as constantes dos arts. 73º e 74º, na redação então em vigor.

Por sua vez, enquanto intermediário financeiro (cf. arts. 289.º, n.º 1, al. a) e 290.º, n.º 1, al. c), do Código dos Valores Mobiliários[3]) encontrava-se vinculado às normas do que estabelecem regras próprias quanto aos deveres dos intermediários financeiros (cf. arts. 304º a 342º, do CVM).

Estava, por conseguinte, obrigado ao cumprimento dos deveres inerentes a esta atividade, designadamente deveres de informação, nos termos consignados nos arts. 304º[4] e 312º[5], ambos do CVM.

Por sua vez, decorria do art. 7º do CVM, na redação aplicável, que “a qualidade da informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação (…)” deve ser “completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.”.

Como refere Paulo Câmara, Manual de Direitos dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª edição, pág. 691, “um dos alicerces do sistema mobiliário reside na função de apoio, assistência, aconselhamento e conselho que os intermediários financeiros desempenham relativamente aos seus clientes.” A informação – salienta o mesmo autor – constitui, por um lado, “um instrumento de proteção dos investidores, uma vez que estes poderão avaliar melhor os riscos de ganhos e de perdas ligados ao seu investimento” e, por outro lado, salvaguarda o regular e eficiente funcionamento dos mercados”.[6]

O cumprimento dos deveres de informação que impendem sobre o intermediário financeiro é, porém, de geometria variável. Quer isto significar que a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente.

Assim, o critério em função do qual se afere o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro há de ser o seguinte: quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objeto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação.[7]

Em todo o caso, o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa - em absoluto – o investidor de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento.[8]

Por outro lado, como adverte Paulo Câmara, “com a cominação de uma malha apertada de deveres ligados à informação não se anula o risco do investimento (…). Assim, são, à partida, lícitas as decisões irracionais do ponto de vista económico, ainda que potenciando prejuízos. (…).[9]

Dito isto, importa apurar se, no caso em apreço, a ré incorre em responsabilidade civil perante os autores, sabido que, nos termos prescritos pelo art. 314º, do CVM, os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados em consequência do que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, presumindo-se a culpa quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

Ora bem.

Está em causa um contrato de intermediação financeira relativo à “receção e transmissão de ordens” (cf. art. 290º, al.a), do CVM).

Como já referimos supra, as normas do CVM, na redação anterior à entrada em vigor do DL nº 357-A/2007 de 31.10, não densificavam o dever de informação, como hoje resulta das disposições dos arts. 312º-A a 312º-G, que apenas foram aditadas por aquele Decreto-lei.

Ora, as disposições do CVM (na redação vigente à data da subscrição das obrigações aqui em causa), para além do cumprimento do dever geral de informação previsto no art. 312º, apenas afirmava no art. 323º uma regra geral quanto ao dever de informação, donde resultava a obrigação do intermediário informar o cliente sobre a execução e resultados da operação, da ocorrência de dificuldades especiais na execução ou a inviabilidade da operação, ou de qualquer circunstância que pudesse justificar a modificação ou revogação da ordem.

Sucede que, no caso sub judice, a matéria de facto provada não permite imputar ao Banco réu qualquer violação dos deveres que sobre si impendiam, mormente do dever de informação.

A circunstância de ter sido referido aos autores que, “em termos de risco, se assemelhava a um depósito a prazo, por ter capital garantido e rentabilidade assegurada”, por si, não consubstancia a violação do dever de informação.

Nem sequer as características específicas das obrigações intermediadas fariam supor algum risco que devesse ser assinalado ao A., antes de este decidir, pois que na referida ocasião era praticamente indiferente que as obrigações tivessem uma ou outra característica, já que nada fazia supor a degradação financeira da emitente e/ou do grupo económico que integrava.

Repare-se que não ficou provado que, à data em que foi prestada, houvesse indícios que – objetivamente - fizessem supor que a emitente estivesse em risco de insolvência, tanto mais que – durante mais de dez anos - pagou os cupões das obrigações que emitiu (cf. ponto 13, dos factos provados).

Desta forma, e tal como se considerou no ac. deste STJ, proferido em 6.6.2013, no proc. 364/11.0TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, de que foi relator o Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, “a R. forneceu ao A. as informações de que dispunha e tudo se desenhava para que esse investimento fosse rentável, tanto mais que nada fazia antever nem a degradação do mercado financeiro mundial, (…), nem a da (…) emitente das obrigações.”.

Tão pouco ficou provado que o Banco tivesse assumido e/ou violado o “compromisso de garantia do capital e de juros” no final do período de maturidade do produto financeiro.

Efetivamente, como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal proferido em 6.2.2014, no proc. 1970/09.9TVPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, numa situação com contornos semelhantes à destes autos, “para que pudessem os recorrentes reclamar, justificada e legitimamente, o reembolso do capital investido junto do banco ora recorrido, seria necessário que este tivesse assumido junto deles tal obrigação. Mas essa obrigação não foi dada por provada nos autos e nunca foi efetivamente assumida, não cabendo, aliás, nas funções habituais dos intermediários financeiros assumir o compromisso de reembolsar os clientes pelos investimentos efetuados em produtos emitidos por outras entidades.”.

De igual modo, a matéria de facto não comprova a existência de quaisquer deficiências no Boletim de Subscrição que permitissem sufragar a tese dos recorrentes, no sentido de não lhes ter sido prestada informação pertinente “quanto ao que estavam a subscrever.”

Importa, aliás, assinalar que o autor é um investidor habituado a subscrever produtos financeiros e, portanto, familiarizado com os riscos associados a esse tipo de investimentos (cf. pontos 15, 16 e 17, dos factos provados), o que, nos termos acima expostos, sempre seria de molde a atenuar a extensão e profundidade da informação a prestar pelo Banco.

Consequentemente, no caso que apreciamos, atendendo aos factos provados, nada permite afirmar que o Banco réu tenha incumprido os deveres a que estava obrigado ou que tenha observado os ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões de diligência, lealdade e transparência exigíveis.

Impõe-se, assim, concluir pela inexistência de ilicitude.

11.2. Relativamente ao nexo de causalidade, igualmente, naufragam, as alegações dos recorrentes.

Com efeito:

Entre nós, o art. 563º, do CC, consagra o que se costuma designar por doutrina da causalidade adequada, segundo a qual, é de eleger, de entre as possíveis ações causais, aquela que deva ser considerada relevante, no sentido de imputação do resultado danoso à conduta.

Segundo a teoria da adequação, um resultado só deve ser imputado a uma ação, quando esta for considerada, segundo as regras da experiência, idónea (adequada) a produzir o resultado ocorrido.

Ou seja:

O facto que atua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre, por sua natureza, de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excecionais.

Ora, no caso que analisamos, a causa do dano ocorreu em consequência da insolvência da emitente (circunstância anómala e não previsível, à data da subscrição das obrigações) e não devido a qualquer violação de deveres de informação ou de obrigação contratual a que o Banco estivesse, porventura, vinculado.

Por conseguinte, tendo presente as sobreditas considerações, bem como o circunstancialismo dado como provado é inquestionável que o resultado danoso não foi, em concreto e relevantemente, causado pela alegada conduta do Banco réu, pelo que é manifesta a inexistência de nexo de causalidade nos termos e para os efeitos supra referidos.[10]

12. Do erro na formação da vontade

Os recorrentes vieram ainda pedir a redução do negócio celebrado entre as partes, ao abrigo do disposto no art. 292º, do CC, com fundamento em erro na formação da vontade, afirmando que se “tivessem tido conhecimento do que verdadeiramente estava em causa, não teriam investido em obrigações subordinadas.”.

Acontece, porém, que a matéria de facto não foi alterada no sentido pretendido pelos recorrentes, sendo que, dos factos provados não resulta materialidade que permita minimamente suportar a sua tese, designadamente a desconformidade entre a vontade real e a declarada.

Improcede, pois, a sua pretensão.

13. Nestes termos, negando provimento ao recurso, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 4.10.2018


Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relator)

José Sousa Lameira

Hélder Almeida

___________

[1] Para além daquelas que devam ser conhecidas oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), o STJ conhece de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações de recurso, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra ou outras (arts. 608.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.º 1, e 679º, do mesmo diploma), sendo de ter presente que, para este efeito, as «questões» a conhecer não se confundem com os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, aos quais o tribunal o tribunal não se encontra sujeito (art. 5.º, n.º 3, também do CPC).
[2] Nos termos do nº2, do art. 304º-A, do CVM “a culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”
[3] Atendendo à data da subscrição das obrigações – Outubro 2004 - tem aplicação ao caso dos autos o Código dos Valores Mobiliários aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, embora sem as significativas alterações introduzidas pelo D.L. nº 357-A/2007 de 31 de outubro e diplomas posteriores.
[4] Estabelecia então o art.304º que: 1- “os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado” ; 2- “nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”; 3- “na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar; (…).”
[5] Segundo o qual: 1- “o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (…).”
[6] Ob.cit., pág. 685.
[7] Cf. Paulo Câmara, ob. cit. pág. 692 e Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Estudos sobre o Mercado de Valores Mobiliários, Coimbra, 2008, págs. 85-86.
[8] Cf., a propósito,  Felipe Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, nº 31, de Dezembro de 2008, págs. 74 e segs..
[9] Ob. cit., pág. 684.
[10] Cf., neste sentido, entre outros, o acórdão do STJ proferido em 13.9.2018, no processo n.º 13809/16.4T8LSB.L1 relatado pelo Juiz Conselheiro José Sousa Lameira; o ac. da Rel. Lisboa de 17.4.2018, proferido no proc. 3830/15.5T8LRA.L1-1; a Declaração de voto exarada pelo Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes no Acórdão do STJ, proferido em 10-01-2013, no Proc. nº 89/10.4TVPRT.P1.S1 e a Declaração de voto da Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, no Acórdão do STJ, proferido no proc. 18331/16.6T8LSB.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.