Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1337/12.1TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: MANDATO FORENSE
PERDA DE CHANCE
OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO
ADVOGADO
LEGES ARTIS
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / MANDATO / NOÇÃO.
Doutrina:
- Alcoz Luis Medina, Hacia una nueva teoría general de la causalidad en la responsabilidad civil contractual y extracontractual: La doctrina de la pérdida de oportunidades, Revista de La Asociación Española de Abogados Especializados en Responsabilidad Civil y Seguros n.º 30, 2009, p. 31-74;
- Antunes Varela, Direito das Obrigações em Geral, Volume I, 7.ª Edição, p. 885;
- Carneiro da Frada, Direito Civil Responsabilidade Civil, O Método do Caso, Almedina, 2006, p. 63, p. 103 e 104,
- Júlio Gomes, Direito e Justiça, Volume XIX, 2005, II;
- Nancy Levit, Ethereal Torts, George Washington Law Review, Volume 61, p. 140;
- Nuno Santos Rocha, A Perda de Chance Como Uma Nova Espécie de Dano, Edição Almedina , 2014, p. 27 e 96;
- Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, p. 1103;
- Rute Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, p. 179 e ss.;
- SAVI, Sérgio, Responsabilidade civil por perda de uma chance, São Paulo, Atlas, 2006, p. 3.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1157.º.
Legislação Comunitária:
DIRECTIVA 92/13/CE, IN HTTP://EURLEX.EUROPA.EU/LEXURISERV/LEXURISERV.DO?URI=CELEX:31992L0013:PT:HTML

Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 20-06-2006, IN CJ/STJ, 2006, II, P. 119;
- DE 04-12-2012, PROCESSO N.º 289/10.7TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-02-2013, PROCESSO N.º 488/09.09.4TBESP.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-03-2013, PROCESSO N.º 78/09.1TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-03-2014, PROCESSO N.º 23/05.3TBGRD.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 01-07-2014, PROCESSO N. 824/06.5TVLSB.L2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 17-05-2018, PROCESSO N.º 236/14.7TBLMG.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I. A perda de chance relaciona-se com a circunstância de alguém poder ser afectado num seu direito de conseguir uma vantagem futura ou de impedir um dano, por facto de terceiro.

II. Para que se considere autónoma a figura da perda de chance, como um valor que não pode ser negado ao titular e que está contido no seu património, importa apreciar a conduta do lesante, ponderando como requisito caracterizador dessa autonomia, se se pode afirmar, no caso concreto, que o lesado tinha uma chance, uma probabilidade séria, real, e credível de, não fora a actuação que a frustrou, obter uma vantagem que probabilisticamente era razoável supor que almejasse, e/ou que a actuação omitida, se não tivesse ocorrido, poderia ter minorado a chance de ter tido um resultado não tão desfavorável como o que ocorreu.

III. Estando em causa uma obrigação de meios e não de resultado, como é o caso do contrato de mandato forense – art. 1157º do Código Civil – a omissão da diligência postulada por essa obrigação, evidencia de forma mais clara, que a perda de chance se deve colocar mais no campo da causalidade e não do dano, devendo ponderar-se se a omissão do procedimento postulado pelas leges artis inerentes foi determinante para a perda de chance, sendo esta real, séria e não uma mera eventualidade, suposição ou desejo, capaz de proporcionar a vantagem que o lesado prosseguia.

IV. Importa, no caso, saber se a não formulação dos pedidos que era adequado serem formulados na referida acção, implicou perda de chance da Autora que visava a condenação da Ré: se tal omissão, profissionalmente desvaliosa, contendeu com um sério, real e muito provável desfecho favorável da acção, ou seja, se ante um patrocínio sem reparo, a Autora lograria ganho de causa.

V. A condenação da Ré na referida acção não poderia ser dissociada da previsibilidade da efectiva realização do direito declarado na sentença, o que se evidenciaria, em sede de execução desse título.

VI. Para haver perda de chance tem de haver chance, ou seja, estar perfilada a hipótese de ganho, que se frustra de imediato, total ou parcialmente, com a omissão cometida. No caso, se a Autora tivesse tido ganho de causa, como os factos evidenciam, não teria essa sentença possibilidade de execução ante a declarada insolvência da ré EE, Lda., – já iminente ao tempo do incumprimento dos contratos promessas.

VII. Ante tal circunstancialismo, a pretensão da Autora, mesmo que tivesse tido êxito, em consequência de proficiente actuação do seu mandatário, não lograria a vantagem económica implicada na demanda contra a “EE, Lda.” face à sua declaração de insolvência: mesmo que os pedidos omitidos na acção tivessem sido formulados e a ré condenada, o que vale por dizer que não se perdeu uma chance consistente e real, de satisfação do crédito peticionado.

VIII. O “julgamento dentro do julgamento”, como juízo de prognose, inerente à valoração da chance, claramente aponta para a inexistência de uma chance de ganhar, consistente, séria e plausível, que se perdeu pela omissão cometida pelo Réu, enquanto mandatário da Autora na referida acção.

Decisão Texto Integral:

Proc.1337/12.1TVPRT.P1.S1.

R-666-B[1]

Revista


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA, Lda. propôs, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível do Porto – Juiz 1 – acção declarativa com processo ordinário, contra:

 BB, advogado, sendo intervenientes principais as seguradoras CC, Lda. e Companhia DD, S.A.,

 Pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 232.935,08 acrescida de juros legais a partir da citação até integral e efectivo pagamento.

Fundamenta a sua pretensão no alegado incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de mandato celebrado entre ambos.

                                                                                 

Devidamente citado, contestou o Réu pugnando pela improcedência da acção, mais solicitando a intervenção principal ou acessória das companhias de seguros CC, Lda. e Companhia DD, S.A..

                                                                                 

Admitida a intervenção em via principal das seguradoras, vieram as mesmas contestar, pedindo a improcedência da acção, tendo a Ré Companhia DD excepcionado a sua ilegitimidade para a acção.

                                                                                   

Foi proferido o despacho saneador em que se julgou improcedente a excepção da ilegitimidade invocada pela Ré DD, se fixou o objecto do litígio, se enunciaram os temas de prova e se apreciarem os requerimentos probatórios apresentados.


***


                                                                                 

Teve lugar a audiência de julgamento que decorreu com observância do formalismo legal, tendo sido proferida decisão que julgou a acção improcedente por não provada e absolveu o Réu do pedido.


***

Inconformada, a Autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão de 8.1.2018 – fls. 1730 a 1746 –, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.


***

Inconformada, a Autora interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo que, se não se admitisse a revista normal, fosse admitida a revista excepcional.

Não tendo sido admitida a revista normal – decisão de fls.1902 a 1908, de 5.7.2018 – por se ter entendido existir de dupla conformidade, a Formação a que alude o art. 672º, nº3, do Código de Processo Civil, por Acórdão de 18.10.2018 – fls. 1940 a 1942 –, por considerar que a problemática que o recurso postula – perda de chance – “não é isenta de dúvidas e interrogações, admitiu o recurso ao abrigo do art.672º, nº1, a) daquele diploma.


***


Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:

1. O Réu/Recorrido incorreu em responsabilidade civil, uma vez que cumpriu defeituosamente o mandato judicial.

2. O Réu sabendo da existência das duas hipotecas, tinha o dever técnico de, ao abrigo do n.°4 do art. 830.° do Código Civil, requerer a condenação da promitente vendedora a entregar à Recorrente o montante necessário ao expurgo das hipotecas.

3. Mais, tinha o dever técnico de, na sequência daquele pedido, requerer também a compensação de créditos entre o montante que a Recorrente ainda tinha que pagar a título do restante do preço de compra € 50.235,08 – e o montante em que a promitente-vendedora viesse a ser condenada a entregar para expurgo das hipotecas e que era muito superior àquele.

4. Ao contrário do defendido no acórdão recorrido, nada na lei impedia que fosse formulado o pedido de compensação entre o montante que ainda era devido a título de preço e o montante que o Réu viesse a ser condenado a entregar para expurgo das hipotecas.

5. Com o devido respeito, tal conclusão alcançada no acórdão recorrido decorre de uma errónea interpretação da lei, mais concretamente do art.° 847.° do Código Civil.

6. Nada na lei impede que não se possa requerer numa acção judicial a compensação de créditos decorrentes de condenação nessa própria acção.

7. No acórdão recorrido faz-se confusão entre exigibilidade do crédito, exigibilidade judicial do crédito e reconhecimento judicial do mesmo.

8. Ora, no caso concreto o crédito que se pretenderia compensar é judicialmente exigível nos termos do n.°4 do art.° 830.° do Código Civil e, como tal, susceptível de compensação.

9. Consequentemente, não se visualiza a razão pela qual a compensação não seria de admitir numa situação como essa.

10. A actuação ilícita e culposa do Réu teve por consequência c directa a aquisição dos imóveis onerados, sem que a promitente vendedora fosse condenada a entregar o montante necessário para o expurgo das hipotecas.

11. A Recorrente perdeu a chance de ter uma condenação da promitente vendedora a entregar-lhe o montante necessário ao expurgo das hipotecas.

12. Teve, ainda, por consequência directa a não compensação dos créditos e o desnecessário pagamento do restante do preço no montante de € 50.235,08, com a perda dessa quantia.

13. Perdendo-se assim a chance da compensação de créditos.

14. No acórdão recorrido existe uma confusão entre a probabilidade do ganho de causa e a probabilidade de, ganhando a causa, a Recorrente no futuro vir a receber o montante decorrente da condenação.

15. O dano traduzido na perda de chance goza de autonomia e é susceptível de indemnização autónoma.

16. É irrelevante se a Recorrente depois ia ou não conseguir receber o montante decorrente da condenação.

17. Ou seja, a Recorrente, em virtude da omissão cometida pelo Réu, consubstanciada na omissão do pedido de entrega do montante necessário para o expurgo da hipoteca, bem como no pedido de compensação, perdeu a hipótese daquela condenação favorável e da vantagem dela adveniente e a hipótese de ter sido declarada judicialmente a compensação de créditos, com a vantagem de não perder € 50.235,00.

18. A procedência daqueles pedidos era muito provável ou mesmo certa.

19. O Réu e as Intervenientes devem ser condenados a pagar indemnização para reparação dos danos causados, sendo que quanto à perda de chance da condenação da promitente vendedora na entrega do montante necessário ao expurgo hipoteca, a indemnização deve ser liquidada segundo juízos de equidade, nos termos do n.°3 do art. 566º do Código Civil, tendo por referência máxima o montante peticionado de € 182.700,00;

20. Já no que diz respeito ao dano causado pela omissão do pedido de compensação de créditos, entende que não existe qualquer incerteza e o dano está perfeitamente quantificado e é certo, ou seja, € 50.235,08, montante que faltava pagar do restante do preço.

Se assim não se entender, também quanto a este dano se deveria aplicar o critério do nº 3 do art.° 566º do Código Civil.

Termos em que este recurso deve ser julgado procedente e revogado o acórdão recorrido com a consequente condenação do Réu e das Intervenientes.

O recorrido contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade do recurso de revista (normal e excepcional), e, no que respeita ao mérito do recurso, enfatizando que a figura da perde chance não é acolhida nem admissível no direito português, pugna pela improcedência do recurso, e no caso de ser revogado o Acórdão recorrido “que seja ordenada a remessa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto, a fim de ser apreciado o pedido de ampliação do âmbito do recurso formulado pelo réu aqui recorrido, e proferida nova decisão em conformidade com a matéria de facto provada que vier a ser fixada.”


***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1. Em 24 de Março de 2004 a “EE, Lda.”, sociedade comercial portadora do NIPC …, após renegociação de dois contratos-promessa anteriores, celebrou, em simultâneo, dois novos acordos, segundo os quais prometeu vender à Autora “AA, Lda.” com o NIF …, dois prédios.

2. Pelo primeiro contrato promessa de compra e venda, a EE, Lda. prometeu vender à Autora a fracção autónoma designada pela letra “…” destinada a parque de automóveis pelo preço de € 261.868,90.

3. Pelo segundo, e na proporção de metade, a mesma “EE, Lda.” prometeu vender à Autora as fracções autónomas designadas pelas letras “…” e “…” destinadas, segundo o contrato, a restaurante e similares, pelo preço de € 149.638,37.

4. Estes prédios foram prometidos vender à Autora, livres de ónus ou encargos, conforme se diz expressamente na parte final do corpo da cláusula 1.ª de cada um dos respectivos contratos-promessa.

5. Com referência aos valores entregues, a promitente-vendedora declara, na cláusula quinta de cada um dos contratos, já haver recebido da promitente compradora, a Autora, a título de sinal e princípio de pagamento de que dá quitação as quantias de:

- para a fracção “…” a quantia de € 261.512,61, e;

- para a metade das fracções “…” e “…” a quantia de € 99.759,58 também a título de sinal e princípio de pagamento.

6. Da cláusula 6.ª de cada um desses acordos subscritos pela promitente vendedora e pela aqui Autora consta ainda - doc. ora juntos como 1 e 2- que a escritura “…será celebrada no dia 17/4/2004 às 14 horas no 6.º Cartório Notarial do Porto”.

7. Estes contratos não chegaram a ser cumpridos pela promitente-vendedora, quer naquele dia, quer posteriormente.

8. Na sequência desses incumprimentos culposos e definitivos por parte da promitente-vendedora, a sociedade A. que prometera comprar as faladas fracções decidiu agir judicialmente.

9. Para concretizar tal intento, a Autora constituiu mandatário o advogado desta cidade, o Sr. Dr. BB, titular da cédula profissional nº …, com domicílio profissional à Rua …, …, no Porto a quem incumbiu de demandar a “EE, Lda.”, enquanto promitente vendedora que incumpriu definitivamente e com culpa aqueles contratos.

10. O senhor advogado preparou e elaborou a competente petição inicial que ao diante se junta como doc. 3 e que deu entrada em juízo aos 23 de Setembro de 2004.

11. E deu origem ao processo que correu termos sob o n.º 4945/04.0TVPRT da então 8.ª Vara Cível - 2ª secção (que entretanto integrou a 6.ª Vara Cível –1.ª secção) das Varas Cíveis do Porto.

12. Nessa peça processual foi formulado o seguinte pedido:

 “Termos em que, na procedência da acção, não só deverá ser declarada transmitida e transferida da Ré para a Autora a dominialidade plena das fracções autónomas identificadas no artigo 47.º e a compropriedade, na proporção de metade, das descritas no artigo 57.º, integradas no mesmo edifício, de harmonia com as condições e termos estipulados nos contratos-promessa de compra e venda refundidos em 24 de Março de 2004, contra o depósito da quantia de € 50.235,08 representativa do remanescente dos preços fixados em data a ordenar pelo Tribunal, condenando-se aquela a assim o reconhecer, mas, também e ainda, ser ela condenada a pagar à Autora os prejuízos arcados e já liquidados de € 123.570,64 (cento vinte e três mil quinhentos setenta euros e sessenta e quatro cêntimos), e os a liquidar em execução de sentença, acrescidos uns e outros dos juros, à taxa de 4%, a contar da citação, com todos os encargos legais.”.

13. O aqui Réu, ali mandatário da aqui Autora, nem na alegação da matéria de facto, nem na formulação do pedido atendeu ao valor das hipotecas que oneravam aquelas fracções autónomas.

14. Do requerimento junto àqueles autos a 1 de Fevereiro de 2005, a fls. 111 e documentos juntos, resulta que:

1 - por Ap. 46 de 20.5.1998 todas as fracções do prédio mãe incluindo a fracção “…” e “…” encontravam-se oneradas por hipoteca constituída voluntariamente pela dita promitente-vendedora “EE, Lda.”, a favor do FF, SA, e devidamente registada, até ao valor de 685.000.000 escudos;

2- pela AP 4 de 3.5.2001 foi constituída Hipoteca Voluntária pela dita promitente-vendedora a favor da mesma entidade bancária até ao valor de 350.042.000 escudos;

3 – pela AP 9 de 22.1.2003 foi constituída ainda nova hipoteca voluntária pela mesma promitente vendedora a favor da dita entidade bancária até ao valor de € 512.962,00.

15. E a fracção “…”– a que nos contratos promessa a partes denominaram fracções “…” e “…”- encontrava-se igualmente onerada com aquelas hipotecas devidamente registadas.

16. E assim continuaram as fracções com estes ónus ou encargos até a Autora resolver o problema com o FF.

17. Sob o artigo 1.º da Petição Inicial - que deu origem ao processo que correu termos sob o nº 4945/04.0TVPRT da então 8.ª Vara Cível –2.ª secção (que entretanto integrou a 6.ª Vara Cível – 1.ª secção) das Varas Cíveis do Porto - relativamente à fracção autónoma designada pela letra “…” foi alegado que a Ré “…prometeu vender….livre de quaisquer ónus e encargos à Autora…”, e

18. De forma semelhante no artigo 17.º relativamente às fracções “…” e “…” foi alegado que a Ré “…prometeu vender… livre de quaisquer ónus e encargos, à A. a compropriedade, na proporção de metade….”.

19. E foram juntos aos autos os contratos-promessa de compra e venda para cujo clausulado se remeteu.

20. Mas não alegou, a existência dos ónus que efectivamente recaíam sobre os prédios,

21. Nem juntou aos autos certidões da Conservatória com a indicação dos ónus, respectivos credores e valores das dívidas.

22. As fracções prometidas estavam oneradas com 3 hipotecas a favor da entidade bancária mutuante no valor de € 3.416.765,59 + € 1.746.002,13 + € 380.000,00 com juros de 7%, mais 4% de taxa moratória e despesas até € 184.759,67.

23. Não foi formulado o pedido de condenação da promitente faltosa, “EE, Lda.”, ali Ré, a entregar o montante do débito garantido por aquelas hipotecas correspondente às fracções prometidas e respectivos juros vencidos e vincendos até integral pagamento, nos precisos termos do disposto na parte final do n.º 4 do artigo 830.º do C. Civil,

24. Nem foi pedida a compensação com o valor do depósito ainda em débito na quantia de € 50.235,08;

25. Pelo contrário ainda se propôs pagar ao pedir “…contra o depósito da quantia de 50.235,08 € representativa do remanescente dos preços fixados em data a ordenar pelo Tribunal…”.

26. E também não foi pedido que a ali Ré fosse condenada a vir demonstrar nos autos o pagamento integral aos credores hipotecários com a prova do cancelamento de todos os ónus.

27. A fls. 277 dos autos de acção ordinária que correu termos pela 2.ª secção da então 8.ª Vara Cível e sob o Proc. nº 4945/04.0TVPRT foi proferida sentença que, a final e sob a alínea a) da decisão disse: “…determino que a Autora proceda ao depósito da quantia de 50.235,08 € à ordem deste processo, no prazo de 30 dias contados desde a notificação desta sentença;”

28. Em consequência, a Autora procedeu ao depósito de um valor de € 50.235,08.

29. Como viu, por sentença proferida em 20/9/2006, serem-lhe transmitidas as já identificadas fracções com aqueles ónus, por aqueles valores, nos seguintes termos:

“Nestes termos e com tais fundamentos, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

a) determino que a Autora proceda ao depósito da quantia de 50.235,08 € á ordem deste processo, no prazo de 30 dias contados desde a notificação desta sentença;

b) comprovado que seja tal depósito, passa esta sentença de imediato a produzir os efeitos da declaração negocial assumida pela Ré como promitente vendedora nos contratos promessa de compra e venda que celebrou com a Autora, …” atribuindo à Autora as fracções prometidas vender;

c) Absolvendo, no mais, a Ré do pedido.”,

30. Em 29 de Setembro de 2006, o ora réu substabeleceu, sem reserva e a pedido da autora, os poderes forenses que lhe tinham sido conferidos no Sr. Dr. Lebre de Freitas.

31. A autora, patrocinada pelo Sr. Dr. Lebre de Freitas, interpôs recurso da sentença aludida.

32. Por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28 de Junho de 2007, foi decidido julgar parcialmente procedente a apelação revogando em parte a sentença recorrida.

33. Em Outubro seguinte-do mesmo ano de 2007 - foi proferida sentença de declaração de Insolvência da “EE, Lda.”, em processo que correu termos no 3.º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia sob o nº 484/07.6TYVNG, sem que a “EE” tenha deduzido oposição ao pedido de insolvência.

34. Verificado que foi que as supra identificadas fracções autónomas entregues à aqui A, foram apreendidas para a massa insolvente,

35. Foi apresentado requerimento pela aqui Autora pedindo a separação de tais fracções “…” e metade da “…” da massa, dado pertencerem inequivocamente à aqui Autora.

36. Nessa insolvência o credor com garantia hipotecária sobre as aludidas fracções, o GG, reclamou os seus créditos melhor identificados supra e que as continuavam a onerar tendo obtido o reconhecimento do crédito de € 1.542.168,26 com garantia hipotecária.

37. E foram sucessivas as diligências processuais impulsionadas pela Autora naqueles autos de insolvência até que, a 25 de Maio de 2010, o Sr. Administrador de insolvência informou o tribunal, reportando-se ao despacho judicial com a Ref. …, que a propriedade das já identificadas fracções “…” e “1/2” da …” foi transmitida por decisão judicial à aqui Autora.

38. E finalmente, através de negociações com o então denominado GG, SA, a Autora veio a celebrar aos 10 de Agosto de 2011 uma escritura de compra e venda pela qual abriu mão da metade que possuía da fracção “…”- que resultou da união das fracções “…” e “…”- a favor da “HH, Lda.”,

39. A esta transacção foi atribuído o valor de € 182.700,00.

40. A titularidade que a Autora possuía sobre metade da dita fracção “…” foi transmitida àquela adquirente, para satisfação da responsabilidade garantida pelo ónus que recaía sobre as referidas fracções.

41. Durante o período da pendência da acção os gerentes abandonaram a empresa.

42. A empresa não tinha sequer contabilidade desde 2004 e, desde o início de 2006, que não exercia qualquer actividade.

43. Encontrando-se paralisada.

44. Não tinha qualquer trabalhador.

45. Nem nenhum número de telefone ou fax válidos.

46. O sócio gerente da autora, Sr. AA, tinha conhecimento que as fracções prometidas vender se encontravam hipotecadas ao GG, S.A, então denominado … – FF, S.A.

47. E tinha igualmente conhecimento do montante garantido pelas hipotecas.

48. E também sabia que a sociedade vendedora, ou seja, a “EE, Lda.”, se encontrava numa situação de grandes dificuldades financeiras, e que, inclusivamente, já estava em mora no cumprimento das obrigações, de valor elevado, perante o empreiteiro da obra e outros fornecedores como o próprio projectista.

49. Entretanto, a situação financeira da “EE” ainda se agravou mais, pelo que, em 23 de Setembro de 2004, foi instaurada a acção destinada a exigir o cumprimento específico do contrato.

59. Em 2004 e 2005 a sociedade já não possuía escrita nem contabilidade.

60. A partir do terceiro trimestre do ano de 2006, as declarações de IVA foram preenchidas e enviadas “a zeros” em virtude de a empresa não possuir qualquer actividade.

61. O montante global dos créditos reclamados e reconhecidos na insolvência foi de € 2.337.394,88 (dois milhões trezentos e trinta e sete mil trezentos e noventa e quatro euros e oitenta e oito cêntimos).

62. E todos os activos apreendidos para a massa insolvente encontravam-se hipotecados ao GG, S.A. para satisfação dos créditos hipotecários no valor de € 1.542.168,22 (um milhão quinhentos e quarenta e dois mil cento e sessenta e oito euros e vinte e dois cêntimos).

63. Valores esses que o GG, S.A. reclamou no processo de insolvência e que lhe foi reconhecido como crédito preferencial.

64. A venda dos imóveis, ou seja, o produto da liquidação de todo o activo da sociedade, totalizou o montante de € 1.146.302,00 (um milhão cento e quarenta e seis mil trezentos e dois euros).

65. Ao credor II foi reconhecido um crédito preferencial no valor de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros).

66. O assessor jurídico da Autora analisou a cópia da petição inicial e concordou com o seu teor, não tendo feito qualquer menção à necessidade de se reclamar o pagamento das quantias garantidas pelas hipotecas.

67. Por documento escrito então enviado ao réu, o aludido assessor jurídico, já admitia que a “EE, Lda.” se encontrava numa situação de insolvência de facto.

Factos não provados:

- Em simultâneo com a instauração da acção, o réu logo alertou o sócio gerente da autora, Sr. AA, da necessidade de encetar de imediato diligências junto do GG, S.A., então denominado …-FF, S.A.- para negociar a quantia que tinha que pagar para obter o distrate das hipotecas.

- E, inclusivamente, indicou-lhe alguns contactos junto do Banco para que essa negociação se iniciasse, como efectivamente se iniciou.

- O Réu continuou a exercer o patrocínio noutros processos tais como:

a) Processo n.º 1007/05.7 TBVLG que correu termos pelo 2.º do Tribunal da Comarca de Valongo em que era autora JJ, S.A. e réus o sócio gerente da autora, Sr. AA, e outro;

b) Processo n.º 45/09.5 TBPFR que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal da Comarca de Paços de Ferreira em que era exequente KK, S.A. e executada/opoente a sociedade LL, Lda. de que o Sr. AA também era sócio.

- O réu é ainda, de resto, credor do sócio-gerente da autora, Sr. AA e da sociedade LL, Lda., de que o mesmo também é sócio, pelos serviços prestados, no âmbito das acções referidas.

- Honorários esses cujo montante é expressivo.

- O Réu, de imediato, participou à Seguradora “CC, Lda.”

- Na verdade, o sócio-gerente da autora, Sr. AA, e único dono de facto do capital da autora, continuou a tratar normalmente com o réu as acções.

                                                                                                             

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente, que em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso –, importa saber se o Réu deve ser responsabilizado, em termos indemnizatórios, pelo cumprimento defeituoso do contrato de mandato celebrado com a Autora.

A recorrente peticiona do réu, enquanto Advogado, o pagamento de indemnização no valor de € 232 935,08, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação, por erros materiais e formais no exercício do mandato forense, mais concretamente no contexto da sua actuação, na acção intentada pela Autora, por não ter formulado pedidos no contexto da pretensão de execução específica – art. 830º, nº4, do Código Civil: não requereu a condenação da promitente vendedora a entregar à ora Recorrente, promitente compradora, o montante necessário para o expurgo das hipotecas, como não requereu a compensação de créditos entre o montante que a Recorrente ainda tinha que pagar a título do restante do preço de compra - € 50.235,08 – e o montante em que a promitente-vendedora viesse a ser condenada a entregar para expurgo das hipotecas e que era superior àquele.

Centrando o objecto do recurso, importa dizer que as Instâncias sentenciaram de modo unívoco na perspectiva de que, à luz da figura da perda de chance, não se poderia imputar ao Réu, advogado, no contexto do contrato de mandato, a causação de danos ressarcíveis por esse incumprimento em função do circunstancialismo do caso, por a sua actuação não ter provocado danos à autora, pois que, mesmo que o Réu tivesse agido em conformidade com os direitos que assistiam à Autora e que deveria ter peticionado, no contexto do incumprimento pela demandada dos contratos promessa de compra e venda de três fracções prediais, pelo facto de esta estar em situação de insolvência, pelo que a possibilidade, a chance de ser condenada era fraca, senão mesmo, inexistente.

É certo que se considerou que, sob o ponto de vista técnico-jurídico, a EE, Lda., Ré na acção nº4945/04.0TVPRT da então 8.ª Vara Cível, ante o incumprimento de dois contratos promessa de compra e venda, sendo promitente compradora a Autora (parte fiel no contrato), o Réu apenas formulou o pedido de condenação da Ré a ver transferida a propriedade de dois prédios (objecto mediato desse contrato) e indemnização.

O aqui Réu, ali mandatário da aqui Autora, nem na alegação da matéria de facto, nem na formulação do pedido (a acção entrou em juízo em 23.9.2004), atendeu ao valor das hipotecas que oneravam aquelas fracções autónomas.   

As fracções estavam oneradas com duas hipotecas a favor do FF, SA, o que não foi alegado pelo Réu.

A Autora considera que o Réu é responsável pelo facto de não ter formulado, em conjunto com o pedido de execução específica, nos termos n.°4 do art.° 830.° do Código Civil, o pedido de condenação da promitente vendedora a entregar à Autora o montante necessário ao expurgo das hipotecas existentes, bem como o pedido de compensação entre o restante do preço da compra e o montante resultante daquela condenação, como antes referimos.

A sentença apelada concluiu que não havia responsabilidade civil, uma vez que “no caso vertente, a autora não logrou demonstrar a existência de nexo de causalidade entre o alegado incumprimento do contrato ou cumprimento defeituoso do contrato por parte do réu (que pretendia aqui imputar-lhe) e o dano da perda de chance alegado” - (cfr. pág. 27 da sentença).

O fundamento axial para absolver o Réu foi a falta de nexo de causalidade, com a consequente falta do preenchimento dos requisitos cumulativos da responsabilidade civil contratual.

A pretensão da Autora, no contexto do recurso de apelação, foi assim enunciada no Acórdão agora sob censura:

“A Autora pretende que o Réu a indemnize, no seu entendimento, por via do cumprimento defeituoso do referido contrato de mandato forense estribada, essencialmente, na circunstância de que o Réu sabendo da existência das duas hipotecas que oneravam os imóveis objecto dos contratos promessa celebrados com a “EE, Lda.”, tinha o dever técnico e, ao abrigo do nº4 do artigo 830º do Código Civil, requerer a condenação da promitente vendedora a entregar à Recorrente o montante necessário ao expurgo das hipotecas e, para além disso, tinha o mesmo dever de, na sequência daquele pedido, requerer também a compensação de créditos entre o montante que a Recorrente ainda tinha que pagar a título do restante do preço de compra - € 50.235,08 – e o montante em que a promitente-vendedora viesse a ser condenada a entregar para expurgo das hipotecas e que era muito superior àquele”.

Como se evidencia das alegações recursivas, a Autora, recorrente, situa a questão no âmbito da “perda de chance”, alegando que ela decorre da não formulação e consequente impossibilidade de condenação no montante para o expurgo das hipotecas, por um lado, e na não declaração da compensação por outro, sendo irrelevante que, em momento posterior, conseguisse ou não receber o montante em causa, sendo que, e no que tange à declaração compensatória, se tivesse sido formulado o respectivo pedido, não teria que ter procedido ao depósito dos € 50.235,08 e não teria perdido essa quantia. 

O Acórdão recorrido, depois de analisar a figura da perda de chance, as divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da sua conceptualização e aceitação, no cotejo com a tradicional concepção da responsabilidade civil, e considerando-a um dano autónomo, considerou que, postulando a perda de chance a existência de um ganho no caso de não ter sido omitida a actuação postulada pelo cumprimento do contrato (de responsabilidade contratual se trata na relação de mandato forense), entendeu que, mesmo que o Réu Advogado tivesse formulado os pedidos que foram omitidos, a probabilidade de Autora ter ganho de causa eram fracas, pelo que, de acordo com a melhor doutrina dos adeptos da figura da perda de chance, a acção que teve o n.°4945/04.0TVPRT da então 8ª Vara Cível - 2ª secção (que entretanto integrou a 6.ª Vara Cível -1.ª secção) das Varas Cíveis do Porto, estava votada ao insucesso.

Com efeito, a Autora, enquanto credora promitente compradora, em dois contratos promessas de compra e venda, incumpridos pela demandada naquele processo como promitente vendedora - a Ré EE, Lda. – não teria possibilidades sérias de obter a satisfação dos seus créditos face à situação da devedora, que veio a ser declarada insolvente, tendo as fracções objecto do contrato promessa de compra e venda sido apreendidas para a massa insolvente da EE, Lda., não tendo o crédito da autora garantia que suplantasse as dos credores bancários.

Resulta dos factos provados que as fracções estavam oneradas com hipotecas a favor de entidade bancária, não tendo o Réu formulado o pedido de condenação da promitente faltosa, “EE, Lda.”, ali Ré, a entregar o montante do débito garantido por aquelas hipotecas, correspondente às fracções prometidas vender e respectivos juros vencidos e vincendos até integral pagamento, nos precisos termos do disposto na parte final do n.°4 do artigo 830.° do Código Civil, que a Autora, não pediu a compensação com o valor do depósito, ainda em débito, da quantia de € 50.235,08.

A decisão proferida nesse processo, onde alegadamente existiu cumprimento defeituoso do contrato de mandato, transitou em julgado depois de recurso decidido pelo Tribunal da Relação do Porto por Acórdão de 28.6.2007.

Logo em 3 de Outubro, foi proferida sentença declarando a insolvência da “EE, Lda.”, sem que esta tenha deduzido oposição ao pedido de insolvência, pelo que aquelas fracções autónomas entregues à Autora, promitente compradora, foram apreendidas para a massa insolvente.

O Acórdão sob censura concluiu que, dada a situação financeira e económica da “EE, Lda.”, que culminou com a sua declaração de insolvência, fraca era a probabilidade de sucesso (cobrança do crédito pela agora Autora) mesmo a ter o Réu Advogado executado pontualmente o mandato.

Neste quadro circunstancial de pré insolvência e depois declarada insolvência da Ré, promitente vendedora inadimplente, EE Lda., tendo ocorrido a apreensão das fracções para a sua massa insolvente, e não tendo a Autora garantias que, no concurso de credores, lhe permitisse suplantar na graduação de créditos outros credores com garantias hipotecárias, as chances de obter o pretendido pagamento eram fracas, ou seja, não teria a autora uma probabilidade séria de êxito, mesmo a ter sido isenta de censura a actuação do mandatário no patrocínio daquela acção.

Coincidem as instâncias em considerar que está em causa um contrato de mandato forense – modalidade de contrato de prestação de serviços – incumprido pelo Réu, do ponto em que deveria ter formulado os pedidos omitidos mas, mesmo que tivesse sido cumprido diligentemente tal contrato, a Autora, face à próxima e iminente insolvência da Ré, não teria perspectiva de sucesso, considerando a eventual condenação nos pedidos inerentes à execução específica e que foram omitidos, bem como no que respeita ao pedido de compensação.

Com efeito, a EE, Lda., não dispunha de meios financeiros para proceder ao pagamento à autora do valor garantido pelas hipotecas que oneravam as fracções objecto dos contratos promessas, tendo sido declarada insolvente em Outubro de 2007. Para lá disso, a Autora não gozava de nenhum privilégio creditório relativamente às fracções prometidas vender, nomeadamente de direito de retenção.

A Autora, nessa acção, não desconhecia as dificuldades económicas da referida sociedade, porquanto, como preliminar da acção declarativa, intentou um procedimento cautelar de arresto a fim de garantir o seu crédito, como se afirmou na sentença recorrida a fls. 1536 e 1537.

            Sobre a figura da perda de chance ponderámos no Acórdão de 1.7.2014 – Proc.824/06.5TVLSB.L2.S1 – que relatámos, acessível in www.dgsi.pt.

A figura da perda de chance, “perte d´une chance, que não tem consagração no direito português como fonte de responsabilidade civil, instituto em que se integra, sobretudo no direito francês onde tem consagração no Code Civil – art. 1383º –, tem tratamento na jurisprudência espanhola suíça e brasileira.

A figura visa superar a tradicional dicotomia: responsabilidade contratual versus responsabilidade extracontratual ou delitual, summa divisio posta em causa num tempo em que cada vez mais se acentua que a responsabilidade civil deve ter uma função tuteladora das expectativas e esperanças dos cidadãos na sua vida de relação, que se deve pautar por padrões de moralidade e eticidade, como advogam os defensores da denominada terceira via da responsabilidade civil.

Nuno Santos Rocha, in “A “Perda de Chance” Como Uma Nova Espécie de Dano” – edições Almedina – 2014 – escreve, a fls. 96:

 “Além do mais, com a mudança operada no instituto da responsabilidade civil, através da superação do princípio da culpa, progredindo-se para um sistema cada vez mais solidário e menos individualista – onde o enfoque passa a ser dado à vítima e já não à conduta do agente –, o conceito de dano reparável evoluiu, ampliando-se a certas realidades que antes não se admitia que pudesse conter.[2] Entre nós, danos como invasão da privacidade, ofensas à honra, angústia, quebras de confiança e de expectativas jurídicas, ou da violação do dever de dar conselhos, recomendações ou informações, são já assumidamente reparáveis.”

Carneiro da Frada, in “Direito Civil Responsabilidade Civil – O Método do Caso”, Almedina – Junho 2006 – depois de referir que existe uma “diluição de fronteiras” entre aquelas clássicas formas de responsabilidade civil face às “constantes interferências entre o delito e o contrato”, escreve com acentuada inspiração – pág. 63:

“Isto posto, a questão da unidade da responsabilidade civil deve ser encarada como relativa. Salvaguardadas, na sua diversidade, as soluções juridicamente correctas, a resposta que figurativamente se poderia dar é a de que responsabilidade obrigacional e aquiliana é como peras e maçãs: diferentes, mas similares (não vale a pena indispor quem pense que são antes similares, embora diferentes, mas deplorar tão-só que não se lhes distinga o sabor). E ainda: responsabilidade delitual e obrigacional são como queijo e bolachas, complementam-se[3].

Por isso, a disciplina opcional de Responsabilidade Civil especifica e une, em simultâneo.”

A perda de chance relaciona-se com a circunstância de alguém ser afectado num seu direito de conseguir uma vantagem futura ou de impedir um dano, por facto de terceiro. A perda de chance e a sua problemática surgiram com mais intenso debate, na década de 60, em França, estando relacionada, sobretudo, com casos de responsabilidade médica.

As dificuldades que muitos encontram na autonomia da figura da perda de chance, no direito português, resulta do facto de a ligarem aos requisitos da responsabilidade civil extracontratual – art. 483º, nº1, do Código Civil – mormente, o nexo de causalidade.

Com efeito, um dos requisitos da obrigação de indemnizar, no contexto da responsabilidade civil ex contractu, ou ex delictu, é que exista nexo de causalidade entre a conduta do responsável e os danos sofridos pelo lesado por essa actuação culposa.

Dispõe o art. 563.° do Código Civil – “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

Este normativo consagra a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa de Ennnecerus Nipperdey.

Como ensina Antunes Varela, in “Direito das Obrigações em Geral”, I Volume, 7ª edição, pág.885;

 “Há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado, isto é, o agente só responde pelos danos para cuja produção a sua conduta era adequada.

Se o agente produziu a causa donde resultou o dano, sem dúvida que a sua conduta é adequada ao resultado, mesmo que, concomitantemente com a sua conduta, haja a conduta de terceiros a concorrer para esse resultado ou, pelo menos, a não o evitar.

Com efeito “desde que o devedor ou lesante praticou um facto ilícito, e este actuou como condição de certo dano”, justifica-se perfeitamente que o prejuízo (embora devido a caso fortuito ou, em certos termos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano”.

Como sentenciou este Supremo Tribunal no Acórdão de 20.6.2006, in CJ/STJ, 2006, II, 119:

“I – Tal como decorre da redacção do artigo 563º do Código Civil o nosso sistema jurídico acolheu a doutrina da causalidade adequada, a qual, todavia, não pressupõe a exclusividade de uma causa ou condição.

II – Muito embora tal conceito legal comporte qualquer das formulações da referida teoria – na formulação positiva ou negativa –, vem-se, porém, entendendo que, provindo a lesão de um facto ilícito (contratual ou extracontratual), seja de acolher e seguir a formulação negativa, segundo a qual o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação do dano.

III – Causalidade adequada essa que se refere – e não apenas ao facto ou dano isoladamente considerados – a todo o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

IV – Muito embora sejam as circunstâncias a definir a adequação da causa, contudo, não se deve perder de vista, por um lado, que para a produção do dano pode haver a colaboração de outros factos, contemporâneos ou não, e, por outro, que a causalidade não tem necessariamente de ser directa e imediata, bastando que a acção condicionante desencadeie outra condição que, directamente, suscita o dano (causalidade indirecta).

V – Sempre que ocorra um concurso de causas adequadas, qualquer dos seus autores é responsável pela reparação de todo o dano.

VI – No nosso ordenamento jurídico o nexo de causalidade apresenta-se com uma dupla função: como pressuposto da responsabilidade e como medida da obrigação de indemnizar.”

A figura da perda de chance não colhe o aplauso de parte da doutrina, sendo crítico da necessidade de apelo a esta construção, fora do quadro tradicional da responsabilidade contratual, o Professor Júlio Gomes, in “Direito e Justiça”, vol. XIX, 2005, II, quando escreve a certo trecho:

“Afigura-se-nos, pois, que a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória...Na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção de causalidade probabilística, parece-nos que a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de jure condito...admitimos, no entanto, um espaço ou dimensão residual da perda de chance no Direito português vigente: referimo-nos a situações pontuais, tais como a situação em que ocorre a perda dum bilhete de lotaria, ou em que se é ilicitamente afastado dum concurso ou de uma fase posterior dum concurso.

Trata-se de situações em que a chance já se “densificou” o suficiente para, sem se cair no arbítrio do juiz, se poder falar no que Tony Weir apelidou de “uma quase propriedade”, um “bem”.”

Também assim Rute Pedro, in “A Responsabilidade Civil do Médico”, pág. 179 e seguintes:

 “A perda de chance, enquanto tal, está ausente do nosso direito.

  Em Portugal, poucos são os Autores que se referem à noção de perda de chance e, quando o fazem, dedicam-lhe uma atenção lateral e pouco desenvolvida. Pode, também, entender-se que paira nas entrelinhas de decisões judiciais portuguesas, estando subjacente a algumas delas em que os tribunais expendem um raciocínio semelhante ao que subjaz a esta teoria, sem, no entanto, se lhe referirem” (página 232). E, mais adiante: “Também são especialmente pertinentes, a este propósito, as decisões relativas a casos de responsabilidade civil em que se inclui no montante reparatório aquilo que o lesado poderia vir a ganhar quando completasse a formação universitária que frequenta no momento em que se produziu a lesão.”

Igualmente crítico, Paulo Mota Pinto, in “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, I, 1103, quando, em nota de pé, aborda a figura, referindo:

 “ [...] Não parece que exista já hoje entre nós base jurídico-positiva para apoiar a indemnização de perda de chances...Antes parece mais fácil percorrer o caminho da inversão do ónus, ou da facilitação da prova, da causalidade e do dano, com posterior redução da indemnização, designadamente por aplicação do artigo 494.° do Código Civil, do que fundamentar a aceitação da “perda de chance” como tipo autónomo da dano, por criação autónoma do direito para a qual faltam apoios...”.

Como nos dá conta Nuno Santos Rocha, obra citada, pág. 27:

 “Todavia, não tem sido só ao nível dos Estados que a teoria da “perda de chance” se tem vindo a impor. Diversas instituições europeias e internacionais têm utilizado e desenvolvido a noção. Assim, o artigo 2.7 da Directiva 92/13/CE aprovada pelo Conselho das Comunidades Europeias, na sua parte final[4], bem como o art. 7.4.3 dos princípios relativos aos contratos comerciais internacionais, desenvolvidos pelo Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado – UNIDROIT, referem-se explicitamente à noção de “perda de chance”.

Por outro lado, existem instrumentos desenvolvidos de forma menos oficial e institucional que também, directa ou indirectamente, acabam por consagrar a figura, como é o caso do artigo 163º da parte geral do projecto preliminar do Código Europeu dos Contratos e do artigo 3:106 dos Princípios de Direito Europeu da Responsabilidade Civil elaborados pelo European Group on Tort Law.”

Não devem, a nosso ver, assimilar-se os planos do dano e da causalidade, na perspectiva de excluir, como dano autónomo a perda de chance, nem esta figura deve ser aplicada, subsidiariamente, quando se não provou a existência de nexo de causalidade adequada entre a conduta lesiva, por acção ou omissão, e o dano sofrido, já que existe sempre uma álea, seja quando se divisa uma vantagem que se quer alcançar, ou um risco de não conseguir o resultado desejado.

Para que se considere autónoma a figura de “perda de chance”, como um valor que não pode ser negado ao titular e que está contido no seu património, importa apreciar a conduta do lesante, não a ligando ferreamente ao nexo de causalidade numa perspectiva “de tudo ou nada” – sem que tal afirmação valha como desconsideração absoluta desse requisito da responsabilidade civil, mas, antes, ponderar como requisito caracterizador dessa autonomia, se se pode afirmar, no caso concreto, que o lesado tinha uma chance, uma probabilidade séria, real, de, não fora a actuação que frustrou essa chance, obter uma vantagem que probabilisticamente era razoável supor que almejasse, e/ou que a actuação omitida, se não tivesse ocorrido, poderia ter minorado a chance de ter tido um resultado não tão danoso como o que ocorreu. Há perda de chance quando se perde um proveito futuro, ou se não se evita uma desvantagem por actuação culposa imputável a terceiro.

Estando em causa uma obrigação de meios e não de resultado, como é o caso do contrato de mandato forense – art. 1157º do Código Civil – a omissão da diligência, postulada por essa obrigação, evidencia de forma mais clara, que a perda de chance se deve colocar mais no campo da causalidade e não do dano, devendo ponderar-se se a omissão do procedimento postulado pelas leges artis inerentes (exigíveis, contratualmente e de harmonia com imposições deontológicas – consagradas no Estatuto da Ordem dos Advogados – Lei nº145/2015, de 9.9), foi determinante para a perda de chance sendo esta real, séria e não uma mera eventualidade, suposição ou desejo[5], capaz de proporcionar a vantagem que o lesado prosseguia.

No caso de perda de chance não se visa indemnizar a perda do resultado pretendido, mas antes a oportunidade perdida, como um direito em si mesmo violado por uma conduta que pode ser omissiva ou comissiva; não se trata de indemnizar lucros cessantes ao abrigo da teoria da diferença, não se atendendo à vantagem final esperada.

 Discorrendo sobre os “problemas especiais de causalidade, a probabilidade e a possibilidade”, o Professor Carneiro da Frada, in “Direito Civil Responsabilidade Civil – O Método do Caso” – Almedina – Junho 2006 – afirma, págs.103 e 104:

 “Um outro exemplo dá-o o dano conhecido por “perda de chance”, praticamente por desbravar entre nós. Entre as suas áreas de relevância encontra-se a da responsabilidade médica: se o atraso de um diagnóstico correcto diminuiu em 40% as possibilidades de cura do doente, quid iuris?

Já fora desse âmbito, como resolver também o caso da exclusão de um sujeito a um concurso, privando-o da hipótese de o ganhar? Ainda: se na fase das negociações de um contrato um terceiro acusa infundadamente uma das partes à outra, e esta última se desinteressa depois das negociações, poderá haver responsabilidade pela perda da oportunidade de um contrato (e em que termos)?

Uma das formas de resolver este género de problemas é a de considerar a perda de oportunidade um dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano final (apenas hipotético, v.g., da ausência de cura, da perda do concurso, do malograr das negociações por ausência de cura, da perda do concurso, do malograr das negociações por outros motivos), para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo causal suficiente.

Mas então tem de se considerar que a mera possibilidade de uma pessoa se curar, apresentar-se a um concurso ou negociar um contrato consubstancia um bem jurídico tutelável.

Se no plano contratual, a perda de oportunidade pode desencadear responsabilidade de acordo com a vontade das partes (que erigiram essa “chance” a bem jurídico protegido pelo contrato), no campo delitual esse caminho é bem mais difícil de trilhar: a primeira alternativa do art. 483º, n.°1, não dá espaço e, fora desse contexto, tudo depende da possibilidade de individualizar a violação de uma norma cujo escopo seja precisamente a salvaguarda da “chance”.

Importa saber se a não formulação dos pedidos, pelo mandatário forense, que era adequado serem formulados na referida acção, implicou perda de chance da Autora, de conseguir a condenação da Ré; se a omissão, profissionalmente desvaliosa, contendeu com um sério, real e muito provável desfecho favorável da acção, ou seja, se, no caso, ante um patrocínio sem reparo, a Autora lograria ganho de causa com a condenação da Ré nos pedidos que não foram formulados.

A condenação da Ré, na referida acção, não poderia, ser dissociada da probabilidade dessa condenação, sob o ponto de vista da vantagem patrimonial que a acção visava; ou seja, a condenação não poderia ser desligada da efectiva realização do direito declarado na sentença, o que se evidenciaria, em sede de execução desse título condenatório, pelo que, com o devido respeito, se discorda da Recorrente quando afirma que no acórdão existe uma confusão entre a probabilidade do ganho de causa e a probabilidade de, ganhando a causa, a Recorrente no futuro vir a receber o montante decorrente da condenação.

A sentença, se favorável à Autora, não sendo previsível o seu acatamento voluntário pela Ré, ante a iminente insolvência da Ré, teria que ser executada, e os factos revelam que, com a declaração muito próxima (que foi) da sua insolvência, a Autora naquela acção, não lograria o pagamento de qualquer quantia: tendo as fracções prediais sido apreendidas para a massa insolvente, onde, como se provou, no concurso de credores, os seus eventuais créditos nenhuma prevalência teriam sobre os de outros credores.

Reconhece-se o melindre de, em sede de recurso e numa acção como a que está em causa, este Tribunal avaliar os requisitos de seriedade, consistência e plausibilidade de uma actuação que conduziu à perda de chance.

Essa apreciação é inevitável, tendo este Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 4.12.2012, Proc. 289/10.7TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, para ajuizar da perda de chance, estando em causa um erro no contexto de mandato (patrocínio) forense, apreciado se, com a omissão de recorrer (nesse caso) dada a fragilidade da sentença, essa omissão implicou a perda de uma chance real e séria. Aí se concluiu que se o mandatário tivesse recorrido, as probabilidades de êxito eram manifestas.

No mesmo sentido o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 14.3.2013 – Proc. 78/09.1TVLSB.L1.S1 – in www.dgsi.pt., onde se afirma – “O dano da perda de oportunidade de ganhar uma acção não pode ser desligado de uma probabilidade consistente de a vencer. Para haver indemnização, a probabilidade de ganho há-de elevada”.

Também o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 6.3.2014 – Proc. 23/05.3TBGRD.C1.S1 – in www.dgsi.pt, depois de considerar que, no contexto de contrato de mandato forense, a obrigação a cargo do mandatário é uma obrigação de meios, considerou que – “É admitida a ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade, que pressupõe: a possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, mas de verificação incerta; e um comportamento de terceiro, susceptível de gerar a sua responsabilidade, que elimine de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir”.

Voltando à questão de saber se a omissão de formulação dos pedidos de compensação entre o montante proveniente da condenação, nos termos do n°4 do art.° 830.° do Código Civil (no contexto da execução específica) e o restante do preço ainda em falta, implicaria que se considerasse que a ora Autora teria tido uma probabilidade real, séria e esperável de obter sentença favorável à sua pretensão, se tinha chance de ganhar, mas pela omissão perdeu.  

Sobre as consequências da omissão do Réu advogado na formulação dos pedidos que lhe competia, em rigoroso patrocínio, formular, cuja análise foi feita no Acórdão[6], importa à luz dos factos, saber se a omissão foi causal de um dano ante a perspectiva da solidez da pretensão da Autora e as consequências que, sob o ponto de vista da sua pretensão ocorreram; ou seja, indagar se a decisão fosse favorável à Autora, em consequência de zeloso patrocínio, a Autora colheria o benefício patrimonial que almejava.

Afirmou-se no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 17.5.2018 – Proc. 236/14.7TBLMG.C1.S1 – de que foi Relatora Maria da Graça Trigo, in www.dgsi.pt, e cada vez mais corresponde ao entendimento deste Tribunal:

 “Assim, no campo da responsabilidade civil contratual por perda de chances processuais, em vez de se partir do princípio de que o sucesso de cada ação é, à partida, indemonstrável, parece mais curial ponderar, perante cada hipótese concreta, qual o grau de probabilidade segura desse sucesso, pois pode muito bem acontecer que o sucesso de determinada ação, à luz de um desenvolvimento normal e típico, possa ser perspectivado como uma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina e jurisprudência então existentes.

Nessa base, será de aceitar que uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, ou seja com elevado índice de probabilidade, possa ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista.

De resto, mesmo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça admite a relevância de situações muito pontuais, desde que a prova permita, com elevado grau de probabilidade, ou verosimilhança, concluir que o lesado obteria certo benefício não fora a chance perdida.

Esta ressalva mais não parece do que admitir afinal o dano por perda de chance na base de um juízo de probabilidade elevado e que só poderá ser aferido em cada caso concreto. O que parece discutível é se deve ser feito de forma categorial ou se em função da espécie do caso, como propendemos a admitir […]. A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, nos termos do art. 563º do Código Civil.

É a chamada teoria da causalidade adequada, que o Prof. Galvão Telles formulou nos seguintes termos:

“Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção de certo resultado, havendo fortes probabilidades de o originar” (Manual do Direito das Obrigações). (destaque nosso)

Sobre a nem sempre pacífica articulação entre a figura da perda de chance e a exigência do nexo de causalidade como requisito da responsabilidade civil, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 5.2.2013 – Proc. 488/09.09.4TBESP.P1.S1 – Relator Hélder Roque – in www.dgsi.pt – ponderou:

 “Ao nível da aferição do nexo causal, assiste-se a uma alteração do paradigma tradicional, com destaque, a este propósito, para a teoria da “perda de chance” ou oportunidade perdida, destinada a ultrapassar as dificuldades de prova do nexo causal, pretendendo-se com a mesma evitar a solução drástica, e, em muitos casos, injusta, a que conduz o modelo clássico do “tudo ou nada”, isto é, em que o julgador, depois de valorada toda a prova produzida, não encontra um grau suficiente de probabilidade para optar pela solução de que o agente causou o dano.

Com efeito, a teoria geral da causalidade, no âmbito da responsabilidade contratual, tem subjacente o princípio do “tudo ou nada”, porquanto obriga a que o risco de incerteza da prova recaia, em conjunto, sobre um único sujeito, quer seja o lesante, quando, perante as dificuldades probatórias, o julgador baixa o “standard” ordinário da prova para afirmar um nexo causal duvidoso, e ordena a reparação total do dano sofrido, quer seja o lesado, quando o órgão judicial mantém esse “standard” ordinário de prova e nega o nexo causal e a responsabilidade.

Porém, a teoria da “perda de chance” ou da oportunidade veio alterar esta colocação, uma vez que distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, isto é, o lesante responde apenas na proporção e na medida em que foi autor do ilícito, traduzindo uma solução equilibrada que pretende conformar-se com uma sensibilidade jurídica a que repugna a desoneração do agente danoso por dificuldades probatórias, mas, também, que não comina a reparação da totalidade do dano que, eventualmente, não cometeu”.

Em Espanha, a teoria da perda de chance tem vindo a ser utilizada como meio de suprir dificuldades probatórias ao nível do nexo de causalidade – Alcoz Luis Medina, in “Hacia una nueva teoría general de la causalidad en la responsabilidad civil contractual (y extracontractual): La doctrina de la pérdida de oportunidades.” Revista de La Asociación Española de Abogados Especializados en Responsabilidad Civil y Seguros n.º 30, 2009: 31-74.

Para haver perda de chance tem de haver chance, ou seja, deve estar perfilada a hipótese de ganho, que se frustra de imediato, total ou parcialmente, com a omissão culposamente cometida. No caso, se a Autora tivesse tido ganho de causa, os factos evidenciam, que não teria a sentença possibilidade de execução ante a declarada insolvência da ré EE, Lda., já iminente ao tempo do incumprimento dos contratos promessas.

Releva, sobremaneira, a seguinte factualidade, que seria o pano de fundo com que lidaria uma sentença valendo como título executivo contra a Ré, juízo que não dispensa a indagação, numa perspectiva de saber qual a chance de obter a vantagem patrimonial que a acção visava, e, se a existir tal probabilidade de ganho, em sede executiva ela era real, consistente, séria e altamente provável, na sua concretização.

- A EE, Limitada, promitente vendedora, não tinha contabilidade, nem possuía escrita desde 2004 e 2005, e deixou de exercer qualquer actividade, desde o início de 2006, estando paralisada e não tendo qualquer trabalhador, nem nenhum número de telefone ou fax válidos (cfr. pontos n.ºs 42, 43, 44, 45, 59 da fundamentação factual);

- A partir do terceiro trimestre do ano de 2006, as declarações de IVA da “EE” foram preenchidas e enviadas “a zeros” em virtude de a empresa não possuir qualquer actividade (cfr. ponto 60 da fundamentação factual);

- A autora e o seu consultor jurídico sabiam à data da celebração dos contratos de promessa que a “EE” se encontrava em situação de falência de facto (cfr. ponto nº 67 da fundamentação factual);

- A situação financeira da “EE” ainda se agravou mais, pelo que, em 23 de Setembro de 2004, foi instaurada a acção destinada a exigir o cumprimento específico do contrato, sendo que, na pendência da mesma os gerentes daquela sociedade abandonaram a empresa (cfr. pontos nºs 41. e 49. da fundamentação factual).

- O sócio gerente da autora, Sr. AA, tinha conhecimento que as fracções prometidas vender se encontravam hipotecadas ao GG, S.A, então denominado … – FF, S.A, e tinha igualmente conhecimento do montante garantido pelas hipotecas e também sabia que a sociedade vendedora, ou seja, a “EE, Lda.”, se encontrava numa situação de grandes dificuldades financeiras, e que, inclusivamente, já estava em mora no cumprimento das obrigações, de valor elevado, perante o empreiteiro da obra e outros fornecedores como o próprio projectista (pontos 46., 47. e 48. da fundamentação factual);

- Em Outubro seguinte-do mesmo ano de 2007-foi proferida sentença de declaração de Insolvência da “EE, Lda.”, em processo que correu termos no 3.º Juízo do T. de Comércio de Vila Nova de Gaia sob o nº 484/07.6TYVNG, sem que a “EE” tenha deduzido oposição ao pedido de insolvência (cfr. ponto nº 37 da fundamentação factual);

- O montante global dos créditos reclamados e reconhecidos nos respectivos autos de insolvência da “EE, Lda.” ascenderam à importância global de € 2.337.394,88 (dois milhões trezentos e trinta e sete mil trezentos e noventa e quatro euros e oitenta e oito cêntimos) (cfr. ponto nº 61. da fundamentação factual);

- Daquele valor global dos créditos reclamados e reconhecidos, € 1.542.168,22 (um milhão quinhentos e quarenta e dois mil cento e sessenta e oito euros e vinte e dois cêntimos) correspondem ao valor dos créditos reclamados pelo GG, S.A. e reconhecidos como créditos garantidos por hipotecas constituídas sobre todos os imóveis apreendidos para a massa insolvente e que compunham todo o activo da sociedade (cfr. pontos 33., 62. e 63. da fundamentação factual);

- O produto da liquidação de todo o activo da sociedade, sobre o qual o GG, S.A. tinha hipoteca constituída a seu favor, totalizou o montante de € 1.146.302,00 (um milhão cento e quarenta e seis mil trezentos e dois euros) (cfr. ponto nº 64 da fundamentação factual);

- Além do crédito garantido daquele Banco, foi ainda reconhecido nos autos de insolvência da “EE”, ao credor II, um crédito preferencial no valor de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros) (cfr. ponto nº 65. da fundamentação factual).” (destaque e sublinhado nosso).

Ante este circunstancialismo, concluímos, como o Acórdão recorrido, que a pretensão da Autora, mesmo que tivesse tido êxito em consequência de proficiente actuação do seu mandatário, não lograria a vantagem económica implicada na demanda contra a “EE, Lda.”, mesmo que os pedidos omitidos na acção tivessem sido formulados, o que vale por dizer que não havia uma chance, consistente e real, de cobrança do crédito peticionado.

Em conclusão o “julgamento dentro do julgamento”, como juízo de prognose, inerente à valoração da chance, claramente aponta para a inexistência de uma oportunidade de ganhar, consistente, plausível, que se perdeu pela omissão cometida pelo Réu, enquanto mandatário da Autora na referida acção.

Neste entendimento o Acórdão recorrido não merece censura.

Sumário – arts.663º, nº7, e 679º do Código de Processo Civil

Decisão:

Nega-se a revista.

Custas pelo Recorrente aqui e nas Instâncias.

                     Supremo Tribunal de Justiça, 19 de dezembro de 2018

Fonseca Ramos (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

_____________________
[1] Relator – Fonseca Ramos
Ex.mos Adjuntos:
Conselheira Ana Paula Boularot
Conselheiro Pinto de Almeida
[2] “Nos últimos cem anos, a responsabilidade civil passou de reparar apenas danos tangíveis que atentassem directamente às pessoas ou ao seu património, para actualmente admitir a indemnização de danos emocionais e expectativas de interesse - cfr. Nancy Levit, Ethereal Torts, George Washington Law Review, v.61, p. 140.”
[3] O excerto citado remete para a obra do autor –“Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil”.
[4] “Quando uma pessoa introduza um pedido de indemnização por perdas e danos relativo aos custos incorridos com a preparação de um contrato, apenas terá de provar que houve violação do direito comunitário em matéria de celebração dos contratos ou das normas nacionais de transposição desse direito e que teria tido uma possibilidade real de lhe ser atribuído o contrato que foi prejudicada por essa violação”. http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:31992L0013:pt:HTML
[5] SAVI, Sérgio, “Responsabilidade civil por perda de uma chance”. São Paulo, Atlas, 2006. p. 3.
[6] “O Réu na referida acção apenas pediu a transferência da propriedade das referidas fracções e formulou pedido indemnizatório.
Nas suas alegações recursivas refere a chamada A..............(Europe), Lda que não está provado nos autos que o Réu tivesse conhecimento de que as fracções estavam hipotecadas.
Evidentemente que não se pode concordar, salvo o devido respeito, com semelhante asserção.
Com efeito é o próprio Réu que nos artigo 19º e 20º da contestação que refere, respectivamente, que:
Em simultâneo com a instauração da acção, o réu logo alertou o sócio-gerente da autora, Sr. AA, da necessidade de encetar de imediato diligências junto do....., S.A., então denominado B.. – Banco N...... S.A.- para negociar a quantia que tinha que pagar para obter o distrate das hipotecas”.
“E, inclusivamente, indicou-lhe alguns contactos junto do Banco para que essa negociação se iniciasse, como efectivamente se iniciou”.
Portanto, daqui resulta que o Réu sabia da existência antes da instauração da acção, da oneração dos imóveis pelas referidas hipotecas.
É certo que a referida matéria o tribunal recorrido considerou-a não provada, repare-se, porém, que o que não ficou provado foi que o Réu tivesse alertado o sócio-gerente da Autora naqueles termos, mas isso não significa que ele não soubesse da existência dos referidos ónus tendo em conta as afirmações que produziu no articulado de contestação que apresentou.
Também resulta dos autos que o Réu, no âmbito da referida acção, não formulou, por referência ao valor dos referidos ónus, o pedido compensatório com o valor do depósito ainda em débito na quantia de 50.235,08 € atinente ao valor pelo qual as fracções foram prometidas vender.
Aqui chegados a questão que agora importa dilucidar é se existiu “perda de chance” para a Autora pela omissão do Réu não ter formulado, na referida acção, os mencionados pedidos.
No que tange ao pedido compensatório, respondemos, salvo opinião em sentido contrário, que, efectivamente, não existiu “perda de chance”.
Na verdade, a determinação do tribunal em a Autora na referida acção proceder ao depósito da quantia de 50.235,08 € baseou-se de acordo com o disposto no artigo 830.º, nº 5 do Código Civil, no facto de ser lícito à Ré invocar a excepção do não cumprimento; prometido um contrato translativo sinalagmático e tendo lugar a transmissão do direito com a sentença, o promitente adquirente que esteja na posse da coisa é obrigado a depositar o preço no prazo que lhe for fixado pelo tribunal, sob pena de improcedência da acção. É que, cumprida a obrigação da outra parte, o sinalagma funcional não seria respeitado se o autor conseguisse a transmissão sem, por seu lado, cumprir.”