Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2465/13.1TBVCT-G.G1-A.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO TRINDADE
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VALOR DA CAUSA
VALOR DO INCIDENTE
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643º CPC
Decisão: INDEFERIDO O REQUERIDO
Área Temática: INSOLVÊNCIA / EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE / ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Legislação Nacional: CC: ART. 342.º, N.º 2
CIRE: ART. 14.º, N.º 1, ART. 15.º, 238.º, N.º 1, AL. D)
NCPC (2013): ARTS. 296.º, N.º 1, 304.º, N.º 1, 629.º, N.º 1, 678.º, N.º 1,
CRP: ART. 210.º, N.º 5.
Jurisprudência Nacional: AC. TC N.º 328/2012 – DR, II SÉRIE, 16-11-12
Sumário :
I - Salvo expressa disposição que determine o contrário, o incidente dependente da causa, e integrado na causa, deve seguir o regime processual da causa em que se integra ou de que é dependente, nomeadamente em matéria de recursos.

II - O direito ao recurso está assegurado quando se verifica a existência de um duplo grau de jurisdição, sendo que o triplo grau de jurisdição só existe nos casos em que a lei o determinar.

III - Tendo o valor da insolvência sido fixado em € 2000, e não tendo ainda havido qualquer decisão que altere tal valor, não é admissível recurso para o STJ do despacho que – nessa mesma insolvência – indeferiu o requerimento de exoneração do passivo restante.

IV - Ademais, a oposição de julgados a que alude o art. 14.º do CIRE – a que só seria de atender caso a decisão admitisse recurso em função do valor – não se compadece com a indicação genérica de acórdão em oposição com o recorrido, antes impondo a explicitação dos fundamentos da oposição.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :


1 -  AA

Veio requerer a declaração da sua insolvência  e a exoneração do passivo restante nos termos dos artigos 235º e seguintes do CIRE(Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas),fazendo a declaração a que alude o artº 236º, nº 3.


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2 – Foi proferida sentença que declarou a requerente insolvente em 9 de Setembro de 2013 tendo-se designado data para a realização da assembleia de credores.

O Mº Juiz proferiu despacho a indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.

3 - Inconformada apelou a devedora/insolvente pugnando pela revogação da decisão.  


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4 - A Relação julgando improcedente a apelação interposta confirmou a decisão recorrida.


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5 - Inconformada, mais uma vez, a devedora/insolvente, ao abrigo do disposto no artº 14º do CIRE ex vi  671º, nº 2 al. b) do CPC interpôs recurso de revista .


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6 - Na Relação o Exmo. Relator proferiu o seguinte despacho:

À acção foi atribuído o valor de 2.000,00 €.

Considerando que a alçada da Relação é de 30.000,00 €,constata-se que o recurso para o Supremo Tribunal não é admissível (artº 629º,nº 1 do CPC).

Pelo exposto não admito o recurso.

7 - Desta decisão reclamou a devedora/insolvente argumentando que por força do artº 15º do CIRE ainda se desconhece o valor do activo do devedor. O valor indicado na petição deverá ser corrigido em sede de liquidação de sentença, sendo neste momento esse valor incerto, mas com certeza , dados os bens apreendidos para a massa insolvente, muito superior a 30.000,00 €.

Posteriormente lançou mão da aplicação dos artigos 304º, nº 1 e 206º, nº 1 do CPC.


Proferido que foi despacho do relator no sentido da não admissão do recurso veio agora reclamar para a conferência argumentando

1- Entendeu-se na decisão de que se reclama, que, nestes autos, não é de conhecer a revista, por não o permitirem o artigo 14.° do CIRE, onde a tramitação do recurso se insere.

Todavia, e salvo o consabido respeito:

2- Pronunciando-se sobre a admissibilidade do recurso a aqui reclamante colocou a favor do conhecimento os seguintes argumentos:

A - Desconhecimento do valor do ativo do devedor.

B - Inconstitucionalidade das disposições conjugadas do artigo 15.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas aprovado pelo Decreto-Lei n.° 53/2004. de 18 de Março, e do n.° 1 do artigo 678.° do Código de Processo Civil, interpretados no sentido de que, no recurso de decisões proferidas no incidente de exoneração do passivo restante em processo de insolvência,o valor da causa para efeitos de relação com a alçada do tribunal de que se recorre é determinada pelo ativo do devedor.

C - Valor do passivo do devedor ser superior ao da alçada da Relação.

Vejamos,

3 - No dia 25/08/2014, foi proferido despacho pela Veneranda Relação de Guimarães, onde se pode ler:

"À acção foi atribuída o valor de €2.000,00. Considerando que a alçada da Relação é de €30.000,00, constata-se que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é admissível (art. 629.°/1 do CPC)."

4 - No dia 28/08/2014, reclamou-se deste despacho para o Sr. Presidente desse Supremo Tribunal de Justiça, com os fundamentos constantes dos pontos A, B e C supra.

Acontece que,

5 - No dia 17/10/2014, a reclamante foi notificada da decisão singular que ora se reclama, que para além de se não pronunciar sobre a matéria versada naquela reclamação,

6 - Decide, ainda que:

"Na insolvência, o regime dos recursos está definido no art. 14.º, n.º1, do CIRE, com a delimitação do grau de recurso até à Relação relativamente à causa - o objecto do processo de insolvência (art. 1.º do CIRE).

Na verdade o normativo citado vem restringir a admissibilidade do recurso de revista à hipótese de o acórdão recorrido estar "em oposição com outro, proferido por alguma das Relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada' pelo Supremo Tribunal de Justiça" com ele conforme. Não é a situação em apreço.

Deste modo teremos que nos debruçar sobre os pressupostos de causa em que se integra ou de que é dependente, nomeadamente em matéria de recursos. Como tal não é, também, por esta via admissível o recurso."

7 - Ora, atentas as alegações de Recurso da recorrente/reclamante AA, de lá se retira que foram invocados vários Acórdãos em oposição ao Acórdão recorrido, tal como faz depender o art. 14.°, n.° 1 do CIRE, para a admissibilidade de recurso dos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação.

8 - Nomeadamente os Acórdãos:

• Acórdão do STJ proferido no processo n° 497/13.9TBSTR-E.E1.S1, relatado pelo Sr. Conselheiro Paulo Sá, votado por unanimidade, de 21.01.2014.

• Acórdão do STJ proferido no processo n°1728/11.5TJLSB-B.L1.S1, relatado pelo Sr. Conselheiro Martins de Sousa, votado por unanimidade, de 21.03.2013.

• Acórdão do STJ proferido no processo n° 3327/10.0TBSTS-D.P1.S1, relatado pelo Sr. Conselheiro Hélder Roque, votado por unanimidade, de 14.02.2013.

• Acórdão do STJ proferido no processo n° 1239/11.9TBBRG-E.G1.S1, relatado pelo Sr. Conselheiro Hélder Roque, votado por unanimidade, de 19.06.2012.

• Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no Processo n° 3887/12.0TBGMR-H-G1, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador António Beça Pereira, votado por unanimidade em 10.09.2013.

• Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no Processo n° 2998/12.7TBGMR-E.G1, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador Paulo Barreto, votado por unanimidade em 21.05.2013.

9 - Não vislumbramos, assim razão para que não seja admitido recurso, uma vez que o valor do passivo da insolvente é muito superior ao da alçada do tribunal da Relação, factos que os autos já comprovaram,desde logo através do Relatório da administradora de insolvência.

10 -E, para além disso, conforme prevê o art. 14.°, n.° 1 do CIRE a recorrente demonstra à saciedade que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outros proferidos, quer na Relação de Guimarães, quer nesse Supremo Tribunal de Justiça.

11 - Por todos estes motivos, devem em Conferência os Senhores Conselheiros desse STJ determinar a admissão do recurso, conhecendo do seu mérito e das questões de direito substancial lá formuladas.



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8 - O mérito da reclamação:

Na insolvência, o regime dos recursos está definido no art. 14.º, n.º1, do CIRE, com a delimitação do grau de recurso até à Relação relativamente à causa - o objecto do processo de insolvência (art. 1.º do CIRE).

Na verdade o normativo citado vem restringir a admissibilidade do recurso de revista à hipótese de o acórdão recorrido estar “em oposição com outro, proferido por alguma das Relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada” pelo Supremo Tribunal de Justiça “ com ele conforme.  

Deste modo teremos que nos debruçar previamente, ou seja, antes de verificarmos da existência ou não de contradição de acórdãos, sobre os pressupostos de admissibilidade previstos no CPC, nomeadamente e para o que aqui interessa, sobre o valor do processo.

É que a parte vencida apenas pode recorrer da decisão se o valor respectivo exceder a alçada do tribunal que a proferiu e se, além disso, se verificar o seu decaimento em, pelo menos, metade dessa alçada.

A reclamante aceita o que se acaba de expor, só que inicialmente defende que nos termos do artº 15º do CIRE deverá ser corrigido em sede de liquidação de sentença. Posteriormente invocando o Ac. do Tribunal Constitucional nº 328/2012 (DR.II Série nº 222 de 16.11.12) defende a não aplicação deste normativo, por inconstitucionalidade deste,  devendo ser aplicado os  artigos 304º, nº 1 e 296º, nº 1 do CPC de acordo com o valor do passivo restante.

Não assiste razão à reclamante.

Na verdade podemos desde já encaixar neste momento de apreciação da presente reclamação o despacho que não admitiu o recurso que tem a nossa concordância:

À acção foi atribuído o valor de 2.000,00 €.

Considerando que a alçada da Relação é de 30.000,00 €,constata-se que o recurso para o Supremo Tribunal não é admissível (artº 629º,nº 1 do CPC).

Pelo exposto não admito o recurso.

É certo que o artigo 15º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas prevê que o valor da causa comece por corresponder ao “valor do activo do devedor indicado na petição” e possa vir a ser corrigido “logo que se verifique ser diferente o valor real”.

Não consta, porém, que tenha havido qualquer decisão de alteração do valor fixado à causa, ainda que sem carácter de definitividade; o que significa que não é possível admitir o presente recurso, porque não foi definido para a causa um valor superior à alçada da Relação.([1])

Analisando a reclamação no âmbito do invocado artº 304º, nº 1 diremos que salvo expressa disposição que determine o contrário, o incidente, dependente da causa, e integrado na causa deve seguir o regime processual da causa em que se integra ou de que é dependente, nomeadamente em matéria de recursos. Como tal não é, também, por esta via admissível o recurso.

A tal conclusão não obsta a invocada inconstitucionalidade das disposições conjugadas do artigo 15.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas aprovado pelo Decreto-Lei n.° 53/2004. de 18 de Março, e do n.° 1 do artigo 678.° do Código de Processo Civil, interpretados no sentido de que, no recurso de decisões proferidas no incidente de exoneração do passivo restante em processo de insolvência, o valor da causa para efeitos de relação com a alçada do tribunal de que se recorre é determinada pelo activo do devedor.([2])

Na verdade tal como se encontra configurada a situação em apreço, afigura-se-nos que não se verifica a invocada inconstitucionalidade dado que está e foi garantido o direito constitucional de acesso ao tribunal e ao recurso.

Este direito, não é minimamente beliscado quando está assegurado, como no caso, um duplo grau de jurisdição.

Estando garantido o direito a um duplo grau de jurisdição cabe ao, legislador fixar as regras sobre a recorribilidade e possibilidade de recurso. O triplo grau de jurisdição como pretende a reclamante só existe nos casos em que a lei determinar (artº 210º, nº 5 da Constituição).

Não queremos terminar sem sublinhar que o referido acórdão do Tribunal Constitucional 328/12 desenvolve a sua argumentação e decide sobre um recurso interposto da 1ª instância para a Relação.


Acresce que no que concerne à invocada contradição de acórdãos a reclamante limita-se a dizer que “foram invocados vários acórdãos em oposição ao acórdão recorrido”. Identifica seis, quatro do STJ e dois da Relação de Guimarães. Só que não explicita, como lhe competia, a razão de ser dessa oposição. É que não basta atirar para cima da mesa com vários acórdãos, não basta afirmar muito genericamente que há oposição, importa indicar com precisão os fundamentos dessa oposição. Pelo que tal procedimento seria merecedor de indeferimento liminar quanto a este ponto.

Acresce que, debruçando-nos sobre os indicados acórdãos, não descortinamos a existência de qualquer contradição já que no recorrido se defende que numa altura em que apresentava já um considerável passivo a insolvente efectuou doações de seis imóveis aos seus filhos, tendo aquele passivo continuado a crescer em virtude da assunção de garantias prestadas pela insolvente a uma sociedade de que era sócio o seu ex-marido, tendo-se concluído , parta efeitos da alínea d) do nº 1 do artº 238º do CIRE,o atraso na apresentação insolvência acarretou prejuízo para os credores.

Para chegar a esta conclusão este acórdão seguiu a orientação defendida naqueles que a reclamante alega estarem em oposição, qual seja a de que a prova da verificação de fundamento de indeferimento liminar, enquanto facto impeditivo do direito de tal exoneração recai sobre os credores e o administrador da insolvência, sem prejuízo da oficiosa produção da prova (artº 342º, 2 CC).



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Caixa de texto: 11 - DECISÃO:
Nesta conformidade indefere-se a presente reclamação.
Custas pela reclamante.
Notifique.


  


Lisboa, 2015-01-08


João Trindade (Relator)


Tavares de Paiva


Abrantes Geraldes

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[1] - Ac. STJ 18.9.14-Revista 1852/12- I - São aplicáveis ao processo de insolvência as regras definidas no CPC para os recursos, salvo se do CIRE resultar regime diverso.
II - O art. 14.º do CIRE – ao restringir a admissibilidade do recurso de revista à hipótese de o acórdão recorrido estar em oposição com outro – não dispensa a verificação das condições gerais de admissibilidade de recurso, entre as quais figura a relação entre o valor da causa (e da sucumbência) e a alçada.
[2] - Ac. do TC 328/12- 27/6/12- D. R. II 16-11-12