Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3125/17.0T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
AUSÊNCIA
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
AÇÃO DE ANULAÇÃO
PRAZO
CONTAGEM DE PRAZOS
Data do Acordão: 06/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE HORIZONTAL / ADMINISTRAÇÃO DAS PARTES COMUNS DE EDIFÍCIO / IMPUGNAÇÃO DAS DELIBERAÇÕES.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1433.º, N.º 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 11-01-2000, PROCESSO N.º 99A1089;
- DE 03-10-2002, PROCESSO N.º 02B1816, IN WWW.DGSI.PT.
- DE 16-09-2004, PROCESSO N.º 05B018;
- DE 23-02-2010, PROCESSO N.º 416/07.1TBAMD.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- DE 09-12-2010, PROCESSO N.º 441/2010, IN WWW.PGDLISBOA.PT.
Sumário :
O prazo de sessenta dias para intentar acção de anulação de deliberação do condomínio – art. 1433.º, n.º 4, do CC conta-se a partir da data da deliberação e não da data da comunicação ao condómino ausente.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. AA propôs acção declarativa contra BB, CC e DD, Lda, tendo formulado os seguintes pedidos:

«a) Sejam declaradas nulas todas as deliberações tomadas na acta n.º 13;

b) Consequentemente seja declarada nula a eleição da terceira Ré- DD, Lda.

c) Seja declarada nula e de nenhum efeito a renúncia ao cargo pelos Administradores CC e BB, ora primeiros e segundos Réus;

d) Ainda que se entenda ser eficaz a renúncia do cargo pela administradora e ora primeira Ré CC, seja declarada nula e de nenhum efeito a renúncia levada a cabo pelo administrador e ora segundo Réu BB.

e) Devem os primeiro e segundo Réus ser exonerados do cargo, atenta a negligência e prática reiterada de irregularidades na administração, nos termos dos artigos 1435º do Código Civil e 1056º do Código de Processo Civil;

f) Devem os primeiro, segundo e terceiros Réus ser condenados a prestar contas da administração desenvolvida desde o ano de 2016;

g) Devem os primeiro, segundo e terceiros Réus ser condenados a apresentar extractos bancários referentes a - Responsabilidade Limitada - todo o período de administração durante o ano de 2016 e 2017;

h) Devem os Réus ser condenados a justificar as eventuais despesas realizadas e receitas obtidas durante o período de 2016 e 2017;

i) Devem os Réus ser condenados no pagamento de eventuais dívidas perante terceiros que da sua actuação hajam resultado para o condomínio.

j) Devem ainda todos os Réus ser condenados a restituir ao condomínio o acesso às contas bancárias e todos os documentos propriedade do condomínio, nomeadamente livros de actas e livros de recibos, e tudo quanto seja propriedade do condomínio e esteja em posse dos Réus».

2. Contestou o réu BB alegando que foram respeitadas todas as regras relativas à convocação da assembleia de condóminos, devendo, por isso, improceder a acção, alegando ainda ter caducado, pelo decurso do tempo o direito de pedir a anulação das deliberações.

3. Na sequência da tentativa de conciliação realizada nos autos, a autora desistiu dos pedidos deduzidos sob as alíneas f), g), h) e i) da petição inicial (relativos à prestação de contas), desistência que foi homologada.

O tribunal entendeu que já tinha os elementos necessários para decidir quanto aos restantes pedidos e conheceu dos mesmos no despacho saneador, tendo proferido a seguinte decisão:

«Pelo exposto o Tribunal:

a) Julga procedente a excepção da caducidade do direito da autora propor acção de anulação das deliberações exaradas na acta n.º 13 e, em consequência, absolvem-se os réus dos pedidos contra si formulados sob as als. a) a d).

b) Declara a extinção da instância referente ao pedido deduzido em e), por inutilidade superveniente da lide respectiva.

Custas eventualmente em dívida a juízo a cargo da autora e sem prejuízo do apoio».

 4.  A autora veio interpôs recurso de apelação da decisão, que foi admitido pelo Tribunal de Relação de Coimbra, e que veio a proferir acórdão, em 20/2/2019, do qual consta a seguinte decisão:

“Considerando o exposto:

1 – Admitem-se os documentos juntos com o recurso.

2 – Revoga-se a sentença quanto à decisão que julgou caduco o direito de instaurar a acção.

3 – Anulam-se as deliberações tomadas na ata n.º 13 identificada nos factos provados na parte em que a assembleia:

«a) Elegeu a ré DD, Lda., pelo período compreendido entre Dezembro de 2016 e Novembro de 2017;

b) Aprovou o orçamento constante dessa ata;

c) Conferiu poderes ao legal representante da ré DD para livremente movimentar as contas bancárias existentes, podendo até encerrá-las e abrir novas contas onde entender».

4 – Condenam-se os Réus a restituir ao condomínio o acesso às contas bancárias e todos os documentos propriedade do condomínio, nomeadamente livros de atas e livros de recibos, e tudo quanto seja propriedade do condomínio e esteja em posse dos Réus.

Custas pelos Réus.”

5. Inconformado com a decisão dela apresentou revista o R, BB, na qual formula as seguintes conclusões (transcrição):
“1. A decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação de Coimbra, salvo o devido e merecido respeito, assenta no erro de interpretação ou aplicação do preceituado no artigo 1433.º, n.º 4 do Código Civil, violando expressamente o disposto no referido preceito legal.
2. A A. confessa ter sido convocada para a assembleia extraordinária a realizar no dia 26/10/2016, se em primeira convocatória, ou no dia 02/11/2016 na eventualidade de naquele dia 26 de Outubro não existir quórum constitutivo, tal como veio a suceder.
3. Naquele dia 02/11/2017 a assembleia deliberou unanimemente acerca: 1) da aprovação do orçamento - e correspondente distribuição da despesa - para reparação das campainhas; 2) da renúncia ao cargo de administradores do condomínio por parte dos RR. CC e BB, ora recorrido e; acerca da entrega da administração do condomínio a uma empresa do ramo atenta a falta de condóminos presentes e interessados em desempenhar tais funções; da suspensão da assembleia para recolha de orçamentos de empresas do ramo da administração de condomínios.
4. No dia 17/11/2017 a assembleia deliberou unanimemente acerca da escolha da empresa que iria desempenhar as funções de administradora do condomínio para o período compreendido entre Dezembro de 2017 e Novembro de 2018, tendo sido eleita a R. DD, tendo ainda sido aprovado o orçamento a vigorar para o período referido.
5.  O prazo de 60 dias previsto no artigo 1433.º, n.º 4 do Código Civil iniciou-se no dia 02/11/2017, por ser a data da tomada das deliberações, e não no dia 16/12/2016, data em que a A. foi notificada por carta registada das deliberações.
6. Se por mera hipótese académica se considerar que o referido prazo se iniciou no dia 17/11/2017, sê-lo-á apenas em relação às deliberações tomadas naquele dia e nunca em relação às deliberações tomadas no dia 02/11/2017.
7. O prazo de impugnação das deliberações em causa por via de acção de anulação terminou no dia 02/01/2017 ou, em última instância, quanto às deliberações tomadas no dia 17/11/2017, no dia 16/01/2017.
8. O tribunal a quo decidiu mal ao considerar que o prazo de 60 dias previsto no n.º 4 do artigo 1433.º do CC se iniciou no dia 16/12/2016 por ter sido a data em que a A. foi notificada das deliberações por carta registada, decisão que viola frontalmente o disposto naquele preceito legal.
9. À data de apresentação do pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social (23/01/2017), o prazo de 60 dias estabelecido no referido artigo 1433.º, n.º 4 do Código Civil estava ultrapassado.
10. O direito de a Autora reagir, por via de acção de anulação, contra as deliberações constantes da acta n.º 13 caducou, assim, por força do disposto no artigo 1433.º, n.º 4 do Código Civil.

POR TUDO O EXPOSTO, E SEM NECESSIDADE DE MAIS AMPLAS CONSIDERAÇÕES, DEVERÁ A PRESENTE REVISTA SER JULGADA PROCEDENTE, POR PROVADA, E, CONSEQUENTEMENTE, REVOGAR-SE A DECISÃO PROFERIDA PELO DOUTO TRIBUNAL A QUO FICANDO A SUBSISTIR A SENTENÇA DA 1.ª INSTÂNCIA, ASSIM SE FAZENDO TÃO COSTUMADA JUSTIÇA.”

6. A A. apresentou contra-alegações nas quais formula as seguintes conclusões (transcrição):

I. Tendo as deliberações tomadas na assembleia realizada em 17/11/2016 e constantes da acta nº 13 sido comunicadas à Autora/Recorrida através de correio registado com aviso de recepção recebido em 16.12.2016, é a partir desta data que se conta o prazo para a propositura da acção de anulação das deliberações.

II. O art. 1433º, nº 4 do Código Civil tem de ser conjugado com o 1432º, nº 6, sob pena de se coarctarem irremediavelmente os direitos dos condóminos ausentes, concedendo ainda carta branca para que as administrações decidam a seu bel-prazer, bastando para isso que convoquem assembleias com uma ordem de trabalhos despicienda, vindo depois na assembleia a discutir assuntos importantes que não constavam da ordem de trabalhos, abstendo-se de comunicar as decisões aos ausentes ou, como na situação que nos ocupa, a comunicar 29 dias depois da deliberação (assim manietando a Autora/Recorrente, mais ainda que necessitou de requerer o benefício do apoio judiciário).

III. É, aliás, o que resulta do art. 329º do Código Civil, segundo o qual o prazo de caducidade apenas pode começar a contar quando o direito puder ser legalmente exercido – o que no caso em apreço significa que apenas começa a contar quando as deliberações da assembleia chegam ao conhecimento dos condóminos.

IV. Ainda que assim não se entenda, o que apenas por cautela se admite, não se pode olvidar que foi solicitada a realização de uma assembleia extraordinária pelo condómino EE.

V. Assembleia essa cuja realização foi negada sem fundamento válido pela então administradora DD, decisão que comunicou aos condóminos através de carta datada de 24/01/2017 junta pelo Recorrente sob o documento nº 7 da contestação.

VI. Dispondo o art. 1433º, nº 4 que “o direito a propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária”, entendemos que, perante a recusa na realização da assembleia extraordinária, tal prazo só pode começar a contar a partir da notificação da recusa.

VII. Considerando-se a acção proposta em juízo em 23/01/2017, sendo a missiva que informa da não realização da assembleia extraordinária de 24/01/2017, sempre a acção foi proposta no prazo. Termos em que, deve o recurso interposto pelo Réu/recorrente ser julgado improcedente, pois só assim se fará Justiça!”

7. Tendo em consideração que o âmbito dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 – Quando a presente acção foi proposta já se encontrava ultrapassado o prazo para a impugnação da deliberação da assembleia de condóminos?

2 – Como se conta esse prazo quando existe assembleia suspensa?

Colhidos os visto, cumpre analisar e decidir.

II. Fundamentação

8. A matéria de facto provada é a seguinte:

1. A autora é dona e legítima possuidora da fracção autónoma de um prédio constituído em propriedade horizontal, com o n.º ..., designado pela letra ..., correspondente ao ..., destinado a habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º 26 da União de Freguesias de ....

2. Os condóminos de tal prédio foram convocados para a realização de uma assembleia geral extraordinária a realizar no dia 26 de Outubro de 2016, pelas 19h00m.

3. Da convocatória para tal assembleia constava a seguinte ordem de trabalhos:

a) Avaliação do orçamento de reparação das campainhas e da porta de entrada do prédio;

b) Renúncia da Administração de Condomínio (CC);

c) Outros assuntos.

4. A referida assembleia extraordinária decorreu no dia 2 de Novembro de 2016, segunda data agendada e conforme previsto na convocatória previamente enviada aos condóminos, incluindo a aqui autora, atenta a falta de quórum verificada no dia 26 de Outubro de 2016 e terminou no dia 17 de Novembro de 2016, após suspensão.

5. Estiveram presentes em tal assembleia, na sessão datada de 02/11/2016, os proprietários das fracções H, o réu BB, com 100 votos, e I, a ré CC, com 125 votos, e representadas as fracções A, com 80 votos, e B, com 85 votos, o que totaliza 390 votos em 1000.

6. A referida assembleia, iniciada em 02/11/2016, foi suspensa de modo a que a administradora cessante recolhesse três orçamentos junto de empresas de administração de condomínios para que fosse eleito novo administrador e aprovado o respetivo orçamento.

7. E foi retomada em 17 de Novembro de 2016, pelas 19h00m.

8. Não foi endereçada qualquer convocatória a qualquer condómino para a continuação de tal assembleia, ocorrida a 17 de Novembro de 2016.

9. O resultado da assembleia mostra-se consignado na acta n.º 13, junta como documento 5 com a petição inicial e que se considera integralmente reproduzida nesta sede para todos os efeitos.

10. Da mencionada acta n.º 13 consta, além do mais, que a assembleia, por unanimidade dos votos:

a) Elegeu a ré DD, Lda., pelo período compreendido entre Dezembro de 2016 e Novembro de 2017;

b) Aprovou o orçamento constante dessa acta;

c) Conferiu poderes ao legal representante da ré DD para livremente movimentar as contas bancárias existentes, podendo até encerrá-las e abrir novas contas onde entender.

11. O legal representante da ré DD, Lda., esteve presente na continuação da assembleia, datada de 17/11/2016, e aceitou o cargo.

12. A ré DD, Lda., convocou uma assembleia geral de condóminos a realizar no dia 17/01/2017, às 19h00m que, contudo, não se realizou.

13. A autora não esteve presente nem se fez representar na assembleia extraordinária convocada para o dia 26 de Outubro de 2016 e, como segunda data, para o dia 2 de Novembro de 2011.

14. Em face de tal ausência a ré DD, Lda., enviou à autora a carta datada de 13 de Dezembro de 2016, por correio registado com aviso de receção, e constante de fls. 61, que se considera reproduzida para todos os efeitos legais, enviando ainda em anexo cópia da referida acta n.º 13, contendo as deliberações tomadas na assembleia extraordinária em causa.

15. A autora recebeu a referida cópia no dia 16/12/2016.

16. A autora apresentou a presente acção em juízo no dia 26 de Junho de 2017.

9. Entrando no conhecimento da primeira questão colocada no recurso: qual o prazo para propor a ação de anulação constante do artigo 1433.º, n.º 4, do Código Civil.

9.1. Diz o recorrente que o Tribunal a quo errou ao decidir que a acção de anulação instaurada pela A. é tempestiva .

Na opinião do recorrente a decisão recorrida assenta em erro de interpretação ou aplicação do preceituado no artigo 1433.º, n.º 4 do Código Civil, uma vez que esta norma dispõe que «O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.»

Mais sustenta que a propósito da caducidade da propositura de acção de anulação de deliberações tomadas pela assembleia de condóminos, tem vindo o Supremo Tribunal de Justiça a decidir no sentido de que o prazo de 60 dias constante do artigo 1433.º, n.º 4 do Código Civil se inicia na data da deliberação e não no dia em que o condómino toma conhecimento da mesma, por comunicação da acta.

Considerando que:

 i) Tal como resulta da matéria dada como provada, os condóminos do prédio em causa – incluindo a Autora, que confessa desde logo na petição inicial que recebeu previamente a referida convocatória, tendo, inclusivamente, procedido à junção da mesma sob doc. n.º 4 – foram convocados para a realização de uma assembleia geral extraordinária a realizar no dia 26 de Outubro de 2018, pelas 19:00 horas;

ii) a referida assembleia extraordinária decorreu no dia 2 de Novembro de 2016, segunda data agendada e conforme previsto na convocatória previamente enviada aos condóminos, atenta a falta de quórum verificada no dia 26 de Outubro de 2016, tendo terminado no dia 17 de Novembro de 2016, após suspensão;

iii) No dia 02/11/2016 a assembleia deliberou acerca da aprovação do orçamento (e respectiva distribuição da despesa) para reparação das campainhas; deliberou ainda acerca da renúncia ao cargo de administradores do condomínio por parte da Sra. CC – também Ré nos autos – e do R. ora Recorrido, tendo sido determinado que atenta a falta de voluntários para exercer tal cargo, deliberou-se contratar os serviços de uma empresa do ramo para o efeito; foram ainda apresentadas e aprovadas as contas do condomínio respeitantes ao período anterior a 26/10/2016;

iv)  No dia 02/11/2016 foram tomadas deliberações acerca da renúncia dos (então) administradores e da contratação de empresa para exercer tal cargo;

v) Os condóminos presentes deliberaram suspender a assembleia apenas para que os administradores cessantes procurassem orçamentos junto de empresas do ramo da administração de condomínios, tendo voltado a reunir no dia 17/11/2016 para escolherem a empresa que iria desempenhar tais funções, com consequente aprovação do orçamento;

vi) No dia 17/11/2017 a assembleia deliberou unanimemente acerca da escolha da empresa que iria desempenhar as funções de administradora do condomínio para o período compreendido entre Dezembro de 2017 e Novembro de 2018, tendo sido eleita a R. DD, tendo ainda sido aprovado o orçamento a vigorar para o período referido;

entende que o prazo de 60 dias legalmente estabelecido para propositura de acção de anulação iniciou-se naquele dia 02/11/2016, pelo que a Autora deveria ter intentado a acção de anulação, ou apresentado o pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social, o mais tardar, até ao dia 02/01/2017.

9.2. O tribunal recorrido entendeu que o prazo para intentar a acção de anulação se contava a partir da data da comunicação da acta da assembleia.

Para o efeito justificou a sua posição, começando por reproduzir o preceito legal (art.º 1433.º CC), para depois o interpretar.

Na interpretação efectuada considerou que, ao caso, seria aplicável o prazo previsto no n.º 4 do art.º 1433.º – tratar-se-ia de uma anulação, e não de uma declaração de nulidade – sendo que esta qualificação não vem contestada pelos interessados, nem é objecto do recurso do Ré, nem da A..

Em seguida analisou os factos provados – data da assembleia (inicial/suspensão/continuação), que conjugou com o facto provado de a A., convocada, não se ter feito representar, nem ter assistido à assembleia, em qualquer dos dias em que a mesma ocorreu. Porque a autora não esteve presente (facto provado n.º 13), considerou que a mesma tinha de ser notificada das deliberações aprovadas, nos termos do n.º 6 do artigo 1432.º, do Código Civil, onde se dispõe que «As deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de receção, no prazo de 30 dias». E porque estava provado que a autora fora notificada das deliberações por carta registada que recebeu no dia 16 de Dezembro de 2016, seria nesta data que se iniciava a contagem dos 60 dias, que terminariam em 16 de Fevereiro de 2017. Adicionalmente, tomou em consideração que a A. pediu apoio judiciário – em 23 de Janeiro de 2017 – e que, por causa desse facto, a acção ter-se-ia de considerar instaurada a 23 de Janeiro de 2017, quando ainda não tinha decorrido o prazo máximo para a sua instauração, não obstante a peça processual (PI) só ter dado entrada em juízo no dia 26 de Junho de 2017. Mais explicou que a decisão da 1ª instância tinha sido diversa – considerando-se ultrapassado o prazo – porque se desconhecia a data do pedido de apoio judiciário. Estando esta apurada, tal como se indicou, a conclusão teria de ser distinta: não tinha decorrido o prazo para a instauração da ação, cumprindo revogar a sentença nesta parte.

9.3. A decisão do Tribunal da Relação, na parte em que vem impugnada, não merece apoio da jurisprudência que tem sido proferida por este STJ, tal como invoca o recorrente.

Na primeira decisão que vamos indicar, encontra-se uma explicação clara do sentido da norma e do quadro evolutivo da legislação até se chegar à actual solução – com a qual se concorda. É também contestado, em termos que merecem apoio, a posição que defende uma solução diferente.

9.3.1. No Ac. do STJ de 3/10/2002, no proc. 02B1816[1], veio a dizer-se o seguinte:

“Entendeu-se no acórdão recorrido - em consonância com o decidido na 1ª instância - que, não tendo o autor, ausente da Assembleia Geral de 8 de Março de 1999, instaurado a acção nos 60 dias subsequentes à data das deliberações tomadas naquela, não foi respeitado o prazo consignado no art. 1433º, nº 4, do C.Civil (1), pelo que caducou o seu direito de as impugnar.

Sustenta, em contrapartida, o recorrente que tal caducidade não ocorreu, uma vez que o prazo de 60 dias a que se refere o nº 4 do art. 1433º só pode contar-se a partir da data da deliberação para os condóminos que tenham comparecido à assembleia e não para os condóminos ausentes, pois em relação a estes esse prazo tem de contar-se a partir do conhecimento das deliberações (as quais têm que ser, por força do nº 3 do art. 1432º, comunicadas a todos os condóminos ausentes).

Quid juris?

Sob a epígrafe "Impugnação das deliberações" estabelece o art. 1433º que "as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado" (nº 1).

Acrescentando que "o direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação" (nº 4).
Por seu turno prescreve o nº 5 do art. 1432º que "as deliberações que careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes desde que estes representem, pelo menos, dois terços do capital investido, sob condição de aprovação da deliberação pelos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes".

Consignando-se no nº 6 que "as deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada, com aviso de recepção, no prazo de 30 dias".
Divergem a jurisprudência e a doutrina acerca da interpretação daquele art. 1433º, nº 4, no que respeita à caducidade do direito de impugnação das deliberações tomadas em assembleia de condóminos, nomeadamente quanto à necessidade ou não da sua conjugação com o nº 6 do art. 1432º.

Assim, entendem uns que todas as deliberações devem ser comunicadas aos condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias (e não apenas no caso das deliberações sujeitas a unanimidade de votos, tomadas sob condição de aprovação pelos condóminos ausentes), como resulta do nº 6 do art. 1432º em correlação com o nº 2 do art. 1433º, já que "aquele nº 6 é uma disposição genérica e não apenas complementar do nº 5. Em consequência, da falta de comunicação resulta o adiamento do início do prazo para propositura da acção de impugnação".

Como refere Sandra Passinhas "o direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contado sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes".
Defendem outros a orientação diversa de que "actualmente os condóminos faltosos terão de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações para, se o desejarem, poderem impugná-las no prazo dilatado de 60 dias sobre a data da deliberação e não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava".

É esta última, a nosso ver, a opinião que melhor se coaduna com uma interpretação historico-actualista, sistemática e teleológica
[2] (racional), onde se não esqueça a presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nº s 1 e 3).

Em primeiro lugar, a actual redacção do art. 1433º, nº 4, adveio da publicação do Dec.Lei nº 267/94, de 25 de Outubro, em correspondência com o seu anterior nº 2, que substituiu.

Este nº 2 prescrevia que "o direito de propor a acção caduca, quanto aos condóminos presentes, no prazo de 20 dias a contar da deliberação e, quanto aos condóminos ausentes, no mesmo prazo a contar da comunicação da deliberação".
Ocorrem, com o novo texto, duas sensíveis alterações: foi alargado de 20 para 60 dias o prazo para os condóminos ausentes impugnarem as deliberações; deixou, no entanto, de se fazer referência à comunicação da deliberação como início do prazo da impugnação, passando tão só a aludir-se à data da deliberação.

Se o legislador, sabendo que na redacção anterior se referia expressamente a data da comunicação aos condóminos ausentes e, mesmo assim, resolveu excluir essa referência, certamente o fez consciente de que outro sentido se pretendeu
[3].
Em nosso entender, tais alterações têm um significado evidente: se, por um lado, o legislador, relativamente aos condóminos ausentes,
alargou o prazo para impugnação das deliberações anuláveis de 20 para 60 dias[4], assim lhes concedendo uma maior dilação para poderem averiguar em concreto do teor das deliberações tomadas em assembleia geral (o que, em princípio, constitui um benefício para aqueles e se justifica em razão da ausência na assembleia), por outro lado quis tutelar a segurança e operacionalidade das deliberações tomadas[5], impedindo que, devido a circunstâncias alheias (ausência em parte incerta) ou imputáveis aos condóminos ausentes (intencional impedimento da comunicação), estes se refugiem na alegação do desconhecimento do que se deliberou nas assembleias para, com base nesse fundamento, passados meses ou anos, atacarem as deliberações tomadas ou dilatarem, com tal expediente, a realização de inovações, obras ou quaisquer outras diligências que afectariam todos os interessados e tornariam praticamente ingovernável o condomínio.

É que os condóminos têm cada vez mais que se revelar como pessoas responsáveis e preocupadas com a resolução dos problemas que afectam o condomínio e, nessa medida, devem procurar estar ao corrente de todas as situações que lhe digam respeito.
Assim, ainda que não compareçam nas assembleias gerais (por não quererem ou não o poderem fazer - em todo o caso sempre se poderão fazer representar), desde que saibam da sua realização devem diligenciar por conhecerem o que foi deliberado e, caso não estejam de acordo, utilizarem rapidamente o direito de impugnação para não impossibilitarem, por largo tempo, a eficácia das deliberações tomadas.
Doutro passo,
o argumento de que o nº 6 do art. 1432º é uma norma geral, de aplicação a todas as deliberações de condóminos, contende claramente com o elemento sistemático da interpretação[6].

Com efeito, resulta do nº 5 do citado art. 1432º que as deliberações que careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes, sob condição da aprovação dos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes (sublinhado nosso).

Ora, os números seguintes referem, precisamente, a necessidade de comunicação das deliberações a todos os condóminos ausentes (nº 6), a possibilidade de estes comunicarem à assembleia o seu assentimento ou a sua discordância (nº 7), a presunção que advém do silêncio dos ausentes (nº 8).

Desta forma, da inserção sistemática da norma do nº 6 do art. 1432º - colocada na sequência e regulamentando, de certo modo, o preceituado no nº 5 - deve concluir-se que a mesma se reporta tão somente às deliberações que têm que ser aprovadas por unanimidade dos condóminos.

Concluindo, face ao exposto, "o direito de os condóminos ausentes da assembleia geral impugnarem as deliberações nelas tomadas por contrárias à lei ou aos regulamentos, caduca no prazo de 60 dias contados sobre a data das deliberações, independentemente da sua comunicação".

9.3.2. Outras decisões deste STJ apontam no mesmo sentido[7]:

- Ac. do STJ no proc. 416/07.1TBAMD.L1.S1, de 23/2/2010 – sem texto integral disponível – mas com o sumário:

I - A caducidade do direito de propositura da acção de anulação ocorre, no prazo de vinte dias, contado sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, no caso de a mesma não ter sido solicitada, no prazo de sessenta dias, indistintamente, quer para os condóminos presentes, quer para os ausentes, a partir da data da deliberação, e não da data da respectiva comunicação ao condómino não presente, traduzindo o objectivo do legislador em privilegiar os meios extrajudiciais ou parajudiciais de revogação das deliberações anuláveis, em detrimento da via da anulação judicial, propriamente dita.

II - Caducando o direito de anulação com o decurso do prazo de sessenta dias sobre a data da deliberação primitiva, renasce com a deliberação extraordinária, na hipótese de ser confirmatória daquela, o direito de o condómino lesado pedir a correspondente anulação judicial, e não já da deliberação primitiva, muito embora esta tenha o mesmo objecto daquela.

III - Apesar de o autor ter requerido a realização de uma assembleia extraordinária tendente à revogação das deliberações produzidas na assembleia primitiva, desatendida pelo administrador do condomínio, que a não convocou, o que deveria ter feito, no prazo de vinte dias, sem que o autor tenha interposto recurso desse acto do administrador para a assembleia de condóminos, confrontado com a sua não designação, a não ter optado pela via da arbitragem, deveria, então, ter proposto a acção anulatória, dentro do prazo legal dos sessenta dias, contados da data da deliberação primitiva, sob pena de caducidade.

IV - O condómino, perante uma deliberação inválida ou ineficaz, que não mereça a sua aprovação, pode exercer três faculdades, ou seja, exigir do administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, no prazo de dez dias, sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem, no prazo de trinta dias, ou propor uma acção judicial de anulação da deliberação, no prazo de sessenta dias, a partir da data da deliberação primitiva.

- Ac. do STJ no proc. 99A1089, de 11-1-2000. Neste processo veio a dizer-se o seguinte:

 “Por seu turno, o artigo 1433 prescreve no seu n. 1 que "as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado", acrescentando no seu n. 4 que o direito de propor a acção de anulação caduca, no caso de não ter sido solicitada assembleia extraordinária, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.

11. Ora, compaginando a primitiva redacção do artigo 1432 e 1433 com a nova, facilmente constatamos que, com o Decreto-Lei n. 267/94, o legislador introduziu alterações significativas, tanto no capítulo da convocação e funcionamento da assembleia de condóminos, como no da impugnação das respectivas deliberações.

Assim, enquanto que, antes, se, nomeadamente, não comparecesse o número de condóminos suficiente para se obter vencimento, havia sempre lugar à convocação de nova reunião dentro dos 10 dias imediatos (antigo n. 3 do artigo 1432), hoje, nessa eventualidade, não há lugar, como vimos, à convocação de nova reunião. Se a primeira convocatória for omissa neste aspecto, a nova reunião considera-se convocada para uma semana depois (actual n. 4 do artigo 1432).

Depois, quanto à caducidade do direito de propor a acção anulatória, deixou de distinguir-se entre condóminos presentes e condóminos ausentes.

No domínio do anterior n. 2 do artigo 1433, o prazo de caducidade era sempre de 20 dias, contando-se, no entanto, para os presentes, da deliberação e, para os ausentes, da comunicação da deliberação.

Agora, contudo, não tendo sido solicitada assembleia extraordinária, a caducidade do direito de acção de anulação opera, sempre, tanto para os condóminos presentes como para os ausentes -, no prazo de 60 dias contados da data da deliberação (vigente n. 4 do artigo 1433).

O que significa que, actualmente, como pondera Rui Vieira Miller, os condóminos faltosos terão "de cuidar diligentemente de se informar sobre se teve ou não lugar a assembleia e se novo dia foi efectivamente designado" (cfr. "A Propriedade Horizontal no Código Civil", 3. edição, 1998, página 272) e terão, de igual modo, de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações, para, se o desejarem, poderem impugná-las no prazo dilatado de 60 dias (repare-se que o primitivo prazo de 20 dias foi alargado) sobre a data da deliberação. Não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava.”

- Ac. STJ no proc. 05B018, de 16-9-2004. Neste processo veio a dizer-se o seguinte:

“A questão a resolver é a de saber como se conta o prazo de caducidade, previsto no nº4 do artigo 1433 do Código Civil, da acção anulatória das deliberações das assembleias de condóminos contrárias à lei ou aos regulamentos (nº1 do mesmo artigo), proposta pelo condómino ausente (embora notificado para comparecer na assembleia).

A 1ª Instância e o voto de vencido do acórdão ora em apreço - na esteira dos acórdãos da Relação de Lisboa, de 22/6/1999, CJ 1999 III-121 e do STJ, de 11/1/2000 - entendem que o prazo se conta a partir da data da deliberação impugnanda.

Por sua vez, a tese que fez vencimento no acórdão sob recurso - estribando-se no acórdão do STJ, de 21/1/2003 e na opinião de autores como Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2ª edição, página 86 e Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos", página 241 - vai no sentido de que a contagem de tal prazo só se inicia a partir da comunicação da deliberação impugnanda ao condómino ausente, feita nos termos do nº6 do artigo 1432 do Código Civil.

Podemos desde já adiantar que propendemos para a primeira interpretação.

Como é sabido, a actual redacção do artigo 1433 do Código Civil - aplicável ao caso -- foi-lhe dada pelo DL 267/94 de 25/10.

Na anterior redacção, o nº2 do referido artigo não deixava margem para dúvidas, ao prescrever expressamente que o prazo em causa se contava da comunicação da deliberação ao condómino ausente.

Numa interpretação literal, o correspondente número (o 6) do actual 1433 também não nos deixa margem de dúvida, pois que não faz qualquer referência a essa comunicação como início da contagem do prazo, fazendo apenas distinção entre os prazos para a propositura das acções - 60 dias para a anulação da primitiva deliberação e 20 dias para a anulação da deliberação da assembleia extraordinária.

Mas, para uma melhor apreciação, relembremos o teor dos 4 primeiros dos seis números do artigo 1433:

--«as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado» (nº1);

--«no prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes» (nº2);
--«no prazo de 30 dias contados nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem» (nº3);
--«o direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação» (nº4).

Como se vê pelas passagens a negrito e a itálico que tomámos a liberdade de utilizar, a lei faz iniciar a contagem do prazo para o condómino ausente requerer, quer a assembleia extraordinária, quer a intervenção do centro de arbitragem, da comunicação - que lhe deve ser feita, nos termos do nº6 do artigo 1432 do Código Civil -- da deliberação impugnanda.

Mas - claramente - já não usa o mesmo critério relativamente ao prazo de caducidade das acções anulatórias.

Terá sido distracção do legislador?

Ou foi caso pensado?

Se é certo que a interpretação da lei não deve ser meramente literal (nº1 do artigo 9 do Código Civil), não é menos verdade que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, sendo sempre de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nºs 2 e 3 do mesmo artigo).

Ora, tendo sido o legislador de 1994 tão minucioso nas alterações que introduziu ao regime da propriedade horizontal, através do referido DL 267/94, só se pode entender como sendo de caso pensado esta diferença de regime.

Então qual a ratio?

Cremos que, fundamentalmente, o desiderato de se privilegiarem os meios extrajudiciais (a assembleia extraordinária) ou para judiciais (o centro de arbitragem) para a apreciação e eventual revogação das deliberações anuláveis a que se reporta o nº1 do artigo 1433.

Desse desiderato legal - embora perfilhando o outro entendimento sobre a contagem do prazo em análise - nos dá conta Aragão Seia, ob. cit., páginas 185/186:
--«Para obstar a recurso a tribunal, evitando o inconveniente de criar antagonismos entre os condóminos e de protelar no tempo a eficácia definitiva da decisão, permite-se no prazo de 10 dias"exigir ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária"»;

--«Continuando a procurar evitar o recurso a tribunal permite-se que "possa sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.».

Este desiderato tem a sua plena expressão no caso de condómino ausente que só tenha tido conhecimento da deliberação através da comunicação a que alude o nº6 do artigo 1432 e já depois de decorridos os 60 dias referidos no nº4 do artigo 1433, ou seja, sobre a data daquela, como diz a lei.

Neste caso e no nosso entender, porque já não pode intentar a acção anulatória dessa deliberação, para a revogar tem necessariamente de, nos respectivos prazos legais, recorrer:

--ou à assembleia extraordinária;

--ou ao centro de arbitragem.

E se, lançando mão da assembleia extraordinária, a respectiva deliberação lhe vier a ser desfavorável, ainda poderá recorrer aos meios judiciais, instaurando a respectiva acção de anulação desta deliberação extraordinária, no prazo de 20 dias, contados sobre ela, como permite o nº 4 do artigo 1433.

Nem se diga que esta interpretação que perfilhamos equivalerá ao renascimento de um direito caducado (Sandra Passinhas, ob. cit.).

É que, embora a deliberação extraordinária seja confirmatória da primitiva deliberação - sendo revogatória não há fundamento para a intervenção judicial, como é óbvio --, o objecto da acção de anulação é aquela e não esta.

O direito de anulação da primitiva deliberação morreu com o decurso do prazo de 60 dias - prazo este que, evidentemente, jamais poderá renascer.

O que nasce com a deliberação extraordinária é o prazo de 20 dias para o condómino ausente pedir a anulação judicial desta mesma deliberação e não da primitiva (não obstante esta ter sido objecto daquela).

Se o condómino ausente optar pelo recurso ao centro de arbitragem, precludirá o seu direito à acção anulatória, pois que a decisão arbitral tem, nos termos do artigo 26 da Lei nº31/86, de 29 de Agosto, a mesma força e os mesmos efeitos jurídicos que uma sentença judicial.

Em suma, o condómino ausente nunca ficará cerceado no seu direito de recorrer aos tribunais para anular as deliberações das assembleias de condóminos que considere anuláveis à luz do nº1 do artigo 1433 do Código Civil.

Basta estar atento - como atento terá que estar no caso de haver lugar à 2ª reunião da assembleia, a qual se considera convocada para uma semana depois, na mesma hora e local (nº4 do artigo 1432 do CC) --, para não deixar esgotar o prazo de 60 dias a contar da data da deliberação que pretende impugnar e, por sua iniciativa (independentemente da comunicação que lhe deve ser feita nos termos do nº6 do artigo 1432 do mesmo Código), tomar conhecimento do respectivo teor.

De qualquer forma, se não tiver esse cuidado e só vier a ter conhecimento da deliberação através da referida comunicação e depois de decorrido o prazo de 60 dias sobre ela, ainda assim lhe restará a possibilidade da sua (indirecta) apreciação judicial, caso a assembleia extraordinária -- a que necessária e previamente terá que recorrer, nos termos legais atrás explanados - não a revogue.

Entendimento diverso - no sentido de a contagem do prazo de caducidade da acção anulatória se iniciar só com a comunicação nos termos do nº 6 do artigo 1432 do CC - propiciará o laxismo/absentismo e a indefinição das questões condominiais, ao contrário do que, naturalmente, é pretendido pela lei.

Nesta conformidade, concluindo-se, como se conclui, que o prazo de caducidade de 60 dias a que alude o nº4 do artigo 1433 do Código Civil se conta a partir da data da deliberação, mesmo para os condóminos ausentes, considera-se caducado o direito da autora/recorrida de propor a presente a acção, uma vez que esta foi instaurada em 11/7/2002 e a assembleia de condóminos onde foram tomadas as deliberações anulandas teve lugar em 5/3/2002.”

9.4. A interpretação adoptada pelo STJ veio mesmo a ser analisada pelo Tribunal Constitucional, que veio a decidir, no Processo n.º 441/2010, de 9 de Dezembro de 2010, em que foi Relator o Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro, o seguinte:

“ (…) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1433.º, n.º 4, do Código Civil, quando interpretada no sentido de que o prazo para intentar acção de anulação de deliberação do condomínio é de sessenta dias, indistintamente quer para condóminos presentes, quer para os ausentes, a partir da data da deliberação, e não da data da comunicação ao condómino ausente.”[8].

9.5. Ainda que se afigure importante o argumento retirado do art.º 329º do Código Civil, apresentado pela A./recorrida, segundo o qual o prazo de caducidade apenas pode começar a contar quando o direito puder ser legalmente exercido – o que no caso em apreço significa que apenas começaria a contar quando as deliberações da assembleia chegassem ao conhecimento dos condóminos, não deixa de se considerar que o mesmo não tem a virtualidade de alterar a posição que vem sendo seguida, por contra ele se poderem invocar os contra-argumentos indicados nos acórdãos indicados, a que se adere, e que se sobrepõem.

A interpretação indicada é a que mais se adequa à interpretação do art.º 1433.º do CC, à luz dos critérios de interpretação do art.º 9.º do CC – à luz da evolução legal e do contexto da solução no seio do sistema jurídico e das soluções consagradas quanto à necessidade de comunicar aos condóminos o teor das deliberações adoptadas.

O argumento da recorrida constante da conclusão II, perante os factos provados e decisões judiciais já transitadas em julgado, não poderia proceder. É que veio já decidido que o tipo de vício que poderia estar em causa nos presentes autos seria apenas a anulabilidade (e não a nulidade–  caso em que poderia fazer sentido o condómino ter de ser notificado do teor da acta para poder saber que a mesma conheceu de assunto para o qual não estaria convocada a assembleia, questão que também aqui não vai ser analisada).

Os argumentos apresentados pela recorrida nas conclusões IV a VII, não tendo sido interposto recurso subordinado e não havendo sido solicitada a ampliação do objecto do recurso, não delimitam o objecto do recurso, pelo que o Tribunal não tem de analisar a relevância da questão que aí se encontra implícita, por a parte se ter conformado com a anterior decisão judicial que a resolveu, não interpondo o correspondente recurso. Tal não significa que o argumento não foi tido em consideração, mas apenas que, no quadro do objecto do recurso, tal como delimitado pelas conclusões do recorrente, tal questão não se apresenta como susceptível de modificar a posição do tribunal sobre a caducidade do direito de impugnar a deliberação/deliberações dos condóminos.

9.6. Considerando que, in casu:

- A 02/11/2016 reuniu a assembleia em segunda convocatória – se lhe acrescentarmos os referidos 60 dias para impugnar a deliberação, concluir-se-ia que, no máximo, a acção teria de ser proposta até 2/1/2017 (60 dias).

- A 17/11/2017 reuniu a assembleia após suspensão dos trabalhos em 2/11/2016 –– se lhe acrescentarmos os referidos 60 dias para impugnar a deliberação, concluir-se-ia que, no máximo, a acção teria de ser proposta até 17/1/2017 (60 dias);

- Acção foi considerada proposta a 23/1/2017;

é forçoso concluir que, em qualquer caso (quer o prazo se contasse desde 2/11, quer desde 17/11), nesta data (23/1/2017) o prazo de 60 dias estabelecido no referido artigo 1433.º, n.º 4 do Código Civil estava ultrapassado.

Assim, a acção foi proposta quando a A. já não era titular do direito de impugnar a deliberação social aprovada em qualquer das datas, pelo que não assistiu razão à Relação, impondo-se revogar a decisão recorrida na parte em que aí se decidiu:

2 – Revoga-se a sentença quanto à decisão que julgou caduco o direito de instaurar a acção.

3 – Anulam-se as deliberações tomadas na ata n.º 13 identificada nos factos provados na parte em que a assembleia:

«a) Elegeu a ré DD, Lda., pelo período compreendido entre Dezembro de 2016 e Novembro de 2017;

b) Aprovou o orçamento constante dessa ata;

c) Conferiu poderes ao legal representante da ré DD para livremente movimentar as contas bancárias existentes, podendo até encerrá-las e abrir novas contas onde entender».

4 – Condenam-se os Réus a restituir ao condomínio o acesso às contas bancárias e todos os documentos propriedade do condomínio, nomeadamente livros de atas e livros de recibos, e tudo quanto seja propriedade do condomínio e esteja em posse dos Réus.

10. A segunda questão colocada pelo recorrente fica prejudicada pela procedência da 1ª questão, que dá integral satisfacção à pretensão do recorrente.

IV. Decisão

Considerando o exposto é concedida a revista, revogando a decisão recorrida na parte dispositiva correspondente aos pontos 2, 3 e 4.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 19 de Junho de 2019

Fátima Gomes

Acácio Neves

Fernando Samões

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[1] Disponível em www.dgsi.pt.
[2] Sublinhado nosso.
[3] Sublinhado nosso.
[4] Sublinhado nosso.
[5] Sublinhado nosso.
[6] Sublinhado nosso.
[7] Disponível em www.dgsi.pt.
[8] Disponível em  http://www.pgdlisboa.pt/jurel/cst_busca_palavras.php?buscajur=anul%E1veis&ficha=46&pagina=1&exacta=&nid=9705