Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2124/17.6T8VCT.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: ANULAÇÃO DA PARTILHA
SIMULAÇÃO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
FACTOS CONCLUSIVOS
PRESUNÇÃO
MATÉRIA DE DIREITO
MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 10/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NEGADA A REVISTA. REMETIDOS OS AUTOS À FORMAÇÃO PARA APRECIAÇÃO DA ADMISSÃO DA REVISTA EXCEPCIONAL.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :

I – A fundamentação essencialmente diferente relevante para afastar a admissibilidade da revista terá de se situar no domínio da fundamentação jurídica.

II - A alteração da matéria de facto operada pelo tribunal da Relação sem assumir relevância na decisão de mérito confirmativa da sentença não impede, por isso, a ocorrência da dupla conformidade decisória inviabilizadora da revista normal.

III - A convergência no julgamento da matéria de facto levada a cabo pelas instâncias permite a admissibilidade da revista normal (cingida ao conhecimento da impugnação da matéria de facto) sempre que no recurso tenha sido colocada em causa a violação de normas de direito probatório na reapreciação da matéria de facto.

IV - A autonomia decisória do tribunal da relação no julgamento da matéria de facto não pode ser entendida por forma a reconduzir a uma repetição (geral) do julgamento realizado na 1ª instância, uma vez que a reapreciação a fazer se mostra cerceada aos pontos concretos da matéria de facto objecto de impugnação e aos meios de prova indicados pelas partes, ou aos que se mostrem acessíveis no processo, sempre com respeito pelo princípio do dispositivo.

V - Avaliar se determinado facto integra um conceito de direito ou uma feição jurídico-valorativa terá de ser entendida como questão de direito.

VI - Factos conclusivos traduzidos na consequência lógica retirada de outros factos uma vez que, ainda assim, constituem matéria de facto, devem permanecer na factualidade provada quando facilitem a apreensão e compreensão da realidade visando uma melhor adequação e ponderação de todas as circunstâncias na resolução do litígio.

VII - O juízo presuntivo e o conhecimento dele resultante consubstancia um facto e não um juízo de valor nem uma conclusão de direito; como tal é insindicável pelo STJ, excepto nas situações de violação de lei e das normas disciplinadoras do instituto da presunção, designadamente sempre que ocorra ilogicidade e/ou a alteração da factualidade provada, ou seja, quando a presunção parta de factos não provados.

VIII – A massa insolvente, não tendo qualquer intervenção na escritura de partilha de bens (realizada na sequência da decisão que decretou a separação de pessoas e bens por mútuo consentimento) levada a cabo pelos réus, posteriormente declarados insolventes, não pode deixar de ser considerada terceiro relativamente a esse negócio.

IX – Consequentemente, na acção intentada contra os réus visando a declaração da nulidade da partilha com fundamento na respectiva simulação, a demonstração do acordo simulatório não estava submetida a prova vinculada.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – Relatório

1. Massa Insolvente de AA propôs (em 21-06-2017) acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário contra AA e BB pedindo:

a) a declaração de nulidade da partilha realizada, em 23-12-2011, por escritura pública;

b) serem restituídos ao património comum de ambos os réus todos os bens identificados na referida partilha por forma a poderem ser apreendidos para a massa.

Alegou para o efeito a partilha constitui um negócio simulado uma vez que os Réus celebraram a partilha com o único intuito de enganar os credores por forma a furtar o respectivo património do cumprimento de responsabilidades decorrentes de dívidas contraídas pelo Réu.

2. Os Réus contestaram invocando a falsidade dos fundamentos em que a acção se apoia, rejeitando qualquer conluio na celebração da partilha como forma der subtrair património da garantia dos credores.

Defenderam, por isso, a improcedência da acção.

3. Dispensada audiência prévia e fixado o valor da acção (€974.007,00), foi proferido saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.

4. Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou a acção procedente e declarou a nulidade, por simulação, do negócio de partilha titulado pela escritura de 23-12-2011, determinando o cancelamento dos registos de aquisição feitos com base na partilha.

5. Apelaram os Réus da sentença, tendo o tribunal da Relação de Guimarães proferido acórdão (em 17-10-2019) que julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença.

6. Interpuseram os Réus recurso de revista normal e, a título subsidiário, revista excepcional (com fundamento nas alíneas a) e b), do n.º1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil – doravante CPC), concluindo nas alegações (transcrição):

1.º O presente recurso tem por objeto a reapreciação do acórdão proferido pelo Tribunal a quo que é, data vénia, chocante e urge ser revogado neste mais Alto Tribunal.

2.º A decisão recorrida espalha um julgamento apressado e envolto em pré-juízos sendo o resultado fácil de adivinhar: uma decisão totalmente omissa sobre a fundamentação de alguns temas objeto de recurso, como também superficial, da qual ressalta, com o devido respeito, uma enviesada interpretação dos problemas jurídicos que, tão cirúrgica e exaustivamente, foram identificados no recurso de apelação.

3.º A nulidade da partilha por simulação absoluta só pode ser decretada caso, a montante, a separação que esteve na sua base também seja inválida: mantendo-se, no caso dos autos, incólume a separação de bens celebrada entre os Recorrentes, vedado estava ao tribunal decretar a simulação da partilha, afigurando-se de impossível coexistência prática na mesma esfera jurídica os efeitos da separação e da comunhão de bens, constituindo a partilha uma consequência legal da separação de bens: este fundamento de recurso não foi sequer conhecido pelo Tribunal a quo, o que configura, desde logo, uma nulidade que nesta sede se invoca,

4.º Está vedado à Massa Insolvente requerer a simulação de um negócio de partilha celebrado pelo insolvente passados dois anos após a data do início do processo de insolvência, posto o único mecanismo específico que lhe é atribuído para efetivar um direito como este é o instituto da resolução em benefício da massa;

5.º A Massa insolvente é, assim, parte ilegítima nos autos;

6.º Ilegitimidade esta que sempre adviria da circunstância de, intervindo a Massa Insolvente, em ações como a dos autos, também em representação do Insolvente, nunca poderia ter demandado o próprio insolvente, por se afigurar adjetivamente impossível coexistirem ambos nos mesmos autos, e em lados diametralmente opostos.

7.º Caso diferente, admite-se, era a hipótese de a Massa Insolvente, por intermédio do Al, representar o próprio insolvente em ação de simulação por si proposta (na qualidade de simulador) ou contra si proposta (por algum credor), fundindo-se a vontade do insolvente pessoa singular na vontade do administrador de insolvência que o representa.

8.º Aliás, feita uma análise exaustiva na nossa jurisprudência pátria, não vislumbramos um único acórdão que espelhe um caso com os contornos dos nossos autos: o que constata é a Massa insolvente a intervir na qualidade de autora (quando os réus são entidades distintas do insolvente), ou de ré (quando os autores são entidades distintas do insolvente).

9.º São várias as ofensas de disposições legais que surpreendemos no julgamento da matéria de facto levado a cabo pelo Tribunal a quo e que, nos termos do disposto no art. 674.º do CPC, podem ser reapreciadas por este Alto Tribunal.

10.º Quanto aos pontos 1.17 e 1.18, apesar do Tribunal a quo ter admitido que os mesmos podiam ser vistos como factos conclusivos, decidiu, a nosso ver mal, mantê-los no elenco da matéria de facto (não tendo sequer conhecido dos elementos documentais alegados que impunham decisão diversa), daí que se requeira a sua eliminação;

11.º Foram também objeto de impugnação no recurso de apelação apresentado o facto tido por provado sob o ponto 1.26 e os factos tidos por não provados nos pontos 2.3 e 2.4.

12.º A fundamentar esta impugnação afirmaram os Recorrentes que a redação do ponto 1.26 se afigurava conclusiva e pejorativa, sendo que em termos factuais a única referência que constava daquele ponto era a de que "Os Réus mantêm entre si um bom relacionamento", sendo certo que a data do seu casamento e da separação já constava dos factos provados sob os pontos 1.1 e 1.2: quanto a isto nada foi referido no acórdão recorrido, o que configura mais uma nulidade;

13.º Como quer que seja, afirma-se na decisão recorrida que a impugnação deste ponto 1.26 se baseou "nos depoimentos de partes e nos depoimentos testemunhais de seus filhos, para além dos documentos de consumos de água e luz do apartamento para onde alegadamente o réu se teria mudado"; acontece que, ao contrário do afirmado, a impugnação deste ponto teve também por fundamento o depoimento da ÚNICA testemunha arrolada pela Autora, CC, que afirmou que já em 2011 o Réu não residia no mesmo domicilio da Ré e que a separação do casal se deveria ter ficado a haver a relações extra-conjugais do Réu.

14.º No entanto, este meio de prova, bastante acreditado pela instância, não foi conhecido pelo Tribunal a quo, na esteira, aliás, do que já havia sucedido na decisão da instância, o que configura mais uma nulidade e determina, a nosso ver, uma alteração da redação daquele ponto, ficando do mesmo a constar "Os Réus mantêm entre si um bom relacionamento".

15.º Impõe-se que a redação do ponto 1.27 dos factos provados seja limitada à afirmação de que "os réus, em 23,12.2011, outorgaram escrituro de partilha, no cartório da notária DD, em ..., na qual declararam proceder à partilha dos bens (vinte) que pertenciam ao património comum do casal - doc. 10, fls. 57 v.º e ss." na medida em que tudo o mais que da sua redação consta, reporta-se a factos repetidos (que constam dos pontos 1.13 e 1.2 da matéria de facto) e a juízos conclusivos.

16.º A matéria que respeita à simulação propriamente dita, nomeadamente com o acordo simulatório, está diretamente plasmada nos pontos 1.34, 1.36 e 1.37 e foi dada como provada, tal como se lê no acórdão recorrido, na esteira do que já havia sido sentenciado nos autos, com base em presunções judiciais;

17.º Agindo a Autora em representação do próprio insolvente, i.e., do alegado simulador, vedado lhe está (de acordo com os arts. 394.º, n.º 1 e 2 e 351.º do CC) socorrer-se de presunções judiciais para a prova da matéria respeitante ao acordo simulatório contrário às disposições que decorrem de documento, in casu, da escritura de partilha, o que desde logo determina a eliminação imediata daqueles pontos 1.34, 1.36 e 13.7 do elenco da matéria provada.

18.º Isto mesmo se afirma no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.10.2016 “a massa insolvente para efeitos desta arguição (de simulação) não pode ser considerado terceiro de boa-fé (art. 243.º CC), uma vez que o transmissão/conversão dos bens do insolvente em massa insolvente não confere a esta massa uma identidade distinta para efeitos da arguição da nulidade". Sem prescindir,

19.º Rege o art. 349.º do CC que "Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido".

20.º Sendo entendimento uniforme na nossa doutrina e jurisprudência que "a denominada base da presunção [é] constituída pelo facto ou factos conhecidos, isto é, provados através de outros meios de prova" - cfr. acórdão deste Alto Tribunal de 25.03.2004.

21.º Acontece que a sentença proferida pela instância, reiterada pelo Tribunal a quo, firmou o facto desconhecido (a vontade diversa da declarada, o próprio acordo simulatório e nomeadamente a inexistência do pagamento de tornas) em meras presunções assentes em factos QUE NÃO CONSTAM DA MATÉRIA PROVADA, tais como os factos relativos aos pagamentos das tornas, sem que os próprios factos conhecidos constassem do elenco da matéria de facto, o que determina a não prova daqueles pontos 1.34, 1.36 e 1.37 do elenco da matéria de facto e que conduz à lapidar revogação da decisão recorrida.

22.º Aliás, o que é chocante, foi com notória exaustividade e pormenor que os aqui Recorrentes, no recurso de apelação, demonstraram ao Tribunal a quo que o julgamento da instância em relação a estas presunções padecia de manifesto vício na medida em que assentava unicamente em factos não provados, sendo certo que, pelo contrário, o que constava dos elementos probatórios dos autos até conduzia à solução oposta daquela que foi preconizada pela instância.

23.º E repare-se que o Tribunal recorrido, assumindo que realmente o julgamento da instância acerca da prova destes factos assentou em elementos documentais relacionados com o pagamento das tornas, nem uma palavra diz acerca desta total ausência desses tais factos base do elenco da matéria de facto, tão ostensivo é que eles não constam desse elenco...

24.º Caso assim não se entenda, a eliminação destes pontos 1.34, 1.36 e 1.37 da matéria de facto sempre se imporia pela evidente ilogicidade, demonstrada em texto, em que assentaram as premissas que conduziram às presunções judicias, premissas estas que o Tribunal a quo, de forma tímida, confessou que realmente poderiam estar viciadas, embora tenha desvalorizado totalmente esse vício, não enfrentando deliberadamente os exaustivos argumentos dos Recorrentes...

25.º Na verdade, todo o raciocínio levado a cabo pela instância, e que o Tribunal a quo reitera, a respeito de uma simulada movimentação de dinheiros dentro do âmago familiar está envolto em manifestos e ostensivos lapsos na análise dos elementos documentais dos autos a fls. 175, 176,177, 17S, 179, 284, 286 e 298, assim como em apressadas e erradas conclusões que não resultam sequer de qualquer elemento de prova dos autos. De resto,

26.º Os juízos presuntivos do Tribunal a quo são tanto mais surpreendentes e ilógicos se atentarmos que desde o início do processo os Réus sempre explicaram a movimentação do dinheiro, sendo consentânea com toda a prova produzida (quer documental, quer testemunhal, quer por depoimentos de parte} a referência ao empréstimo dos filhos e à razão porque estes o fizeram, pretendendo o Tribunal recorrido, sob a veste da amplitude que pretende conferir às presunções judiciais em matéria da prova da simulação, subverter a regra plasmada no art. 342.º do CC de que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direita alegado;

27.º A suspeição levantada pelo Tribunal o quo a respeito do empréstimo dos filhos à mãe é, com o devido respeito, contrária à realidade das coisas e à experiência comum, não sendo expetável que numa situação dessas se recorra à ajuda de desconhecidos ou terceiros em detrimento dos entes mais chegados.

28.º Aliás, se existisse simulação então o mais lógico seria terem vendido os bens, ainda que simuladamente também, a terceiros de boa fé para acautelarem, e em definitivo, a validade da partilha?

29.º Querer presumir-se que foi a declaração da insolvência da sociedade Aurélio Martins Sobreiro & Filhos que determinou a celebração da partilha para fugir aos credores desta por responsabilidades pessoais assumidas pelo Réu e que esta determinação resultou de um acordo entre ambos os Réus é tão infundado como fundado se afigura que resulta da prova produzida dos autos que existem dívidas do próprio Réu, como as do seu cunhado CC, que diminuíram de valor desde 2011 até ao presente, o que significa que a partilha não foi para se furtar aos pagamentos dos credores!

30.º Por outro lado, inexiste nos autos qualquer prova a respeito: i) do conhecimento por parte da Ré mulher acerca das dívidas do Réu; ii) Dos créditos reclamados terem sido efetivamente reconhecidos no processo de insolvência; iii) Quais os bens que compõe a Massa insolvente do Réu, sendo certo que se desconhecem que bens é que compõe o património do Réu em 2016, na data da declaração da sua insolvência; iv) Qual a expetativa de cobrabilidade dos credores, nomeadamente no processo de insolvência da Aurélio Martins Sobreiro e Filhos, SA, sendo certo que apenas sabemos que aqueles estão em fase de liquidação.

31.º Lamenta-se que cause estranheza ou se afigure instrumental para a prova de uma (alegada) simulação de partilha a circunstância de os casais que se separam de pessoas e bens manterem um saudável relacionamento entre si, sendo certo que decorre da própria lei material que a separação, não obstante extinguir os deveres de coabitação e assistência, não elimina, antes mantém, os deveres de respeito e de cooperação;

32.º Os valores da avaliação dos bens objeto da partilha e os valores atribuídos pelas partes na própria partilha não se mostram desfasados: aliás, caso houvesse uma absoluta similitude, seria caso para dizer que estranho, muito estranha, seria que os montantes atribuídos numa partilha realizada em 2011 coincidissem ipis verbis aos montantes atribuídos por um perito no âmbito de um processo judicial que sobre os mesmos se debruçou, afigurando-se as diferenças constantes da matéria de facto plasmada na sentença recorrida e que em média ascendem a cerca de 15 % absolutamente aceitáveis e coincidentes com o que é a experiência comum e a realidade das coisas!

33.º A prova de um acordo simulatório em relação à partilha, sempre envolveria, a montante, a prova de um acordo simulatório em relação à separação propriamente dita, o que não ocorreu... Por fim,

34.º A respeito do ponto 1.37 também se alegou no recurso de apelação que a sua eliminação sempre se imporia em virtude dos conceitos de direito e a factos que não têm qualquer suporte probatório: nada, absolutamente nada, foi referido neste particular pelo tribunal o quo, o que configura uma nulidade, requerendo-se a sua eliminação.

36.º Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo violou, entre outros, os artigos 349.º, 351.º, 394.º do CC, o art. 2.º da Lei 22/2013, os arts. 81.º, 84.º do CIRE e o art. 607.º do CPC.

13. Em contra alegações a Autora pronuncia-se no sentido da inadmissibilidade da revista normal (por existência de dupla conformidade decisória) e da revista excepcional (por inverificação dos pressupostos em que os Recorrentes a fundamentam). Defende ainda a improcedência do recurso.

   

II – APRECIAÇÃO DO RECURSO

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil - CPC), e dos poderes atribuídos a este tribunal, impõe-se conhecer as seguintes questões:
· Da admissibilidade da revista (questão prévia)
· Das nulidades do acórdão
· Da violação das regras de direito probatório

1 Os factos

Provados (assinalando-se a bold a factualidade objecto de alteração pelo tribunal recorrido)

1.1. Os réus casaram entre si em 8.12.1965, no regime da comunhão geral de bens - doc. 1.

1.2. Por decisão da Senhora Conservadora do Registo Civil de ..., de 6.12.2011, transitada, foi decretada a separação de pessoas e bens por mútuo consentimento, entre os réus - cfr. doc. 1.

1.3. Por sentença de 10.08.2016, transitada em 31.08.2016, proferida no âmbito do processo nº. 2364/16.5T8VCT, da Comarca de ..., Instância Local, Secção Cível - J2, foi declarada a insolvência do réu e nomeado administrador da insolvência, EE - cfr. doc. 1 junto com a p.i..

1.4. O réu insolvente era accionista da sociedade “AURÉLIO MARTINS SOBREIRO & FILHOS, SA”, nipc 0000, que teve sede em ..., à Rua ..., 00/00, nela tendo detido 161.234 acções ao portador, no valor nominal de 5,00 €, cada, num capital social de 5.000.000,00 € - doc. 2 junto com a p.i..

1.5. O réu fez parte do Conselho Geral da referida sociedade e ainda do Conselho de Administração, aqui até 7/9/2009.

1.6. O réu insolvente é sócio e gerente da sociedade “TECNIMPULSO-TRABALHOS DE ENGENHARIA CIVIL, LDA.”, nipc 0000, com sede em ..., freguesia de ..., à Rua ..., 00, nela detendo uma quota do valor nominal de 15.000,00 €, num capital social de 45.000,00 € - doc. 3 junto com a p.i., fls. 19 e ss.

1.7. O réu insolvente é sócio e gerente da sociedade “BRITAGODO-SOCIEDADE DE DRAGAGENS, LDA.”, nipc 0000, com sede em ..., freguesia de ..., à Rua ..., 00, detendo uma quota do valor nominal de 174.960,00 €, num capital social de 900.000,00 € - doc. 4, fls. 25 vº e ss

1.8. O réu insolvente é sócio da sociedade “SOBREIROS & RIBEIRO, LDA.”, nipc 0000, com sede em ..., freguesia de ..., à Rua ..., 00, nela detendo uma quota do valor nominal de 121.500,00 €, num capital social de 405.000,00 € - doc. 5, fls. 31 vº e ss.

1.9. O réu insolvente foi sócio da sociedade “EDIVIANA-SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA.”, nipc 0000, com sede em ..., freguesia de ..., à Rua ..., 00, dissolvida em 18.12.2014 e que se encontra em liquidação, nela tendo detido uma quota do valor nominal de 21.000,00 €, num capital social de 105.000,00 € - doc. 6, fls. 38 e ss.

1.10. O réu insolvente foi accionista da sociedade “DRAGALIMA-SOCIEDADE DE DRAGAGENS, SA”, nipc 0000, com sede em ..., freguesia de ..., à Rua ..., 00, dissolvida e com a liquidação encerrada em 31.12.2013, tendo originado o cancelamento da matrícula, nela tendo detido 4.000 acções nominativas, no valor nominal de 50,00 €, cada, num capital social de 200.000,00 € - doc. 7.

1.11. O réu insolvente foi sócio da sociedade “FÁBRICA DE CERÂMICA VIANAGRÉS, LDA.”, nipc 0000, com sede no lugar de ...., freguesia de ...., concelho de ..., declarada insolvente, estando o respectivo processo em liquidação, nela detendo uma quota do valor nominal de 115.600,00 €, num capital social de 800.000,00 € - doc. 8, fls. 48 vº e ss.

1.12. A maior parte destas sociedades tinham actividades ligadas à construção civil e obras públicas e, apesar da dimensão delas - sobretudo da referida em 1.4. -, eram empresas familiares, no sentido em que eram compostas por sócios ou accionistas com laços muito chegados de parentesco, sendo que algumas detêm, ou detinham, participações sociais noutras, mas todas girando em torno da “AURÉLIO MARTINS SOBREIRO & FILHOS, SA”.

1.13. A sociedade “AURÉLIO MARTINS SOBREIRO & FILHOS, SA” foi declarada insolvente em 31.10.2011, encontrando-se o respectivo processo na fase da liquidação dos bens que integram a massa insolvente.

1.14. A sociedade “EDIVIANA-SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA.”, foi dissolvida em 2014, com quotas arrestadas e penhoradas (cfr. doc. 6).

1.15. A sociedade “DRAGALIMA-SOCIEDADE DE DRAGAGENS, LDA”, dissolvida em 2013, que passou de sociedade anónima a sociedade por quotas, reduziu o capital por duas vezes (em 28/12/2011 e 21/5/2012) com finalidade registada e declarada “Cobertura de Prejuízos”, viu quotas arrestadas (cfr. doc. 7), tendo sido dissolvida e encerrada a sua liquidação e cancelada a sua matrícula em 31/12/2013.

1.16. A sociedade “FÁBRICA DE CERÂMICA VIANAGRÉS, LDA.”, foi declarada insolvente em 2012 (cfr. doc. 8).

1.17. As restantes sociedades “Tecnimpulso”, “Britagodo”, “Sobreiros e Ribeiro”, referidas supra em 1.5., 1.6. e 1.7. apresentam-se com uma periclitante saúde financeira, com activos manifestamente inferiores aos passivos.

1.18. O réu insolvente havia, entretanto, assumido inúmeras responsabilidades pessoais, muitas delas relacionadas com a actividade da “AURÉLIO MARTINS SOBREIRO & FILHOS, SA”, designadamente avalizando livranças, contraindo empréstimos, solicitando garantias bancárias, celebrando contratos de abertura de crédito para a “AURÉLIO MARTINS SOBREIRO & FILHOS, SA”, tendo, por via disso, os diversos credores reclamado no processo de insolvência do co-réu mais de 9.000.000,00 € - doc. 9, fls. 56 vº e 57.

1.19. O Banco Comercial Português, SA. reclamou créditos sobre o réu insolventre no valor de €1.538.753,69, relativos a avales em várias operações bancárias tituladas pela sociedade “AURÉLIO MARTINS SOBREIRO & FILHOS, SA”.

1.20. O Banco Santander Totta, SA” reclamou créditos sobre o réu insolvente, no valor de € 3.955.402,64, relativos a avales em livranças da sociedade “Aurélio Martins, Sobreiro & Filhos, SA” e cessão de créditos do Banif, sendo que o valor de € 715.721,01 está vencido desde 2011.

1.21. Cabot Securitisation Europe Limited, por cessão do Banco Santander Totta, SA, reclamou créditos sobre o réu insolvente, no valor de € 774.940,51.

1.22. A Caixa Geral de Depósitos, SA reclamou créditos sobre o réu insolvente no valor de € 1.831.526,14, relativos a avales em várias operações bancárias tituladas pela sociedade “Aurélio Martins, Sobreiro & Filhos, SA”, sendo que o valor de € 223.137,80, relativo a contrato de abertura de crédito, está vencido desde 2011.

1.23. CC e mulher FF reclamaram créditos sobre o réu insolvente, no valor de € 205.522,20, relativos a confissão de dívida vencida em 2010, estando tal crédito reduzido, em abril de 2018, ao valor de € 142.000,00.

1.24. Oitante, SA, por cessão de Banif-Banco Internacional do Funchal, SA, reclamou créditos sobre o réu insolvente, no valor de 605.821,31 €.

1.25. Parvalorem, SA reclamou créditos sobre o réu insolvente, no valor de € 228.158,03, relativos a aval a empréstimo à sociedade “Aurélio Martins Sobreiro & Filhos, SA, com vencimento em 2012.

1.26. Os réus casaram há mais de 50 anos e, apesar da separação alegada em 1.2., mantêm entre si um bom relacionamento, apresentando o co-réu, mesmo após a separação de pessoas e bens, domicílio na mesma morada da co-ré.

1.27. Logo a seguir à declaração de insolvência da “AURÉLIO MARTINS SOBREIRO & FILHOS, SA” (31.10.2011) e logo a seguir a ter sido decretada a respectiva separação de pessoas e bens (6.12.2011), os réus, em 23.12.2011, outorgaram escritura de partilha, no cartório da notária DD, em ..., na qual declararam proceder à partilha dos bens (vinte) que pertenciam ao património comum do casal - doc. 10, fls. 57 vº e ss.

1.28. Declararam os réus na referida escritura que ao réu insolvente seriam adjudicadas:

- todas as participações sociais supra referidas em 1.4. a 1.10. (correspondentes às verbas 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 da escritura de partilha), às quais atribuíram o valor de 1,00 € (um euro) cada; 

- e as verbas 12, 14, 15, 16 e 20, como segue:

i) uma leira de cultivo, sita na freguesia de ..., concelho de ..., inscrita na matriz rústica sob o artigo 410, descrita na conservatória sob o nº. 1525, a que atribuíram o valor de 2.000,00 € (verba 12);

ii) a fracção autónoma “H”, 3º. andar esquerdo, de um prédio urbano sito na Rua ..., 00, freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo 2617, descrito na conservatória sob o nº. 12, a que atribuíram o valor de 100.000,00 € (verba 14);

iii) um terreno de cultivo, sito na freguesia de ...., concelho de ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo 2502, descrito na conservatória sob o nº. 683, a que atribuíram o valor de 40.000,00 € (verba 15);

iv) um terreno de mato, sito na freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo 1400, descrito na conservatória sob o nº.1529, a que atribuíram o valor de 500,00 € (verba 16); e

v) o recheio da fracção identificada em ii), a que atribuíram o valor de 2.000,00 € (verba 20),

tudo ascendendo ao valor, declarado, de 144.507,00 € - cfr. doc. 10.

1.29. O bem descrito na alínea ii) (fracção H) valia à data da partilha €80.000,00 e o descrito na alínea iii) €38.600,00.

1.30. Declararam ainda os réus, na referida escritura, que à ré seriam adjudicadas as seguintes verbas 8, 9, 10, 11, 13, 17, 18 e 19:

i) metade da fracção autónoma “S”, ap. 18, triplex, de um prédio urbano sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrita na matriz urbana sob o artigo 5780, descrito na  conservatória sob o nº. 1929, a que atribuíram o valor de 100.000,00 € (verba 8);

ii) prédio misto, casa e leira de cultivo, sito no lugar de ..., ou ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo 276 e na matriz rústica sob o artigo 1378, descrito na conservatória sob o nº. 1524, a que atribuíram o valor de 175.000,00 € (verba 9);

iii) prédio urbano, sito no lugar do …, freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo 786, descrito na conservatória sob o nº. 1366, a que atribuíram o valor de 25.000,00 € (verba 10);

iv) prédio urbano, sito no lugar do …, freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo 787, descrito na conservatória sob o nº. 1367, a que atribuíram o valor de 30.000,00 € (verba 11);

v) prédio urbano, sito no ..., 00, freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo 2425, compreendido no prédio descrito na conservatória sob o nº. 60007, a fls. 176, do livro B-151, a que atribuíram o valor de 250.000,00 € (verba 13);

vi) um terreno de mato, sito no lugar de ..., na freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo 1320, descrito na conservatória sob o nº.1479, a que atribuíram o valor de 20.000,00 € (verba 17);

vii) o recheio do prédio identificado em v), a que atribuíram o valor de 16.000,00 € (verba 18); e

viii) o recheio do prédio identificado em iii), a que atribuíram o valor de 6.500,00 € (verba 19),

 tudo ascendendo ao valor, declarado, de 637.500,00 € - cfr. doc. 10.

1.31. Os bens referidos nas alíneas i), ii), iii), iv) e v) do precedente ponto valiam à data da partilha o seguinte:

- o da al. i) €260.000,00 – fls. 235 a 244;

- o da al. ii), €162.800,00:

- o da al. iii) 19.200,00€,

- o da al. iv) €25,700,00

- o da al. V) €220.000,00.

1.32. Declarou também a ré, na referida escritura, ter entregue ao réu insolvente, a título de tornas, a quantia de 255.246,00 €, declarando este ter recebido aquela importância.

1.34. Nem o réu insolvente, nem a ré quiseram partilhar, ou partilharam, os bens identificados na escritura junta como doc. de fls. 57 vº e ss.

1.35. Na escritura de partilha o R. declarou constituir a sua residência permanente: Rua ..., nº 00, terceiro esquerdo, ... (correspondente à verba descrita supra em 1.28., al. ii).

1.36. Nem o réu insolvente quis receber, ou recebeu, nem a ré quis pagar, ou pagou, qualquer quantia a título de tornas, designadamente os 255.246,00 €.

1.37. Os réus concertaram-se nas respectivas declarações, exaradas no contrato de partilha, para enganar todos os seus credores, com elas querendo furtar o património deles - ou, ao menos, a meação do réu insolvente - à incidência de penhoras promovidas pelos mesmos credores, assim defraudando as legítimas expectativas destes no recebimento dos respectivos créditos.

1.38. Em 2011, encontravam-se, de acordo com o Mod.22 entregue na Autoridade Tributária, a seguinte e declarada situação:

- TECNIMPULSO – Trabalhos de Engenharia Civil, L.ª:

Activo: 95.262,43 € Passivo: 39.081,95 €

Lucro tributável: 7.569,29 €

Cfr.doc. 1 junto com a contestação

- BRITAGODO – Sociedade de Dragagens, L.ª

Activo: 361.647,90 € Passivo: 134.649,29 €

Lucro tributável: 421.170,89 €

Cfr.doc.2 junto com a contestação

- SOBREIROS & RIBEIROS, L.ª

Activo: 802.933,26 € Passivo: 478.027,75 €

Lucro tributável: - 339.128,24 €

Cfr.doc.3 junto com a contestação

- EDIVIANA – Sociedade de Construções, L.ª

Activo: 255.115,66 € Passivo: 188.836,05 €

Lucro tributável: - 450,55 €

Cfr.doc.4 junto com a contestação.

- DRAGALIMA – Sociedade de Dragagens, L.ª

Activo: 6.513,79 € Passivo: 18,72 €

Lucro tributável: 608,73 €

Cfr.doc.5 junto com a contestação.

1.39. O co-Réu AA, em 25.03.2011, tendo apenas uma quota no valor nominal de 76.000 €uros na Empresa SOBREIROS & RIBEIROS, L.ª, adquiriu aos sócios GG e mulher uma nova quota no valor nominal de 45.000 €uros, para unificar a sua quota primitiva, como unificou, no montante de 121.500 €uros e ficar, dessa forma, como ficou, detentor de 30% do capital social daquela Empresa Cfr.doc.6 junto com a contestação.

1.40. Nesse mesmo negócio, com os mesmos sócios, o co-Ré AA igualmente lhes adquiriu na Empresa TECNIMPULSO – Trabalhos de Engenharia Civil, L.ª, uma nova quota no valor nominal de 7.500 €uros, que também unificou com a quota social de 7.500 €uros que já possuía naquela sociedade, tornando-se, desse modo, detentor de 1/3 parte do capital social desta firma Cfr.doc.6 junto com a contestação.

1.41. O mesmo sucedendo com a Empresa TECNIMPULSO – Trabalhos de Engenharia Civil, L.ª, objecto do competente registo na Conservatória do Registo Comercial de ..., através das Apresentações n.º569 de 06.09.2001 e n.º570 de 06.09.2011 - Cfr.doc.12 junto com a contestação.

1.42. A sociedade da DRAGALIMA – Sociedade de Dragagens, L.ª foi dissolvida pelos sócios, por falta de rentabilidade.

1.43. O mesmo ocorrendo com a EDIVIANA – Sociedade de Construções, L.ª, que foi dissolvida igualmente por falta de rentabilidade.

1.44. Em 2015 e 2016, é a seguinte a situação declarada à AT das seguintes sociedade:

- TECNIMPULSO – Trabalhos de Engenharia Civil, L.ª:

Ano de 2015

Activo: 294.204,77 € Passivo: 295.280,61 €

Lucro tributável: 34.874,20 €

Cfr.doc.13

Ano de 2016

Activo: 56.086,47 € Passivo: 31.258,90 €

Lucro tributável: -23.173,91 €

Cfr.doc.14 junto com a contestação

- BRITAGODO – Sociedade de Dragagens, L.ª

Ano de 2015

Activo: 280.030,55 € Passivo: 119.513,91 €

Lucro tributável: -2.356,38 €

Cfr.doc.15 junto com a contestação

Ano de 2016

Activo: 271.546,68 € Passivo: 930,87 €

Lucro tributável: -10.321,39 €

Cfr.doc.16 junto com a contestação.

SOBREIROS & RIBEIROS, L.ª 

Ano de 2015

Activo: 612.335,68 € Passivo: 300.648,11 €

Lucro tributável: -2.151,92 €

Cfr.doc.17

Ano de 2016

Activo: 526.971,02 € Passivo: 212.715,43 €

Lucro tributável: -3.007,34 €

Cfr.doc.18 junto com a contestação

1.45. Relativamente ao ano fiscal de 2001, pelo Réu AA declarou os seguintes rendimentos, provenientes de salários de parte das supra indicadas empresas:

- 15.000,00 €uros da sociedade Britagodo, L.ª Doc.37

- 18.000,00 €uros da sociedade Tecnimpulso, L.ª Doc. 38

- 47.140,66€uros da pensão de reforma da SS.

1.46. Ocorreu troca de valores relativamente a dois prédios, aquando da outorga da escritura de partilha, embora o resultado da mesma seja igual, quer na quantificação do valor do património comum, quer na composição dos quinhões, já que ambos os prédios foram adjudicados à co-Ré BB: atribuiu-se o valor de 25.000 €uros ao prédio inscrito na matriz predial urbana de ... sob o art.276º, quando, este valor corresponde ao montante a atribuir-se ao prédio urbano inscrito na matriz daquela freguesia sob o art.786º.

1.47. Ao invés, atribuiu-se o valor de 175.000 €uros ao prédio urbano inscrito na matriz sob o art.786º, quando, na verdade, este valor dizia respeito ao prédio urbano inscrito na matriz respectiva sob o art.276º.

Não provados

2.1. O valor das participações sociais dos Réus nas 6 sociedades - excluindo a empresa “Aurélio Martins Sobreiro & Filhos, SA”, entretanto declarada insolvente – ascendia ao montante global de 647.297,00€uros.

2.2. A Ré procedeu ao pagamento da quantia de 255.246,00 €uros, a título de tornas, ao Réu AA, tendo o Réu AA recebido aquela importância que passou a integrar o seu património pessoal.

2.3. A razão da sua separação de pessoas e bens foi simplesmente por termo, sem divórcio, atento factores religiosos e familiares, a uma relação conjugal muito degradada e agastada, passando cada um deles a dispor de residências autónomas.

2.4. A razão pela qual ao co-Réu AA foi adjudicado um apartamento, na cidade de ..., para ele lá residir, de forma autónoma da co-Ré BB.

2.5. O Réu tinha interesse em receber tornas da co-Ré BB, por conta da sua meação, atento o facto de, em 2011, ainda perspectivar a aquisição de novas participações sociais, naquelas sociedades, ou noutras.

2.6. O Réu pagou pelo negócio de aquisição de participações sociais, em Março de 2011, o montante de 138.000 €uros.

2. O direito


1. Da admissibilidade da revista normal (questão prévia)

Para fundamentar a admissibilidade da revista (normal) os Recorrentes consideram que a confirmação da sentença pelo acórdão da Relação foi feita com fundamentação essencialmente diferente afastando por isso a dupla conformidade decisória impeditiva do conhecimento do objecto do recurso. Invocam para o efeito que pretendem insurgir-se relativamente à não apreciação, na matéria de facto impugnada, de meios de prova ignorados pelo tribunal recorrido, bem como quanto ao erro na apreciação das provas por ofensa a disposição legal que impunha certa espécie de prova para a demonstração de um facto.

A Recorrida defende a inadmissibilidade da revista considerando que no caso não ocorre qualquer desvio por parte da Relação quanto à fundamentação seguida pela sentença uma vez que as alterações da matéria de facto introduzidas pelo acórdão recorrido não influíram na apreciação do direito.

E assim é. Com efeito, sempre que a alteração da matéria de facto operada pelo tribunal da Relação se mostre inócua na decisão de mérito confirmativa da sentença ocorre dupla conformidade decisória pois que a fundamentação essencialmente diferente relevante para afastar a admissibilidade da revista teria de se situar na domínio da fundamentação jurídica.

Contudo, entre outros aspectos, os Recorrentes fazem assentar a sua discordância relativamente ao acórdão na violação de normas de direito probatório material relativas à apreciação da impugnação da matéria de facto levada a cabo pela Relação (cfr. conclusões 16.º a 34.º).

Nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC, “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”

Com base neste preceito, o STJ, em sede de recurso de revista, pode sindicar a matéria de facto, limitando, contudo, a sua intervenção, neste domínio, ao campo da designada prova tarifada ou vinculada tratando-se, no fundo, de aplicar normas de direito probatório material (cfr. Acórdão do STJ de 17-05-2017, Processo n.º 2329/11.3TBPDL.L1.S1, a cujo sumário se pode aceder por de https://www.stj.pt/?page_id=4471).

No caso dos autos, embora no que respeita ao mérito, exista, como parece manifesto, uma situação de dupla conformidade (uma vez que o acórdão recorrido confirmou por unanimidade e com idêntica fundamentação a sentença), verifica-se que relativamente ao julgamento da matéria de facto tal não ocorre.

Com efeito, não obstante se constate uma convergência no julgamento da matéria de facto levada a cabo pelas instâncias, tendo em conta que no recurso está colocada em causa a violação de normas de direito probatório na reapreciação da matéria de facto, movendo-se o tribunal da Relação no campo de poderes próprios e privativos, cabe reconhecer que quanto às questões colocadas para apreciação relativamente à violação de normas de direito probatório material, não se verificou uma realidade comum sobre a qual foram proferidas duas decisões conformes.

Mostra-se, por isso, admissível o recurso de revista normal, admissibilidade que se encontra cingida ao conhecimento da impugnação da matéria de facto (quanto à matéria de direito, para o caso de improcedência da presente revista normal, o conhecimento por este tribunal ficará dependente da admissibilidade da revista excepcional interposta, subsidiariamente, pelos Recorrentes, a apreciar pela Formação a que alude o n.º3 do artigo 672.º do CPC).


2. Das nulidades do acórdão (conclusões 3.º, 12.º, 14.º e 34.º)

Invocam os Recorrentes a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, imputando-lhe a falta de apreciação de questões que foram colocadas na apelação e sobre as quais o tribunal recorrido não emitiu pronúncia:

- validade da separação de bens celebrada entre os Réus e suas consequências na partilha;

- redacção conclusiva do ponto 1.26 da matéria de facto provada e eliminação do ponto 1.37 da factualidade provada;

- não conhecimento do meio de prova indicado na impugnação à matéria de facto (depoimento da testemunha CC).

De acordo com o artigo 615.º, n.º1, alínea d), do CPC (aplicável ao acórdão da Relação – cfr. artigo 666.º, n.º1, do CPC), é nula a decisão quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar. Esta nulidade decorre da exigência a prescrita no n.º2 do artigo 608.º, do CPC, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Relativamente ao sentido exacto a dar ao termo legal “questões”, quer a doutrina quer a jurisprudência fazem apelo à necessidade de se proceder à distinção entre “questões” por um lado, e “argumentos” ou “razões”, por outro, concluindo que só a ausência de apreciação das primeiras é determinante da nulidade em referência.

Com efeito, mostra-se uniforme o entendimento quanto a considerar que na expressão «questões» não se incluem os elementos, argumentos ou raciocínios utilizados, quer pelas partes, quer pelo tribunal, para a resolução das questões que efectivamente cumpre apreciar. Acresce que nada obriga a que o tribunal aprecie todos os argumentos invocados pelas partes, impondo-se apenas que indique a razão que serve de fundamento à decisão proferida.

            Igualmente tem vindo a ser pacificamente entendido que não há omissão de pronúncia sempre que a matéria tida por omissa ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada.

2.1 Consideram os Réus que se impunha ao tribunal a quo pronunciar-se quanto ao que entendem por questão invocada na apelação (conclusão n.º2) defendendo a impossibilidade de coexistir a nulidade da partilha por simulação e a validade da separação celebrada entre as partes.

A forma como os Recorrentes expressaram o seu posicionamento – “afigurando-se de impossível coexistência prática na mesma esfera jurídica os efeitos da separação e da comunhão de bens, constituindo a partilha uma consequência legal da separação de bens” - evidencia não estar em causa uma efectiva questão impondo pronúncia por parte do tribunal recorrido, reconduzindo-se o posicionamento dos Réus em aduzir argumentação (que, aliás, não fundamentam juridicamente, pois que a separação de pessoas e bens por mútuo consentimento tem como efeito a alteração do regime de bens estipulado pelo casamento, passando a vigorar a separação de bens e a cessação entre os cônjuges dos deveres de coabitação e de assistência) por forma a demonstrar o erro do sentido da decisão.

Todavia, ainda que assim não fosse, a questão sempre se encontraria implicitamente decidida no acórdão recorrido ao concluir, secundando a sentença, que a partilha outorgada viola a regra imperativa constante do artigo 1730º Cód. Civil, violação essa a que corresponde a sanção da nulidade (…), constituindo um negócio simulado uma vez que as declarações negociais constantes da escritura de partilha divergiram da vontade real das outorgantes com o intuito de prejudicar os credores.

2.2 Ainda em sede de nulidade do acórdão recorrido os Recorrentes referem que o tribunal a quo não se pronunciou quanto à natureza conclusiva da matéria de facto consignada em 1.26 e 1.37, invocada na apelação ao impugnarem a matéria de facto.

Quanto a este aspecto os Réus continuam a confundir argumentação e menções opinativas com questões a decidir.

Em sede de apreciação do recurso sobre impugnação da matéria de facto o tribunal da Relação, na formação da sua convicção (autónoma da 1ª instância), impõe-se-lhe conhecer os pontos de facto concretamente indicados pela parte em função dos meios de prova disponíveis no processo, designadamente através da ponderação dos elementos probatórios invocados pelo recorrente para rebater a convicção extraída pelo tribunal de 1ª instância.

A factualidade em causa – pontos 1.26 e 1.37 - foi objecto de impugnação nos termos defendidos pelos Recorrentes nas conclusões n.ºs 18.º, 22.º a 38.º da apelação, onde não se encontra qualquer alusão à “natureza conclusiva” da matéria fáctica. Tal referência consta apenas do corpo das alegações e em termos de raciocínio opinativo.

Com efeito, relativamente ao ponto 1.26, mencionaram:

Refira-se que a redacção conferida a este segmento do ponto 1.26 é conclusiva e de forma pejorativa para os Réus/Recorrentes, querendo o Tribunal a quo inculcar com o facto de os Réus, apesar da sua separação, manterem um bom relacionamento que a partilha foi simulada (…) De resto, lamenta-se que cause estranheza ou se afigure instrumental para a prova (que se impugnará) de uma (alegada) simulação de partilha, a circunstância de os casais que se separam de pessoas e bens manterem um saudável relacionamento entre si, sendo certo que decorre da própria lei material que a separação, não obstante extinguir os deveres de coabitação e assistência, não elimina, antes mantém, os deveres de respeito e cooperação! Como quer que seja, não foi isto que decorreu da prova produzida em audiência de julgamento, antes o seu contrário, ou seja, de que os Réus não mantêm entre si qualquer relacionamento.”.

Conhecendo desta matéria e analisando os meios de prova indicados pelos Apelantes, o tribunal a quo referiu:

- “O ponto seguinte da divergência dos apelantes quanto à decisão de facto, prende-se com a questão da separação entre os dois réus e do domicílio de ambos – pontos 1.26 dos factos provados e 2.3 e 2.4 dos factos não provados.

Os apelantes sustentam-se nos seus depoimentos de parte e nos depoimentos testemunhais de seus filhos, para além dos documentos de consumos de água e luz do apartamento para onde alegadamente o réu se teria mudado.

Ora, quanto a esta matéria, acompanhamos a decisão da 1.ª instância. Os depoimentos de parte, dos réus e de seus filhos que, não sendo partes, revelaram a parcialidade própria de quem quer conservar o seu património, não foram capazes de afastar a prova que resulta da nota de citação do réu no processo de insolvência, onde a Sra. Oficial de Justiça acrescenta, à mão, após a assinatura do réu, que “o domicílio do requerido é Rua ..., n.º 00, 0000 ...”, ou seja, a casa que sempre foi a de morada da família e onde reside a ré. Também nos autos, os réus foram ambos citados nessa morada, por oficial de justiça, considerando que as cartas para citação foram devolvidas por não terem sido reclamadas.

Quanto aos documentos de consumos de água e luz, sendo evidente que os consumos são muito maiores na casa da Rua ..., a verdade é que, nada nos autos prova que os consumos do apartamento tenham sido realizados pelo réu (para além dos já referidos depoimentos dos filhos)

Daí que se concorde com o decidido, quanto a estes pontos, em 1.ª instância.”;

Relativamente ao ponto 1.37, os Recorrentes pretenderam, em conjunto com a factualidade constante dos pontos 1.34 e 1.36, desmontar os pressupostos da demonstração do acordo simulatório e do juízo presuntivo subjacente, indicando os meios de prova para o efeito. Conhecendo da impugnação, refere o acórdão recorrido:

A matéria seguinte prende-se com os factos diretamente conducentes à simulação – pontos 1.34, 1.36 e 1.37 dos factos provados.

Neste ponto, os apelantes insistem na ilegitimidade da apelada e na impossibilidade de coexistência do lado ativo e passivo do apelante, ora na sua veste de insolvente, ora na sua veste de outorgante do contrato de partilha, para concluírem que é inadmissível a prova por testemunhas, logo, também por presunções judiciais – artigos 394.º, n.ºs 1 e 2 e 351.º, ambos do Código Civil.

Já vimos que não têm razão, quando abordámos a questão da ilegitimidade.

Não há, aqui, qualquer coincidência de sujeitos, pelo que estas normas não são aplicáveis. A autora/apelada, é um terceiro relativamente a este negócio, como já demonstrámos. Ora, a simulação, desde que não invocada pelos próprios simuladores entre si, pode provar-se por qualquer meio de prova admissível em direito e, portanto, por prova testemunhal ou por meras presunções judiciais (art. 394.º, n.ºs 2 e 3, do CC), não estando submetida a prova vinculada, mas à regra geral da livre apreciação das provas pelo tribunal.

Quanto à prova dos factos conducentes à simulação, importa tecer algumas considerações prévias.

A procedência da acção de simulação depende da alegação e prova de factos subjectivos essenciais, que podem ser alegados e demonstrados directa ou indirectamente. Por se processarem a nível interno ou psíquico e se revelarem em parcas manifestações externas, eles são de difícil percepção. Logo, a sua prova é quase sempre feita através da de factos instrumentais ou indiciários, avaliados no seu relevo e significado em função de presunções naturais e das máximas da experiência. Apontando todos os factos indiciários apurados, em conjugação com as máximas da experiência e as presunções naturalmente extraíveis, no sentido de que o contrato foi efectivamente simulado, devem dar-se como provados os respectivos factos essenciais, ainda que de carácter subjectivo. A partir destes se fará, então, a subsunção jurídico-normativa – cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 05/04/2018, processo n.º 340/16.7T8MNC.G1 (José Amaral), in www.dgsi.pt.

O tema está esclarecedoramente desenvolvido no Acórdão da Relação de Guimarães de 02/02/2017, processo n.º 6420/14.6T8VNF-A.G1 (Maria João Matos), in www.dgsi.pt, citando a obra de Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, p. 224 a 235:

«Sendo necessário, em matéria de simulação, apurar a intenção das partes ao outorgarem o negócio, não pode o Tribunal que a aprecie deixar de se valer das mais comuns presunções judiciais nesta matéria (arts. 349º e 351º, ambos do C.C.), condensadas pela uniforme prática jurisprudencial.

Com efeito, os «eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (v.g. a determinação da vontade real do declarante, uma certa intenção, o conhecimento de dadas circunstâncias) constituem factos cujo conhecimento pode ser atingido directamente pelos sentidos ou através das regras de experiência.

(…) A prova directa dessas intenções é rara (v.g. confissão) pelo que quase sempre terá que ser feita por meio de indícios/presunções».

Assim, (…) impõe-se a indagação de condutas humanas em que a motivação tem um papel essencial como elemento propulsor. O simulador actua de forma planeada com o intuito de se esquivar a um determinado efeito jurídico ou adverso aos seus propósitos. O motivo ou interesse que determinam a actuação do simulador constitui a causa simulandi, a qual corresponde assim ao interesse que leva as partes a celebrar um contrato simulado ou o motivo que as induz a dar aparência a um negócio jurídico que não existe ou a apresentá-lo de forma diversa da que genuinamente lhe corresponde».

Contudo, para «que se conclua pela existência da simulação não é obrigatório que se prove uma causa simulandi. A causa simulandi constitui um indício tipicamente axial no sentido de que a presença da mesma, só por si, não permite construir definitivamente a presunção mas constitui um catalisador heurístico que pode resultar da prova de outros indícios da síndrome simulatória. Ou seja, perante o apuramento de uma concreta causa simulandi, ficará facilitada a prova da simulação porquanto a causa simulandi operará como fio condutor na averiguação e interpretação dos demais factos sob julgamento».

Mas não poderá deixar de ser valorado o facto do simulador, demandado enquanto tal, não veicular «para o processo qualquer explicação justificativa do negócio», isto é, «o silêncio pode ser valorado como indício endoprocessual em seu desfavor porquanto não se outorgam negócios sem qualquer razão justificativa. Se o simulador apresenta uma causa justificativa inverosímil ou que não logra subsequentemente demonstrar, haverá que concluir que falta à verdade e que o que presidiu à sua actuação entronca numa causa simulandi.

Estabelecido, dir-se-á ainda que um «dos indícios mais operativos em sede de simulação é o indício affectio, gerado pelas relações familiares, de amizade, de dependência, de negócios, profissionais ou de dependência, anteriormente firmadas entre o simulador e o seu co-autor e que vinculam este àquele por um motivo de tal índole. O simulador escolhe como parceiro negocial uma pessoa da sua confiança porque pretende preservar o negócio dissimulado (ou o objectivo final que preside à sua actuação) e subtraí-lo a qualquer risco que ponha em causa a sua subsistência».

No entanto, e no «intuito de reforçar a aparência de veracidade do negócio, é comum o simulador contratar primeiramente com um estranho para que, seguidamente, este contrate com o familiar ou amigo em quem o simulador deposita maior confiança, destinatário final do negócio (indício interpositio). Ao agir desta forma, o simulador pretende esquivar-se ao indício affectio. Pode também o simulador constituir uma sociedade para criar um cúmplice para a simulação. Se a constituição da sociedade for recente, o indício sairá reforçado».

Já a «incapacidade financeira ou desproporcionalidade entre os meios económicos do adquirente e os encargos que o mesmo assume nos termos declarados no negócio simulado constituem o indício subfortuna».

Acresce, neste percurso indagativo, que um «preço irrisório ou abaixo dos valores de mercado constitui outro indício frequente da simulação (indício pretium vilis). Este indício abrange não só o preço em sentido estrito como a toda a contraprestação susceptível de valorar-se em dinheiro, v.g. permuta».

Reconhece-se, a propósito, que, e tal «como ocorre nos negócios genuínos, é comum nos negócios simulados, v.g. venda, as partes declararem perante o notário que já receberam o preço (indício pretium confessus). A diferença reside em que nos negócios simulados as partes dão por realizado o pagamento mas não dizem como, quando e/ou onde, sucumbindo qualquer explicação sobre as circunstâncias pretéritas integrativas do pagamento do preço.

Este indício é gerado por condicionalismos inerentes ao próprio negócio simulatório: a parte declara que já recebeu porque finge o pagamento de uma quantia que não dispõe e, deste modo, pretende obstar ao despoletamento do indício pretium vilis; a pressa ou sigilo do negócio simulatório; para evitar que se investiguem os movimentos bancários da data da escritura; para inviabilizar a investigação sobre o destino do dinheiro no património do accipiens; para sustentar a tese do preço compensado, etc».

Incumbe, porém, «aos simuladores provar o efectivo pagamento e não ao autor provar o facto negativo do não pagamento pelo simulador».

Prosseguindo, dir-se-á que «um dos indícios mais emblemáticos da simulação é o indício retentio possessionis (retenção da posse) que se traduz no facto de o simulador adquirente da coisa transmitida não exercitar sobre a coisa qualquer conduta possessória, sucumbindo por parte deste qualquer actividade reconduzível ao jus utendi, fruendi, disponendi e vindicandi. Assim, apesar da transmissão formal de bens, o vendedor continua na posse do imóvel ou aí a residir, ou seja, o contrato não é executado.

No que tange ao jus fruendi, a inexistência deste decorre, v.g. do vendedor continuar a receber as rendas, continuar a aproveitar os frutos, prosseguir o cultivo do terreno. Quanto à inexistência do ius utendi, a mesma pode demonstrar-se, v.g. pelo facto do vendedor fazer obras no imóvel ou suportar os custos das mesmas, pelo facto de o adquirente não ter sequer mudado o titular dos contratos de água ou electricidade.

(…)

Naturalmente que os simuladores tentarão infirmar o indício retentio possessionis designadamente com recurso a documentos registais, recibos de impostos e doutro tipo de encargos gerados pela coisa adquirida, Todavia, o que mais releva do ponto de vista semiótico não é a titularidade formal aposta em tal documento porquanto o fisco proprietário é quem precisamente figura como tal no título propriedade, mas sim quem efectivamente pagou tais encargos. Ou seja, mais do que atender a elementos documentais figurativos, haverá que averiguar se o pretenso adquirente exerce uma intervenção pessoal de domínio de facto sobre a coisa».

Por fim, ainda «dentro dos indícios que visam manter oculto o negócio simulado, encontramos o indício sigillum que se traduz na adopção das condutas que visam ocultar ou disfarçar a existência do negócio simulado. No fundo, trata-se de máxima de experiência. Qui male agit odiat lucem (Quem age mal, odeia a luz).

Este indício pode apresentar várias formas, nomeadamente: uma conduta silenciadora do simulador perante pessoas que, em virtude da sua relação afectiva ou jurídica com aquele, não poderiam ter ignorado o negócio se este prosseguisse fins lícitos, v.g. o filho só tem conhecimento que o pai vendeu um imóvel a outro filho aquando da morte do pai» (…). (Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, p. 224 a 235)».

Ora, considerando tudo o que acaba de se expor em conjugação com os factos provados e, para além destes, os factos instrumentais que resultaram da prova e que estão explícitos na motivação da decisão, não podemos deixar de concordar com a decisão recorrida.

O tribunal recorrido faz uma análise exaustiva dos extratos bancários juntos aos autos a pedido da autora para concluir que não houve verdadeiramente qualquer pagamento de tornas por parte da ré ao réu, revelando tais extratos um “giro de dinheiro para criar a aparência do pagamento das tornas”, tornas essas, aliás, que o réu declarou ter recebido no acto da partilha e que, agora, vem dizer que recebeu parcelarmente, através de empréstimos feitos pelos filhos à mãe, sendo que, verdadeiramente, houve apenas movimentação de dinheiros para dar aparência de tal pagamento faseado – remetemos para o extenso despacho de motivação da decisão em que tais movimentos estão explicados com recurso à análise dos referidos extratos bancários.

Pretendem os apelantes “desmontar” as premissas do raciocínio desenvolvido pelo julgador, analisando os mesmos extratos e encontrando algumas pequenas divergências, sobretudo de datas e quanto ao destino do dinheiro saído das contas do réu. Socorrem-se, também, dos depoimentos de parte dos próprios e testemunhais dos filhos, com a falta de credibilidade que já lhes assinalámos supra.

Analisado todo o processo, todos os documentos, perícias e prova oferecida em julgamento, não podemos concordar com os apelantes. As questões genéricas e abstractas que os mesmos colocam para conduzir à dúvida na convicção formada, são tão pertinentes como as que a apelada coloca, nas suas contra-alegações, para sustentar aquela motivação. Valem o que valem…

Entendemos, assim, que ficaram provados aqueles pontos da matéria de facto provada que os apelantes põem em causa, e que não se provaram, por oposição, os pontos 2.2, 2.5 e 2.6 dos factos não provados (quanto a este último, apenas se provou o que consta dos factos provados 1.39 e 1.40).”

A opção de transcrever a decisão recorrida, ainda que extensa, parece-nos adequada por forma a evidenciar o cuidado por parte do tribunal da Relação na fundamentação do sentido da decisão quanto à factualidade posta em causa, analisando os meios de prova constantes do processo e ponderando os elementos probatórios indicados pela parte visando a alteração da decisão fáctica.

Assim sendo, resultando claramente que o tribunal a quo se pronunciou sobre as questões que se lhe impunham em sede de impugnação da matéria de facto não foi cometida a nulidade que os Recorrentes imputam ao acórdão, cabendo salientar que a discordância quanto ao entendimento seguido quanto à análise e decisão da matéria de facto não tem cabimento em sede de nulidade de decisão, mas do próprio mérito do julgamento.

2.3 Os Recorrentes invocam ainda o cometimento de nulidade por omissão de pronúncia alegando que o tribunal a quo ao conhecer da impugnação da factualidade ínsita no ponto 1.26 da matéria de facto não conheceu de um meio de prova relevante para apreciação da referida matéria: o depoimento da testemunha CC.

Quanto a este aspecto os Recorrentes mostram-se equivocados acerca dos poderes/deveres de cognição do tribunal da relação no que toca à impugnação da matéria de facto, confundido ainda cometimento de nulidade por omissão de pronúncia com eventual erro de julgamento da matéria de facto.

No conhecimento do recurso sobre a matéria de facto, incumbe ao tribunal da Relação (para além das situações de conhecimento oficioso relacionadas com algumas patologias que possam afectar a decisão fáctica) o dever de apreciar a matéria impugnada pela parte a qual, para o efeito, se encontra adstrita ao cumprimento dos requisitos previstos no artigo 640.º, n.º1, alíneas a), b) e c), do CPC, constituindo um deles, o de indicar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. E se já se mostra pacífico que o tribunal da Relação tem autonomia decisória competindo-lhe formar a sua própria convicção, o julgamento da matéria de facto em 2ª instância não pode ser entendido/reconduzido a uma repetição de julgamento; daí que a reapreciação a fazer se mostre cerceada aos meios de prova indicados pelas partes, ou aos que se mostrem acessíveis no processo com respeito pelo princípio do dispositivo.

Na situação concreta, os Réus, na impugnação que fizeram do ponto 1.26, designaram como meios de prova que impunham decisão diversa as declarações de parte do Réu, o depoimento da Ré e os depoimentos das testemunhas HH e II (meios que foram objecto de apreciação pelo tribunal a quo conforme resulta do excerto acima transcrito), não tendo indicado a testemunha CC; como tal, não cabia ao tribunal a quo a ponderação do depoimento desta testemunha na reapreciação da referida matéria.

De todo o modo, a inconsideração de um depoimento testemunhal na reapreciação da matéria de facto por parte do tribunal da Relação apenas poderia assumir relevância no âmbito do erro de julgamento, cuja sindicância sempre estaria vedada a este tribunal atento os poderes que a lei lhe atribui no domínio dos factos.

Não se verifica, pois, qualquer nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.


3. Da violação das regras de direito probatório

Insurgem-se os Réus contra a decisão fáctica reportada aos pontos n.ºs 1.17, 1.18, 1.27, 1.34, 1.36 e 1.37, pretendendo que sejam eliminados da factualidade provada (sendo o n.º 1.27, reportado apenas à limitação do seu conteúdo), invocando as seguintes razões:

- por se tratar de matéria conclusiva (1.17 e 1.18);

- por conter repetição dos factos referidos em 1.13 e 1.2 (facto n.º 1.27, que no entender dos Recorrentes deverá limitar-se à afirmação de que “os réus, em 23.12.2011, outorgaram escritura de partilha dos bens (vinte) que pertenciam ao património comum dom casal - doc. 10, fls 57vº e ss”),

- por resultarem de utilização de presunção judicial em desconformidade com a lei (1.34, 1.36 e 1.37).

Vejamos.

           

3.1 Na sequência do já salientado, a intervenção deste tribunal no domínio dos factos encontra-se circunscrita, conforme dispõe o artigo 674.º n.º 3, do CPC, às situações em que a lei exige determinado tipo de prova para demonstração de certas circunstâncias factuais ou atribui específica força probatória a determinado meio probatório.

Avaliar se determinado facto integra um conceito de direito ou uma feição jurídico-valorativa terá de ser entendida como questão de direito uma vez que não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse mesmo facto, mas reconduz-se a corrigir um erro de qualificação quanto às regras de direito aplicáveis (cfr. entre outros, acórdãos deste Supremo Tribunal de 28-09-2017, Processo n.º 659/12.6TVLSB.L1.S1 e de 10-01-2017, Processo n.º 761/13.7TVPRT.P1.S1, a cujos sumários se pode aceder por https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/civel2017.pdf).

Relativamente à factualidade vertida nos pontos n.ºs 1.17 e 1.18 da matéria de facto está em causa apreciar se os mesmos devem ser eliminados dos factos provados por consubstanciarem apenas juízos conclusivos, ou seja, cumpre saber se a referida matéria reflecte, indevidamente, uma valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, p. 312).

Com efeito, como salienta o acórdão de 28-09-2017 acima citado, na medida em que, por imperativo do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do actual Código de Processo Civil, devem constar da fundamentação da sentença os factos – e apenas os factos – julgados provados e não provados, o que significa que deve ser suprimida toda a matéria deles constante susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, juízos de valor ou conclusivos.

Está em causa a seguinte matéria:

1.17. As restantes sociedades “Tecnimpulso”, “Britagodo”, “Sobreiros e Ribeiro”, referidas supra em 1.5., 1.6. e 1.7. apresentam-se com uma periclitante saúde financeira, com activos manifestamente inferiores aos passivos.

1.18. O réu insolvente havia, entretanto, assumido inúmeras responsabilidades pessoais, muitas delas relacionadas com a actividade da “AURÉLIO MARTINS SOBREIRO & FILHOS, SA”, designadamente avalizando livranças, contraindo empréstimos, solicitando garantias bancárias, celebrando contratos de abertura de crédito para a “AURÉLIO MARTINS SOBREIRO & FILHOS, SA”, tendo, por via disso, os diversos credores reclamado no processo de insolvência do co-réu mais de 9.000.000,00 € - doc. 9, fls. 56 vº e 57.

Sobre a questão refere o acórdão recorrido:

Não há dúvida que o facto 1.17 está muito perto de poder ser visto como um facto conclusivo. Contudo, ele mais não retrata do que os dados que ficam patentes nos pontos 1.38 e 1.44, ou seja, de que a saúde financeira destas sociedades era periclitante, a juntarem-se às que já haviam sido dissolvidas ou declaradas insolventes. A motivação da decisão é, aliás, bem explícita, quanto a esta questão e baseia-se na análise das declarações fiscais relativas a estas sociedades. Das mesmas resulta que a Tecnimpulso, em 2011, esgotou o capital na cobertura do prejuízo e, se em 2015, apresentou lucro tributável (€ 38.000,00), a verdade é que já não tinha pessoal, nem atividade e apresentou prejuízos fiscais acumulados de € 410.000,00, passando em 2016 para um lucro tributável negativo, sem atividade e sem pessoal. Também a Britagodo passou de um lucro tributável de € 421.000,00, em 2011 para prejuízos de € 262.000,00, em 2015, já sem volume de negócios, nem pessoal, tendo em 2016 um resultado negativo de € 10.321,39. Finalmente, a Sobreiros, já em 2011, apresentava um lucro tributável negativo de € 339.128,24, com acumulação de prejuízos sempre em crescendo, chegando a 2016 sem atividade.

Diga-se, aliás, que os próprios réus, na escritura de partilha, atribuíram a cada uma das participações sociais, nessas sociedades, o valor de € 1,00, apesar de, segundo disseram em audiência de julgamento, terem mandado avaliar todos os bens.

(…)

Finalmente vem requerida a eliminação do ponto 1.18 dos factos provados, por se entender que o mesmo é conclusivo em relação a estes pontos 1.19 a 1.25.

Dir-se-á aqui o mesmo que se disse em relação ao ponto 1.17 dos factos provados, pois que, apesar de alguma tonalidade conclusiva que se pode retirar do mesmo, a sua redação ajuda a compreender melhor a “história” financeira do réu e a sua ligação com a sociedade “Aurélio Martins Sobreiro & Filhos, SA”, bem como, sem necessidade de fazer contas, expõe o facto de que foram reclamados créditos na sua insolvência, no valor de mais de € 9.000.000,00.

Não se vê, portanto, necessidade de eliminar este ponto.”

Há que concordar com tal apreciação, pois que não obstante o cariz conclusivo inerente à matéria em causa nenhuma delas integra o conceito de juízo de valor jurídico ou sobre questão de direito pois só nestes casos não poderão ser considerados no âmbito da matéria de facto por integrarem matéria de direito.

Embora se reconheça que a redacção em causa não corresponde à melhor técnica de consignar a factualidade apreendida pelo julgador em função dos meios de prova produzidos, o certo é que tais factos conclusivos, que consubstanciam a consequência lógica retirada de outros factos, ainda assim constituem matéria de facto.

Por outro lado, importa ter presente que o rigorismo formal não deve ser comprometedor da apreensão e compreensão da realidade por forma a melhor adequar a ponderação de todas as circunstâncias na resolução do litígio.

É, pois, de manter tal matéria nos factos provados.

3.2 Defendem os Recorrentes que o facto n.º 1.27 deverá ser reduzido a Os réus, em 23.12.2011, outorgaram escritura de partilha dos bens (vinte) que pertenciam ao património comum dom casal - doc. 10, fls 57vº e ss”),) suprimindo-se as afirmações “Logo a seguir à declaração de insolvência da AURÉLIO MARTINS SOBREIRO& FILHOD, SA (31.10.2011)  e logo a seguir a ter sido decretada a respectiva separação de pessoas e bens (6.12.2011)”, por conterem a repetição dos factos referidos em 1.13 e 1.2.

Apreciando tal pretensão o acórdão recorrido entendeu não ser de alterar o referido ponto da matéria de facto porque “(…) apenas aí se retratam situações factuais dos autos, ainda que, eventualmente, já repetidas noutros pontos da matéria de facto e a conclusão a que se referem os apelantes não resulta do mesmo”. Há que secundar tal entendimento, aliás, no seguimento do que se mostra ponderado em 3.1, tendo em conta que está ainda em causa matéria de facto.

3.3 Visando a eliminação da matéria provada constante dos pontos n.ºs 1.34, 1.36 e 1.37 defendem ainda os Recorrentes que para a demonstração do acordo simulatório o tribunal de 1ª instância, confirmado pelo tribunal a quo, fez uso de presunção judicial em desconformidade com a lei, porquanto:

- no caso se encontrar vedada a possibilidade de utilização de presunção judicial por a Autora agir em representação do próprio insolvente (artigos 394.º, n.ºs 1 e 2 e 351.º, ambos do Código Civil);

- o tribunal ter firmado um facto desconhecido (a vontade diversa da declarada, o acordo simulatório e a inexistência de tornas) assente em factos não provados;

- em face da ilogicidade do texto em que assentaram as premissas

Em ponderação à impugnação desta matéria o acórdão recorrido, conforme decorre do excerto que se transcreveu em 2.2 (para o qual também aqui se remete), sustentou a manutenção da referida factualidade entendendo que:

- a simulação, no caso, não se encontra submetida a prova vinculada, mas à regra geral da livre apreciação das provas pelo tribunal, uma vez que não se verifica uma situação de coincidência de sujeitos;

- a demonstração dos factos conducentes à simulação, por dizerem respeito a processamento a nível interno ou psíquico e se revelarem em parcas manifestações externas de difícil percepção, é quase sempre feita através de factos instrumentais ou indiciários avaliados no relevo e significado em função de presunções naturais e de experiência.

Em causa está a seguinte factualidade:
1.34. Nem o réu insolvente, nem a ré quiseram partilhar, ou partilharam, os bens identificados na escritura junta como doc. de fls. 57 vº e ss.
1.36. Nem o réu insolvente quis receber, ou recebeu, nem a ré quis pagar, ou pagou, qualquer quantia a título de tornas, designadamente os 255.246,00 €.
1.37. Os réus concertaram-se nas respectivas declarações, exaradas no contrato de partilha, para enganar todos os seus credores, com elas querendo furtar o património deles - ou, ao menos, a meação do réu insolvente - à incidência de penhoras promovidas pelos mesmos credores, assim defraudando as legítimas expectativas destes no recebimento dos respectivos créditos.

3.3.1 Como resulta da lei e na sequência do já supra afirmado, a intervenção do STJ no domínio factual é muito limitada porquanto não cabe ao tribunal de revista sindicar o erro na livre apreciação das provas, excepto quando, nos termos contemplados no artigo 674.º, n.º3, do CPC, ocorra ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, ou ainda quando a apreciação feita se mostre alicerçada num juízo de presunção judicial revelador de manifesta ilogicidade (Acórdão do STJ de 02-11-2017, Revista n.º 62/09.5TBLGS.E1.S1, a cujo sumário se pode aceder por https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/civel2017.pdf ). Nesse sentido, não pode este tribunal modificar ou sancionar a decisão fáctica fixada pela instância recorrida quando estejam em causa meios de prova sujeitos à livre apreciação do tribunal, ou seja, sem valor probatório tabelado.

Mostra-se pacífico nos autos (tendo presente o teor da motivação à matéria de facto na sentença e os fundamentos da decisão que conheceu do recurso de impugnação da mesma matéria por parte do acórdão recorrido) que a demonstração dos elementos essenciais da simulação foi, no caso, levada a cabo através de meios probatórios sujeitos à livre convicção do julgador  

Como resulta do artigo 349.º, do Código Civil, as presunções são ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provado(s) facto(s) desconhecido(s) (facto(s) presumido(s)), consubstanciando, nessa medida, um juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência.

O juízo presuntivo e o conhecimento dele resultante consubstancia um facto e não um juízo de valor nem uma conclusão de direito; como tal insindicável pelo STJ excepto nas situações já assinaladas (nos casos de violação de lei e das normas disciplinadoras do instituto, designadamente sempre que ocorra ilogicidade e/ou a alteração da factualidade provada, ou seja, quando a presunção parta de factos não provados).

Cabe por isso na competência deste Supremo Tribunal, por ser questão de direito, verificar da correcção do método discursivo de raciocínio, isto é, se os critérios operativos da presunção (regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplinas científicas, ou da lógica) se mostram respeitados e decidir se, no caso concreto, de um ponto de vista estritamente legal, se era ou não permitido o uso da presunção, face ao disposto no artigo 351.º do CC (acórdão do STJ de 05-12-2017, Processo n.º 725/12.8TBCHV.G1.S3, a cujo sumário se pode aceder por https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/civel2017.pdf).

Assim sendo, cumpre avaliar se a matéria provada em 1.34, 1.36 e 1.37 (na parte correspondente aos factos integradores da simulação negocial) resulta de inobservância das regras probatórias que regem o instituto da presunção judicial.

3.3.2 A demonstração dos requisitos da simulação resultaram, no caso, da apreciação de meios de prova sujeitos à livre convicção do tribunal como se mostra patente quer do despacho de fundamentação à matéria de facto por parte do tribunal de 1ª instância, quer da decisão do tribunal a quo ao conhecer do recurso daquela decisão, tendo os factos subjectivos essenciais (intenção e vontade real das partes) resultado de um juízo presuntivo.

Com efeito, como se encontra realçado no acórdão recorrido, a sentença teve em conta fundamentalmente documentos constantes dos autos, entre eles os extractos bancários e cheques que foram objecto de pormenorizada análise explicativa da movimentação financeira levada a cabo nas contas dos Réus.

Para além disso, a convicção das instâncias mostra-se também firmada no resultado das perícias de avaliação às verbas da partilha e ainda nas declarações fiscais reportadas às sociedades comerciais de que o Réu era sócio e accionista.

Entendem os Réus que a utilização de presunção judicial se mostrava vedada atento o disposto nos artigos 351º e 394.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CC (inadmissibilidade da utilização de presunção judicial relativamente ao acordo simulatório quando invocado pelos simuladores) atribuindo à Autora a representação do Réu insolvente e, por isso, concluindo pela identidade de sujeitos.

Trata-se, porém, de uma construção que não tem cabimento no caso uma vez que a Autora não tendo sido parte na escritura de partilha é necessariamente um terceiro relativamente a este negócio. Assim sendo, a demonstração do acordo simulatório não estava submetida à prova vinculada.

3.3.3. Alegam ainda os Recorrentes que o juízo presuntivo das instâncias assentou em factualidade não provada invocando ainda a ilogicidade do mesmo. Todavia, os Réus limitam-se a tecer considerações genéricas (“a instância havia dado como provados factos com recurso a presunções sem que os próprios factos base constassem do elenco da matéria de facto (factos relativos aos pagamentos das tornas), sendo certo que, pelo contrário, o que constava dos elementos probatórios dos autos até conduzia à solução oposta daquela que foi preconizada pela instância, E repare-se que o Tribunal recorrido, assumindo que realmente o julgamento da instância acerca da prova desses factos assentou em elementos documentais relacionados com o pagamento das tornas, nem uma palavra diz acerca desta total ausência desses factos base do elenco da matéria de facto, tão ostensivo é que eles não constam do elenco!!!) que denotam o seu inconformismo quanto à convicção que o tribunal a quo retirou dos meios de prova documentais constantes do processo, aspecto que este tribunal não pode sindicar; daí que a referência a factos não provados se mostra reportada ao juízo probatório que defende perante os meios de prova produzidos .

Ao invés, tendo em conta os factos demonstrados no processo (reportados às condições pessoais e patrimoniais dos Réus, a factualidade que precedeu a realização da escritura e o seu próprio conteúdo) o tribunal a quo, socorrendo-se do trilho argumentativo explanado na sentença, conjugando-os com as circunstâncias temporais em que ocorreram, com recurso às regras da experiência e num discurso coerente, lógico e convincente, conclui pela comprovação do elenco factual subjectivo integrador da simulação.

Deste modo, não há motivo para censurar o acórdão recorrido ao confirmar a matéria de facto, designadamente no que toca à utilização do juízo presuntivo por parte da 1ª instância. 

Não se mostrando, pois, a existência de erro probatório susceptível de sindicância deste Tribunal Supremo nem qualquer violação das regras de direito probatório, terá de se manter a factualidade dada por assente pela Relação.

Improcedem, por isso, as conclusões dos Réus.

IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em improcedente a revista confirmando o acórdão recorrido (quanto à matéria que foi passível de conhecimento neste recurso).

Custas pelos Recorrentes.

***

Devendo o recurso prosseguir, como revista excepcional, no que se reporta à matéria que não foi objecto de conhecimento nesta sede de revista normal, oportunamente proceda-se à apresentação do processo à Formação a que alude o artigo 672.º, nº 3, do CPC.

           
Lisboa, 13 de Outubro de 2020

                                                                                               Graça Amaral (Relatora)

Henrique Araújo

Maria Olinda Garcia

Tem voto de conformidade dos Senhores Conselheiros Adjuntos (artigo 15ºA, aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).