Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
032014
Nº Convencional: JSTJ00004289
Relator: LOPES CARDOSO
Descritores: CONTRAVENÇÃO
PROCESSO
ACUSAÇÃO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196703150320143
Data do Acordão: 03/15/1967
Votação: MAIORIA COM 4 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IS DE 1967/04/13, PÁG.674 - BMJ N º 165, ANO1967, PÁG. 219 -
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CPP29 ARTIGO 545 ARTIGO 555 ARTIGO 669.
DL 35007 DE 1945/10/13 ARTIGO 2 PARUNICO ARTIGO 47.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RL DE 1957/04/05 IN JR ANOIII T2 PAG349.
Sumário :
O artigo 545 do Codigo do Processo Penal, na parte em que atribui ao juiz o poder de verificar se e fundamentada a acusação, não foi afectado pelo artigo 47 do Decreto-Lei n. 35007, de 13 de Outubro de 1945.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

O Ministerio Publico recorreu para o Tribunal Pleno, nos termos do artigo 669 do Codigo de Processo Penal, do acordão da Relação de Lourenço Marques, de 10 de Setembro de 1965 , por oposição com o da Relação de Lisboa, de 5 de Abril de 1957, publicado em Jurisprudencia das Relações, III, 1957, tomo II, pagina 349, sobre a solução dada a questão de direito que consistia em saber se, nos casos do artigo 47 do Decreto-Lei n. 35007, de 13 de Outubro de 1945, e aplicavel a disposição do artigo 545 do citado Codigo, segundo a qual a designação de dia para o julgamento de transgressões depende de que o juiz entenda haver fundamento para a acção penal.
A Secção julgou verificada a oposição, seguindo-se alegações do recorrente, que depende a aplicabilidade da aludida disposição.
Vejamos:
O acordão de 1957 revogou um despacho do juiz da comarca que, por entender não constituirem infracção penal os factos constantes dum auto enviado para os efeitos do citado artigo 47, se absteve de marcar dia para julgamento e mandou arquivar o processo. O acordão recorrido, por seu turno, negou provimento a recurso dum despacho que igualmente mandara arquivar o processo, sem audiencia de julgamento, por o juiz entender que não havia contravenção.
E, pois, flagrante a oposição entre os dois julgados.
Dada essa oposição, o recurso para o Tribunal Pleno era admissivel desde que, não sendo o acordão recorrido passivel de recurso ordinario, se visa obter a fixação de jurisprudencia.
Assim, e de manter o decidido pela Secção, quanto ao seguimento do recurso.
Agora quanto ao fundo:
O acordão de 1957 fundou-se em que, não so o artigo 545, mas tambem o 555 do Codigo são incompativeis com o 47 do Decreto-Lei posto que este preceito manda marcar "imediatamente" o julgamento das transgressões a que se refere, o que exclui a possibilidade de rejeitar liminarmente a acção penal, e so consente recurso da "decisão final" o que mostra so ser possivel que o processo finde por sentença. O acordão recorrido considera subsistente a regra do artigo 545 e considera abrangido na expressão "decisão Final" o despacho que liminarmente rejeite a acção penal.
Tem-se como exacta esta segunda doutrina.
No regime anterior ao Decreto-Lei n. 35007, a designação de dia para o julgamento de transgressões dependia sempre de promoção do Ministerio Publico, mas era vulgar que as entidades autuantes, esquecidas de que no tribunal funcionava uma magistratura a quem incumbia representar o executivo perante o juiz, enviavam a este, em vez de enviarem ao Ministerio Publico, os autos que levantavam.
Dessa pratica erronea resultava passar o juiz a ser o intermediario entre aquelas autoridades e o Ministerio Publico, a quem os autos tinham de ser enviados, para ser preenchida a formalidade da dita promoção.
O Decreto-Lei n. 35007, no intuito visivel de simplificar e acelerar, conformou-se com essa pratica e aboliu a formalidade. Fe-lo pelas disposições do seu artigo 2, que o artigo 47 completa.
No artigo 2 transferiu para as entidades ai mencionadas a promoção do julgamento, a que chamou exercicio da acção penal, tendo o cuidado de dizer, no paragrafo unico do mesmo artigo, que esse exercicio "equivale, para todos os efeitos, a acusação em processo penal".
Ora, segundo o falado artigo 545 do Codigo, a acusação penal por transgressão so conduz ao julgamento se o juiz entender que tem fundamento.
O artigo 47 do Decreto-Lei não reproduz a condição; limita-se a dizer "o juiz designara imediatamente dia para julgamento", acrescentando, todavia, "se o auto não satisfazer aos requisitos legais, sera devolvido para sua regularização ou instrução do processo".
Quer dizer: o artigo so preve rejeição liminar fundada em deficiencias formais do auto.
Dai não pode, em, todo o caso, concluir-se apressadamente que o legislador tivesse tido em vista afastar a rejeição por motivos substanciais, por manifesta improcedencia da acção penal, em casos como os dos acordãos em conflito, ou seja, em casos de os factos constantes do auto não constituirem infracção penal.
Não havia necessidade de repetir o que, sobre tal rejeição dizia o artigo 545 do Codigo, quanto a acusação do Ministerio Publico, a qual o paragrafo unico do artigo 2 equipara, "para todos os efeitos", o envio dos autos ao juiz.
Do adverbio "imediatamente", contido no artigo 47, tambem não pode inferir-se que, entre o recebimento do auto em juizo e a designação de dia para julgamento, nada possa intercalar-se. E o proprio artigo 47 a admitir expressamente a rejeição da acção penal pelas referidas deficiencias formais do auto.
Compreende-se perfeitamente que, na passagem abrupta, da tradição inveterada de o julgamento depender de previa promoção do Ministerio Publico, para um regime revolucionario que dispensava tal promoção, se sentisse necessidade de frisar que não havia lugar aquela promoção quando a acção penal fosse exercida nos termos do artigo 2 do Decreto-Lei.
A isso se deve ter destinado o aludido adverbio.
Não se justificaria que o juiz tivesse que exercer censura sobre a dedução da acção penal deduzida por um magistrado especializado e a não pudesse exercer quanto a intentada por um simples agente de policia.
Alias, tem de haver-se como regra que a lei, quando exije despacho judicial, e porque considera necessaria a verificação, por um juiz, dos pressupostos por ela estabelecidos para a pratica do acto a ordenar.
Os despachos de mero expediente, que infelizmente ainda não puderam ser inteiramente banidos, constituem excepção.
So excepcionalmente são atribuidas ao juiz funções puramente burocraticas, no processo.
Nada indica, por forma segura, que o despacho a que alude o artigo 47 pertença a especie excepcional.
Acresce ser inadmissivel que uma reforma tendente a simplificar o processo, dispensando a tradicional promoção do Ministerio Publico, o quisesse complicar noutro ponto, obrigando ao formalismo inutil duma audiencia de julgamento so para se concluir que a acusação era inicialmente infundada.
Isso seria um retrocesso inaceitavel, relativamente ao regime do artigo 545 do Codigo, e uma aberração, dentro do nosso sistema processual, tanto crime como civel, pois ate neste ultimo a lei vei estabelecer o indeferimento liminar, em ordem a evitar inuteis perdas de tempo para a justiça e incomodos e despesas para as partes.
Tambem não colhe o argumento de que o falado artigo 47 so consente recurso da decisão final.
Isso não e contrario ao que dispõe o artigo 555 do Codigo Que, alias duma maneira menos correcta, preve recurso da "sentença final" e do despacho que não receba a acusação.
A expressão do artigo 47 "decisão final" e mais ampla que a do artigo 555 "sentença final"; compreende tanto a sentença final como o despacho final.
Pelo exposto, assenta-se em que "o artigo 545 do Codigo de Processo Penal, na parte em que atribui ao juiz o poder de verificar se e fundamentada a acusação, não foi afectado pelo artigo 47 do Decreto-Lei n. 35007, de 13 de Outubro de 1945".
Sem imposto de Justiça.
Lopes Cardoso (Relator) - Jose Cabral Ribeiro de Almeida -
- Adriano Vera Jardim (Vencido. No projecto do acordão apresentado, defendi que nos casos previstos no artigo 47 do Decreto-Lei n. 35007 não era licito ao juiz usar da disposição do artigo 545 do Codigo de Processo Penal para rejeitar a acção penal, uma vez que esta ultima disposição não podia aplicar-se naqueles casos: "Transgressões verificadas em auto que faça fe em juizo ou instruidas pela autoridades policiais".
E isto porque: em primeiro lugar, o mencionado artigo 47 diz que o juiz designara imediatamente dia para julgamento, acrescentando que so ha recurso da decisão final, expressão esta que se refere a sentença, como se conclui do mesmo artigo; em segundo, porque o artigo, não contendo disposição semelhante a do artigo 555 do Codigo de Processo Penal, que permite o recurso do despacho que, não recebendo a acusação, não designe dia para julgamento, deixava sem possibilidade de recurso tal despacho - o que seria inadmissivel, ou então teria de chegar-se a conclusão que a parte final do artigo 47 não tinha aplicação, o que tambem e - e mais flagrantemente, inaceitavel.
Por outro lado, fazia-se realçar que o artigo 47, tendo apenas aplicação naqueles dois casos, se compreendia perfeitamente, pois a acção penal tem, nesses casos, um caracter de maior seriedade, de verdade, sendo certo que ao juiz e dado o poder de fiscalizar a regularidade formal do meio por que a ação e exercida.
Alem disto, sustentava-se que a afirmação de que o artigo 47 ao prescrever que o juiz designara imediatamente dia para julgamento quer simplesmente significar que o juiz assim procedera independentemente de promoção do Ministerio Publico, o que se harmoniza com o principio estabelecido no paragrafo unico do artigo 2 do Decreto-Lei n. 35007 (declaração de voto constante do acordão invocado em oposição), deixaria a disposição sem qualquer significado, pois ja se sabe que a remessa do auto ao Tribunal nos termos daquele paragrafo equivale a acusação em processo penal.
Combatiam-se, por outro lado, tendo em vista a natureza das infracções a que se refere o artigo 47 e o poder conferido ao juiz de mandar regularizar o auto ou instruir o processo, certos argumentos que se referiam a um suposto perigo em que era posta a dignificação da função de julgar e ao facto de poder constituir para os cidadões um vexame o conhecer-se apenas do merito da acção em julgamento -
- perigo e vexame que, a nosso ver, não existem, e pelos motivos apontados, sendo alias, certo que outras legislações tem ido muito mais longe - e em materia não contravencional - sem que a seu respeito se tenham proferido observações daquela natureza, que no caso não parecem pertinentes.
A nossa conclusão, como do que resumidamente se deixa ver, era, pois, que o artigo 545 não foi revogado pelo artigo 47 do Decreto-Lei n. 35007, mas que este dispõs para dois casos especiais em que aquele artigo do Codigo não podia ter aplicação.
Podemos agora acrescentar, em face da posição que fez vencimento, que o citado artigo 47 não tem qualquer aplicação, pois sendo de respeitar sempre o artigo 545 daquele Codigo nos casos de acção penal exercidos nos termos do paragrafo unico do artigo 2 do Decreto-Lei n. 35007, e portanto nas hipoteses previstas no artigo 47, estas, submetidas tambem ao disposto no artigo 545, são equiparadas a todo o meio de exercicio de acção penal pelas entidades a que se refere o mencionado artigo 2 - o que significa que o artigo 47 e letra morta.
A menos que se entenda - o que não e de admitir - que com a disposição a lei so pretende dar ao juiz o poder de mandar regularizar o auto ou instruir o processo. Mas nesse caso, ha que concordar que tem palavras a mais e que esta deslocado).

Lisboa, 15 de Março de 1967

Fernando Bernardes de Miranda (Vencido, pelas razões constantes do voto de vencido que antecede).
H. Dias Freire (Vencido, pelos fundamentos do primeiro voto de vencido).
Francisco Soares (Vencido pelas razões constantes do primeiro voto de vencido). Tem voto de conformidade dos Senhores Conselheiros Torres Paulo, Albuquerque Rocha,
Ludovico da Costa, Santos Carvalho, Correia Guedes e Joaquim de Melo, e votos de vencidos dos Senhores Conselheiros Gonçalves Pereira e Oliveira Carvalho, que não assinam por não estarem presentes. - Lopes Cardoso.