Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6250/18.6T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRIVAÇÃO DO USO DE VEICULO
EQUIDADE
PERDA DE VEÍCULO
SALVADOS
VALOR VENAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DE COGNIÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 09/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A decisão de facto é da competência das Instâncias, pelo que, o Supremo Tribunal de Justiça não pode interferir na decisão de facto, somente importando a respetiva intervenção, quando seja invocado erro de direito.
II. Entendendo o escopo da indemnização que mais não é do que colocar o lesado na situação que estaria sem a ocorrência do facto danoso, reconhecemos que estando o veículo em situação de perda total, a seguradora tem de ser condenada a pagar o valor comercial do veículo sinistrado, calculado à data do acidente, e não apenas a diferença entre este e o valor do salvado, acaso se distinga, no caso concreto, que o lesado assumiu, inequivocamente, abrir mão da propriedade do salvado a favor da seguradora, ao cabo e ao resto, quando assuma, sem reservas, que não pretende ficar com o salvado na sua esfera jurídica, inexistindo no ordenamento jurídico preceito a impor que o salvado fique na posse do lesado, prevendo-se, aliás, a possibilidade de a seguradora adquirir o salvado, ficando, nesse caso, o pagamento da indemnização dependente da entrega, a esta, do documento único automóvel, ou do título de registo de propriedade e do livrete do veículo.
III. O dano decorrente da privação do uso veículo constitui dano patrimonial autónomo, quando o proprietário do veículo danificado se viu privado de um bem que faz parte do seu património, deixando de dele poder dispor e gozar livremente, com violação do respetivo direito de propriedade.
IV. Demonstrado o dano que advém da privação do uso do veículo, na falta de quantificação objetiva, é legítimo o recurso à equidade para fixar a respetiva compensação.
V. Tratando-se de uma indemnização fixada segundo a equidade, mais do que discutir a aplicação de puros juízos de equidade que, em rigor, não se traduzem na resolução de uma “questão de direito”, importa, essencialmente, num recurso de revista, verificar se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados e se se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência atualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO


1. AA intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra a Ré, Seguradoras Unidas, SA. pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de €99.332,01, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, com juros de mora desde a data do sinistro, e, ainda, a quantia diária, a fixar equitativamente, correspondente à privação do veículo.

Articulou, com utilidade, que em … de novembro de 2017, sofreu as consequências de um embate entre o seu veículo automóvel QF e o NA, seguro na Ré, por causa e por culpa da condutora deste, tendo sofrido diversos danos, cujo ressarcimento reclama, entre os quais, a privação do uso do veículo, cuja indemnização deverá ser fixada.

2. Regularmente citada, contestou a Ré aceitando a responsabilidade do seu segurado, na eclosão do acidente ajuizado, impugnando, todavia, em grande parte os factos relativos aos danos, bem como os documentos apresentados, concluindo não dever a quantia pretendida.

3. O Autor apresentou resposta.

4. Foi dispensada a audiência prévia, proferido saneador tabelar, identificado o objeto do litígio, elencado o rol dos factos assentes e enunciada a temática a provar.

5. Calendarizada e realizada a audiência final, veio a ser proferida sentença sendo o respetivo excerto decisório do seguinte teor: “Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção condenando a Ré a pagar ao Autor:

A. A quantia de €44.604,90 (quarenta e quatro mil, seiscentos e quatro euros e noventa cêntimos), acrescida de juros calculados à taxa legal, contados sobre a quantia de €42.104,90 (quarenta e dois mil, cento e quatro euros e noventa cêntimos) desde a data da citação e sobre a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) desde presente data, em ambos os casos até efectivo e integral pagamento;

B. A quantia diária de €13,00 (treze euros), desde a presente data até efectivo e integral pagamento da indemnização aludida em A. supra.

Custas por Autor e Ré na proporção do decaimento (artigo 527º do CPC).”

6. Inconformados com o decidido, interpuseram as partes, Autor e Ré, a respetiva apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido dos recursos, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi enunciado: “Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedentes, apenas em parte, cada um dos recursos, e, em consequência, dando-lhes parcial provimento nos termos expostos, altera-se a sentença recorrida e, portanto, julgando-se parcialmente provada e procedente a acção condena-se a ré seguradora a pagar ao autor a quantia de 28.790,26€ (vinte e oito mil setecentos e noventa euros e vinte e seis cêntimos), com juros de mora legais contados sobre a de 27.790,26€ (vinte e sete mil setecentos e noventa euros e vinte e seis cêntimos) desde a citação e sobre a de 1.000,00€ (mil euros) desde esta data, com iguais juros contados a partir daqui, em ambos os casos até integral cumprimento – indo no mais a ré absolvida do restante pedido.”

7. É contra este acórdão, proferido no Tribunal da Relação …….. que o Autor/AA e Ré/Seguradoras Unidas, SA., se insurgem, esta a título subordinado, formulando as seguintes conclusões:

Do Recorrente/Autor/AA:

“1. O recurso apresentado pelo recorrente tem por fundamento o Acórdão da Relação …….., de 05.03.2021, que julgou procedentes, apenas em parte, cada um dos recursos interpostos pelas partes, e, em consequência, dando-lhes parcial provimento nos termos expostos, alterou a sentença recorrida, julgando parcialmente provada e procedente a ação, condenando a ré seguradora a pagar ao autor a quantia de 28.790,26€, com juros de mora legais contados sobre a quantia de 27.790,26€ desde a citação e sobre a de 1.000,00€ desde esta data, com iguais juros contados a partir daqui, em ambos os casos até integral cumprimento – indo no mais a ré absolvida do restante pedido.

2. Cremos que o Tribunal da Relação …….. não decidiu bem, não devendo manter-se o douto acórdão de que se recorre uma vez que consubstancia uma solução que não consagra a devida, rigorosa e justa interpretação dos factos e consequente aplicação do direito. A alteração sufragada pelo Tribunal da Relação quanto à decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância desvirtua o fim que o legislador pretendeu alcançar em situações como a sucedida nos autos – conceder ao lesado de um acidente de viação, cuja culpa exclusiva pertence ao condutor segurado pela ré seguradora, a restauração por equivalente (uma vez assente a perda total do veículo) mediante o pagamento do valor venal da viatura acidentada, colocando o lesado na situação que teria sem a ocorrência do sinistro.

3. O Tribunal da Relação começou por efetuar indevidamente a alteração do ponto 12 da sentença do Tribunal de 1ª Instância relativamente ao valor do veículo à data do acidente.

4. Relativamente à questão do valor atribuído ao veículo à data do acidente, o autor alegou que o valor do veículo à data do acidente era de 46.374,00€, a ré, de 38.000,00€ e a sentença proferida pela 1ª Instância julgou provado, como valor de mercado, o de 45.000,00€.

5. O documento da Eurotax junto aos autos pelo autor, com base no qual a 1ª Instância determinou, descontadas as imprecisões, o valor de €45.000,00€, foi considerado pelo Tribunal da Relação como documento idóneo, de relevo probatório decisivo. Conforme acórdão: É certo que, como enfatiza, existem algumas imprecisões. Porém, o tribunal a quo, na motivação, salientou e ponderou essas discrepâncias e, por isso, computou-as no valor fixado.

6. É de discordar o pensamento tecido pelo Tribunal da Relação pois não só acaba por fazer tábua rasa do entendimento aceite como correto da 1ª Instância como acaba por recorrer a valores que não deveriam ser atendidos em sede judicial para a fixação do valor da viatura porque foram valores indicados pelas partes em sede extrajudicial com características, propósitos e alcance próprios desta via que não se coadunam com o litígio judicial nem se lhes deve aplicar.

7. O acerto efetuado pelo Tribunal da Relação no Ponto 12 da sentença da 1ª Instância, alterando o valor fixado de 45.000,00€ para 42.500,00€, determinando que: “A viatura QF tinha, à data do acidente, um valor de mercado de 42.500,00€” é inaceitável por absoluta falta de fundamento bem como pelo recurso indevido a informação trocada pelas partes em contexto extrajudicial, informação essa que não preside a uma revogação judicial. Traduz inclusive uma incongruência em relação à aceitação do documento da Eurotax e do acerto ao valor realizado pelo julgador de 1ª Instância, para depois o afastar, lançando mão de um valor indicado pelo autor em sede de negociação com a ré.

8. “O Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto quando formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados, sendo, em caso de dúvida, de manter o decidido em 1ª Instância” [acórdão do TRG, no processo 3037/15.1T8VCT.G1, de 15/02/2018].

9. Para além disso, o Tribunal da Relação decidiu ainda aceitar a ampliação da matéria de facto defendida pela ré seguradora, aditando o Ponto 21- A: A partir de 11-12-2017, não obstante o referido em 14, o autor teve sempre à sua disposição veículo automóvel, primeiro alugado, depois um emprestado pela Mercedes e, por fim, o novo Mercedes Benz.......... que adquiriu e lhe foi entregue em 18-09-2018.

10. Discorda-se da pertinência quanto a tais factos serem suscetíveis de provocar uma alteração no direito do autor à indemnização pela privação do uso do veículo já que o critério de atribuição do direito à indemnização passa pela demonstração que o lesado faça no processo de que, não fora a privação, usaria normalmente a coisa [Cfr. acórdão do STJ, Proc. 1247/07.4TJVNF.S1, de 09.03.2010].

11. Bastará, portanto, que a realidade processual mostre que o lesado usaria normalmente a coisa, para que o dano exista e a indemnização seja devida. De modo que deverá ser desconsiderado o aditamento.

12. Relativamente à questão da dedução dos salvados, o acórdão do Tribunal da Relação concluiu pela dedução do valor dos salvados ao valor geral da indemnização a atribuir ao autor, posição com a qual se discorda por desvirtuar por completo o escopo da indemnização que mais não é do que colocar o lesado na situação que estaria sem a ocorrência do facto danoso (acidente), o que não sucede nos casos, como o dos autos, em que o autor declara não pretender ficar com o veículo sinistrado e mesmo assim se deduz o valor do salvado ao montante da indemnização a atribuir.

13. Alguma jurisprudência tem entendido que para tanto é necessária a manifestação do autor nesse sentido.

14. Nos presentes autos encontra-se provado que o autor nunca pretendeu ficar com os salvados, tendo o Tribunal da Relação reiterado essa mesma ideia: Embora aquela pretensão decorra já do próprio pedido e do que a tal propósito alegou – é patente que o autor sempre preferiu e prefere receber a indemnização e não encarregar-se do destino a dar ao carro acidentado. Pese embora o acórdão tenha aceite que o autor se manifestou desde sempre nesse sentido, concluiu pela obrigatoriedade daquele ficar com a propriedade dos salvados, fazendo tábua rasa da jurisprudência que entende que com base nessa sua manifestação os salvados devem ser entregues à ré.

15. Refira-se que o autor não é comerciante, não vende nem compra salvados, não tem conhecimentos nesta área, não lhe podendo ser exigida a obrigatoriedade da venda ou de ter de ficar com o salvado.

16. Estando o veículo em situação de perda total e, tendo sido a seguradora quem interveio na sondagem ao mercado para aferição do seu valor, sempre a ré tem de ser condenada a pagar o valor total, que não apenas na diferença entre aquele e o valor do salvado, pois, impõe-se que reponha o lesado na situação que se encontrava antes da lesão – Cfr. acórdão do TRC de 06.11.2007, Proc.356/07.4YCBR.

17. A fixação do valor do veículo à data do sinistro em € 42.500,00, conforme efetuado no acórdão recorrido, deduzindo o valor de € 18.550,00 como sendo o valor comercial do salvado atribuído pela ré em Janeiro de 2017, significa, na prática, conceder ao lesado uma indemnização de € 23.950,00 como sendo a quantia que “permite” ao autor adquirir uma viatura idêntica à que tinha.

18. E, então, seguindo este raciocínio, o autor teria que vender o salvado no presente por € 18.550,00 para assim ver reposta a situação que tinha antes do acidente. Tal é inviável dada a galopante desvalorização sofrida neste tipo de bem. Uma eventual venda, à data de hoje, por este valor é irrealista, tendo em conta a depreciação dos salvados com o tempo ocorrido [hiato de mais de três anos]. Tal cálculo da indemnização a conferir ao autor e tal imposição de venda, colocam, na realidade, o autor numa situação de empobrecimento.

19. Resulta também da prova carreada para os autos que o autor não tem a posse do salvado, encontrando-se o veículo sinistrado nas instalações da Mercedes-Benz desde a data do acidente, estando os documentos respetivos na posse da GNR.

20. A manifestação de vontade do autor, bem como o facto de não ter cedido ou comercializado o salvado, são critérios essenciais para grande parte da jurisprudência, a qual vai no sentido de que a manifestação do autor é essencial para a não dedução dos salvados.

21. Ao analisarmos a jurisprudência indicada no acórdão, verifica-se que quatro dos sete acórdãos não sufragam nem sustentam a decisão aí plasmada, mas sim a tese do autor. Assim se constata no Acórdão STJ, de 09.03.2010, Processo 1247/07.4TJVNF.P1.S1, no Acórdão TRL, de 11.10.2018, processo 7247/17.9T8LSB.L16, no Acórdão TRG, de 14.11.2013, Processo 318/12.0TBFAF.G1 e no Acórdão TRC, Processo 5/18.5T8TCS.C1, de 10.09.2019.

22. Salvo o respeito que a opinião contrária nos merece, não esteve bem o Tribunal da Relação, porquanto na sustentação da sua decisão e consequente remissão para a jurisprudência, ao contrário da abandonada e antiga orientação que entende o autor invocar, recorre a acórdãos que entram em completa contradição com a posição que pretende defender, nomeadamente arrolando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11.10.2018, Processo 7247/17.9T8LSB.L1-6.

23. Embora a jurisprudência nesta matéria seja extensa e nem sempre coincidente, não se pode concordar que a mais recente vá no sentido de que os salvados devem ser descontados ao valor global da indemnização.

24. Deverá, pois, ré seguradora ser condenada a entregar ao autor a quantia total devida que corresponderá ao valor do veículo à data do acidente, no caso € 45.000,00 e não, apenas, o diferencial resultante da dedução do salvado àquele valor.

25. Na situação sub judice de perda total do veículo, o responsável só vem a cumprir a sua prestação - de reparação do dano - quando satisfaz inteira e cabalmente o quantitativo financeiro indispensável à aquisição de um bem idêntico.

26. Relativamente à indemnização pela privação do uso de veículo é matéria assente que a privação do uso da viatura pelo autor consubstancia um dano indemnizável.

27. A questão cinge-se ao período que deve ser contabilizado para o efeito bem como ao quantum indemnizatório. Ou seja, quando inicia e cessa o direito do autor à indemnização pela privação do uso de seu veículo e qual o valor diário a ser fixado.

28. Encontra-se assente nos presentes autos que, desde 29.11.2017 (data do acidente) até hoje, o autor está privado do uso do QF.

29. Como definido pelo STJ (acórdão de 26/5/2009 – Proc n.º 531/09-1): Quando a privação do uso recaia sobre um automóvel, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente para que possa exigir-se ao lesante uma indemnização a esse título, que corresponderá, regra geral, ao custo do aluguer de uma viatura de idênticas características, mesmo que o lesado não tenha recorrido ao aluguer de um veículo de substituição (…).

30. No mesmo sentido aponta agora a lei (artigos 20º-J e 42º-2 dos já invocados Decretos-Lei 522/85 e 291/2007), ao dispor que: no caso de perda total do veículo” fica a seguradora obrigada a fornecer ao lesado um veículo de substituição, obrigação que (só) “cessa no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização.

31. A simples privação do uso de veículo é autonomamente ressarcível, mesmo que desacompanhada da prova de que tal privação ocasionou perdas patrimoniais ou determinou gastos monetários. [Cfr. acórdão do TRP, no processo n.º 905/08.0TBPFR.P1, de 07.09.2010]. Análoga decisão se encontra no Acórdão proferido pelo TRL, de 11.12.2019 (Processo n.º 3088/19.7YRLSB-2) que considerou que o dano ressarcível é precisamente a indisponibilidade do bem, qualquer que fosse a atividade a que o veículo estava afeto e o mesmo não se anula pela utilização de um outro veículo.

32. Conforme acórdão do STJ, Proc 1247/07.4TJVNF.P1.S1, 09.03.2010: Em matéria de ressarcibilidade da privação do uso, tem-se pronunciado esta Conferência no sentido de não ser de exigir a prova de danos efectivos e concretos (…), emergindo como critério de atribuição do direito à indemnização a demonstração no processo que, não fora a privação, o lesado usaria normalmente a coisa, vendo frustrado esse propósito. Na mesma esteira de entendimento foi o acórdão do TRP, no Proc. 4661/08.4TBVFR.P1, de 13.01.2011.

33. Face à extensa jurisprudência existente nesta matéria, constata-se que o douto acórdão apenas esteve bem na parte em que incluiu, para efeitos de cálculo da indemnização a conceder ao autor, o período compreendido entre 11.12.2017 e 09.02.2018. Quanto ao resto, nenhuma razão lhe assiste nas alterações realizadas ao decidido pelo julgador de 1ª Instância.

34. O douto acórdão contabilizou os dias decorridos desde 29.11.2017 (data do acidente) até 18.09.2018 (data em que o autor adquiriu nova viatura) num total de 294 dias. Procurando justificar esta data para a cessação do direito à indemnização pela privação do uso com a aquisição de uma viatura escolhida pelo autor em 18.09.2018 já que conforme referido no acórdão: Tratava-se de veículo da mesma marca, modelo e categoria, por si escolhido, presumidamente segundo idênticos critérios de gosto e exigências pessoais e, portanto, com o mesmo nível ou até superior por mais recente. Ora, tal não tem qualquer cabimento ou justificação legal.

35. Os argumentos esgrimidos pelo Tribunal da Relação de que o modelo e a categoria do veículo escolhido pelo autor seriam presumivelmente resultado de semelhantes critérios de gosto e exigência pessoal, e como tal, até do mesmo nível ou mesmo superior, não têm qualquer cabimento. São meras deduções sem qualquer tipo de suporte legal.

36. Mas, não ficando por aqui, o Tribunal da Relação foi mais longe nesta teoria quanto à viatura adquirida pelo autor, dizendo que relativamente a ele, o autor não alegou e menos ainda provou que não lhe propiciasse o mesmo gozo do anterior QF acidentado. Ora, o autor não tinha de alegar ou provar que o veículo que adquiriu lhe proporcionava ou não o mesmo gozo do veículo sinistrado. A aquisição de outro veículo é irrelevante para a questão da atribuição da indemnização pela privação do uso do veículo.

37. A indemnização pela privação do uso de um veículo acidentado deverá ter como limites temporais, por um lado, a ocorrência do sinistro e, por outro, o pagamento efetivo da indemnização pela ré seguradora.

38. Para além disso, entendeu ainda o Tribunal da Relação, no acórdão proferido, alterar o valor diário fixado pelo Tribunal de 1ª Instância de € 13,00 para € 10,00. É forçoso discordar, também, desta alteração por injusta e infundada, devendo manter-se a sentença proferida pela 1ª Instância.

39. Tendo por assente que o veículo do autor ficou impossibilitado de circular, desde o dia do acidente (29.11.2017) e que o autor utilizava o veículo sinistrado nas suas deslocações diárias, o julgador de 1ª Instância observou, e bem, a situação específica dos autos no sentido de se estar perante um veículo com características muito particulares, encomendado ao pormenor pelo autor, o qual selecionou mais de uma dezena de extras, que se prendiam sobretudo com comodidade, segurança e conforto, e que tornaram, na realidade, aquele veículo único. E atendeu também ao facto de a taxa diária a atribuir dever estar atualizada em relação ao ano em que seria proferida a sentença (2020), considerando como adequado o valor diário de € 13,00.

40. Sendo o montante indemnizatório fixado com recurso à equidade, constata-se que a sentença de 1ª Instância teve devidamente em conta, para a fixação do valor da indemnização pela privação do uso do veículo, todas estas circunstâncias apuradas. Acresce ainda que se encontra provado nos autos que a culpa total do acidente foi do lesante, ou seja, da ré seguradora que, em 22/01/2018, assumiu a responsabilidade total pela regularização dos danos emergentes do sinistro.

41. Mas, estará o dano indemnizável excluído pelo facto de também se ter apurado que o autor tem um outro veículo, que passou a utilizar para substituir o sinistrado? Ora, parece-nos que, quando a privação do uso recaia sobre um veículo automóvel sinistrado bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente (Cfr. Acórdão do TRC de 08-04-2014, relator Fonte Ramos).

42. Na realidade, a privação do uso de um veículo automóvel, desde que resulte provado que era efetivamente utilizado, constitui só por si, um dano patrimonial indemnizável, devendo recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art.º 566º, nº 3 do C.Civil para fixar o valor da indemnização (assim, o acórdão do TRC de 28-05-2013, relator Avelino Gonçalves e, em igual sentido, o Acórdão do mesmo Tribunal de 22-01-2013, relator Luís Cravo). Conforme referido também no acórdão do TRP de 03-05-2012: o dano pela privação do uso do veículo é indemnizável com recurso à equidade, desde que esteja demonstrado que era normalmente utilizado pelo proprietário na sua vida corrente (…).

43. Assim, a indemnização por privação do uso, deve corresponder, regra geral, ao custo do aluguer de uma viatura de idênticas características, mesmo que o lesado não tenha recorrido ao aluguer de um veículo de substituição, uma vez que bem pode acontecer que não tenha possibilidades económicas, operando-se o ressarcimento, em última análise, segundo critérios de equidade – art. 566.º, n.º 3, do CC.” (cfr. ac. do STJ de 23-11-2002, relator Alves Velho e, no mesmo sentido, o ac. do STJ de 15-11-2011, relator Moreira Alves).

44. Citem-se ainda, a este propósito, os seguintes arestos: Acórdão do STJ de 05-07-2018 (Proc. 176/13.7T2AVR.P1.S1, relator Abrantes Geraldes); Acórdão do TRC de 08-05-2019 (Proc. 43/18.8T8TBU.C1, relator Isaías Pádua); Acórdão do TRC de 06-02-2018 (Proc. 189/16.7T8CDN.C1, relator Falcão de Magalhães.

45. Relativamente aos danos não patrimoniais, não foi colocada em crise pela ré a total ausência de responsabilidade do autor pelo acidente ocorrido, tendo assumindo, em 22/01/2018, a responsabilidade total pela regularização dos danos emergentes do sinistro, nem que é devido ao autor indemnização a título de danos não patrimoniais, sendo que apenas discorda quanto ao valor fixado pelo Tribunal de 1ª Instância para o ressarcimento desses mesmos danos.

46. Cremos que o acórdão ora recorrido reduziu substancial e injustificadamente o quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal de 1ª Instância em €2.500,00, estabelecendo a quantia de €1.000,00 como suficiente para o ressarcimento do dano não patrimonial sofrido pelo autor. Esta anulação de €1.500,00 não nos parece, salvo melhor opinião, correta, justa ou fundamentada.

47. O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve, pois, ser calculado, em qualquer caso, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, aos padrões da indemnização geralmente adotados na jurisprudência, etc. (cfr.Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, vol.I, 2ª ed., pág.435).

48. Há que ver ainda que este tipo de indemnização tem natureza mista, já que visa não só reparar o dano mas também reprovar a conduta lesiva.

49. Tem-se entendido, na jurisprudência, que a indemnização por danos não patrimoniais, para responder, de forma atualizada, ao comando do citado art.º 496º, e constituir uma efetiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa.

50. Acontece que, embora admitindo o Tribunal da Relação a violência do acidente decidiu não tirar daí qualquer ilação, alterando de todo o modo o valor da compensação atribuída pelo Tribunal de 1ª Instância, fixando em € 1.000,00, quantum que fixou sem ter por base os critérios de equidade que a lei lhe impõe, valor este que se mostra manifestamente insuficiente para ressarcir o autor, o qual não deu origem ao acidente nem qualquer culpa no mesmo teve, tendo demonstrado como lhe era exigido os danos que sofreu.


51. Pelo que se requer a apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça quanto ao controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais se deve situar o juízo equitativo, mais especificamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor a atribuir.

TERMOS EM QUE DEVERÁ O PRESENTE RECURSO DE REVISTA, SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE POR PROVADO, DEVENDO O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, PROFERIDO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO  …….., SER REVOGADO, POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 562.º A 566.º DO CÓDIGO CIVIL, E SUBSTITUIDO POR DOUTO ACORDÃO QUE:

A. MANTENHA O PONTO 12 NOS TERMOS FORMULADOS PELO TRIBUNAL DE 1ª INSTÂNCIA, CONSIDERANDO A QUANTIA DE 45.000,00€ COMO VALOR DO VEÍCULO À DATA DO ACIDENTE;

B. CONDENE A RÉ NA INDEMNIZAÇÃO AO AUTOR PELO VALOR TOTAL DO VEÍCULO SEM DEDUÇÃO DO VALOR DO SALVADO, SENDO ESTE ENTREGUE À RÉ;

C. MANTENHA O VALOR DE €2.500,00 CONCEDIDO AO AUTOR A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS, SENDO AINDA CONDENADA A RÉ NO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS A PARTIR DA DATA EM QUE FOI PROFERIDA A SENTENÇA EM 1ª INSTÂNCIA;

D. CONDENE A RÉ NO PAGAMENTO AO AUTOR NA QUANTIA DE €13.793,00 (€13,00 x 1061 DIAS) A TÍTULO DE INDEMNIZAÇÃO PELA PRIVAÇÃO DO USO DO VEÍCULO, À TAXA DIÁRIA DE € 13,00, DURANTE O PERÍODO DECORRIDO ENTRE 29.11.2017 ATÉ À PRESENTE DATA.”

A. Recorrida/Ré/Seguradoras Unidas, SA. contra-alegou, concluindo:

“I - Ao alterar a decisão proferida quanto ao facto do ponto 12 do elenco da matéria provada o Tribunal da Relação não violou qualquer disposição processual, nem ofendeu qualquer disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

II - A intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça na reanálise da decisão proferida pelo Tribunal da Relação …….. quanto ao facto do ponto 12 implicaria a reapreciação concreta dos meios de prova constantes dos autos, o que, salvo melhor opinião, não pode ser objeto de recurso de revista.

III - Portanto a decisão do Tribunal da Relação de alterar a decisão quanto ao facto do ponto 12 do elenco da matéria dada como provada não pode, na perspetiva da Ré, ser objeto deste recurso de revista, devendo tal recurso, nessa parte, improceder.

IV - Na decisão impugnada não se proclamou a absoluta valia probatória do designado “documento Eurotax”, antes se tendo salientado que continha imprecisões e ainda que não era, por si só, suficiente para se tomar uma decisão quanto a esse facto.

V - Para alterar a decisão proferida quanto ao facto do ponto 12 da matéria de facto dada como provada, o tribunal a quo reanalisou todos os elementos de prova constantes dos autos

VI - Entre eles, o tribunal recorrido teve em conta, também, a posição manifestada pelas partes no que toca ao valor do carro, valorizando o facto de o Autor, depois de ter efetuado pesquisas – o que reconheceu em carta remetida à Ré - ter avançado, ele próprio, com o valor de 42.500,00€ como sendo o do automóvel danificado, valor contra o qual agora se insurge

VII - A decisão proferida em segunda instância quanto à matéria do ponto 12 da matéria de facto está devidamente fundamentada, não enferma de qualquer contradição e baseou-se nos elementos de prova que constam dos Autos, estando devidamente fundamentada

VIII - Assim, nada pode ser apontado a tal decisão, sendo certo que a alteração do ponto 12 dos factos provados por este Supremo Tribunal de Justiça implicaria, forçosamente, que se adentrasse na análise do valor probatório dos concretos elementos de prova nos quais o Tribunal a quo baseou a sua decisão, o que, salvo melhor opinião, não pode ser objeto de um recurso de revista.

IX - Quando fixa a matéria de facto, o julgador não pode estar restringido pela solução de direito sugerida pelas partes, nem mesmo por aquela que possa considerar a mais viável, devendo antes ter em mente as várias soluções de direito plausíveis

X - Assim, o julgador deve pronunciar-se sobre os factos relevantes para essa subsequente ponderação e não apenas aqueles que servem uma só solução de direito, ainda que a considere a mais acertada

XI - É indiscutível que, numa ação na qual um lesado reclama uma indemnização pela privação do uso de um veículo, o facto de, a partir de determinada data, ter passado a dispor de veículos que substituíram as utilidades do carro danificado é relevante, dentro das várias soluções plausíveis de direito que se prefiguram.

XII - Como tal, não só não estava vedado ao Tribunal recorrido dar como provado o facto do ponto 12 do elenco da factualidade dada como demonstrada, como se impunha que o tivesse feito, tanto mais que o Autor reconhece que essa matéria se provou e é verdadeira

XIII - Deve, pois, improceder, nesta parte, o recurso.

XIV - Nenhum dos factos que o autor pretendia ver integrados na factualidade provada tinham ou têm qualquer relevo para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, pelo que foi acertada a decisão do Tribunal a quo de não os aditar ao elenco da factualidade provada.

XV - De resto, parte da factualidade que o Autor pretendia que fosse aditada ao elenco da matéria provada não foi, na realidade, demonstrada e alguma dela entraria em contradição com os factos provados, nomeadamente na parte em que o demandante pretendia que se desse como provado que “não tinha ao seu dispor qualquer viatura.”, facto que é o porto do que se provou no ponto 21A

XVI - Assim, deve improceder, na sua totalidade, a pretensão do autor de ver reapreciada a decisão do Tribunal da Relação de não aditar esses factos.

XVII - Tendo-se afastado no douto acórdão sob censura a hipótese de reconstituição natural, ou seja, reparação do QF, decisão com a qual o recorrente está de acordo, a indemnização devida a esse título deve ser fixada em dinheiro, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 566.º do Cod Civil.

XVIII - Atendendo à teoria da diferença, postulada no nº 2 do artigo 566º do Cod Civil, o dano não pode ser outro senão a medida da diferença entre a situação que existia antes do ato lesivo e aquela que passou a verificar-se depois dele.

XIX - Se, como pretende o Autor, lhe fosse atribuída a verba de 42500€ (ou 45.000,00€, como pretende o recorrente) e este ainda procedesse à venda dos salvados, ou mesmo que os mantivesse na sua posse, o seu património, que antes do sinistro teriam um valor de, apenas, 42.500,00€ (ou 45.000,00€), passaria a ser composto, depois do sinistro e do pagamento da “indemnização”, pela verba de 61.055,00€ (42.500,00€ + 18.555,00€), ou 63.555€ (45.000€ + 18555€)!

XX - No caso, antes do acidente, o património do Autor (no que ao veículo diz respeito), tinha o valor de 42.500€ e, depois desse evento, foi reduzido para o valor de 18.555€.

XXI - Assim, a diferença entre a situação existente antes e depois do acidente corresponde, precisamente, à medida da diferença entre o valor que o carro tinha antes do acidente (42.500€) e o valor do que resta do carro, isto é, 18.555,00€, sendo esse, também, o prejuízo do Autor.

XXII - Em face dos factos provados não restam quaisquer dúvidas de que o autor foi, atempadamente, informado pela Ré do valor dos salvados e ainda da entidade que apresentara a maior proposta (de 18.555,00€) para sua aquisição e prazo de validade da proposta (cfr factos dos pontos 32 e 33 da matéria provada).

XXIII - Se o Autor não vendeu os salvados, as consequências desse facto só a si podem ser imputadas e não à Ré.

XXIV - À Ré competia, apenas, informar o Autor da possibilidade de venda dos salvados, com indicação precisa do possível comprador e seus contactos, o que fez,

XXV - A ré não poderia vender os salvados do carro, já que não era proprietária do mesmo, cabendo ao Autor assim proceder

XXVI - A decisão do Autor de não vender os salvados é totalmente injustificada, já que desde o início manifestou a sua aceitação no sentido de que o veículo tinha ficado em situação de perda total.

XXVII - É irrelevante saber se o autor vendeu ou não esses salvados, já que, em qualquer caso, o seu património é composto, ainda, pelos salvados (que valem 18.555€))

XXVIII - não existe qualquer disposição legal que imponha à seguradora – ou a qualquer responsável pelo dever de indemnizar – a obrigação de adquirir, forçadamente, um bem pertencente ao lesado.

XXIX - Enquanto proprietário desse bem, só ao Autor competia concretizar a sua venda, na sequência das diligências que a Ré fez para que o pudesse fazer.

XXX - O valor atribuído aos salvados corresponde a uma concreta proposta de aquisição apresentada por um terceiro.

XXXI - Quanto maior fosse a proposta para aquisição dos salvados, mais benéfico tal seria para a ora Ré, na medida em que, quanto mais valioso fosse o património remanescente do autor (ou seja, a diferença entre o valor comercial do carro antes e depois do sinistro), menor seria o seu prejuízo, cuja indemnização estava a cargo da seguradora.

XXXII - O que releva é que o Autor poderia ter vendido os salvados por, pelo menos, 18.555€, sendo esse, portanto, o valor mínimo desse carro, que a Ré aceitou e aceita para efeitos indemnizatórios, aceitando o seu dever de pagar o valor remanescente, até perfazer o do veículo danificado.

XXXIII - Não é relevante para se avaliar se o Autor pode ou não vender os salvados do QF saber se esse carro está numa oficina, na via pública ou na sua garagem: ou o Autor é dono desse carro e, nesse caso, pode vendê-lo livremente a quem o quiser comprar, ou se já o vendeu, nenhum sentido fazem as afirmações constantes do seu recurso.

XXXIV - Em suma, a indemnização devida pelos danos sofridos pelo QF deve ser fixada nos termos em que o foi no douto acórdão sob censura, com a dedução do valor dos salvados, devendo improceder o recurso nesta parte.

XXXV - São elementos constitutivos do direito do lesado a uma indemnização pela privação do uso de um veículo não só a imobilização do automóvel que interveio no sinistro, como também a frustração das respetivas utilidades.

XXXVI - É que, apesar de um veículo estar imobilizado, tal não significa que o lesado não tenha beneficiado das utilidades que aquele automóvel lhe propiciava, nomeadamente por via do uso de outros veículos, capazes de satisfazer as suas necessidades.

XXXVII - O dano consistirá antes nas despesas adicionais necessárias à respetiva substituição, aos maiores incómodos que sofreu ou menores comodidades propiciadas pelo veículo substitutivo, e, nas situações mais graves, à total ausência de mobilidade.

XXXVIII - Porém, qualquer um desses danos, ainda que possa radicar, inicialmente, na imobilização do veículo que interveio no acidente, tem de ser devidamente alegado e provado para que se conclua no sentido de que existiu e deve ser indemnizado.

XXXIX - Sabendo-se que o proprietário do carro imobilizado fez uso outros veículos, caberá a este provar que, por exemplo, aqueles que usou eram mais dispendiosos, ou que não asseguraram as mesmas condições de conforto, ou então que não teve a respetiva disponibilidade em permanência.

XL - Ora, tendo a Ré cedido ao Autor um veículo de substituição entre 11.12.2017 e 31.01.2018, cumpriu, relativamente a esse período, a sua obrigação de indemnização, no caso em espécie.

XLI - O mesmo se diga quanto ao período compreendido entre 31/01/2018 e 18/09/2018, altura em que o Autor fez uso de carros que o próprio alugou e ainda de um veículo emprestado pela Mercedes.

XLII - Se, efetivamente, esses outros automóveis não satisfaziam, na sua totalidade, as necessidades do demandante e o seu uso lhe gerou incómodos ou despesas, tratavam-se de factos que o Autor deveria ter alegado na sua PI, o que não fez.

XLIII - Tais factos, na perspetiva da Ré, não se podem presumir, nem podem fundamentar a atribuição de uma indemnização, tanto mais que se desconhece quais os concretos automóveis que o demandante usou, respetivas marcas, modelos e equipamentos.

XLIV - A respeito deste período (31/01/2018 e 18/09/2018), o único dano apurado consiste no custo do aluguer de um carro entre 31/01/2018 e 09/02/2018 (634,23€, os quais lhe foram atribuídos na douta sentença, sem alteração em segunda instância), que a Ré terá de pagar ao Autor.

XLV - Já quanto a todo o período restante, o que se sabe é que o Autor sempre fez uso de automóveis, sem que se tenha revelado ou provado qualquer dano que, ainda assim, tenha subsistido

XLVI - Face ao exposto, é forçoso concluir que, perante a factualidade dada como provada, pelo menos a partir de 11/12/2017, cessou todo e qualquer dano que o autor pudesse ter sofrido em resultado da privação do uso de veículos.

XLVII- Isto na exata medida em que, pelo menos a partir dessa data, o autor passou a fazer uso de outros veículos, sem que se tenha provado que os mesmos não satisfizessem, nas mesmas condições de conforto e custo, as utilidades do veículo danificado.

XLVIII - Logo, relativamente a todo o período subsequente à data de 11/12/2017, nada mais é devido ao Autor.

XLIX - E, em equidade, considerando o valor diário de 10€ (cfr, nesse sentido, o muito recente douto acórdão do TRP de 28/05/2020, no processo 289/19.2T8MCN.P1) a indemnização global deve fixar-se em 120,00€, questão que se suscitará no recurso subordinado que a Ré interporá.

L - Em qualquer caso, provou-se que o autor, em 18/09/2018, adquiriu um veículo marca Mercedes Benz, modelo ............... Diesel, com a matrícula ...-VJ-.., o qual passou a usar desde 18.09.2018 até à presente data para todas as suas deslocações (artigos 123º, 196º e 197º da contestação).

LI - Pelo menos a partir de 18/09/2018, cessou todo e qualquer dano que o autor pudesse ter sofrido em resultado da privação do uso de veículos. Isto na exata medida em que, pelo menos a partir dessa data, o autor passou a fazer uso de um veículo da mesma marca e modelo do QF, por si escolhido, sem que se tenha provado que tal carro não satisfaz, nas mesmas condições de conforto e custo, as utilidades do veículo danificado.

LII - Face ao exposto, a entender-se que o autor tem direito a indemnização pela privação do uso do QF para além do dia 09/02/2018, o que de forma alguma se concede, tal compensação apenas seria devida até ao dia 17/09/2018 (ou seja, durante 221 dias).

LIII - Por fim, a ser atribuída uma indemnização ao Autor a este título, sempre se teria de atender, se se mantiver, ao valor fixado no douto acórdão no que toca à privação do uso do QF entre 29-11-2017 a 18-09-2018, num total de 294 dias, no valor de 10€ diários, o que perfaz 2.940,00€.

LIV - Atendendo à gravidade das lesões sofridas, é adequada a verba fixada pelo Tribunal da Relação para compensar os indicados danos.

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se o douto acórdão sob censura, como é de inteira e liminar JUSTIÇA”

Da Recorrente/Ré/Seguradoras Unidas, SA.:

“I - Da mera imobilização de um veículo podem resultar danos diversos, entre eles a total incapacidade de movimentação do lesado, maior dificuldade de deslocação, a necessidade de suportar custos acrescidos no aluguer de um carro ou em combustível, ou então meros incómodos, como a utilização de um veículo de menor qualidade.

II - Tendo o lesado feito uso de outros, compete-lhe alegar e provar que, ainda assim, sofreu danos decorrentes da imobilização do veículo sinistrado.

III - O dano decorrente da privação do uso, sobretudo nos casos em que se prova que o lesado fez uso de outros veículos, não se presume.

IV - Estando provado e sendo, até, reconhecido pelo Autor, que entre 11/12/2017 e a presente data fez uso de outros veículos, não se pode presumir que sofreu um prejuízo em resultado da imobilização do QF.

V - Tão pouco se pode deduzir da factualidade provada, com a exceção do período compreendido entre 31/01/2018 e 09/02/2018) que o Autor incorreu em gastos suplementares, ou que sofreu incómodos por ter usado outros automóveis que não o QF.

VI - Não se tendo provado esses gastos suplementares, nem que a imobilização do QF lhe causou incómodos ou transtornos, o único facto que resultou provado é que usou outros veículos no período situado entre 11/12/2017 e a presente data, o que não permite reconhecer-lhe o direito a qualquer indemnização pela privação do uso do QF.

VII - Face ao exposto, apenas é devida ao Autor indemnização pela privação do uso do QF entre o dia do acidente 29/11/2017 e 11/12/2017.

VIII - E, em equidade, considerando o valor diário de 10€ (cfr, nesse sentido, o muito recente douto acórdão do TRP de 28/05/2020, no processo 289/19.2T8MCN.P1) a indemnização global deve fixar-se em 120,00€

IX - Deve, assim, ser revogada a douta sentença na parte em que atribuiu ao autor a indemnização de 2.940€, com referência ao período compreendido entre 29/11/2017 e 18/09/2018, atribuindo-se ao demandante, a esse título, apenas, 120,00€, o que se requer

X - O douto acórdão sob censura violou as normas dos artigos 566º e 496º do Cod Civil

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o douto acórdão sob censura e decidindo-se antes nos moldes apontados, com é de inteira e liminar JUSTIÇA”.

O Recorrente/Autor/AA contra-alegou, concluindo:

“1. O recurso apresentado pela recorrente mais não é do que “um copy paste” literal das suas contra-alegações, não se descortinando qualquer diferença em termos de teor ou de pedido, que já não esteja debatido em sede das suas contra-alegações, motivo pelo qual não se vislumbra qualquer utilidade, sendo mesmo passível de se obter decisões contraditórias sobre a mesma matéria, motivo pelo qual deverá o mesmo não ser admitido.

2. De facto, das conclusões das contra-alegações deduzidas pela recorrente em sede de resposta ao recurso apresentado pelo autor, temos que:

XLVIII - Logo, relativamente a todo o período subsequente à data de 11/12/2017, nada mais é devido ao Autor.

XLIX - E, em equidade, considerando o valor diário de 10€ (cfr, nesse sentido, o muito recente douto acórdão do TRP de 28/05/2020, no processo 289/19.2T8MCN.P1) a indemnização global deve fixar-se em 120,00€, questão que se suscitará no recurso subordinado que a Ré interporá.

E das conclusões do presente recurso subordinado:

VII - Face ao exposto, apenas é devida ao Autor indemnização pela privação do uso do QF entre o dia do acidente 29/11/2017 e 11/12/2017.

VIII - E, em equidade, considerando o valor diário de 10€ (cfr, nesse sentido, o muito recente douto acórdão do TRP de 28/05/2020, no processo289/19.2T8MCN.P1) a indemnização global deve fixar-se em 120,00€.

3. Na realidade, dos quarenta e cinco pontos da exposição da recorrente, no recurso subordinado, trinta e dois destes são os mesmos que deduziu em sede de contra-alegações, sendo os 13 restantes pontos inócuos, que em nada alteram o já alegado em sede de recurso independente.

4. O presente recurso subordinado trata-se de um expediente dilatório em adiar sine die, ou pelo menos para mais tarde possível, um pagamento que sabe ser mais que devido ao recorrido.

5. A recorrente, ao longo de todo o percurso processual, apresenta a situação sub judice quase numa inversão de papéis - Lesado / Responsável – parecendo até que o Lesado teria tido alguma responsabilidade no acidente vindo pleitear um “pedido de esmola” à seguradora, ora recorrente. É matéria assente que o autor lesado não teve qualquer responsabilidade no acidente ocorrido, sendo, pelo contrário, 100% da responsabilidade da recorrente seguradora, por força do contrato de seguro celebrado com o lesante. Portanto, tratar o autor como se fosse o responsável – tendo como tal assim atuado inclusive desde a fase extrajudicial – é, no mínimo, abusivo e, como tal, inaceitável.

6. A não atribuição, in casu, dos valores de indemnização solicitados pelo recorrido, traduz-se numa total e inadmissível subversão de toda a responsabilidade da seguradora/recorrente, fazendo impender sobre o recorrente lesado, prejuízos, gastos e incómodos inevitavelmente inerentes a quem sofre um acidente de viação para o qual nada contribuiu.

7. Se a proteção da Justiça constitui uma finalidade do sistema jurídico-processual, então, em respeito de tal princípio, terá de ser necessariamente atribuído ao ora recorrido a indemnização que lhe é devida e não um mero donativo, como pretende a recorrente!

8. Ora, relativamente à paralisação do veículo automóvel é matéria assente que a privação do uso da viatura pelo autor consubstancia um dano indemnizável.

9. A questão cinge-se ao período que deve ser contabilizado para o efeito bem como ao quantum indemnizatório, ou seja, quando inicia e cessa o direito do autor à indemnização pela privação do uso de seu veículo e qual o valor diário a ser fixado.

10. Assente nos presentes autos está que desde 29.11.2017 (data do acidente) até hoje o autor está privado do uso do QF.

11. Como definido pelo SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Acórdão de 26/5/2009 – Proc n.º 531/09-1:

“Quando a privação do uso recaia sobre um automóvel, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente (o que na generalidade das situações concretas constituirá um facto notório ou poderá resultar de presunções naturais a retirar da factualidade provada) para que possa exigir-se ao lesante uma indemnização a esse título, que corresponderá, regra geral, ao custo do aluguer de uma viatura de idênticas características, mesmo que o lesado não tenha recorrido ao aluguer de um veículo de substituição, uma vez que bem pode acontecer que não tenha disponibilidades económicas para isso, sem que tal signifique que não sofreu danos ou prejuízos pela privação do uso do seu veículo.

Não necessita, por isso, de provar direta e concretamente prejuízos efetivos, como, por exemplo, que deixou de fazer esta ou aquela viagem de negócios ou de lazer, que teve de utilizar outros meios de transporte (táxi, transportes públicos, etc.) com o custo correspondente.

Tudo isso estará abrangido pela privação do uso do veículo a ressarcir nos termos referidos ou, em última análise, se necessário, segundo critérios de equidade, sem prejuízo de se poder, evidentemente, alegar e provar outros danos emergentes ou lucros cessantes”.

12. No mesmo sentido, corroborando o entendimento proposto, aponta agora a lei (arts. 20º-J e 42º-2 dos já invocados Decretos-Lei 522/85 e 291/2007), ao dispor que “no caso de perda total do veículo” fica a seguradora obrigada a fornecer ao lesado um veículo de substituição, obrigação que (só) “cessa no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização”. [realce nosso]

13. A simples privação do uso de veículo é autonomamente ressarcível, mesmo que desacompanhada da prova de que tal privação ocasionou perdas patrimoniais ou determinou gastos monetários. [Cfr. acórdão do TRP, no processo n.º 905/08.0TBPFR.P1, de 07.09.2010].

14. Análoga decisão se encontra no Acórdão proferido pelo TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, de 11.12.2019 (Processo n.º 3088/19.7YRLSB-2):

“I - A privação do uso de um bem é susceptível de constituir, por si, um dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que, de acordo com o preceituado no artigo 1305º do Código Civil, é lícito ao proprietário gozar, i.e., o uso e fruição da coisa. (…)

IV) O dano ressarcível é precisamente a indisponibilidade do bem, qualquer que fosse a actividade (lucrativa, benemérita ou de simples lazer) a que o veículo estava afecto e o mesmo não se anula pela utilização de um outro veículo, o qual apenas proporciona a utilidade inerente à deslocação que, nele, é correspondentemente efectuada.” [realce nosso]

15. De acordo com o proferido pelo SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Acórdão com o processo n.º 1247/07.4TJVNF.P1.S1, de 09.03.2010):

“Em matéria de ressarcibilidade da privação do uso, tem-se pronunciado esta Conferência no sentido de não ser de exigir a prova de danos efectivos e concretos (situação vantajosa frustrada/teoria da diferença), mas também que a mesma não pode ser apreciada e resolvida em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa (independentemente de que a utilização tenha ou não lugar durante o período de privação), emergindo como critério de atribuição do direito à indemnização a demonstração no processo que, não fora a privação, o lesado usaria normalmente a coisa, vendo frustrado esse propósito”. [Realce nosso]

16. Na mesma esteira de entendimento foi o acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, no processo n.º 4661/08.4TBVFR.P1, de 13.01.2011:

“I - A privação do uso de veículo destruído por via de acidente, ocorrido por causa não imputável ao dono do mesmo, mas ao condutor do veículo seguro, constitui dano patrimonial que deve ser ressarcido, independentemente da prova dos prejuízos concretos sofridos pelo lesado.

II - A indemnização a atribuir, baseada na equidade, deve, em princípio, atender ao período de privação concreta, que pode estender-se até ao momento em que o lesado recebe a indemnização que vier a ser devida pela seguradora. [Realce nosso]

17. Portanto: Face à extensa jurisprudência existente quanto a esta matéria, constata-se que nenhuma razão assiste à recorrente em vir alegar ser apenas devida ao autor indemnização pela privação do uso do QF entre 29/11/2017 e 11/12/2017, a uma taxa diária de € 10,00, admitindo como dano indemnizável pela privação do uso do veículo sinistrado a quantia global de € 120,00.

18. O douto acórdão contabilizou, e bem, os dias decorridos desde 29.11.2017 (data do acidente) até 18.09.2018 (data em que o autor adquiriu nova viatura) num total de 294 dias. Todavia, pecou por defeito, já que não devia ter fixado o termino da indemnização nesta data, uma vez que o mesmo não deverá ocorrer na data de aquisição, pelo lesado, de um outro veículo automóvel, mas sim na data em que o lesante (seguradora) coloca à sua disposição a indemnização.

19. Procurando justificar esta data para a cessação do direito à indemnização pela privação do uso com a aquisição de uma viatura escolhida pelo autor em 18.09.2018 já que conforme referido no acórdão: “Tratava-se de veículo da mesma marca, modelo e categoria, por si escolhido, presumidamente segundo idênticos critérios de gosto e exigências pessoais e, portanto, com o mesmo nível ou até superior por mais recente”.

20. Os argumentos esgrimidos pelo Tribunal da Relação de que o modelo e a categoria do veículo escolhido pelo autor seriam resultado de semelhantes critérios de gosto e exigência pessoal, e como tal, até do mesmo nível ou mesmo superior, não têm qualquer cabimento. Trata-se de meras deduções ou suposições sem qualquer tipo de suporte legal uma vez que inexiste prova quanto a tal pois que jamais esteve em análise nos autos a compra de outro veículo pelo autor.

21. MAS, não ficando por aqui, o Tribunal da Relação foi ainda mais longe nesta tese tecida quanto à viatura adquirida pelo autor, dizendo que relativamente a essa viatura, aquele não alegou e menos ainda provou que não lhe propiciasse o mesmo gozo do anterior QF acidentado.

22. Ora, o autor não tinha de alegar ou provar que o veículo automóvel que adquiriu lhe proporcionava ou não o mesmo gozo do veículo sinistrado.

23. A aquisição de um outro veículo automóvel é irrelevante para a questão da atribuição da indemnização pela privação do uso do veículo.

24. A determinação da indemnização pela privação do uso de um veículo acidentado deverá ter como limites temporais, por um lado, a ocorrência do sinistro e, por outro, o pagamento efetivo da indemnização pela recorrente seguradora.

25. Recorde-se que estamos perante um veículo com características muito específicas, com um rol de extras estudados e selecionados ao pormenor pelo autor para atender às suas necessidades concretas de segurança e comodidade e até pormenorizado em relação à entrada da sua habitação, detalhes esses todos tidos em consideração aquando da compra do veículo automóvel em questão.

Foi um carro pensado e construído ao pormenor.

26. Trata-se, na realidade, de um carro cuja utilidade jamais poderia ser equiparada ou alcançada por outro carro. O gozo, o conforto, a comodidade e a segurança extraordinária intrínseca ao veículo QF apenas este o poderia proporcionar ao autor.

27. Para além disso, entendeu ainda o Tribunal da Relação, no acórdão proferido, alterar o valor diário fixado pelo Tribunal de 1ª Instância de € 13,00 para € 10,00, valor com o qual a recorrente naturalmente concordou.

28. É forçoso discordar desta alteração da taxa diária de 13,00 para 10,00, por injusta e infundada, devendo manter-se a sentença proferida pela 1ª Instância. Vejamos porquê:

29. A sentença de 1ª Instância estabeleceu que: “Tudo sopesado, entende-se adequada, num critério de equidade, a fixação da correspondente indemnização, no montante de € 13,00 diários (…). Em sentido muito próximo, se considerarmos a necessária actualização ao ano de 2020 e as apontadas características do veículo QF, os doutos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 06.03.2012, no processo n.º 86/10.0T2SVV.C1, relator Alberto Ruço, do Tribunal da Relação do Porto de 07.09.2010, no processo n.º 905/08.0TBPFR e do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.03.2010, no processo n.º 1247/07.4TJVNF (todos in www.dgsi.pt), fixaram em €10,00 diários a indemnização pela privação de uso do veículo.” [Realce nosso]

30. Tendo por assente que o veículo do autor ficou impossibilitado de circular, desde o dia do acidente (29.11.2017) e que o autor o utilizava nas suas deslocações diárias, o julgador de 1ª Instância observou a situação específica dos autos no sentido de se estar perante um veículo com características muito particulares, encomendado ao pormenor pelo autor, o qual selecionou mais de uma dezena de extras, que se prendiam com comodidade, segurança, conforto, e que tornaram aquele veículo único. O Tribunal de 1ª Instância atendeu também ao facto de a taxa diária a atribuir dever estar atualizada em relação ao ano em que seria proferida a sentença (2020), considerando como tal adequado o valor diário de € 13,00 para compensar o lesado que utilizava regularmente o veículo sinistrado na sua atividade profissional e na sua vida pessoal.

31. Sendo o montante indemnizatório fixado com recurso à equidade, constata-se que a sentença de 1ª Instância teve devidamente em conta, para a fixação do valor da indemnização pela privação do uso do veículo, todas estas circunstâncias apuradas.

Acresce ainda que se encontra provado nos autos que a culpa total do acidente foi do lesante, ou seja, da ré seguradora que, em 22/01/2018, assumiu a responsabilidade total pela regularização dos danos emergentes do sinistro.

32. Na atribuição do valor do dano sofrido pela privação do uso do veículo automóvel, o Tribunal de 1ª Instância norteou-se por imperativos de justiça, tendo em consideração todas as circunstâncias do caso, que prudentemente sopesou, com ponderação das vantagens e inconvenientes, tendo em vista o alcance de uma decisão que contivesse uma solução equilibrada. Solução essa, de facto, obtida, mas que o Tribunal da Relação, com as alterações efetuadas, pretendeu anular por completo e que a recorrente, no recurso subordinado ora apresentado, reitera, procurando a todo o custo obter a referida diminuição da taxa diária, no intuito de que a indemnização que venha a ser obrigada judicialmente a reparar seja pela menor quantia pecuniária possível.

33. Mas, estará o dano indemnizável excluído pelo facto de também se ter apurado que o autor tem um outro veículo, que passou a utilizar para substituir o sinistrado?

Ora, parece-nos que, quando a privação do uso recaia sobre um veículo automóvel, danificado num acidente de viação, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente para que possa exigir-se do lesante uma indemnização a esse título, sem necessidade de provar directa e concretamente prejuízos efectivos (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-04-2014, relator FONTE RAMOS).

34. Na realidade, a privação do uso de um veículo automóvel, desde que resulte provado que era efetivamente utilizado, constitui só por si, um dano patrimonial indemnizável, devendo recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art.º 566º, nº 3 do C.Civil para fixar o valor da respetiva indemnização (assim, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-05-2013, relator AVELINO GONÇALVES e, em igual sentido, o Acórdão do mesmo Tribunal de 22-01-2013, relator LUÍS CRAVO).

35. Ora, conforme se referiu no ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO de 03-05-2012, o dano pela privação do uso do veículo é indemnizável com recurso à equidade, desde que esteja demonstrado que era normalmente utilizado pelo proprietário na sua vida corrente (…).

36. Assim, “seja o veículo mais recente ou mais antigo, desde que o seu proprietário o usasse normalmente, e não se mostre que a vetustez, a quilometragem percorrida ou outros fatores teriam impedido ou alterado a continuação desse uso normal, a privação do uso deverá ser compensada atendendo exclusivamente à desvantagem económica decorrente da privação dessa utilização normal, desconsiderando aqueles fatores, apenas relevantes quando esteja em causa indemnização pelo valor da coisa (perda ou substituição). A indemnização por privação do uso, deve corresponder, regra geral, ao custo do aluguer de uma viatura de idênticas características, mesmo que o lesado não tenha recorrido ao aluguer de um veículo de substituição, uma vez que bem pode acontecer que não tenha possibilidades económicas, operando-se o ressarcimento, em última análise, segundo critérios de equidade – art. 566.º, n.º 3, do CC.” (cfr. ac. do STJ de 23-11-2002, relator ALVES VELHO e, no mesmo sentido, o ac. do STJ de 15-11-2011, relator MOREIRA ALVES).

37. Citem-se ainda, a este propósito os seguintes arestos: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 05-07-2018 (Processo 176/13.7T2AVR.P1.S1, relator ABRANTES GERALDES); ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA de 08-05-2019 (Processo 43/18.8T8TBU.C1, relator ISAÍAS PÁDUA); ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA de 06-02-2018 (Processo 189/16.7T8CDN.C1, relator FALCÃO DE MAGALHÃES).

38. Assim, no caso, o dano imediatamente ressarcível é precisamente a indisponibilidade do bem, qualquer que fosse a atividade (lucrativa, benemérita ou de simples lazer) a que o veículo estava afeto e o mesmo não se anula pela utilização de um outro veículo, o qual apenas proporciona a utilidade inerente à deslocação que, nele, é correspondentemente efetuada.

39. Ora, tem sido considerado que o padrão de referência será o do custo do aluguer de viatura semelhante, muito embora o autor possa ter disposto de outro veículo ou adquirido, entretanto, um novo.

40. Deverá ser atribuída ao autor o valor de indemnização pela privação do veículo, à taxa diária de €13,00, durante o período decorrido entre 29.11.2017 até à presente data e que se cifra em €17.264,00 (€ 13,00 x 1328 dias).

TERMOS EM QUE DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SUBORDINADO SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE, DEVENDO O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, PROFERIDO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO …….., SER REVOGADO NOS TERMOS REQUERIDOS PELO AUTOR.”

8. Foram dispensados os vistos.

9. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. As questões a resolver, recortadas das alegações apresentadas pelo Recorrente/Autor/AA e Recorrente/Ré/Seguradoras Unidas, SA., consistem em saber se:


Do Recorrente/Autor/AA

(1) Impõe-se alterar a decisão de facto agora consignada como factos provados - item 12 - relativamente ao valor do veículo ajuizado, à data do acidente - por falta de fundamento, outrossim, item 21-A, enquanto matéria de facto, entretanto aditada pelo Tribunal recorrido, ou seja: “A partir de 11-12-2017, não obstante o referido em 14, o autor teve sempre à sua disposição veículo automóvel, primeiro alugado, depois um emprestado pela Mercedes e, por fim, o novo Mercedes Benz.......... que adquiriu e lhe foi entregue em 18-09-2018.”, reconhecendo-se a enunciada facticidade como não provada?

(2) A facticidade demonstrada, reconhecida a alteração da decisão de facto, importa subsunção jurídica diversa da sentenciada, concretamente, o Tribunal a quo (i) relativamente à questão da dedução dos salvados, concluiu pela dedução do valor dos salvados ao valor geral da indemnização a atribuir ao Autor, o que desvirtua, por completo o escopo da indemnização que mais não é do que colocar o lesado na situação que estaria sem a ocorrência do facto danoso (acidente), donde, estando o veículo em situação de perda total, a Ré, seguradora tem de ser condenada a pagar o valor total, que não apenas a diferença entre este e o valor do salvado? (ii) Outrossim, o Tribunal recorrido devia, contrariamente à solução encontrada, fixar uma indemnização pela privação do uso do veículo acidentado, tendo como limite temporal, por um lado, a ocorrência do sinistro, e, por outro, o pagamento efetivo da indemnização pela Ré, seguradora, a par de que a compensação condizente com os danos sofridos com a privação do uso do veículo importa um quantum superior ao fixado, devendo manter-se o atribuído em 1ª Instância? (iii) De igual sorte, o Tribunal a quo, reduziu substancialmente o quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal de 1ª Instância em €2.500,00, estabelecendo a quantia de €1.000,00 como suficiente para o ressarcimento do dano não patrimonial sofrido pelo Autor, alteração do montante indemnizatório que, de resto, é incorreta, injusta e não fundamentada?


Da Recorrente/Ré/Seguradoras Unidas, SA.

(1) Considerada a facticidade adquirida processualmente, o Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica da mesma, importando que a questão seja diversamente sentenciada, na medida em que, no reconhecimento da condenação da Ré, seguradora, ao pagamento de uma indemnização pela privação do uso do veiculo acidentado, deverá apenas ser devido ao Autor uma indemnização pela privação do uso do veículo sinistrado, entre o dia do acidente, 29 de novembro de 2017, e 11 de dezembro de 2017, e, com apelo ao juízo de equidade, deverá ser considerado o quantum indemnizatório diário de €10, o que perfaz uma indemnização global de €120,00, daí que importa ajustar, para menos, o quantum indemnizatório fixado, a este propósito?


II. 2. Da Matéria de Facto

Factos Provados:

“1. No dia ... de Novembro de 2017, pelas 18h25m, ocorreu um acidente de viação na .........., ................., em que foram intervenientes os seguintes veículos ligeiros de passageiros: a) Marca MERCEDES, modelo ......, com a matrícula ..-QF-.., propriedade do A. e que, no momento do acidente, era por si conduzido; e b) Marca ........., modelo ….., com a matrícula ..-..-NA, propriedade de BB e por esta conduzido no momento do acidente (artigo 4º e 5º da p.i.).

2. A via, no local do sinistro, tem a faixa de rodagem dividida em duas metades, uma para cada sentido de marcha, divididas por linha longitudinal descontínua (artigos 7º e 8º da p.i.).

3. O veículo QF circulava pela metade direita da faixa de rodagem, na ............ - ................, no sentido …/..................., de forma atenta e cuidada, quando sofreu o embate frontal do veículo NA que circulava na metade da faixa de rodagem reservada à circulação em sentido contrário (artigos 6º, 9º a 12º da p.i.).

4. A condutora do veículo NA circulava desatenta, não prestando atenção à condução do seu veículo (artigos 16º da p.i.).

5. O condutor do veículo QF, aqui A., nada pôde fazer para evitar o sinistro (artigo 17º da p.i.).

6. A Ré, em 22 de Janeiro de 2018, comunicou ao Autor que assumia a responsabilidade pela regularização dos danos emergentes do sinistro (artigo 18º da p.i.).

7. Em consequência do acidente, o veículo QF sofreu danos na sua estrutura, a qual ficou dobrada e empenada, bem como em órgãos fundamentais ao seu funcionamento, como a sua direcção (artigo 11º da contestação).

8. O custo da reparação dos estragos sofridos pelo QF em consequência do sinistro foi orçamentado em € 27.439,98 (artigo 12º da contestação).

9. A viatura QF tinha o número de chassis ..............568, de marca Mercedes-Benz. ......, com motor a gasóleo de 2143 cc, 170 cavalos de potência, primeira matrícula de Agosto de 2015 e 71.660 quilómetros percorridos à data do acidente (artigo 13º da contestação).

10. A viatura QF havia sido adquirida, em 2015, pelo valor de € 52.570,00, com um desconto de € 12.755,41 sobre o preço total de € 65.325,41, correspondente, entre outras coisas, a € 40.323,46 de preço base, € 1.000,00 de pintura metalizada, € 20.041,82 de extras e € 519,99 de extensão da garantia (valores com IVA incluído) (artigo 29º da p.i.).

11. A viatura QF estava equipada com: - Pack de Assistência à Condução Plus; - Pack de iluminação interior; - Pack KEYLESS-GO (KEYLESS-GO starting, HANDS FREE ACESS); - Pack Parking; - Pack Espelhos; - Pack Night (Vidros laterais traseiros e óculo traseiros escurecidos, Barras de tejadilho em preto, Espelhos rebatíveis); - Sistema de luzes inteligente LED (luzes LED dianteiras e traseiras); - Porta da Bagageira EASY PACK com abertura automática; - Caixa de velocidades automática 7G-TRONI; - Linha de design Avantgarde; - Sistema de GPS (Garmin® MAP PILOT); - Pintura metalizada; - Extensão de garantia de 24 meses; - Direcção Direct-Steer Conforto, DISTRONIC PLUS com assistente de direcção, Assistente de ângulo morto Ativo, Assistente de faixa de rodagem Ativo, Sistema de alerta e proteção de embates, PRE-SAFE PLUS, Sistema PRE-SAFE, PRE-SAFE brake, Câmara de marcha visão traseira, Sistema de estacionamento activo, Espelhos anti-encadeamento, Assistente de direcção, Assistente de cruzamentos, Assistente de máximos Plus; e - protecção inferior da carroçaria e suspensão com maior altura ao solo (artigo 34º da p.i.).

12. A viatura QF tinha, à data do acidente, um valor de mercado de 42.500,00€.

13. Os salvados do QF valiam, em 21.12.2017, €18.555,00 (artigo 15º da contestação).

14. Em consequência do sinistro, a viatura QF ficou impedida de circular (artigo 51º da p.i.).

15. O veículo QF era utilizado em deslocações inerentes ao dia a dia do Autor, como idas ao supermercado, médicos, farmácias, ginásio, para além de visitas a amigos e familiares e demais momentos de lazer (artigo 52º da p.i.).

16. O veículo QF era usado diariamente como instrumento de trabalho do A. nas deslocações a que o mesmo está obrigado no exercício da sua actividade profissional (artigo 53º da p.i.).

17. O A. exerce as actividades de consultoria para os negócios e a gestão, bem como de segurança, higiene e saúde no trabalho, o que passa por implementar medidas e boas práticas em empresas, para o que se desloca às instalações dos seus clientes (artigo 54º da p.i.).

18. A Ré suportou os custos do aluguer de veículo, pelo Autor, desde 11.12.2017 até 31.01.2018, no valor de € 2.904,45 (artigos 167º e 168º da contestação).

19. O Autor teve, desde 11.12.2017 até 09.02.2018, à sua disposição um veículo automóvel, inicialmente de marca ......, serie ..., com a matrícula ..-QM-.. e, mais tarde, de marca mercedes-…., classe .., com a matrícula ..-SB-.., para efectuar as deslocações necessárias ao desempenho da sua atividade profissional e ainda as suas deslocações pessoais (artigos 122º e 124º da contestação).

20. Por ter ficado privado de utilizar o QF depois do acidente, o Autor suportou os custos de €634,23 decorrentes do aluguer de viatura entre 31.01.2018 e 09.02.2018 (artigo 79º da p.i.).

21. O Autor é proprietário dos veículos automóveis: de marca ........., modelo ...... ..., com a matrícula ..-JM-.., desde data anterior ao acidente até à presente data; de marca Mercedes-…., modelo ............... Diesel, com a matrícula ..-VJ-.., desde 18.09.2018 até à presente data, que passou a usar para todas as suas deslocações (artigos 123º, 196º e 197º da contestação).

21-A. A partir de 11-12-2017, não obstante o referido em 14, o autor teve sempre à sua disposição veículo automóvel, primeiro alugado, depois um emprestado pela Mercedes e, por fim, o novo Mercedes Benz.......... que adquiriu e lhe foi entregue em 18-09-2018.

22. Em consequência do acidente, o telemóvel pertencente à sociedade “N……….. Consultoria e Assessoria, Ld.ª”, utilizado pelo Autor, ficou danificado no botão de ligar e desligar (artigos 61º da p.i. e 86º da contestação).

23. Com a reparação do telemóvel, o Autor despendeu os valores de €93,14 e €24,01 (artigos 62º da p.i. e 88º da contestação).

24. Em consequência do sinistro, o computador portátil pertencente à sociedade “N………. Consultoria e Assessoria, Ld.ª”, utilizado pelo Autor, marca TOSHIBA, modelo Z830-10V, partiu o chassi, danificou a motherboard e as portas UBS, importando um prejuízo no valor de € 970,43 (artigo 64º da p.i.).

25. O Autor pagou o IUC dos anos de 2017 e 2018, referente ao veículo QF, nos valores de respectivamente: €218,92 e € 221,70 (artigos 68º e 69º da p.i.).

26. O Autor pagou o prémio do seguro do seu veículo automóvel, referente ao período de 01.08.2017 a 01.08.2018, no valor de €779,61 (artigo 70º da p.i.).

27. O Autor suportou o custo com a avaliação da Eurotax que disponibilizou à Ré, no valor de €76,00 (artigo 71º da p.i.).

28. Em consequência do sinistro, o Autor efectuou telefonemas para a Ré, enviou emails e contratou advogados, na tentativa de alcançar uma resolução amigável do presente litígio (artigo 82º da p.i.).

29. O Autor sofreu dores na decorrência do acidente (artigo 83º da p.i.).

30. Em consequência do acidente o Autor incorreu em despesas com: - tratamentos de fisioterapia, no valor de €32,00; - medicamentos, no valor global de €58,22; - 3 deslocações para tratamentos no valor de €56,16 (52 km x € 0,36 x 3); e despesas com portagens no valor global de €7,50 (€ 2,5 x 3) (artigos 65º e 66º da p.i.).

31. Em consequência do acidente o Autor ficou temporariamente impossibilitado de praticar exercício físico (artigo 84º da p.i.).

32. As partes trocaram as cartas datadas de 21.12.2017, 16.01.2018, 29.01.2018, 14.03.2018 e 30.05.2018, reproduzidas como documentos números 6 junto com a p.i., 12 junto com a contestação (fls. 116 v.º), 11 (fls. 24 v.º), 14 (fls. 29) e 17 (fls. 36 e ss.) juntos com a p.i..

33. As partes trocaram os emails datados de 07.02.2018 e de 22.02.2018, reproduzidos como documentos números 12 e 13 juntos com a p.i. (fls. 26 e 28 v.º).

34. Por contrato de seguro obrigatório, válido e eficaz à data do acidente, celebrado entre BB e a “Companhia de Seguros - Tranquilidade, S.A.”, titulado pela apólice n.º .......289, foi transferida para a Ré a responsabilidade civil por danos provocados a terceiros resultantes da circulação do veículo com a matrícula ..-MJ-.. (cfr. apólice junta com a contestação como documento número 1).”

Factos não provados:

“1. À data do acidente, o veículo com a matrícula ..-QF-.. valia entre 30.000,00 € e 38.000,00 € (artigo 13º da contestação).

2. Era possível adquirir, na altura do acidente, no mercado de usados, um veículo igual ao QF e no mesmo estado de conservação, por valor entre €30.000,00 e €38.000,00 (artigo 14º da contestação).

3. Por ter ficado privado de utilizar o QF depois do acidente, o Autor suportou os custos de €8.400,00 decorrentes do aluguer de viatura desde 09.02.2018 e suas sucessivas renovações, até ao momento em que adquiriu nova viatura (artigo 79º da p.i.).

4. Por ter ficado privado de utilizar a viatura QF depois do acidente, o A. viu cancelados trabalhos de consultoria especializada que já lhe haviam sido adjudicados, no valor de €18.000,00 (artigo 72º da p.i.).

5. O A. teve ainda prejuízos por estar impossibilitado de trabalhar e de se deslocar durante o período de tempo entre 30 de Novembro de 2017 e 11 de Dezembro de 2017, num total de 8 dias, no valor global de €2.939,04 (artigo 73º da p.i.).

6. O Autor despendeu 7 horas de trabalho nas deslocações a consultas médicas, sofrendo perdas financeiras no valor global de €322,00 (artigo 74º da p.i.).

7. O Autor despendeu 36 horas de trabalho nas deslocações aos serviços de rent-a-car, para celebração de contrato e de todas as suas renovações, sofrendo perdas financeiras no valor global de €1.656,00 (artigo 75º da p.i.).

8. O Autor despendeu 4 horas de trabalho para processar pagamentos de portagens e SCUTS porque a viatura de substituição não dispunha de Via Verde, sofrendo perdas financeiras de €184,00 (artigo 76º da p.i.).

9. O Autor despendeu 50 horas de trabalho com o mediador de seguros de cada vez que foi necessário analisar e responder a comunicações da companhia, sofrendo perdas financeiras de €2.300,00 (artigo 77º da p.i.).

10. Por ter ficado privado de utilizar o QF depois do acidente, o Autor deixou de realizar reuniões de trabalho em empresas de Vigo, ..........., no fim-de-semana de 12 e 13 Janeiro, trabalho de 16 horas no valor de €736,00 (artigo 78º da p.i.).

11. O veículo automóvel de marca ......... estava disponível para o Autor efetuar as deslocações necessárias ao desempenho da sua atividade profissional e ainda as suas deslocações pessoais (artigos 123º e 124º da contestação).

12. O Autor ficou privado de telemóvel por 12 dias, tempo que durou o arranjo do telemóvel (artigo 63º da p.i.).

13. Por não ter acesso aos contactos do seu telemóvel, o Autor perdeu, durante o tempo decorrido entre o sinistro e a aquisição de novo telemóvel, negócios de valor não inferior a €648,19 (artigo 63º da p.i.).

14. O Autor ficou preocupado com a dor e preocupação infligida aos seus familiares e amigos próximos, em consequência do acidente (artigo 85º da p.i.).

15. Em consequência do acidente, a imagem e a reputação do Autor perante os clientes com quem havia assumido compromissos profissionais ficou prejudicada (artigo 86º da p.i.).

16. O Autor sofreu desgosto por ter perdido a viatura QF (artigo 87º da p.i.)”.


II. 3. Do Direito


O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes, Autor/AA e Ré/Seguradoras Unidas, SA., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.


Do Recorrente/Autor/AA

II. 3.1.1 Impõe-se alterar a decisão de facto agora consignada como factos provados - item 12 - relativamente ao valor do veículo ajuizado, à data do acidente - por falta de fundamento, outrossim, item 21-A, enquanto matéria de facto, entretanto aditada pelo Tribunal recorrido, ou seja: “A partir de 11-12-2017, não obstante o referido em 14, o autor teve sempre à sua disposição veículo automóvel, primeiro alugado, depois um emprestado pela Mercedes e, por fim, o novo Mercedes Benz.......... que adquiriu e lhe foi entregue em 18-09-2018.”, reconhecendo-se a enunciada facticidade como não provada?

Como já adiantamos, o thema decidendum do recurso é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não sendo permitido ao Tribunal de recurso conhecer de questões que extravasem as conclusões de recurso, exceto se as mesmas forem de conhecimento oficioso, conforme resulta da lei adjetiva civil.

Assim, importa neste segmento do conhecimento do objeto da revista - alteração da decisão de facto pela Relação - enunciar, desde logo, que os poderes do Tribunal da Relação quanto à modificabilidade da decisão de facto estão enunciados no art.º 662º do Código de Processo Civil, sendo que este Tribunal não está dispensado do ónus de fundamentação da matéria de facto, mormente a aditada ou a modificada, tal como imposto pelo n.º 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil, na medida em que, a fundamentação da decisão, maxime, a de facto, para além de ser decorrência do art.º 205º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, consubstancia causa de legitimidade e legitimação das decisões dos Tribunais, porquanto permite ao destinatário da decisão compreender os fundamentos da decisão e os meios de prova em que eles de alicerçam.

O Recorrente/Autor/AA, insurge-se contra o aresto apelado, sustentando a infundada e incorreta alteração da decisão de facto, agora consignada como factos provados - item 12 e item 21-A - condizente, respetivamente, à alteração do valor venal do veículo ajuizado, à data do acidente, e à aquisição processual de que “A partir de 11-12-2017, não obstante o referido em 14, o autor teve sempre à sua disposição veículo automóvel, primeiro alugado, depois um emprestado pela Mercedes e, por fim, o novo Mercedes Benz.......... que adquiriu e lhe foi entregue em 18-09-2018.”

O Supremo Tribunal de Justiça no que respeita às decisões da Relação sobre a matéria de facto, não pode alterar, sem mais, tais decisões, sendo estas decisões de facto, em regra, irrecorríveis.

A este propósito, estatui o art.º 662º n.º 4 do Código de Processo Civil que “das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” estabelecendo, por seu turno, o art.º 674º n.º 3 do Código de Processo Civil “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, outrossim, prescreve o art.º 682º n.º 2 do Código de Processo Civil que a “decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674º”, donde se colhe, com meridiana clareza, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, acentuando-se que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocada, e reconhecida, a violação de lei adjetiva civil ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, ou que fixe a força de determinado meio de prova, com força probatória plena.


A decisão de facto é, pois, da competência das Instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta (tenha-se em atenção a previsão do art.º 674º n.º 3 do Código de Processo Civil) o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto.

Revertendo ao caso sub iudice, e uma vez cotejadas as conclusões apresentadas pelo Recorrente/Autor/AA, reconhecemos, com facilidade, que a impugnação da decisão de facto, contende com a circunstância de, em sua opinião, o Tribunal recorrido ter adquirido processualmente concretos factos, sem que se enxergue qualquer fundamentação para a respetiva alteração, a par da existência de meios de prova que sustentem a alteração e o aditamento à decisão de facto proferida em 1ª Instância.

Vejamos.

Confrontada a facticidade modificada aos factos adquiridos processualmente, consignada no item 12 dos Factos provados, divisamos que o Tribunal recorrido fundamentou a decisão de facto acolhida, consignando, com utilidade e a propósito:

“Valor do veículo à data do acidente

O autor alegou que este era de 46.374,00€. A ré, de 30 a 38.000,00€, admitindo, então como agora nas suas alegações, o de 38.000,00€.

Na sentença, julgou-se provado, como valor de mercado, o de 45.000,00€ – ponto 12.

Pretende a recorrente que, alterando-se a decisão quanto a este ponto e quanto aos não provados 1 e 2, se fixe o de 38.000,00€.

(…)

O tribunal motivou o seu julgamento, referindo sobre a questão que:

(…)

Vejamos, então.

Ninguém duvida que a viatura, em nova, custou ao autor 52.570,00€, mas custaria, a preço de tabela e se não fosse o significativo desconto (quase de 20%) obtido, por razões ou em condições que de todo se desconhecem e se não sabe se ou em que medida repetíveis, custaria 65.325,41€, como resulta dos documentos remetidos pela .............. em 04-04-2019.

Ela tinha uma multiplicidade de extras, conforme informação da Mercedes junta em 22-04-2019, que justificaram certamente tal elevação do preço mas cujo valor acabou por praticamente corresponder ao do desconto feito (veja-se a proposta de 24-04-2015 junta à petição como documento 8).

Se se considerasse uma desvalorização global de 1% por cada mês de vida do automóvel na propriedade do autor (28%), sobre o preço de tabela, o seu valor seria à data do acidente, 47.034,30€; se aquela se considerasse sobre o de aquisição, teríamos 37.850,40€, o que significaria desprezar os extras que equipavam o veículo e que, apesar de praticamente absorvidos pelo desconto, não deixavam de o valorizar e, portanto, de acrescentar o património do lesado.

É da experiência comum que, no mercado de usados, tais extras, porém, têm menor procura pelos interessados, menos motivados por tais “luxos”, e que, por isso, desvalorizam significativamente mais. Se considerarmos a mesma percentagem de desvalorização apenas sobre o valor pago (muito análogo ao de Tabela sem extras) e ao referido valor já encontrado de 37.850,40€ somarmos 50% do valor dos extras, ou seja, cerca de 6.000,00€ (conforme o da proposta), obteríamos o de 43.850,40€.

O relatório “Eurotax” obtido e junto pelo autor, indica o de 46.374,00€, nele se incluindo os extras – cuja descrição e valor, conforme motivação, continha imprecisões, na perspectiva do tribunal a quo justificativa da redução para 45.000,00€.

Por seu turno, o primeiro relatório da mesma plataforma obtido pela ré atingia 38.050,00€ (doc. 11), ao passo que o segundo (doc. 15, ambos da petição) chegava a 39.199,00€. A ré jamais ultrapassou tal valor e continua a sustentar que, apesar disso, o valor de mercado é de 38.000,00€.

Sucede que, segundo a informação prestada pela funcionária CC, da Mercedes (........) pelo mail junto como documento 16 (pi) nenhuma destas duas avaliações contemplava os extras e apenas a junta pelo autor o fazia – informação que, não se mostrando fundamentada, poderá conter alguma margem de erro ou de exagero

Apesar disto, o próprio autor, conforme documento 7 da petição (ou 12 da contestação), justificando com outras consultas e avaliação noutra plataforma (que, com extras, apontaria para valores entre 39.581,00€ e 41.837,00€, mais próximos do segundo relatório “Eurotax” que dava 39.199,00€ ainda que, como rezava a informação supra referida, este não contemplasse exactamente todos os extras mas necessariamente alguns) admitiu e contrapropôs, na carta de 16-01-2018, até o de 42.500,00€ (referidos docs. 7 ou 12 e item 35º da petição).

Uma vez que a diferença entre os valores achados não pode estar apenas na inclusão deles ou não mas antes na desvalorização atribuída e que, no último caso, se nos afigura excessiva). Tendo-o feito, evidentemente, no contexto de negociação e na perspectiva de resolver o dissídio extrajudicialmente, mas com evidente preocupação de justificar todos os valores que a esse propósito apresentou, tal significa que aquele valor contraproposto, não só na sua própria e mais profunda convicção (certamente depois abafada no calor da discussão justificativa do acrescento de mais e diferentes pretensões e de displicências como a já referida de alegar que o veículo lhe custou, em novo, 64.172,03€) tocava o real mas que esta se formou com base nos dados que a sua prospecção lhe forneceu e que não podemos – entre tantos e tão variados – desprezar. De resto, embora na comunicação da ré, datada de 10-04-2018, junta como documento 15, esta se mantivesse renitente em não ultrapassar o valor de 38.000,00€, o certo é que à mesma não deixou de juntar o relatório “Eurotax” que apresentava o cálculo de 39.199,00€ e, apesar de o autor, na subsequente resposta de 30-05-2018 (doc. 17), através de seu advogado, ter rejeitado também este valor e reiterado novamente o de 46.374,00€ voltando a justificar-se com o seu relatório “Eurotax” que o apontava e com a inclusão dos extras, não deixou aquela de, por mail de 18-07-2018, responder que “mui brevemente” aquele mandatário seria contactado pelo seu perito liquidatário para a “regularização” do sinistro, o que, embora não tivesse chegado a acontecer e não se possa tomar como assentimento àquela exigência, significa que tencionava manter em aberto a possibilidade de alcançarem um valor por acordo e pressupunha a consciência de que, apesar das posições extremadas (38.000,00€ vs. 46.374,00€), o encontro de um valor razoável e equilibrado e, portanto, aceitável como verdadeiro, estaria à distância de meio caminho que até ele cada uma teria de percorrer sem sacrifício incomportável para os respectivos interesses e sem desvio ofensivo da realidade, fluida como ela é para ambas as partes e para o próprio tribunal.

Daí que aquele valor pelo autor contraproposto em Janeiro para si como mínimo – o de 42.500,00€ - se nos apresente como perfeitamente possível de ser aceite como correcto, ainda que máximo, para a ré.

Isto não porque tal aparente uma espécie de expedita solução salomónica ou jurídica decisão equitativa do facto controvertido mas porque todos os elementos de prova aportados, aferidos pelas regras da experiência e testados pelos cálculos supra expostos, convencem que assim é, na realidade.

É claro que, no recurso, o autor em contraposição à impugnação da ré, continua a brandir com o seu relatório “Eurotax”, enquanto que esta, sempre escudada na “excessiva onerosidade” e na “perda total” (afinal em vários documentos por si apelidada de “parcial”) e partindo dos valores indiscutidos do custo da reparação e dos salvados, parece pretender, para se confinar nos parâmetros do artº 41º, do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, relevar e que se valorize agora mais o depoimento da sua testemunha DD.

Os argumentos da ré relativos à falta de assinatura e de autenticidade do relatório “Eurotax” junto pelo autor não colhem. São documentos obtidos, em regra, via Internet. Sucede, aliás, o mesmo com os juntos por ela, como em relação a outros elementos relativos à publicidade da venda de veículos semelhantes.

O mesmo sucede quanto à falta de justificação ou fundamentação ou, ainda, dos critérios utilizados em tais relatórios.

É certo que, como enfatiza, existem algumas imprecisões. Porém, o tribunal a quo, na motivação, salientou e ponderou essas discrepâncias e, por isso, computou-as no valor fixado.

O depoimento da testemunha DD quanto ao (des)valor daquele instrumento e à utilidade meramente indicativa do mesmo, não releva para lhe retirar de todo a credibilidade e força probatória atribuídas. É óbvio o comprometimento da mesma com a tese da ré (por conta de quem actua), tese que defendeu acerrimamente numa matéria onde a verdade absoluta, mais do que em qualquer outra, é muito fugidia, precisamente porque nela e em cada caso interferem “múltiplos outros factores”. Os argumentos relativos à mera instrumentalidade e ao distanciamento dos seus resultados em relação à realidade do mercado são reversíveis, bem se podendo dizer que se assim for a distância tanto pode ser “para menos” quanto ao do autor como “para mais” quanto aos da ré.

Relativamente à brandida Jurisprudência, já atrás nos referimos.

Aquele depoimento, aliás, reporta-se à “análise do valor de mercado”, ou seja, também a diversas indicações e sofre ela própria da mesma limitação: é que nem esta análise nem qualquer das indicações nem a ciência do perito, apesar de “supervisor” são capazes de fornecer valores “matemáticos”. A atestá-lo está o facto de o primeiro, a partir de tais fontes, se ter ficado pelos 30.000,00€ ao passo que o segundo, potenciado por mais consultas ao mercado que teriam alcançado 35 a 35.500,00€ (de que não há quaisquer documentos), acabou por levar em conta o “Eurotax”. Como disse a testemunha/perito da ré, “com base num cálculo do Eurotax… fomos para o 38 que a “Eurotax” deu”.

Tal significa que, por um lado, não é só o mercado, ou melhor, as consultas que lhe são feitas, nem a análise do resultado destas que determina certamente ipso facto a descoberta do preço real; e, por outro, que, afinal de contas, sempre ao “Eurotax” é devida relevância probatória. Tudo depende, porém, da medida.

Em suma, se concordamos, pelas razões que expusemos, que, na motivação e consequentemente na decisão sobre os três referidos pontos pesou excessivamente o relatório junto pelo autor e por isso o valor por aquela fixado (45.000,00€) não computou, por um lado, adequadamente o desvalor das discrepâncias ali notadas e também enfatizadas pela testemunha DD e, por outro, as indicações do mercado, sejam as obtidas em consultas diversas sejam as acessíveis à experiência comum na matéria, discordamos que, em face dos elementos e dos argumentos indicados pela recorrente, nenhum se lhe atribuía e todo se dê à opinião daquela testemunha e ao Relatório que apontou para 38.050,00€.

É que, apesar de tudo, a apelante não deixa de assimilar estes resultados aos dos documentos 9 e 10 juntos com a petição inicial do autor e que apontam, com já atrás salientado, para valores na ordem de 40.000,00 a 42.500,00€, embora persista em daí não retirar a consequência lógica devida em função de tal “aproximação” e se entrincheire nos 38.000,00€.

Reconhecendo-se-lhe, pois, razão parcial, julga-se, a despeito do pretendido e contra-alegado pelo autor, ser de alterar a decisão apenas quanto ao ponto 12 que, consequentemente, ficará com a seguinte redacção: “A viatura QF tinha, à data do acidente, um valor de mercado de 42.500,00€”

Quanto ao aditamento do item 21-A, respigamos do acórdão recorrido.

“Pretende a ré que, nos termos do artº 5º, nº 2, alínea b), CPC, sejam aditados factos decorrentes da instrução e discussão da causa que considera serem complementares dos alegados por si na contestação e confessados pelo autor no seu depoimento. Tais factos respeitam à utilização que sempre o autor fez, desde 11-12-2017, primeiro de veículos de aluguer, depois de um que lhe foi emprestado pela Mercedes e, mais tarde, de outro idêntico ao acidentado e que, entretanto, adquiriu e, em sua perspectiva, relevam para a questão do dano relativo à privação do uso do QF.

O autor, sobretudo nos itens 51 a 59 da sua petição, alegou ter sofrido danos, que qualifica ora patrimoniais ora não patrimoniais, resultantes da privação do uso do seu veículo, por este ter ficado impossibilitado de circular, quer os reflectidos no exercício da sua actividade profissional em que o utilizava, quer na satisfação e conforto que a disponibilidade do mesmo lhe proporcionava. A ré, maxime nos itens 120 e seguintes, contestou a inerente pretensão, alegando que sempre o autor, de uma maneira ou de outra (utilização de veículo próprio ou alugado, fosse por si ou pela ré), pôde assegurar tal utilização.

Nos factos provados, consta que entre 11-12-2017 e 09-02-2018 o autor teve à sua disposição primeiro um ...... série 3 e, depois um Mercedes Classe … (ponto 19) e que é proprietário de um ......... …… e que depois adquiriu um novo Mercedes (ponto 21). Ora, alegando ele (e fá-lo no seu recurso) que o ...... era utilizado somente pela sua companheira, referindo-se aquela disponibilidade apenas até 09-02-2018 e reportando-se a aquisição do veículo novo a 18-09-2018, considera-se que releva saber, mais concreta e complementarmente, de que meios na verdade o autor, desde o acidente, dispôs ou poderia ter disposto efectivamente, de modo a poderem ajuizar-se e avaliar-se os prejuízos alegadamente sofridos e ainda em discussão, pois que pode não ser o mesmo dispor de um (ainda que qualquer) veículo ou não dispor de nenhum, mesmo que o autor defenda que sempre deve ser indemnizado pela privação ainda na primeira hipótese.

Sobre isso, o depoimento prestado em audiência pelo próprio autor é muito assertivo e elucidativo: “eu tive um carro alugado até Junho”, “a partir daí, tive um carro que me foi emprestado pela própria Mercedes” (isto porque houve atraso na entrega do que adquirira novo) e, em suma, quando questionado se sempre teve veículo à disposição a partir de 11-12-2017, respondeu afoitamente “Tive sempre um veículo à minha disposição”.

De resto, embora não provasse o custo e o pagamento, ele já alegara (item 79 da pi) que sempre dispôs de viatura em regime de aluguer, concretizando agora que tal sucedeu até Junho.

Não há dúvida que, atenta a essencialidade deste facto e na medida em que ele concretiza ou complementa o alegado pela ré, ele não só deve ser considerado nos termos do artº 5º, nº 2, alínea b), como pode ser aditado nos termos da parte final, da alínea c), do nº 2, do artº 662º.

Não nos parece que tal consideração se restrinja à primeira instância, dados os poderes cometidos nesta matéria à Relação (artº 662º), sendo discutível, isso sim, a questão de saber se tal exige uma expressa comunicação prévia e exortação ao cabal exercício do contraditório ou se basta com a verificação de as partes terem tido a possibilidade de sobre tais factos se pronunciarem.

Sobre isso nos debruçámos no nosso recente Acórdão, de 04-02-2021, para cuja fundamentação remetemos, no qual concluímos, resumindo que “Mesmo a entender-se, o que não é pacífico nem a lei refere, que a consideração pelo juiz, ao abrigo do artº 5º, nº 2, b), CPC, de factos essenciais complementares ou concretizadores carece, para exercício do contraditório, de ser previamente por ele anunciada, considera-se tal direito plenamente exercido se o facto considerado foi alvo de constante e intensa discussão durante a audiência e, portanto, é de presumir haver implícito acordo dos sujeitos processuais quanto à sua essencialidade.”

Tendo, portanto, a factualidade em causa sido amplamente discutida na audiência, no pressuposto aceite por todos da sua essencialidade e resultando ela absolutamente certa e segura do próprio depoimento do autor, apesar de contraposta à sua tese e pretensão, julga-se nada obstar à sua inclusão que antes se impõe.

Assim, aditar-se-á um ponto com o nº 21-A, com a seguinte redacção:

“A partir de 11-12-2017, não obstante o referido em 14, o autor teve sempre à sua disposição veículo automóvel, primeiro alugado, depois um emprestado pela Mercedes e, por fim, o novo Mercedes Benz.......... que adquiriu e lhe foi entregue em 18-09-2018”.”

Daqui decorre que a alterada e aditada facticidade, levada a cabo pelo Tribunal recorrido, está motivada em meios de prova, decorrentes dos autos, sujeitos à livre apreciação do tribunal, donde, este Tribunal ad quem está impedido de intervir na valoração daqueles meios probatórios produzidos, querendo dizer que o Supremo Tribunal de Justiça não se pronuncia sobre a análise crítica da prova produzida, uma vez que a alterada e aditada facticidade levada a cabo pela Relação teve em atenção os respetivos poderes decorrentes do art.º 662º do Código de Processo Civil, considerando meios de prova, sujeitos à livre apreciação do tribunal.

Tudo visto, concluímos que o que está em causa é a reapreciação da prova, tendo a Relação valorada a mesma, de acordo com o princípio da livre convicção, afirmando, quanto aos factos impugnados, uma convicção não sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, dado que não está em debate qualquer erro de direito, na apreciação dos apresentados meios de prova, usando os poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de Instância que garante um segundo grau de jurisdição.

II. 3.1.2. A facticidade demonstrada, reconhecida a alteração da decisão de facto, importa subsunção jurídica diversa da sentenciada, concretamente, o Tribunal a quo (i) relativamente à questão da dedução dos salvados, concluiu pela dedução do valor dos salvados ao valor geral da indemnização a atribuir ao Autor, o que desvirtua, por completo o escopo da indemnização que mais não é do que colocar o lesado na situação que estaria sem a ocorrência do facto danoso (acidente), donde, estando o veículo em situação de perda total, a Ré, seguradora tem de ser condenada a pagar o valor total, que não apenas a diferença entre este e o valor do salvado? (ii) Outrossim, o Tribunal recorrido devia, contrariamente à solução encontrada, fixar uma indemnização pela privação do uso do veículo acidentado, tendo como limite temporal, por um lado, a ocorrência do sinistro, e, por outro, o pagamento efetivo da indemnização pela Ré, seguradora, a par de que a compensação condizente com os danos sofridos com a privação do uso do veículo importa um quantum superior ao fixado, devendo manter-se o atribuído em 1ª Instância? (iii) De igual sorte, o Tribunal a quo, reduziu substancial e injustificadamente o quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal de 1ª Instância em €2.500,00, estabelecendo a quantia de €1.000,00 como suficiente para o ressarcimento do dano não patrimonial sofrido pelo Autor, alteração do montante indemnizatório que, de resto, é incorreta, injusta e não fundamentada?

(i) Considerando a facticidade demonstrada nos autos, o Tribunal recorrido, no que à particular questão que nesta revista se coloca - saber se importa a dedução do valor dos salvados (veiculo sinistrado) ao valor global da indemnização a atribuir ao lesado, estando o veículo em situação de perda total (sem dissensão das partes quanto a este aspeto), ou, ao invés, a Ré, seguradora tem de ser condenada a pagar o valor total, que não apenas a diferença entre o valor venal do veiculo interveniente no acidente ajuizado, à data do sinistro, e o valor do salvado - sustentou e concluiu: “Quanto à dedução do valor dos salvados (o de 18.555,00€ apurado no ponto provado 13), embora reconheçamos não ser unânime o entendimento sobre tal matéria que deflui da análise da Jurisprudência, mormente a apontada por ambas as partes, propendemos no sentido de que tal, continuando o veículo (os salvados) propriedade do autor, o valor apurado deve ser descontado, sob pena de injusto enriquecimento.

A única forma de o evitar e de obrigar a ré a entregar-lhe o valor comercial que a viatura tinha à data do acidente (e que fixámos em 42.500,00€) seria obrigar, dado que nenhum acordo houve sobre isso, a ficar com ela.

Não existe fundamento legal para isso.

(…) prevalecem os argumentos da inexistência de acordo, de a propriedade se manter na titularidade do lesado, não parecendo ter ganho força a ideia de que os salvados são ainda produto da lesão e um dano que “pertence” ao responsável pela indemnização ou de que tudo se passa como se este os “adquirisse” a que nem a “prática corrente” confere fundamento legal.

Não nos parecendo que daqui resulte um verdadeiro “desvirtuamento” da indemnização e, enfim, salientando-se que, na verdade, dono dos salvados permanece o autor e que, além de não ser obrigada a ficar com eles nem a comercializá-los, a lei parece rejeitar a hipótese, como decorria do artigo 439º parágrafo 2, do Código Comercial, e sugere actualmente o artº 129º, do RJCS – Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril - segundo o qual “O objecto salvo do sinistro só pode ser abandonado a favor do segurador se o contrato assim o estabelecer”, inclinamo-nos, ponderados os argumentos do recorrente e as objecções da recorrida, no sentido de que deve ser efectivamente descontado o valor dos salvados.”

Não sufragamos, todavia, a posição assumida pelo Tribunal recorrido.

Reconhecida a assacada exclusiva responsabilidade do veículo segurado na Ré/Seguradoras Unidas, SA., na eclosão do acidente, o Tribunal recorrido determinou o quantum indemnizatório quanto aos danos patrimoniais, cuja discordância se identifica, desde logo, com a enunciada questão trazida a este Tribunal de revista.

Sendo o nexo causal, um dos pressupostos da responsabilidade civil o nosso ordenamento jurídico acolheu nos artºs. 483º e 563º do Código Civil a teoria da causalidade adequada, reportando-se esta a “todo o processo causal, a todo o encadeamento de factos que, em concreto, deram origem ao dano, e não à causa/efeito, isoladamente considerados” - neste sentido, Pessoa Jorge, in, Ensaio Sobre Responsabilidade Civil - escrevendo, de igual modo, Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, volume I, página 865 “do conceito de causalidade adequada pode extrair-se, desde logo, como corolário, que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”.

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação - Código Civil art.º 562º - é o que se designa pelo princípio da reparação in pristinum.

Este normativo, consagra o princípio da reconstituição natural, entendendo-se por dano, sufragando o Professor Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, volume I, 7ª edição, página 591, “a perda “in natura” que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar”.

Os danos podem ser patrimoniais ou não patrimoniais, sendo que os primeiros compreendem, não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter na sequência da lesão – Código Civil art.º 564º n.º 1 é o que se designa por danos emergentes e lucros cessantes.

A indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou, seja excessivamente onerosa para o devedor - Código Civil art.º 566º n.º 1 - sendo que a indemnização pecuniária tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existisse danos – Código Civil art.º 566º n.º 2 - .

Dever-se-á, pois, avaliar, em concreto, o dano sofrido, no caso, saber se importa a dedução do valor do salvado (veículo sinistrado) ao valor venal do veículo, à data do acidente, apurando-se, assim, a indemnização a atribuir ao lesado, Autor/AA, quanto a este reclamado dano patrimonial.

Importa, desde já adiantar que a questão trazida a Juízo respeita à responsabilidade civil extracontratual do segurado (e, por via do contrato de seguro, da seguradora) perante terceiros, no caso o Autor/AA, e não à responsabilidade civil contratual da seguradora perante o seu segurado, uma vez que está em causa um seguro obrigatório e não um seguro facultativo - o seguro de danos - caso em que, diferentemente do seguro obrigatório, a obrigação assumida pela seguradora é de indemnizar o segurado pelos danos causados na viatura (o contrato de seguro (de danos próprios) estipula-se para que a seguradora indemnize o segurado ou um terceiro - o seguro é um contrato indemnizatório - pelas consequências de um evento danoso).

Distinguimos, isso sim, sublinhamos, um demonstrado contrato de seguro obrigatório que responsabiliza a Ré, seguradora, sem qualquer dissensão das partes, divergindo apenas nos montantes indemnizatórios devidos.

No caso sub iudice, independentemente de se estar ou não ante “excessiva onerosidade” na reparação do veículo sinistrado e “perda total” do mesmo, mas tendo em conta que as partes estão de acordo e se limitaram a discutir se ao valor venal do veículo sinistrado há que deduzir o valor do respetivo salvado, temos como demonstrado que a viatura QF, propriedade do Autor/AA, tinha, à data do acidente, um valor de mercado de €42.500,00, a par de que os salvados do QF valiam, em 21 de novembro de 2017, €18.555,00, sendo aquele o valor de €42.500,00 o necessário à substituição do veículo sinistrado, daí que, ao abrigo das regras substantivas civis, concretamente, dos artºs. 562º e 566º do Código Civil, o Autor/AA tenha direito a receber a quantia de €42.500,00, como, aliás, lhe foi reconhecido pelo Tribunal recorrido.

Questiona, porém, o Recorrente/Autor/AA se a essa quantia dos €42.500,00 deve ser deduzido o valor de €18.5000,00, como determinado pelo Tribunal a quo, enquanto valor do salvado, sustentando que a reconhecer-se esta solução jurídica, estar-se-ia a desvirtuar, por completo o escopo da indemnização que mais não é do que colocar o lesado na situação que estaria sem a ocorrência do facto danoso (acidente).

Cremos que com inteira razão, sublinhamos.

Na verdade, por um lado, afirma-se, sem reserva, que o art.º 41º do Regime do Sistema de Seguro obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21 de Agosto, com sucessivas atualizações, sendo a última através do Decreto-Lei n.º 153/2008 de 6 de agosto) destina-se às empresas de seguros, obrigando-as a apresentar “Proposta Razoável” de indemnização ao lesado no caso de perda total, porém, o lesado, não é obrigado a aceitar essa proposta, podendo rejeitá-la, obviamente.

Donde, a aplicação do mecanismo de cálculo da “Proposta Razoável” de indemnização por perda total, previsto no art.º 41º n.º 3 Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (3 - O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização), ao referir a dedução do valor do salvado, pressupõe que o lesado tenha aceitado a valor do salvado, proposto pela seguradora, e, em todo o caso, salvaguarda que o salvado permaneça na posse do seu proprietário.

Por outro lado, o art.º 43º n.º 4 do mesmo diploma, Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, ao preceituar que “Verificando-se uma situação de perda total, em que a empresa de seguros adquira o salvado, o pagamento da indemnização fica dependente da entrega àquela do documento único automóvel ou do título de registo de propriedade e do livrete do veículo” permite realizar uma construção jurídica que passe pela não dedução do valor dos salvados, acaso se distinga, no caso concreto, que o lesado assuma inequivocamente abrir mão da propriedade dos salvados a favor da seguradora, ao cabo e ao resto, quando assuma, sem reservas, que não pretende ficar com os salvados na sua esfera jurídica.

Ora, conforme decorre da pretensão jurídica deduzida, e uma vez cotejada a petição inicial apresentada, decorre que o Autor/AA, proprietário dos salvados, assumiu uma conduta inequívoca no sentido de abandonar o salvado a favor da entidade que indemniza, aqui Ré/Seguradoras Unidas, SA., conforme decorre do que se respiga, a propósito, da petição inicial apresentada: “36.º Depois de ter recebido essa comunicação do A. e depois de ter submetido a reapreciação o processo de sinistro, a R. Seguradora remeteu, em 29 de Janeiro de 2018, proposta definitiva de perda parcial atribuindo ao veículo o valor venal, antes do sinistro, de € 38.000,00 e ao salvado o valor de € 18.555,00, cfr. Documento n.º 11. 43.º Devendo, por tudo quanto ficou exposto, ser a Seguradora R. condenada a pagar ao A. a quantia de €46.374,00 para ressarcimento do dano no veículo QF, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal em vigor a cada momento, vencidos desde a data do acidente até efectivo e integral pagamento. 48.º Sendo que é notório que, com a quantia proposta pela R. Seguradora para a indemnização, o A. Não consegue substituir o veículo sinistrado QF. 49.º Ora, concluindo a Seguradora R. que a reparação da viatura QF se tornava excessivamente onerosa, a indemnização pelo valor de substituição consubstancia uma forma de reconstituição natural a que o A. sempre terá direito. 50.º De facto, o dano existiu e impõe-se a sua reparação mediante a atribuição, por parte da Seguradora R., do valor necessário ao seu ressarcimento, valor esse correspondente ao já supra indicado de €46.374,00. 100.º O A. pretende, pois, a reconstituição natural da situação que existiria se não tivesse ocorrido o sinistro e, tendo a Seguradora R. recusado proceder a essa reparação, ou melhor, tendo recusado suportar o custo da mesma ou pago o valor da sua substituição, pretende o A. que a R. seja condenada a pagar-lhe tal valor.”

Inexiste no ordenamento jurídico preceito a impor que o salvado fique na posse do lesado, aliás, como já avançamos, prevê-se mesmo a possibilidade de a seguradora adquirir o salvado, ficando, nesse caso, o pagamento da indemnização dependente da entrega, àquela, do documento único automóvel, ou do título de registo de propriedade e do livrete do veículo (art.º 43º n.º 4 Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel).

E não se diga, como decorre do aresto recorrido que: “na verdade, dono dos salvados permanece o autor e que, além de não ser obrigada a ficar com eles nem a comercializá-los, a lei parece rejeitar a hipótese, como decorria do artigo 439º parágrafo 2, do Código Comercial, e sugere actualmente o artº 129º, do RJCS – Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril - segundo o qual “O objecto salvo do sinistro só pode ser abandonado a favor do segurador se o contrato assim o estabelecer”, uma vez que, enfaticamente o dizemos, o contrato de seguro em causa não é um contrato de seguro facultativo, subsumível á tipologia dos contratos de seguro enunciada no Regime Jurídico do Contrato de Seguro, integrando o denominado seguro de danos - artºs. 123º e seguintes do Regime Jurídico do Contrato de Seguro - (como já adiantamos, está em causa a responsabilidade civil extracontratual do segurado [e, por via do contrato de seguro, da Ré, seguradora, Seguradoras Unidas, SA.] perante o Autor/AA, decorrente da celebração de um contrato de seguro obrigatório) donde, reiteramos, não faz sentido, salvo o devido respeito por opinião contrária, chamar à colação, para justificar a dedução do valor do salvado ao valor global condizente ao valor venal do veiculo sinistrado, um preceito do Regime Jurídico do Contrato de seguro, inaplicável ao seguro obrigatório como é o caso dos autos.

Ademais, sendo que a indemnização pecuniária tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existisse danos, será difícil conjugar este comando normativo - Código Civil art.º 566º n.º 2 - atendendo a que o valor do salvado foi apurado em 21 de dezembro de 2017, ou seja, com cerca de 4 (quatro) anos de dilação, necessária e significativamente desatualizado, tendo em atenção o bem em causa (veículo automóvel).

Por outro lado, entendendo o instituto do enriquecimento ilícito decorrente da lei substantiva civil -  art.º 473º n.º 1 do Código Civil - no sentido de vantagem de carácter patrimonial, como obtenção injusta dessa vantagem que foi recebida, reportando-se a obtenção de enriquecimento à conta de outrem à averiguação de qual foi o património que efetuou a despesa, impor-se-á reconhecer que a ausência de causa justificativa refere-se às situações de inexistência de causa jurídica, e, por conseguinte inexistência de obrigação, sendo que no caso sub iudice, não se verifica enriquecimento sem causa, nem os respetivos requisitos, porquanto distinguimos no caso em apreço, causa jurídica para a entrega daquele valor indemnizatório de €42.500,00, respeitante ao valor venal do veículo sinistrado, sendo que, em todo o caso, o salvado deve ser entregue à seguradora, como decorre do art.º 43º n.º 4 Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel ao estatuir que o pagamento da indemnização fica dependente da entrega à seguradora, responsável, do documento único automóvel ou do título de registo de propriedade e do livrete do veículo.

Assim, no caso em concreto, opera-se a indemnização por equivalente pecuniário do valor comercial do bem antes do facto lesivo (com vista a permitir a aquisição de outro com as mesmas características), sendo o veículo substituído no património do Autor/AA pelo respetivo valor, daí que o salvado deve passar para o responsável, aqui Ré/Seguradoras Unidas, SA. não havendo lugar à dedução do valor do salvado no valor da indemnização devida, nem transferência para o lesado, do risco da respetiva venda, sem prejuízo, sublinhamos, de que o pagamento da indemnização fica dependente da entrega à Ré/Seguradoras Unidas, SA., do documento único automóvel ou do título de registo de propriedade e do livrete do veículo.

 

Tudo isto, reconhecemos que as conclusões trazidas à discussão pelo Recorrente/Autor/AA encerram virtualidade no sentido de modificar o destino delineado no dispositivo do acórdão proferido pelo Tribunal recorrido, desconsiderando-se, para o efeito a dedução do valor dos salvados no montante de €18.500,00, alterando-se este particular segmento do dispositivo, condenando-se a Ré/Seguradoras Unidas, SA., a pagar ao Autor/AA o valor global atribuído ao veiculo sinistrado, ou seja, €42.5000,00.

(ii) O Tribunal recorrido devia, contrariamente à solução encontrada, fixar uma indemnização pela privação do uso do veículo acidentado, tendo como limite temporal, por um lado, a ocorrência do sinistro, e, por outro, o pagamento efetivo da indemnização pela Ré, seguradora, a par de que a compensação condizente com os danos sofridos com a privação do uso do veículo importa um quantum superior ao fixado, devendo manter-se o atribuído em 1ª Instância?

Sem deixar, neste particular, de referenciar e repristinar tudo quando já dissemos aquando do enquadramento jurídico atinente à fixação do quantum indemnizatório, sublinhamos que constitui dano indemnizável toda a perda, prejuízo ou desvantagem resultante da ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica.

Na verdade, o lesante deve reparar todos os prejuízos causados ao lesado que merecerem a tutela do direito de modo a colocá-lo na situação que existiria se não tivesse ocorrido a lesão, querendo significar, no que ao caso sub iudice respeita, que o período de privação do uso do veículo sinistrado, que não seja imputável ao lesado, deve ser suportado por quem deu causa ao acidente.

O dano decorrente da privação do veículo constitui dano patrimonial autónomo suscetível de indemnização, quando o proprietário do veículo sinistrado se viu privado de um bem que faz parte do seu património, deixando de dele poder dispor e gozar livremente, nos termos estabelecidos no art.º 1305º do Código Civil, cabendo, assim, pela violação do direito de propriedade, o direito a indemnização pela ocorrência desse dano.

Este entendimento vem sendo sufragado pela Doutrina e pelos nossos Tribunais superiores.

A privação do uso de um veículo automóvel, traduzindo a perda dessa utilidade do veículo, é um dano, e um dano patrimonial, porque essa utilidade, considerada em si mesma, tem valor pecuniário.

Abrantes Geraldes refere que “não custa a compreender que a simples privação do uso seja uma causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que possa servir de base à determinação da indemnização” in, Indemnização do Dano Privação do Uso, páginas 39-41.

Face aos artºs. 562º, a 564º e 566º do Código Civil, da imobilização de um veículo em consequência de acidente, pode resultar: a) um dano emergente - a utilização mais onerosa de um transporte alternativo como o seria o aluguer de outro veículo; b) um lucro cessante - a perda de rendimento que o veículo dava com o seu destino a uma atividade lucrativa; c) um dano advindo da mera privação do uso do veículo que impossibilita o seu proprietário de dele livremente dispor com o conteúdo definido no art.º 1305º do Código Civil, fruindo-o e aproveitando-o como bem entender, neste sentido, Abrantes Geraldes, in, obra citada páginas, 39-41.

Neste mesmo sentido damos nota da orientação doutrinária, entre muitos outros, Menezes Leitão, in, Direito das Obrigações, volume I, página 317, Cadernos de Direito Privado, anotação de Júlio Gomes, n.º 3.

Quando a privação do uso recaia sobre um veículo automóvel danificado num acidente de viação, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente - constituindo um facto notório ou resultando de presunções naturais a retirar da factualidade provada - para que se possa exigir do lesante uma indemnização a esse título, sem necessidade de provar direta e concretamente prejuízos efetivos.

No caso sub iudice, é objeto da presente revista, como adiantamos, determinar o período temporal que se deverá atender para fixar o quantum indemnizatório pela privação do uso do veículo, outrossim, o respetivo quantum indemnizatório diário.

A este propósito, respigamos do acórdão sob escrutínio:

“No que concerne à privação do uso, ponderou-se na sentença:

“Está provado que o veículo do Autor ficou, por força dos danos sofridos no acidente, sem circular desde a respectiva data até hoje.

Note-se que tal facto é imputável à Ré, na medida em que as propostas de entendimento que dirigiu ao Autor ficaram distantes do real valor da viatura QF.

A privação do uso da viatura pelo Autor, constitui, segundo a jurisprudência que se vem impondo, um dano indemnizável valorizado através de juízo de equidade. Neste sentido se pronuncia, entre outros, o Acórdão do STJ de 29.11.2005, in CJSTJ, tomo III, pg. 152 que merece a nossa concordância: “a simples privação do uso do veículo, impossibilitante do seu proprietário dele dispor livremente com o conteúdo definido no art.º 1.305º do CC, fruindo-o e aproveitando-o como bem entender, também representa um prejuízo indemnizável, pois que a regra é a de que a privação ilícita do uso de qualquer bem constitui um dano de que o lesado deve ser compensado.” A determinação do quantum indemnizatório deve ser feita por apelo à equidade.

No mesmo sentido v. também o Acórdão do TRG de 19.09.2005, proferido na apelação n.º 1.068/05 in WWW.DGSI.PT.

Desde 29.11.2017 até hoje que o Autor está privado do uso do QF.

Porém, entre 11.12.2017 até 09.02.2018, o Autor teve à sua disposição um veículo automóvel alugado de substituição, inicialmente de marca ......, serie .., com a matrícula ..-QM-.. e, mais tarde, de marca mercedes-…., classe .., com a matrícula ..-SB-.., para efectuar as deslocações necessárias ao desempenho da sua atividade profissional e ainda as suas deslocações pessoais, tendo sido a Ré que suportou os respectivos custos desde 11.12.2017 até 31.01.2018, no valor de € 2.904,45, vindo o Autor a suportar o valor de € 634,23 decorrentes do aluguer entre 31.01.2018 e 09.02.2018;

O veículo QF era um automóvel recente, de uma marca reconhecida, dotado de vários dispositivos de segurança e conforto muito avançados e pouco comuns à data do acidente.

O Autor utilizava-o em deslocações do dia a dia, como idas ao supermercado, médicos, farmácias, ginásio, para além de visitas a amigos e familiares e demais momentos de lazer. Era também usado diariamente como instrumento de trabalho do A. nas deslocações a que o mesmo está obrigado no exercício da sua actividade profissional.

Tudo sopesado, entende-se adequada, num critério de equidade, a fixação da correspondente indemnização, no montante de €13,00 diários durante os seguintes períodos:

- de 29.11.2017 a 11.12.2017 (12 dias); e

- de 09.02.2018 até à presente data (2 anos e 258 dias).

Em sentido muito próximo, se considerarmos a necessária actualização ao ano de 2020 a as apontadas características do veículo QF, os doutos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 06.03.2012, no processo n.º 86/10.0T2SVV.C1, relator Alberto Ruço, do Tribunal da Relação do Porto de 07.09.2010, no processo n.º 905/08.0TBPFR e do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.03.2010, no processo n.º 1247/07.4TJVNF (todos in www.dgsi.pt), fixaram em € 10,00 diários a indemnização pela privação de uso do veículo.

Teremos, portanto, um valor de indemnização pela privação do veículo, de € 13.000,00 (€ 13,00 x 1000 dias)”.

No critério do tribunal a quo, excluiu-se qualquer compensação no período de 12-12-2017 a 09-02-2018 (disponibilizados pela ré, salvo o do período de 31-01 a 09-02-2018, pago por si, mas cujo preço do aluguer - 634,23€ - ela foi condenada a pagar-lhe em rubrica à parte).

Sem embargo de, conforme ponto provado 21, o autor ter adquirido e passado a utilizar novo veículo em 18-09-2018, o tribunal a quo não deixou de incluir o período subsequente, diversamente do que fez no período em que dispôs de veículos por cujo aluguer se responsabilizou a ré.

Ou seja: mesmo dispondo de outro veículo, mas já não o de substituição fornecido pela seguradora, entendeu merecida e devida a compensação, sem qualquer diferenciação no valor diário respectivo.

A adoptar-se tal critério, não será de relevar a circunstância de, como agora se acrescentou aos factos provados, ter ficado demonstrado que o autor teve à sua disposição, mesmo depois de 09-02-2018, veículo automóvel, primeiro alugado, depois um emprestado pela Mercedes e, por fim, o novo Mercedes Benz.......... que adquiriu e lhe foi entregue em 18-09-2018 - opção esta que não se mostra inteiramente consonante com a adoptada quanto ao período de 10-12-2017 a 09-02-2018, pois que a diferença reside apenas de, neste, o veículo disponibilizado ter sido alugado e pago pela ré, ao passo que, depois disso, os veículos foram disponibilizados ao autor conforme decisões suas e “à sua conta”, na medida em que a seguradora de tal obrigação se alheou.

Ora, verdadeiramente sem possibilidade de dispor de qualquer veículo, o autor apenas esteve no período que imediatamente se seguiu ao acidente, ou seja, de 29-11-2017 a 10-12-2017.

Porém, sendo certo que, por isso, não estão aqui em causa prejuízos de natureza estritamente patrimonial como seriam os derivados dos constrangimentos no exercício da actividade profissional ou outra análoga e consequente privação de rendimentos através delas auferidos, não deixou o autor de invocar e não deixa de ser certo que, além disso, a privação do veículo, para mais quando se tratava de, como salientou aliás o tribunal recorrido, uma viatura por si escolhida, a seu gosto, de reputada marca, gama alta, com vários dispositivos de segurança e de requintado conforto “pouco comuns” (designadamente os muitos “extras” – cfr. factos 9 a 11), cuja condução lhe propiciava elevada satisfação, representa um valor atendível que os veículos alugados ou emprestados presumidamente não lhe propiciavam, desde logo porque não era o “seu” nem “a seu gosto” nem poderia revestir-se das mesmas características incompatíveis com tal situação.

Já o mesmo se não pode dizer depois que o autor adquiriu e lhe foi entregue em 18-09-2018 o novo.

Tratava-se de veículo da mesma marca, modelo e categoria, por si escolhido, presumidamente segundo idênticos critérios de gosto e exigências pessoais e, portanto, com o mesmo nível ou até superior por mais recente, relativamente ao qual ele não alegou e menos ainda provou que não lhe propiciasse o mesmo gozo do anterior QF acidentado.

Como se referiu no Acórdão da Relação de Lisboa, de 11-12-2019:

“I) A privação do uso de um bem é susceptível de constituir, por si, um dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que, de acordo com o preceituado no artigo 1305º do Código Civil, é lícito ao proprietário gozar, i.e., o uso e fruição da coisa.

II) A supressão dessa faculdade, impedindo o proprietário de extrair do bem, todas as suas utilidades, constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação.

III) A privação do uso de um veículo automóvel, desde que resulte provado que era efectivamente utilizado, constitui só por si, um dano patrimonial indemnizável, devendo recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art. 566º, nº 3 do C.Civil para fixar o valor da respectiva indemnização

IV) O dano ressarcível é precisamente a indisponibilidade do bem, qualquer que fosse a actividade (lucrativa, benemérita ou de simples lazer) a que o veículo estava afecto e o mesmo não se anula pela utilização de um outro veículo, o qual apenas proporciona a utilidade inerente à deslocação que, nele, é correspondentemente efectuada.

V) Se é certo que tal utilização não erradica o dano consistente na impossibilidade de utilização do veículo sinistrado, ainda assim, tal utilização deverá ser atendida na fixação do quantum indemnizatório, chegando-se à conclusão que tal montante será inferior face aos casos em que o sinistrado não tenha outro veículo com o qual possa suprir a utilidade decorrente da realização de viagens.

VI) À míngua de outros elementos, com recurso à equidade, afigura-se ser razoável atribuir ao autor o quantitativo de € 9,00 (nove euros) diário, desde a data do acidente, devendo a ré assumir a responsabilidade por esse dano que o autor sofreu, de privação do uso do veículo sinistrado, não integralmente compensado pela utilização de um outro veículo.”.

Nesta perspectiva e tendo em conta o também decidido no Acórdão desta Relação de 21-09-2017 quer quanto à ressarcibilidade do dano quer quanto ao quantitativo diário adequado – “Há lugar a indemnização do dano da privação do uso, a fixar de acordo com a equidade, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, bastando que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que a privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava.” e “Mostra-se adequado o valor diário de 10,00 euros dia para compensar o lesado que utilizava com regularidade o veículo sinistrado na sua actividade profissional e na sua vida pessoal.” - inclinamo-nos no sentido de que é devida a indemnização de 10,00€, quantitativo, aliás, admitido como justo pela ré para o período de 29-11-2017 até 10-12-2017, mas não só durante este como também depois e até à aquisição do novo Mercedes em 18-09-2018, assim se incluindo o período de 11-12-2017 a 09-02-2018, como defendido pelo autor no seu recurso, pretensão sobre que, neste mesmo ensejo, assim nos pronunciamos desde já.

Deste modo:

- procede o recurso da ré na parte em que sustenta que o valor diário não deve ultrapassar a quantia de 10,00€;

- procede o do autor quanto ao período compreendido entre 11-12-2017 a 09-02-2018;

- improcede o recurso da ré na parte em que defendeu que defendeu ter oferecido a indemnização devida em 29-01-2018, data a partir da qual teria o autor incorrido em mora por a não ter aceite, uma vez que tal oferta não compreende e não cumpria a obrigação integral desde logo porque não procedente na medida pretendida a impugnação (total) do facto do ponto 12;

- improcede, consequentemente, quanto à obrigação de pagamento do aluguer do veículo - 634,23€ relativo ao período de 31-01-2018 e 09-02-2018;

- no mais, procede, em parte, quanto à pretendida revogação da sentença no período posterior a 09-02-2018, sendo, porém, de considerar, como se disse, todo o decorrido de 29-11-2017 a 18-09-2018, num total de 294, ou seja, 2.940,00€.”

Cotejada a facticidade demonstrada e uma vez sufragado o enquadramento jurídico consignado no aresto recorrido, este Tribunal ad quem, ao rever-se no acórdão sob escrutínio, não deixa, neste particular, de acentuar o expendido: “Ora, verdadeiramente sem possibilidade de dispor de qualquer veículo, o autor apenas esteve no período que imediatamente se seguiu ao acidente, ou seja, de 29-11-2017 a 10-12-2017.

Porém, sendo certo que, por isso, não estão aqui em causa prejuízos de natureza estritamente patrimonial como seriam os derivados dos constrangimentos no exercício da actividade profissional ou outra análoga e consequente privação de rendimentos através delas auferidos, não deixou o autor de invocar e não deixa de ser certo que, além disso, a privação do veículo, para mais quando se tratava de, como salientou aliás o tribunal recorrido, uma viatura por si escolhida, a seu gosto, de reputada marca, gama alta, com vários dispositivos de segurança e de requintado conforto “pouco comuns” (designadamente os muitos “extras” – cfr. factos 9 a 11), cuja condução lhe propiciava elevada satisfação, representa um valor atendível que os veículos alugados ou emprestados presumidamente não lhe propiciavam, desde logo porque não era o “seu” nem “a seu gosto” nem poderia revestir-se das mesmas características incompatíveis com tal situação.

Já o mesmo se não pode dizer depois que o autor adquiriu e lhe foi entregue em 18-09-2018 o novo.

Tratava-se de veículo da mesma marca, modelo e categoria, por si escolhido, presumidamente segundo idênticos critérios de gosto e exigências pessoais e, portanto, com o mesmo nível ou até superior por mais recente, relativamente ao qual ele não alegou e menos ainda provou que não lhe propiciasse o mesmo gozo do anterior QF acidentado. (…) - no mais, procede, em parte, quanto à pretendida revogação da sentença no período posterior a 09-02-2018, sendo, porém, de considerar, como se disse, todo o decorrido de 29-11-2017 a 18-09-2018, num total de 294, ou seja, 2.940,00€”, dispensando qualquer outro acréscimo argumentativo para concluir como o Tribunal a quo, ou seja, considera-se indemnizável todo o período decorrido de 29 de novembro de 2017 a 18 de setembro 2018, num total de 294 dias.


Ademais, no que tange ao arbitrado valor da compensação diária arbitrada, importa acentuar que a privação do veículo QF, por parte do Autor/AA, constitui, por si só, um prejuízo indemnizável calculado pelo recurso à equidade, sendo de ressarcir, uma vez apurado a baliza temporal da mesma que justifica, nos termos enunciados, a fixado o quantum indemnizatório, como compensação.

O valor compensatório a atribuir há de ser calculado com base em critérios de equidade assente numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida e que não colida com critérios jurisprudenciais atualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade.

A propósito da fixação de indemnização com recurso à equidade, a orientação da Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça vai no sentido de reconhecer que, mais do que discutir a aplicação de puros juízos de equidade que, em rigor, não se traduzem na resolução de uma “questão de direito”, importa, essencialmente, num recurso de revista, verificar se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados e se se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência atualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis, neste sentido, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de 2020 (Processo n.º 10529/17.6T8LRS.L1.S1, relatado pelo presente relator, não publicado), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 2017 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 2010, acessíveis, in, dgsi.pt., enunciando-se, a propósito, um trecho retirado do mais recente acórdão mencionado “se o STJ é chamado a pronunciar-se sobre o cálculo de uma indemnização assente em juízos de equidade, não lhe compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, mas tão-somente a verificação exacta acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo”, neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2013 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2015, in, www.dgsi.pt, acentuando a nossa Jurisprudência que “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma “questão de direito”; pelo que o STJ se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar […], mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto “sub iudicio””.

Assim, confrontada a facticidade apurada nestes autos, e assumindo uma ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade, que ao julgador é consentida e que não colida com critérios jurisprudenciais atualizados e generalizantes, tidos em consideração pela Jurisprudência, reconhece este Tribunal ad quem, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade, e, atenta a não significativa diferença dos valores encontrados por este Supremo Tribunal de Justiça, enquanto Tribunal ad quem, como indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pelo Autor/AA, decorrentes da privação de uso do veículo, relativamente ao arbitrado pelo Tribunal a quo, não se impor a alteração do decidido no acórdão recorrido, mantendo-se o quantum indemnizatório fixado, tendo em conta todas as circunstâncias adiantadas no aresto recorrido.

Assim, na improcedência das conclusões retiradas das alegações trazidas à discussão, pelo Recorrente/Autor/AA, neste particular atinente ao período temporal que justifica a indemnização pela privação do uso do veículo sinistrado e respetivo quantum indemnizatório, não reconhecemos às mesmas virtualidades no sentido de alterarem o destino da demanda, e, nessa medida, não merece reparo o atinente segmento do dispositivo, mantendo-se, neste particular, o aresto em escrutínio.

(iii) O Tribunal a quo, reduziu substancialmente o quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal de 1ª Instância em €2.500,00, estabelecendo a quantia de €1.000,00 como suficiente para o ressarcimento do dano não patrimonial sofrido pelo Autor, alteração do montante indemnizatório que, de resto, é incorreta, injusta e não fundamentada?

As particularidades do ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor/AA, tendo em vista o objeto da presente revista.

Na feliz enunciação do Professor Mota Pinto, in, Teoria Geral do Direito Civil, página 86, os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial “são infungíveis, não podendo ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro (…) em virtude da aptidão (diga-se, do dinheiro) para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses.”

Sempre que se trate de compensar a dor física ou a angústia moral, sofrida pelo lesado, atender-se-á ao critério pelo qual a quantia em dinheiro há de permitir alcançar situações ou momentos de prazer bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade dessa respetiva dor, sem descurar que a obrigação de ressarcir os danos morais tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória.

Aos danos não patrimoniais refere-se o n.º 1 do art.º 496º do Código Civil, quando estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, sendo que no dizer do Professor Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, volume I, página 628, 9ª edição “a gravidade deve ser apreciada objectivamente.”

De acordo com o nº. 3, da mesma disposição legal, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º..”.

Assim, reconhecemos que, como critério para a determinação equitativa dos danos não patrimoniais sofridos, há que atender à natureza e intensidade do dano causado, ao grau de culpa do lesado e demais circunstâncias que seja equitativo ter em conta.

Do enquadramento jurídico enunciado ressalta sem reservas que quanto à fixação do montante compensatório devido pelos danos não patrimoniais a lei remete para juízos de equidade, haja culpa ou dolo.

A este propósito, coligimos, com utilidade, do acórdão recorrido:

“(…) embora se admita ter sido muito violento o acidente face ao estado em que ficou o veículo do autor, ignora-se qualquer lesão física concreta.

Apenas se sabe que “sofreu dores”, não sendo possível aferir a sua origem, extensão, duração, grau.

Não admira, aliás, que as consequências a tal nível tenham sido ínfimas, dados os elevados padrões de segurança da viatura encomiados pelo próprio autor.

Ele próprio disse, no seu depoimento, que “não teve lesões significativas” e isto “graças ao carro que tinha”.

Os tratamentos de fisioterapia, os medicamentos prescritos e adquiridos - se bem que provados - nada dizem quanto aos padecimentos, sendo que as datas e teor das facturas (08 e 30 de Janeiro, 06 de Março e 28 de Abril de 2018) nada elucidam.


O autor apenas alegou impossibilidade de trabalhar por causa da privação de viatura, jamais por qualquer constrangimento patológico, físico ou psíquico.

As três deslocações implicadas, a impossibilidade temporária - por quanto tempo? - de praticar exercício físico, enfim os contratempos gerados pelo evento relativos a contactos, etc., não justificam, em nosso juízo, compensação superior à referida e admitida pela ré - 1.000,00€.”

Sublinhamos que o valor compensatório a atribuir há de ser calculado com base em critérios de equidade assente numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida e que não colida com critérios jurisprudenciais atualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade.

Ao liquidar o dano não patrimonial, o Tribunal deve levar em conta os sofrimentos efetivamente padecidos pelo lesado, bem como, a gravidade do ilícito e os demais elementos apurados, por forma a encontrar um valor ajustado ao caso concreto que efetivamente compense os danos sofridos.

Cotejados os factos demonstrados divisamos que o Autor/AA patenteia, com relevo, danos na vertente do dano existencial e psíquico, que consubstanciam sofrimento emocional, sem desprezar os sofrimentos e abalos psicológicos sofridos aquando da eclosão do acidente.

Conquanto se reconheça que os Tribunais não se devem pautar por critérios miserabilistas, tão pouco seguir critérios de puro mercantilismo, por forma a que se transforme um infortunado acontecimento em negócio, e apelando aos critérios que vimos de consignar com vista à justa compensação, usando juízos de equidade, ponderando a situação do lesado e do obrigado à reparação, sopesando a intensidade do grau de culpa do lesante e extensão e natureza das lesões sofridas pelo titular do direito à indemnização, descortinamos, cremos nós, no valor encontrado pelo Tribunal recorrido, um ponto de equilíbrio tendo em vista as próprias finalidades da compensação neste tipo de danos, não esquecendo que a compensação pelo dano não patrimonial deverá ser traduzido numa compensação que lhe permita ultrapassar o dano imaterial.

Em todo o caso, não deixamos de relembrar a propósito da fixação de indemnização com recurso à equidade, que a orientação da Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça vai no sentido de reconhecer que, mais do que discutir a aplicação de puros juízos de equidade que, em rigor, não se traduzem na resolução de uma “questão de direito”, importa, essencialmente, num recurso de revista, verificar se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados e se se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência atualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis daí que a nossa Jurisprudência tem seguido a orientação de que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma “questão de direito” pelo Tribunal de revista, pelo que, se é chamado a pronunciar-se sobre a fixação do quantum indemnizatório, que haja assentado decisivamente em juízos de equidade, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar […], mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto “sub iudicio”.

Tudo visto, reconhece este Tribunal ad quem (de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade, e, atenta a não diferença dos valores encontrados, por este Supremo Tribunal de Justiça, enquanto Tribunal ad quem, como indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor/AA) que deve ser mantido o quantum indemnizatório fixado pelos danos não patrimoniais sofridos, tendo em consideração todas as circunstâncias adiantadas no aresto recorrido.

Da Recorrente/Ré/Seguradoras Unidas, SA.

II. 3.2.1 Considerada a facticidade adquirida processualmente, o Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica da mesma, importando que a questão seja diversamente sentenciada, na medida em que, no reconhecimento da condenação da Ré, seguradora, ao pagamento de uma indemnização pela privação do uso do veiculo acidentado, deverá apenas ser devido ao Autor uma indemnização pela privação do uso do veículo sinistrado, entre o dia do acidente, 29 de novembro de 2017, e 11 de dezembro de 2017, e, com apelo ao juízo de equidade, deverá ser considerado o quantum indemnizatório diário de €10, o que perfaz uma indemnização global de €120,00, daí que importa ajustar, para menos, o quantum indemnizatório fixado, a este propósito?


Na decorrência do conhecimento do recurso independente, interposto pelo Autor/AA, concretamente a solução encontrada no precedente segmento deste aresto II. 3.1.2 (ii), é apodítico concluir que as conclusões trazidas à discussão pela Recorrente/Ré/Seguradoras Unidas, SA. não encerram virtualidade no sentido de modificar o destino delineado no dispositivo do acórdão proferido pelo Tribunal recorrido, uma vez já determinada a baliza temporal da privação do uso do veículo sinistrado e respetivo quantum indemnizatório.


III. DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam parcialmente procedente o recurso principal, interposto pelo Recorrente/Autor/AA, concedendo-se parcialmente a revista, e improcedente o recurso subordinado, interposto pela Recorrente/Ré/Seguradoras Unidas, SA., negando-se a revista.

Assim, acordam os Juízes que constituem este Tribunal:

1. Em julgar parcialmente procedente o recurso de revista interposto pelo Recorrente/Autor/AA, concedendo-se parcialmente a revista, impondo-se revogar a parte decisória do acórdão recorrido que fixou a indemnização ao Autor/AA, condenando a Ré/Seguradoras Unidas, SA. a pagar-lhe a quantia de €28.790,26 (vinte e oito milhares setecentos e noventa euros e vinte e seis cêntimos), com juros de mora legais contados sobre a quantia de €27.790,26 (vinte e sete milhares setecentos e noventa euros e vinte e seis cêntimos) desde a citação e sobre a quantia de €1.000,00 (um milhar de euros) desde esta data, com iguais juros contados a partir daqui, em ambos os casos até integral cumprimento, indo no restante pedido, a Ré/Seguradoras Unidas, SA. absolvida, substituindo-a por outra que condena a Ré/Seguradoras Unidas, SA. a pagar uma indemnização ao Autor/AA, condizente à quantia de €47.790,26€ (quarenta e sete milhares e setecentos e noventa euros e vinte e seis cêntimos), com juros de mora legais contados sobre a quantia de €46.790,26€ (quarenta e seis milhares setecentos e noventa euros e vinte e seis cêntimos) desde a citação, e sobre a quantia de €1.000,00 (um milhar de euros) desde esta data, com iguais juros contados a partir daqui, em ambos os casos, até integral cumprimento, absolvendo-se a Ré/Seguradoras Unidas, SA. do restante pedido.

2. Em julgar improcedente o recurso subordinado da Recorrente/Ré/Seguradoras Unidas, SA., negando-se a revista subordinada.

3. Mantém-se, em tudo o mais, o acórdão recorrido, nomeadamente, sobre a fixação das custas da ação.

4. Custas do recurso principal de revista, pelos Recorrente/Autor/AA e pela Recorrida/Ré/Seguradoras Unidas, SA., na proporção do respetivo vencimento e decaimento, sendo as custas do recurso subordinado de revista, pela Recorrente/Ré/Seguradoras Unidas, SA..

Registe.

Notifique.

Supremo Tribunal de Justiça, Lisboa, 28 de setembro de 2021


Oliveira Abreu (relator)                                                         

Ilídio Sacarrão Martins                                                         

Nuno Pinto Oliveira


Nos termos e para os efeitos do art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, verificada a falta da assinatura, no acórdão proferido, do Senhor Juiz Conselheiro adjunto, atesto o voto de conformidade do Senhor Juiz Conselheiro adjunto, Nuno Pinto de Oliveira.