Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6517/19.6T8MTS.P1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
CONTRADIÇÃO DE ACÓRDÃOS
Data do Acordão: 11/03/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL.
Sumário :

Há contradição, a justificar uma revista excecional, entre um Acórdão que afirma que o artigo 264.º do CT admite derrogação por instrumento de regulamentação coletiva mesmo em sentido mais desfavorável e outro que qualifica a mesma norma como relativamente imperativa, só permitindo desvios por convenção coletiva em sentido mais favorável ao trabalhador.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 6517/19.6T8MTS.P1.S2 (revista excecional)


Acordam na Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


AA, Autor da presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra Associação GPL – Empresa de Trabalho Portuário do Douro e Leixões, inconformado com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03.10.2022 que confirmou a Sentença de 22.12.2021, veio interpor recurso de revista excecional ao abrigo do disposto no artigo 672.º do CPC, invocando, para o efeito, estar em causa uma questão cuja apreciação pela sua relevância jurídica justifica a intervenção deste Supremo Tribunal por ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º), bem como existir contradição do Acórdão recorrido com um outro Acórdão de um Tribunal da Relação, mais precisamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.04.2018, proferido no processo n.º 340/16.7T8VRL.G1 (alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC).


O Recorrido contra-alegou, defendendo a inadmissibilidade do recurso de revista.


O Tribunal da Relação do Porto, em Conferência, pronunciou-se no sentido da improcedência das nulidades invocadas no recurso de revista, em Acórdão proferido a 17 de abril de 2023.


Começaremos a análise pelo último dos fundamentos invocados pelo Recorrente, a saber, a contradição de Acórdãos.


Antes de mais, aliás, convém destacar que o próprio Acórdão recorrido assume expressamente que a solução encontrada diverge da solução de outros Acórdãos de Tribunais superiores, entre os quais o Acórdão fundamento.


Assim, pode ler-se no Acórdão recorrido:


“Do nosso ponto de vista, cientes do entendimento jurisprudencial contrário expresso nomeadamente no Ac. RG de 05/04/2018, acessível em www.dgsi.pt (não podendo deixar de registar que o mesmo se estriba no entendimento dos Ac. STJ de 17.01.2007 e de 16/12/2010 e da RL de 28/4/2010, ambos acessíveis em www.dgsi.pt, mas referindo-se a situações em que era aplicável o disposto pelo art. 13º, nº 1 da LCT e o art. 6º, nº 1 do DL 519-C1/79 de 29/12, ambos revogados), somos de opinião que a norma do art. 264º, do Código de Trabalho de 2009 não é uma norma absolutamente imperativa e como tal admite derrogação por instrumento de regulamentação coletiva mesmo em sentido mais desfavorável” (sublinhado nosso).


Em conformidade, pode ler-se no sumário do Acórdão recorrido, mias precisamente no seu n.º 2 que:


“Tendo sido acordado em contrato coletivo de trabalho que durante as férias e no subsídio de férias a retribuição do trabalhador integra a remuneração base mensal correspondente e, se devido, as diuturnidades, o valor do subsídio de turno e por trabalho noturno, bem como o subsídio por isenção de horário de trabalho, sendo aplicável o disposto nessa cláusula e não as regras constantes do Código do Trabalho, independentemente de serem, ou não, mais favoráveis para o trabalhador, não sendo de atender, desde logo, às médias de valores recebidos a título de trabalho suplementar”.


No Acórdão fundamento, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.04.2018 pelo contrário afirma-se que:


“Importa deixar referido, já que a questão é levantada, a natureza imperativa das normas relativas a retribuição de férias e subsídio de férias natal, o que resulta dos termos literais das normas. O artigo 263°, por exemplo, refere "o trabalhador tem direito a.,.", expressão repetida no n° 2 do art° 264° para o subsídio de férias. Quanto às férias refere " a retribuição corresponde à...". Podem os IRCT estabelecer regime mais favorável, já que o CT estabelece um mínimo de proteção, admitindo regime mais favorável.


O CT proíbe os IRCT de contrariem normas legais imperativas» arts. 533.°, n.º 1, alínea a) do CT 03 (478.º, 1 a) do CT atual). Vd. STJ de STJ 17.01.2007, processo n°06S2188, de 16/12/2010, processo nD2065/07J5TTLSB.LTS1.; RL de 28/4/2010, processo n° 2065/07.5TTLSB.L1-4; em sentido diferente, STJ de 27/9/2011, processo n° 557/07.5TTLSB.L1.S1”.


Existe, pois, efetivamente a contradição alegada, pelo que há que admitir a revista excecional ora interposta.


O facto de proceder este fundamento torna desnecessário apreciar se também está preenchido o fundamento da alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.


É certo que no seu recurso e a respeito dessa alínea o Recorrente também invoca que a questão no caso concreto não se resume a um problema de hierarquia das fontes, havendo também que ter em conta a especificidade do trabalho suplementar no trabalho portuário, defendendo que neste caso a normalidade e a regularidade do trabalho dito suplementar deveriam permitir a sua qualificação como trabalho normal e a sua sujeição ao princípio da irredutibilidade da retribuição. Mas tais aspetos, aliás levados às Conclusões do recurso, serão apreciados com na decisão de mérito e não por esta Formação que deve cingir-se a decidir se estão ou não satisfeitos os pressupostos específicos da revista excecional.


Decisão: Admite-se a revista excecional


Custas pelo Recorrido


Lisboa, 3 de novembro de 2023


Júlio Gomes (Relator)


Mário Belo Morgado


Ramalho Pinto