Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
749/08.0TBTNV.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: SUB-ROGAÇÃO
REQUISITOS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PENHOR
Data do Acordão: 09/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / TRANSMISSÃO DE CRÉDITOS E DE DÍVIDAS / CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª ed., pp. 24,/28, 324.
- Galvão Teles, Direito das Obrigações, 2ª ed., pp. 183, 187 e seg..
- M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª ed.ª, pp. 703/704.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 468.º, 589.º, 590.º, 591.º, 592.º, 767.º, N.º1, 1182.º.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGO 164.º.
Sumário :
I - O direito de sub-rogação traduz a substituição do credor na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor (ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento): a sub-rogação pode ser voluntária, quando decorre de manifestação expressa da vontade do credor ou do devedor, designadamente quando, apesar de ser o devedor a cumprir, o faz com dinheiro ou outra cousa fungível emprestada por terceiro – arts. 589.º, 590.º e 591.º do CC – ou legal, quando opera por determinação da lei, independentemente de declaração do credor ou devedor – art. 592.º, n.º 1, do CC.

II - Resulta do art. 592.º, n.º 1, do CC, que são razões especiais que justificam o regime legal de favor que coloca o terceiro na mesma posição jurídica do primitivo credor, o que significa que o crédito não se extingue, antes de transfere para o terceiro que cumpre em vez do devedor. Mantém-se, por conseguinte, na titularidade do terceiro, o mesmo direito de crédito de que era titular o anterior credor.

III - Não é qualquer terceiro que cumpra obrigação alheia que beneficia da sub-rogação, mas apenas aqueles que cumpriram em determinadas circunstâncias valoradas pela lei. Assim, só fica sub-rogado nos direitos do credor, o terceiro que cumpra a obrigação alheia quando tiver garantido (previamente) o cumprimento, isto é, quando o cumprimento tenha em vista evitar a execução de garantia que prestou.

IV - Fica, também, sub-rogado nos direitos do credor, o terceiro que cumpra a obrigação alheia, quando “por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito” – art. 592.º, n.º 1, in fine, do CC. Exige-se um interesse directo, que a doutrina vem entendendo como sendo um interesse patrimonial e próprio, excluindo um mero interesse “moral” ou “afectivo” do solvens.

V - Se o terceiro, apesar de não ter interesse no cumprimento, realiza a prestação alheia e o credor a aceita, não há transmissão do crédito para o solvens, verificando-se, antes, a extinção da obrigação. Não significa isso, porém, que o terceiro não interessado que cumpriu a obrigação alheia não adquira qualquer direito face ao devedor liberado.

VI - Não é irrelevante que o cumprimento ocorra voluntariamente, por iniciativa do terceiro ou seja promovido pelo credor através da execução e venda do penhor. É que só na primeira situação o terceiro cumpre a obrigação alheia no seu próprio interesse, designadamente com a finalidade especial de evitar a execução, ou a consumação desta, pela venda (e consequente perda) da coisa empenhada, sendo exactamente esse cumprimento interessado a razão ser da sub-rogação.
Decisão Texto Integral:

Relatório


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No Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas,

AA- Importações e Exportações, Ld.ª, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra

BB. – ..., S.A,

alegando em resumo:

— A A. foi accionista da Ré, tendo sido titular do total de 1.211.689 acções.          

— Em 05/06/2001, entre a Caixa ..., S. A., como 1º contraente e mutuante; a sociedade BB, ora Ré, como 2º contraente e mutuária; e a ora A, que, com outras entidades, interveio como 3º contraente, na qualidade de accionista da Ré, foi celebrado um 'Contrato de financiamento".

— Nesse contrato, a ora A., enquanto accionista da BB, assumiu diversas obrigações em favor da C..., como garante do cumprimento desse contrato.

— Designadamente, e entre outras obrigações, a ora A. constituiu, a favor da C..., um primeiro penhor sobre as acções nominativas de que era proprietária à data, no total de 900.000 acções,

— A A. obrigou-se ainda, perante a C..., a constituir um primeiro penhor sobre todas as acções que viesse a subscrever em futuros aumentos de capital.

—Tal veio efectivamente a acontecer, tendo a A., em aumentos de capital social da Ré, vindo a subscrever acções até ao número de 1.211. 681 acções,

— Relativamente aos títulos penhorados, ficava a C... autorizada, nos termos do nº 3 da referida cláusula, em caso de incumprimento de qualquer das obrigações decorrentes do presente contrato a recebê-los e a imputá-los ao pagamento dos juros vencidos se os houver ou ao capital em dívida...

— E, verificando-se o incumprimento, a C….. poderia ainda vender as acções extrajudicialmente, pelo preço “ao melhor” e nas demais condições que entender. Para além do penhor das acções, a Ré concedeu ainda à C... outras garantias, tais como:

Cessão de créditos da BB, (C1.27º do Contrato);

Penhor de equipamentos e promessa de penhor, (CL. 28º);

Constituição de hipoteca e promessa de constituição de hipoteca, (Cls. 29° e 30°).

— Relativamente à hipoteca, foi a mesma constituída, sobre um prédio sito em ..., na freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o art. 3117, e inscrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ....

— Dado que a ré terá deixado de cumprir as obrigações perante a C…. – o que a A. ignorava, pois, não tinha qualquer intervenção na administração e gestão da Ré, tendo o seu representante no Conselho de Administração, Dr. DD, sido destituído sem qualquer fundamento em Assembleia realizada em 29/10/2002 e que não vinha participando na actividade do Conselho de Administração desde Julho de 2002, pois, desde essa altura que lhe estava vedado o acesso às instalações da Ré - a C... lançou mão das garantias de que beneficiava, procedendo à venda de 1.211.689 acções da A., correspondentes à totalidade da sua participação no capital social da Ré.

— A data da venda ocorreu em 26 de Outubro de 2007.

— A C... vendeu a totalidade das acções penhoradas pelo valor global de 6.374.000,00€,

— Correspondendo às acções da A. o valor de 1.560,216,00 €.

— Com a venda das acções pela C..., esta considerou liquidada a dívida da BB.

— A Ré deixou, assim, de ser devedora da C... mas,

— Considerando que o seu débito foi liquidado por terceiros, nomeadamente a ora A., a Ré passou a ser devedora da A.,

— Considerando-se esta como sub-rogada nos direitos da C...,         

Pelo valor correspondente ao valor da venda das suas acções.


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Citada pessoal e regularmente a R. veio contestar pugnando pela improcedência da acção por entender, desde logo, não existir, no caso, direito de sub-rogação já que a R. não o declarou expressamente; (art.º 591º do C.Civil)

Nem tão pouco se configura a situação prevista no n.º 2 do art.º 592º do C.Civil já que a A. não procedeu ao pagamento impedindo a execução do penhor. O que sucedeu foi que o penhor foi executado.          

Aliás não exerceu o direito de preferência previsto no contrato porque não quis.                  

Por outro lado a A. sabia das dificuldades financeiras da R., sabia da necessidade de proceder a aumentos de capital para solver tal financiamento nunca os tendo viabilizado.     


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Foi requerida a intervenção principal por parte de EE e FF na qualidade de sócios da dissolvida GG, alegando que a sociedade por ambos constituída, GG, Lda., foi dissolvida por deliberação de 24 de Dezembro de 2007; liquidada a sociedade, verificou-se existirem bens não partilhados, concretamente, um direito de sub-rogação constituído sobre a ora Ré, BB, SA; esse direito, titulado por ambos os requerentes, na qualidade de sócios da dissolvida GG, Lda., é paralelo e de natureza idêntica àquele que é invocado pela Autora, AA, Lda., na presente acção, pois que também a GG deu de penhor as suas acções, nas mesmas circunstâncias, tendo vindo a ser vendidas pela C…., exactamente nos mesmos moldes que as da A.

Pedem, em consequência, a condenação da R. pagar-lhes a quantia de 750. 602,24euros, acrescida de juros contados desde 2710.2007 até ao efectivo e integral pagamento acrescido das legais consequências (sub-rogação).


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Foi admitida a requerida intervenção, proferiu-se despacho saneador e procedeu-se à condensação do processo.

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Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença final que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos.

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Inconformados, recorreram, quer a A., quer os intervenientes e com êxito, visto que a Relação, apreciando as apelações as teve por procedentes, revogando a sentença recorrida e condenando a Ré nos pedidos respectivos.

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É, agora, a Ré quem recorre de revista para este STJ.

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Conclusões

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A terminar a sua alegação, formula a recorrente, as seguintes conclusões:

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Conclusões

da

Revista

da

Ré.

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«I. O acórdão recorrido acolhe de forma integral as pretensões dos então recorrentes (autora e intervenientes) dando agora acolhimento àquelas, pela revogação da douta sentença proferida na 1ª instância e desta forma condenando a ré, do que antes havia sido absolvida.

II. Não se resigna a ora recorrente, porém, com o decidido pelos Exmos. Juízes Desembargadores, que reputa de errado e claramente violador da lei substantiva.

III. Antes, porém, desde já se suscita perante este Magnânimo Tribunal outra questão, já ponderada, em sede de 1ª instância, mas sobre a qual não emitiu qualquer juízo o tribunal da Relação recorrido.

IV. É que, sem prejuízo do modelo recursório português se estruturar em torno do modelo da reponderação, que torna imune a instância de recurso à modificação do contexto em que foi proferida a decisão recorrida, o sistema não é inteiramente fechado, sendo que a primeira e significativa excepção a esse modelo, é a representada pelas questões de conhecimento oficioso.

V. De entre estas questões, oficiosamente cognoscíveis, avulta, designadamente e no caso em apreço, o abuso de direito - sobre a qual a Relação não se debruçou - mas que aqui e no presente se invoca como excepção peremptória, de conhecimento oficioso, mesmo em sede de recurso de revista.

VI. Veja-se que nos autos resultou provado, que: "C) A Caixa ..., SA, na qualidade de primeiro contraente, BB, SA, na qualidade de segundo contraente, AA, Lda e GG, Lda, na qualidade de terceiros contraentes foi ajustado um acordo escrito, denominado de "Contrato de Financiamento". D) No âmbito do acordo mencionado na alínea anterior, Caixa ..., SA, prestou a favor da Ré um financiamento no montante máximo de € 8.000.000,00, e um outro financiamento no montante máximo de € 750.000,00. H) Consta da cláusula 26ª do acordo mencionado em C), sob a epígrafe Promessa de Penhor de Acções: I - Os accionistas, com excepção do Município de ... e da HH, obrigam-se perante a C... a subscrever quaisquer aumentos de capital e a constituir primeiro penhor a favor da C..., sobre todas as acções que resultarem de quaisquer aumentos de capital da BB, de modo a que mantenha sempre empenhado, nos termos do presente contrato, pelo menos, 96,25 (noventa seis virgula vinte cinco por cento) do capital social da BB. J) Consta da cláusula 28ª do acordo mencionado em C): 4 - Em caso de incumprimento pela BB de qualquer das obrigações previstas neste contrato, a C... poderá efectuar a venda extrajudicial dos bens dados de penhor, ao melhor e na medida necessária ao ressarcimento dos seus créditos, aplicando o produto da venda na amortização dos montantes em dívida relativos ao presente contrato.".

VII.         Mais se provou que: "O conselho de administração da Ré comunicou, junto da assembleia geral mais do que uma vez, que os encargos financeiros desta sociedade para com a Caixa ..., no âmbito do acordo mencionado em C) da matéria assente estavam em falta; o "projectfinance" estava, também, em falta. O conselho de administração da Ré, em mais do que uma assembleia geral e na sequência da comunicação mencionada no número anterior, propôs aumentos do capital social. A AA, Lda, sempre se opôs a esses aumentos do capital social da Ré (excepto acta 23 que não compareceu).".

VIII. Ora o instituto do abuso do direito, bem como os princípios da boa-fé e da lealdade negocial, são meios de que, os tribunais, devem lançar mão para obtemperar a situações em que alguém, a coberto da invocação duma norma tuteladora dos seus direitos, ou do exercício da acção, o faz de uma maneira que - objectivamente - e atenta a especificidade do caso, conduz a um resultado que viola o sentimento de Justiça, prevalecente na comunidade, que, por isso, repudia tal procedimento, que apenas formalmente respeita o Direito, mas que, em concreto, o atraiçoa;

IX. Sendo este - precisamente - o caso dos autos e que a sentença da 1ª instância não deixa de pôr a descoberto, qualificando de manifestamente censurável a actuação da Autora, que escudando-se numa estrita interpretação jurídica, vem aproveitar-se de factos para os quais, de forma ostensiva contribuiu (com realce e sublinhado nossos),

X. A verdade é que o direito não pode ser exercido de forma arbitrária, exacerbada ou desmesurada, mas antes de um modo equilibrado, moderado, lógico e racional. E naturalmente que tudo tem de ser perspectivado em função das circunstâncias do caso concreto e consequentemente;

XI. Atender-se à matéria assente e provada na sede própria, atrás veiculada, de onde resulta o perfeito conhecimento da A. da situação financeira da R., da obrigação imposta pelo contrato de financiamento e que pela primeira foi outorgando, de proceder aos aumentos de capital social necessários, a posição maioritária que detinha e depois, a sua não aceitação em qualquer dos aumentos de capital propostos, bem sabendo, ser este um dos seus principais deveres enquanto accionista e contraente no contrato de financiamento outorgado com a C... - Caixa ..., com isso contribuindo de forma decisiva para a execução do penhor, pelo credor C...;

XII. Com tal conduta agiu a A. em claro abuso de direito e o acórdão ora recorrido, em violação do disposto no art. 334° do Código Civil, por erro de aplicação.

XIII. Não concedendo e no que agora à sub-rogação respeita, traduz-se a mesma numa forma de transferência de créditos, correspondentemente regulada no Código Civil no capítulo relativo à "transmissão de créditos e dívidas" e em que o pressuposto necessário e essencial é o cumprimento duma obrigação por terceiro, aferindo-se os direitos do sub-rogado pelo âmbito do cumprimento, ou seja, o sub-rogado adquire os direito que competiam ao credor na medida da satisfação dos interesses deste - art. 593º -1 C. Civil.

XIV.        Por via desta figura, a lei investe o terceiro cumpridor nos direitos do credor sub-rogado, quando se verifique que aquele pagou pelo devedor por deter um interesse directo na satisfação do crédito.

XV.         Todavia, não se pode confundir o interesse próprio no ressarcimento daquilo que o terceiro pagou e tem toda a conveniência em ver-se compensado daquilo que teve de entregar ao credor para pagamento da dívida, situação que cai manifestamente fora da previsão legal em análise, com a situação de interesse próprio no cumprimento.

XVI.        Assim e salvo melhor opinião, no caso concreto não será razoável admitir-se a sub-rogação, porquanto não se vislumbra a existência, no que respeita aos terceiros cujas acções dadas em penhor foram vendidas, tendo servido o produto obtido com a venda para satisfação do crédito da C..., de um interesse, próprio e directo, no cumprimento da obrigação de pagamento da dívida da ré recorrida para com a C....

XVII.      E por isso é que o facto do cumprimento ter sido feito à custa do património da Autora e intervenientes, só por si, não lhes confere o direito de sub-rogação, que invocam e a que o acórdão recorrido ora sob recurso deu guarida.

XVIII.     Em verdade e bom rigor, a C... em respeito do mandato que lhe foi conferido pelos accionistas executou extrajudicialmente o penhor de todas as acções, tendo utilizado, para o efeito, o mandato que lhe foi conferido;

XIX.        Daí, que não haja qualquer sub-rogação.

XX.         No caso em apreço, verifica-se que o pagamento efectuado pelos garantes realizou-se através da efectivação do penhor por eles prestado, o que configura situação bem diferente daquela outra prevista no n° 1 do art. 592° do Código Civil, fugindo, assim, ao seu âmbito de aplicação.

XXI.        Mais acresce não ser razoável admitir-se a sub-rogação, porquanto não se vislumbra a existência, no que respeita aos terceiros cujas acções dadas em penhor foram vendidas, tendo servido o produto obtido com a venda para satisfação do crédito da C..., de um interesse, próprio e directo, no cumprimento da obrigação de pagamento da dívida da BB para com a C....

XXII.      E tanto esse interesse directo não existirá que nunca autora ou intervenientes invocaram qualquer interesse próprio no cumprimento, nem tal alguma vez foi referido ou alegado a esse propósito.

XXIII.     A decisão recorrida é, pois, susceptível do reparo devido, mostrando-se violadora por erro de aplicação do artigo 334° do CC e por erro de interpretação do regime legal da sub-rogação, vertida nos artigos 592°, n° 1 e seguintes do mesmo diploma.

Nestes termos, nos melhores de direito aplicável e sempre com o mui douto Suprimento de V. Exas., deve dar-se integral provimento ao presente recurso de revista e em conformidade revogado o acórdão recorrido, com as legais consequências, só assim, se fazendo,

Inteira JUSTIÇA!»


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Os Factos

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Foi a seguinte a factualidade fixada pelas instâncias:

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«1- Em Julho de 1994 foi constituída a sociedade comercial GG - …, Lda., pessoa colectiva número ..., com sede na Rua ..., n.° …, freguesia de ..., concelho de ..., com o capital social de quinhentos e vinte mil euros, realizado em duas quotas: a primeira no valor de trezentos e setenta e nove mil e seiscentos euros, pertencente a EE, e a segunda no valor de cento e quarenta mil e quatrocentos euros, pertencente a FF.

2- Em 5 de Junho de 2001, AA, Lda. e GG, Lda. eram titulares de acções sobre o capital da Ré.

3- Na data mencionada na alínea anterior, entre a Caixa ..., S. A., na qualidade de «primeiro» contraente, BB, S. A., na qualidade de «segundo» contraente, AA, Lda. e GG, Lda., na qualidade de «terceiros» contraentes, foi ajustado um acordo escrito, denominado de «Contrato de Financiamento».

4- No âmbito do acordo mencionado na alínea anterior, Caixa ..., S. A. prestou, a favor da Ré um financiamento no montante máximo de €8000000,00 euros e um outro financiamento no montante máximo de €750000,00 euros.

5- Consta da cláusula V do acordo mencionado em C), sob a epígrafe «Montante e Finalidade»:

I- Pelo presente contrato, a C... abre, a favor da BB, um crédito até ao montante máximo de €8.000.000 (oito milhões de euros), destinado, exclusivamente, ao financiamento dos Custos do Projecto, adiante designado por «AC1»

II- Pelo presente contrato, a C... abre, ainda, a favor da BB, um crédito até ao montante máximo de €750.000 (setecentos e cinquenta mil euros), destinado, exclusivamente, ao apoio à tesouraria da BB, em regime de conta corrente, crédito este adiante designado por «AC2».

6- Consta da cláusula 24.° do acordo mencionado em C), sob a epígrafe «Penhor sobre as Contas do Projecto»:

I- A Conta de Receitas, a Conta de Reserva de Serviço da Dívida, a Conta de Pequenos Movimentos, a Conta de Dividendos e a Conta de Reserva de Liquidez, bem como os respectivos saldos constituirão caução a favor da C... do bom cumprimento das obrigações pecuniárias contraídas pela BB, ao abrigo da AC1 e da AC2, no presente contrato, nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 2 do artigo 666.° do Código Civil.

II- Quaisquer quantias que venham a ser depositadas nas Contas do Projecto integrarão automaticamente os créditos objecto do presente penhor, nos termos referidos no número anterior, sem necessidade de aceitação por parte da BB ou da C....

(...)

V - O penhor ora constituído subsistirá enquanto se mantiverem as obrigações cujo cumprimento assegura, só se extinguindo com o pagamento integral de todos os montantes que à C... forem devidos nos termos deste contrato.

7- Consta da cláusula 25.ª do acordo mencionado em C), sob a epígrafe «Penhor de Acções»:

I- Em garantia do cumprimento das obrigações assumidas no presente contrato no âmbito da AC1 e da AC2, designadamente para assegurar o reembolso do capital, o pagamento dos juros remuneratórios, moratórios, comissões, demais despesas e encargos, os Accionistas, com excepção do Município de ... e da HH, constituem, cada um de per si, a favor da C..., primeiro penhor sobre as acções nominativas, de que são plenos proprietários, no valor nominal de 1 euro cada uma, representativas de 96,25% (noventa e seis vírgula vinte e cinco por cento) do capital social de BB, melhor identificadas no Anexo I, as quais se encontram livres de quaisquer ónus e encargos depositadas na conta de títulos da BB n° …, Agência de L...:

a) 900.000 acções pertença de AA;

(...)

d) 427.500 acções pertença de GG;

(...)

V- No caso de incumprimento, as acções dadas de penhor podem ser vendidas extrajudicialmente, pelo preço «ao melhor» e nas demais condições que a C... entender convenientes, em qualquer dos mercados em que as mesmas se encontre admitidas à negociação, no mercado de balcão ou por qualquer forma legalmente permitida (...).

VI- No caso de venda das acções previstas no número anterior, a C... obriga-se a dar preferência aos Accionistas nos termos previstos e regulados nos números seguintes.

VII- A C... deverá dar a conhecer aos Accionistas, por carta registada, as condições da transacção, identificando nomeadamente o adquirente, o número de acções a alienar, o respectivo preço e condições de pagamento.

(...)

XIX - O produto da venda das acções nos termos referidos nos números anteriores será imputado à satisfação dos créditos da C... emergentes do presente contrato.

X - Os Accionistas entregaram nesta data à C... uma procuração irrevogável conferindo-lhe poderes para proceder à alienação das acções dadas de penhor nos termos desta cláusula, procuração esta passada de acordo com o modelo anexo (Anexo II).

8 - Consta da cláusula 26.° do acordo mencionado em C), sob a epígrafe «Promessa de Penhor de Acções»:

I- Os Accionistas, com excepção do Município de ... e da HH, obrigam-se perante a C... a subscrever quaisquer aumentos de capital e a constituir primeiro penhor, a favor da C..., sobre todas as acções que resultarem de quaisquer aumentos de capital da BB, de modo a que se mantenha sempre empenhado, nos termos do presente contrato, pelo menos, 96,25 (noventa e seis vírgula vinte e cinco por cento) do capital social da BB.

II- Os penhores referidos no n.° 1 deverão ser constituídos no prazo de 60 dias de calendário contados da data da escritura de celebração do mencionado aumento de capital.

(...)

IV- Os Accionistas, com excepção do Município de ... e da HH, entregaram nesta data à C... uma procuração irrevogável conferindo-lhe poder para constituir os penhores prometidos e ainda para proceder à venda das respectivas acções em execução do penhor e nos termos do n° 10 da cláusula anterior, procuração esta passada de acordo com o modelo anexo (modelo II).

9)Consta da cláusula 27.° do acordo mencionado em C), sob a epígrafe «Cessão de Créditos da BB à C...»:

I- Igualmente para garantia do cumprimento das obrigações assumidas pela BB, perante a C..., nos termos do presente contrato, em caso de incumprimento do mesmo nos termos da cláusula vigésima terceira (Incumprimento - Exigibilidade antecipada), aquela cede aqui a esta os créditos emergentes dos Contratos do Projecto de que seja titular.

II- Os créditos referidos no número anterior, logo que se vencerem e se tornarem exigíveis, serão directamente pagos pelos devedores no âmbito dos mencionados Contratos do Projecto à C... e imputados por esta ao pagamento dos montantes devidos pela BB à C... nos termos do presente contrato.

10)  Consta da cláusula 28.° do acordo mencionado em C), sob a epígrafe «Penhor de Equipamentos e Promessa de Penhor»:

I - Igualmente em garantia do bom cumprimento das obrigações assumidas nos termos do presente contrato no âmbito da AC1 e da AC2, designadamente em garantia do reembolso do capital, pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos, a BB constitui, aqui, a favor da C..., penhor em primeiro grau, sobre os seguintes bens de equipamento:

a)    Locotractor para manobras Zephir LOK 10.170 - 20 Tons., série n.° 1682, motor Iveco 672726;

b)    2 empilhadores de grande porte RSD 4518-4CH, com os chassis n° 45172 e 45173. (...)

IV - Em caso de incumprimento pela BB de qualquer das obrigações previstas neste contrato, a C... poderá efectuar a venda extrajudicial dos bens dados de penhor, «ao melhor» e na medida necessária ao ressarcimento dos seus créditos, aplicando o produto da venda na amortização dos montantes em dívida relativos ao presente contrato.

(...)

VIII - Igualmente em garantia do bom cumprimento das obrigações assumidas no âmbito da AC1 e da AC2, designadamente em garantia do reembolso do capital, pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões e despesas e encargos, a BB promete constituir, aqui, a favor da C..., penhor em primeiro grau, sobre todos os bens, de montante superior a €25.000 (vinte e cinco mil euros), que venha a adquirir.

(...)

X - A BB entrega, nesta data, à C..., uma procuração irrevogável conferindo-lhe poderes para constituir os penhores prometidos nos termos desta cláusula e para, subsequentemente, vender o equipamento empenhado, nomeadamente nos termos do n° 4, procuração esta outorgada de acordo com o modelo anexo (Anexo III).

11) Consta da cláusula 29° do acordo mencionado em C), sob a epígrafe «Constituição de hipoteca»:

I - Em garantia do bom cumprimento das obrigações assumidas nos termos do presente contrato, designadamente em garantia do reembolso do capital da AC1 e da AC2 e de todos os montantes que a C... pague no âmbito das garantias bancárias previstas no n.° 3 da cláusula segunda, pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões e despesas e encargos, a BB constitui, em instrumento contratual acessório nesta data celebrado entre as partes, a favor da C..., hipoteca sobre o imóvel urbano - parcela de terreno para construção urbana, sito no ..., com a área de duzentos e cinco mil, oitocentos e trinta dois vírgula cinquenta metros quadrados, sito na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número … da referida freguesia, inscrito na matriz sob o artigo …, sendo o montante máximo assegurado até 12.652195 (doze milhões seiscentos e cinquenta e dois mil cento e noventa e cinco euros), considerando-se a mesma materialmente acessória do presente contrato".

12 - Consta da cláusula 30.ª do acordo mencionado em C), sob a epígrafe «Promessa de constituição de hipoteca»:

I- Em garantia do bom cumprimento das obrigações assumidas nos termos do presente contrato, designadamente em garantia do reembolso do capital da AC1 e da AC2 e de todos montantes que a C... pague no âmbito das garantias bancárias previstas no n° 3 da cláusula segunda, pagamento de juros remuneratórios e moratórios, comissões e despesas e encargos, a BB promete constituir, aqui, a favor da C..., que aceita a promessa, hipoteca de primeiro grau sobre os imóveis de que venha a ser proprietária que sejam avaliados em montante superior a €25.000 (vinte e cinco mil escudos).

II- Igualmente para os efeitos previstos no número anterior, a BB promete ainda constituir a favor da C..., que aceita a promessa, hipoteca(s) de primeiro grau sobre os veículos automóveis de que venha a ser titular, e que tenham sido adquiridos por montante superior a €15.000 (quinze mil euros), sendo a hipoteca constituída em termos idênticos aos regulados na presente cláusula.

(...)

V - Os contratos de constituição das hipotecas serão celebrados no prazo de quarenta e cinco dias após a notificação efectuada à BB pela C... para o efeito.

VI - Para os efeitos previstos no número anterior, a BB outorga, desde já, procuração irrevogável à C... para, em nome e por conta da BB, proceder à constituição da(s) hipoteca(s) a favor da C..., caso a BB, tendo sido notificada para o efeito pela C... não o fizer dentro do prazo referido no número anterior, incluindo a autorização para a celebração de negócios consigo mesmo".

13- Em 26 de Outubro de 2007, à Autora AA pertenciam 1.211689 acções sobre o capital da Ré.

14- Em 31 de Dezembro de 2006, à sociedade GG, Lda. pertenciam 575552 acções sobre o capital da Ré.

15- Em Maio de 2007, a Caixa ... comunicou à Autora a sua intenção de transmitir as acções constituídas sobre o capital social da Ré.

16- No âmbito do acordo mencionado em C), a Caixa ..., em 26 de Outubro de 2007, procedeu à transmissão de 1.211689 acções tituladas pela Autora AA sobre o capital da Ré.

17- Fê-lo pelo preço de €1.560.216,00 euros.

18- E, ainda no âmbito do acordo mencionado em C), a Caixa ..., em 26 de Outubro de 2007, procedeu à transmissão de 575552 acções tituladas por GG, Lda. sobre o capital da Ré.

19- Fê-lo pelo preço de €750.602,24 euros.

20- Na sequência da transmissão destas acções, a Caixa ... declarou, junto da Ré, que se encontravam liquidados os encargos financeiros a suportar por esta última no âmbito do acordo mencionado em C).

21- Em 18 de Junho de 2008, a liquidação dos encargos financeiros para com a Caixa ..., por parte da Ré, no âmbito do acordo mencionado em C), ainda não estava inscrita na contabilidade desta última.

22- GG, Lda., por deliberação da sua assembleia geral datada de 24 de Dezembro de 2008, foi declarada dissolvida e liquidada.

23- A Autora compareceu em todas as assembleias gerais da Ré, à excepção de uma. 

24- Na assembleia geral da sociedade Ré realizada em 29 de Outubro de 2002, DD foi destituído do conselho de administração.

25- Em Julho de 2002 a Ré determinou a queda do conselho de Administração do qual fazia parte o representante legal da Autora.

26- Após a destituição, o livre acesso às instalações da Ré foi limitado ao representante da A. (Dr. II).

27- O conselho de administração da Ré comunicou, junto da assembleia geral, mais do que uma vez, que:

a) os encargos financeiros desta sociedade para com a Caixa ..., no âmbito do acordo mencionado em C) da matéria assente, estavam em falta;

b) o «project finance» estava, também, em falta.

28- O conselho de administração da Ré, em mais do que uma assembleia geral, e na sequência da comunicação mencionada no número anterior, propôs aumentos do capital social.

29- A AA, Lda. sempre se opôs a esses aumentos do capital social da Ré (excepto acta 23 que não compareceu).

30- A Caixa ... indagou a Autora e a sociedade GG, Lda., para que estas últimas lhe comunicassem se pretendiam exercer o direito aludido na cláusula 25.a conforme documento de fls. 671.

31- A GG não exerceu qualquer outra actividade que não a participação no capital social da Ré.»


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Fundamentação

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Como resulta das conclusões, são duas as questões suscitadas que aqui se consideram segundo a sua ordem lógica.

A primeira, consiste em saber se, no caso, existe sub-rogação legal, como decidiu o acórdão recorrido, ou se, pelo contrário, não estão verificados os requisitos de tal figura jurídica, como pretende a recorrente.

A segunda, para o caso de a resposta ser positiva, consiste em decidir se, então, o exercício do direito a que se arrogou a A. e os intervenientes, traduz ou não, uma situação de abuso de direito.


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A 1ª Questão

Sub-rogação

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Sabemos já que a A. e a GG – … Ld.ª, foram, entre outros, accionistas da Ré.

Nessa qualidade subscreveram (como terceiros outorgantes) o contrato de financiamento documentado nos autos, por via do qual a Caixa ..., S.A., concedeu à Ré (AA., S.A.) os financiamentos aí referidos.

Além de outras garantias do cumprimento das obrigações que a Ré assumiu nesse contrato, os seus accionistas, entre eles a A. e a GG, constituíram a favor da credora C….., um penhor sobre as acções nominativas de que eram proprietários, sendo que, conforme o acordado, em caso de incumprimento da Ré, as acções dadas de penhor, seriam vendidas extrajudicialmente pela credora, “pelo preço «ao melhor» e nas demais condições que a C... entender convenientes, em qualquer dos mercados em que as mesmas se encontrem admitidas à negociação, no mercado de balcão ou por qualquer forma legalmente permitida”.


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No caso da venda das acções a C... obrigava-se a dar preferência aos accionistas.

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Ora, verificando-se o incumprimento do contrato por parte da Ré, avisadas, nos termos contratuais, as accionistas aqui A. e a GG, não exerceram o direito de preferência, tendo a C... procedido à venda dessas acções e das demais, com cujo produto se pagou.

No que respeita à A., foram vendidas 1.211.689 acções pelo preço de 1.560.216,00 € e no que concerne à GG, foram transacionadas 575.552 acções pelo preço de 750.602,24 €.


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Verificada a transmissão das acções empenhados, a C... declarou, junto da Ré, que se encontravam liquidados os encargos financeiros da sua responsabilidade (da Ré) no âmbito do referido contrato de financiamento.

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É nesta sequência que a A. e os intervenientes (estes, na qualidade de ex-sócios da GG, já dissolvida e liquidada, ao abrigo do disposto no Art.º 164º do C.S.C.), pretendem a condenação da Ré a pagar-lhes a parte da dívida que liquidaram através da venda das suas acções, invocando como fundamento da sua pretensão, o instituto da sub-rogação legal previsto no Art.º 592º, n.º 1 do C.C., na medida em que são terceiros e tinham garantido o cumprimento através do penhor das suas acções.

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O acórdão recorrido, revogando a sentença da 1ª instância, deu inteira razão à A. e intervenientes, sendo contra tal decisão que se insurge a Ré, desde logo, por entender não se verificarem os requisitos da invocada sub-rogação.

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Vejamos.

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Como é sabido, o direito de sub-rogação traduz “a substituição do credor na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento” (confr. A. Varela – Das Obrigações em Geral – vol. II – 4ª ed. – 324).

Pode ser voluntária, quando decorre de manifestação expressa da vontade do credor ou do devedor, designadamente quando, apesar de ser o devedor a cumprir, o faz com dinheiro ou outra coisa fungível emprestada por terceiro (Arts. 589º, 590º e 591º do C.C.) ou legal,  quando opera por determinação da lei, independentemente de declaração do credor ou devedor (Art.º 592º, n.º 1 C.C.).


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Aqui, apenas interessa a sub-rogação legal, já que nenhuma declaração expressa existe, seja do credor, seja do devedor.

Há, então, que analisar e interpretar o disposto no Art.º 592º, n.º 1 do C.C., que determina:

Fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpra a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito”.


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Resulta claramente do preceito que são razões especiais que justificam o regime legal de favor que coloca o terceiro na mesma posição jurídica do primitivo credor, o que significa que o crédito não se extingue, antes se transfere para o terceiro que cumpre em vez do devedor.

Mantém-se, por conseguinte, na titularidade do terceiro, o mesmo direito de crédito de que era titular o anterior credor.

Exactamente porque o terceiro não é titular de um direito novo, é que, juntamente com o direito de crédito, para ele se transferem as garantias e outros acessórios do crédito transmitido.


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São, portanto, as finalidades especiais que levam o terceiro a cumprir uma obrigação que não é dele, que justificam o favor da lei, determinando que ficará sub-rogado nos direitos do credor.

Portanto, é evidente que não é qualquer terceiro que cumpra obrigação alheia que beneficia da sub-rogação, mas apenas aqueles que cumpriram em determinadas circunstâncias valoradas pela lei.

Quais sejam essas circunstâncias especiais diz o Art.º 592º do C.C..


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Assim, é que só fica sub-rogado nos direitos do credor, o terceiro que cumpra a obrigação alheia quando tiver garantido (previamente) o cumprimento, isto é, quando o cumprimento tenha em vista evitar a execução de garantia que prestou.

É o que se passa quando o terceiro tenha garantido o cumprimento do devedor, por ex., constituindo hipoteca ou penhor sobre coisa sua.

Nestes casos, embora o terceiro, enquanto proprietário da coisa hipotecada ou empenhada, não esteja obrigado pessoalmente a pagar ao credor, pode fazê-lo, no seu próprio interesse, porquanto, se não cumprir, sujeita-se à respectiva execução, e, na sequência dela, pode sofrer a perda dos bens onerados, ou pode, ver a sua posição agravada em função de eventual indemnização decorrente do não cumprimento.


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Fica, também, sub-rogado nos direitos do credor, o terceiro que cumpra a obrigação alheia, quando “por outra causa estiver directamente interessado na satisfação do crédito”.

Exige-se um interesse directo, que a doutrina vem entendendo como sendo um interesse patrimonial e próprio, excluindo-se “... os casos em que o cumprimento se realize no exclusivo interesse do devedor ou por mero interesse «moral» ou «afectivo» do «solvens»”, no dizer do A. Varela (ob. cit.).

Como ensina o ilustre Prof.. esse interesse directo do próprio terceiro, verificar-se-á sempre que, com o cumprimento, o terceiro  pretenda “evitar a perda ou limitação dum direito que lhe pertence” ou  mesmo quando “o solvens apenas pretende acautelar a consistência económica do seu direito” podendo, de um modo geral dizer-se que tem interesse directo “quem é ou pode ser atingido na sua posição jurídica pelo não cumprimento e pretenda, precisamente evitar essas consequências”.


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Note-se que, apesar de a lei especificar, na primeira parte do preceito, o caso de o terceiro ter garantido o cumprimento, tê-lo-á feito a título exemplificativo, pois que, também nestes casos, não deixa de verificar-se um interesse directo do terceiro no cumprimento da obrigação alheia, como até parece resultar da redacção utilizada pelo legislador, “por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito”, o que significará que, na origem do “favor subrogationis” está sempre um interesse directo do terceiro na satisfação do crédito, interesse esse que, na primeira parte do preceito, visa evitar o agravamento da sua posição jurídica de garante ou a perda da coisa onerada e na segunda parte, pode resultar de inúmeras outras situações, como, por ex., acontece quando o sublocatário paga a renda devida pelo locatário na intenção de evitar a caducidade da sublocação, quando o adquirente cumpre em vez do devedor com o intuíto de prevenir a venda e adjudicação do penhor ou a execução do crédito hipotecário, ou o credor preferente paga a outro credor graduado antes dele ... etc.  

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Postos os princípios e retornando ao caso concreto, verifica-se que a A. e a GG, embora tenham dado em penhor do crédito, as suas acções, não cumpriram voluntariamente a obrigação assim garantida.

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Na verdade, notificados pela C... para exercerem o seu direito de preferência, não o fizeram, isto é, não pagaram o crédito garantido.

Se o tivessem feito, teriam evitado a venda das acções, e então, teriam, de facto, ficado sub-rogados no direito da credora.

Foi justamente isso mesmo que a C... transmitiu à A. pela carta documentada a fls. 136/137, onde refere, a final:

“... aproveitamos para esclarecer essa sociedade que, caso pretenda evitar a referida venda, poderá proceder ao pagamento da dívida da BB, ficando então legalmente sub-rogada nos direitos da credora C..., nos termos do n.º 1 do art.º 592º do Código Civil.”

Portanto, a credora (C...) não reconheceu à A. o direito de sub-rogação pelo facto de ter satisfeito o seu crédito após a venda de acções em fase executiva, como parece pretender a A. (confr. ponto 24 da réplica).


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Assim, não tendo pago o crédito garantido, deixaram executar o penhor, tendo sido pelo produto da venda executiva que a C... se pagou da dívida da Ré.

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Mas, sendo assim, não estão reunidos os requisitos da sub-rogação, desde logo porque o cumprimento da obrigação alheia não partiu da iniciativa da A. ou da GG

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Ocorreu, é certo, pagamento, mas pagamento coercivo ou forçado, promovido pela própria credora, que vendeu as acções dadas em penhor e se pagou pelo respectivo produto.

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Por conseguinte, é evidente que esse “cumprimento” realizado em fase executiva pela credora, não foi efectivado no interesse directo e próprio da A. e da GG (terceiros garantes), mas no exclusivo interesse da credora, que viu satisfeito o seu crédito e da Ré, devedora, que se liberou da obrigação.

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Não ocorreu, pois, cumprimento efectuado pelos terceiros garantes com a finalidade de evitar a execução, a perda das acções empenhadas, o agravamento da sua posição jurídica ou com qualquer outro interesse directo e próprio.

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Ora, como se disse, é exactamente o interesse directo na satisfação do crédito alheio, que justifica o tratamento do favor que a lei dá ao terceiro, através do instituto da sub-rogação, daí que, inexistindo tal interesse, não possam a A. e os intervenientes beneficiar de tal direito.

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Entendeu-se no acórdão recorrido que a forma como se realiza o pagamento, seja através da execução do bem objecto da garantia, seja voluntariamente, sem execução, será irrelevante, na medida em que essas duas formas de pagamento não geram qualquer situação de facto, materialmente relevante, que fundamente juridicamente a atribuição do direito de sub-rogação num caso e a sua negação no outro.

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Mas, salvo o devido respeito, não pode ser assim, sob pena de se desvirtuar completamente o instituto da sub-rogação.

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Como se deixou referido, o “favor subrogationis” que a lei quis conceder ao terceiro que cumpra obrigação alheia, funda-se, exclusivamente, no seu interesse directo e próprio no cumprimento (interesse que pode ser o mais variado, como se disse).

É em função dele que ocorre a transmissão do crédito nas condições específicos da sub-rogação.

Não se verificando tal interesse no cumprimento, não ocorre a transmissão (a não ser que se trate de sub-rogação convencional, onde a vontade do credor ou do devedor, devidamente manifestada, supre a eventual falta de interesse), caindo-se na regra geral do Art.º 767º, n.º 1 do C.C., segundo o qual, a prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação.


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Assim, se o terceiro, apesar de não ter interesse (ou, em todo o caso, não ter um interesse directo e próprio) no cumprimento, realiza a prestação alheia e o credor a aceita, não há transmissão do crédito para o solvens, verificando-se, antes, a extinção da obrigação.

Não significa isso, porém, que o terceiro não interessado que cumpriu a obrigação alheia não adquira qualquer direito face ao devedor liberado.

Como observa Galvão Teles (- Direito das Obrigações – 2ª ed. – 187 e seg. – ),

“O terceiro fica na verdade, em princípio, com um direito contra o devedor, cujo conteúdo varia conforme as circunstâncias. Mas esse direito não é o crédito pago, é um crédito novo, nascido do próprio facto do pagamento da dívida alheia.

Designadamente as garantias de crédito antigo extinguem-se com ele, não aproveitando ao crédito emergente da intervenção do terceiro.”


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Assim sendo, quando o terceiro não fique sub-rogado no direito do credor, pode , ainda assim, por regra, exigir ao devedor liberado aquilo com que ele se enriqueceu sem justa causa.

Mas se o pagamento se verificou numa situação de gestão de negócios, é à luz desse instituto que o reembolso terá lugar (Art.º 468º do C.C.).

Pode igualmente ocorrer que o cumprimento do terceiro se efectue no exercício de mandato sem representação, caso em que será face  a essa relação interna entre o terceiro e o devedor que se define o direito daquele (Art.º 1182º - última parte).


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Em situações como a dos autos, em que o terceiro(s) dá de penhor coisa sua em garantia do cumprimento do devedor, haverá, por regra, um acordo subjacente à constituição da garantia, firmado entre o terceiro e o devedor.

Então, também aqui, não operando a sub-rogação (convencional ou legal) será em função dessa relação interna que se determinará o regresso a que o terceiro terá direito.


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Notar-se-á, no entanto, que a penhora ou a hipoteca, por ex., podem ser constituídos com ânimo de liberalidade a favor do devedor, caso em que se verificará uma doação indirecta, ou pode existir acordo subjacente, que, por outra razão, exclua qualquer direito ao reembolso.

Como é óbvio, nestes casos nenhum direito sobre o devedor terá o terceiro que cumpriu em vez dele.

(sobre a matéria, confr.:

A. Varela – ob. cit. – 24/28

Galvão Teles – Direito das Obrigações – 2ª ed.ª – 183/189, ou

M.J. Almeida Costa – Direito das Obrigações – 4ª ed.ª – 703/704).


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Por conseguinte, diferentemente do afirmado pelo acórdão recorrido não é irrelevante que o cumprimento ocorra voluntariamente, por iniciativa do terceiro ou seja promovido pelo credor através da execução e venda do penhor, como no caso se verificou.

É que só na primeira situação o terceiro cumpre a obrigação alheia no seu próprio interesse (no seu interesse directo, como diz a lei), designadamente com a finalidade especial de evitar a execução, ou a consumação desta, pela venda (e consequente perda) da coisa empenhada, sendo exactamente esse cumprimento interessado a razão de ser da sub-rogação.


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Concluímos, portanto, que a A. e os intervenientes, não podem ser sub-rogados no direito da credora C..., porque o pagamento (parcial) que suportaram não pode ser tido como cumprimento interessado nos termos configurados pelo Art.º 592º do C.C.

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Não significa isto que não tenham qualquer direito de reembolso contra a Ré.

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Porém, não será no âmbito desta acção que podem fazer valer tal eventual  direito, designadamente através do instituto de enriquecimento sem causa, não só porque a causa de pedir e o pedido foram conformados, exclusivamente, em função da sub-rogação, como porque se ignora se existiu algum acordo firmado entre os accionistas dadores do penhor e a Ré, subjacente à constituição da garantia, com base no qual devam definir-se os direitos dos accionistas que viram executada a garantia, perante a Ré devedora.

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Procede, assim, a revista da Ré, sem necessidade de apreciar a segunda questão suscitada, que fica prejudicada.



Decisão

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Termos em que acordam neste S.T.J. em conceder revista, consequentemente:

— revogam o acórdão recorrido, e

— decidem julgar a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos.


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Custas pela A. e intervenientes na proporção do peticionado.



Lisboa, 12 de Setembro de 2013

Moreira Alves (Relator)

Alves Velho

Paulo Sá