Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
Descritores: | PERDA ALARGADA DE BENS LIQUIDAÇÃO INCIDENTE DECISÃO RECURSO DUPLA CONFORME | ||
Data do Acordão: | 09/11/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / LIQUIDAÇÃO – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA. DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / DECISÕES QUE NÃO ADMITEM RECURSO. | ||
Doutrina: | - Günther Jakobs, Dogmática de Derecho Penal y la Confirmación Nornativa de la Sociedad, Editorial Thomson/Civitas, Madrid, 2004, p. 41; - José M. Damião da Cunha, Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-financeira - A Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro de 2002, 2017, Universidade Católica, Biblioteca de Investigação, p. 23; - Winfried Hassemer, Fundamentos del Derecho Penal, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, p. 127. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 358.º, 359.º, 360.º E 671.º, N.º 3. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 400.º, N.º 3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 25-02-2015, PROCESSO N.º 1653/12.2JAPRT.P1.S1; - DE 14-03-2018, PROCESSO N.º 22/08.2 JALRA.E1.S1. | ||
Sumário : | I. – O incidente para liquidação da perda alargada de bens rege-se, na carência de regulação na legislação adrede, pelo rito prescrito nos artigos 358º a 360º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal; II. – A decisão (judicial) que declara, ou decreta, a final, a perda alargada de bens, é recorrível, nos mesmos termos da decisão que decide o pedido cível processado em processo penal – artigo 400º, nº 3 do Código de Processo Penal; III. – Constitui questão nova, em recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, a pretensão recursiva do arguido que tendo impugnado a individualização da mediação judicial da pena no recurso para o Tribunal da Relação não obteve pronúncia na decisão por esta proferida. IV. – A dupla conforme, numa decisão judicial, constitui-se quando, relativamente a um dos segmentos da decisão, ocorre uma decisão do tribunal de recurso que: i) confirme, sem voto de vencido o decidido pelo tribunal recorrido; ii) que a fundamentação com que tribunal de recurso confirma o decidido pelo tribunal recorrido não seja essencialmente diferente. (cfr. artigo 671º, nº 3 do Código Processo Civil) | ||
Decisão Texto Integral: |
I.- RELATÓRIO. I.a). – ELEMENTOS RELEVANTES PARA A DECISÃO. - Em 4 de Outubro de 2017, o Ministério Público no Departamento de Investigação e Acção Penal – 1ª Secção de ..., deduziu acusação contra AA; BB; CC e DD (com os dados de identificação constantes de fls. 934-935), imputando-lhes a prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, e 24º, alínea c) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro; - Em 13 de Novembro de 2017, Ministério Público, promoveu a liquidação do património contra os arguidos, AA e BB, pedindo que, nos termos do artigo 12º, nº 1 da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, fossem declarados perdidos a favor do Estado os valores de € 284.281,16, correspondente ao património incongruente (relativamente ao património lícito) apurado na esfera patrimonial do arguido AA; e € 15.541,29, correspondente ao património incongruente com o património lícito que havia sido apurado na esfera patrimonial pertencente a BB – fls. 991 a 998; - Foi requerida a abertura da instrução pelos arguidos, não tendo sido autorizada por carência de pagamento da multa, pela apresentação tardia do respectivo requerimento – fls. 1016; - Por despacho datado de 18 de Janeiro de 2018, o tribunal judicial da comarca ... - Juízo Central e Criminal de ... – Juiz 1, depois de declarar o tribunal competente, designou data para julgamento dos arguidos supra indicados, recebeu a acusação pública, “pelos factos e disposições legais dela constantes”, tendo designado data para julgamento; - No despacho constante do item antecedente “por se mostrarem reunidos os pressupostos a que alude o art. 8º, nº s 1 e 2 da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, com referência ao “crime catálogo” do art. 1º, nº 1, alínea a) do mesmo diploma legal, recebo o incidente de liquidação do valor a perder a favor do Estado (liquidação de património) deduzido pelo Ministério Público a fls. 991/999 contra os arguidos, AA e BB. Mais notifique especificamente os arguidos AA e BB nos termos e para os efeitos do disposto no art. 9º, nº 4 da cit. Lei 5/2002, de 11 de Janeiro.” – fls. 1043 e 1044; - Os arguido BB e AA ofereceram o merecimento dos autos e indicaram testemunhas – fls. 1091 vº e 1107; . Realizada audiência de discussão e julgamento – cfr. fls. 1142 a 1146; 1184 a 1188 – foi proferida decisão – cfr. fls. 1203 a 1233 – onde obtiveram pronúncia do tribunal, (i) – a questão suscitada pelo arguido BB da “proibição da valoração da facturação detalhada e localização celular aos postos telefónicos com os números... e ...” (fls. 1204 a 1206); (ii) “da nulidade das declarações prestadas pelo arguido DD ao OPC depois de detido em flagrante delito” (fls. 1206 a 1207 vº); (iii) “Da falta de notificação do incidente de liquidação” (fls. 1207vº a 1208); (iv) a apreciação da perda alargada (fls. 1227 a 1230, tendo, a final, o tribunal condenado todos os arguidos, notadamente os arguidos AA; BB, nos termos que a seguir se deixam transcritos (sic): “A) Da acusação: - 1. No que concerne ao arguido AA 1.2. Condenar o arguido pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, na pena de nove anos de prisão; [[1]] 2. No que concerne ao arguido BB 2.1. Convolar o crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 e 24.º al. c), pelo qual vem acusado, num crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº 1, ambos do mesmo diploma legal; 2.2. Condenar o arguido pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, na pena de oito anos e dois meses de prisão; [[2]] (…) B) Da perda alargada Nos termos do disposto no artigo 7.º e seguintes da Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro, determinamos a perda: 1. Relativamente ao arguido AA: do valor de € 284.281,16 (duzentos e oitenta e quatro mil duzentos e oitenta e um e dezasseis cêntimos); 2. Relativamente ao arguido BB: do valor de €15.541,29 (quinze mil quinhentos e quarenta e um euros e vinte e nove cêntimos). [[3]/[4]] - Por dissentirem do decidido pelo tribunal de primeira (1ª) instância, recorreram os arguidos, BB e AA (respectivamente fls. 1246 a 1270 [[5]] e 1270 a 1323 (corrigidas – cfr. despacho de fls. 1367 de fls. 1370 a 1516); - Após a realização de audiência de discussão e julgamento, em 15-01-2018 (cfr. fls. 1529) veio a ser publicitada a decisão a 16 de Fevereiro de 2018, em que foram eleitas para apreciação: (a) do recurso ao arguido AA (sic): “(…) verificar se a decisão recorrida enferma de alguma inconstitucionalidade, por violação dos arts. 18°, 1, 201°, 1 e 32°, 1 e 5 , da CRP; se o acórdão recorrido enferma de inexistência jurídica ou nulidade; se se observa insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a reapreciação da matéria de facto impugnada; a validade de depoimento de co-arguido; a determinação da medida da pena.” (fls. 1565 Vº); (b) do recurso do arguido BB: “a constitucionalidade da relevância probatória concedida aos dados de tráfego (facturação detalhada) e localizações celulares; a pretensa invalidade de prova por reconhecimento; a impugnação da matéria de facto.” (fls. 1565 vª), e, a final, decidido “negar provimento aos recursos, mantendo na íntegra o acórdão recorrido.” Da decisão proferida impelem os arguidos, AA e BB (cfr., respectivamente, fls. 1599 vº a 1636 e 1638 a 1641), recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo dessumido as respectivas fundamentações nas sínteses conclusivas que a seguir quedam extractadas. I.b). – QUADRO CONCLUSIVO. Do recurso de BB (fls-1638 a 1641) “1. O recorrente entende que a pena de 8 anos e 2 meses de prisão é excessiva, tendo em conta a sua culpa e exigências de prevenção: i. Deu-se como provado que a droga traficada era haxixe, estupefaciente que apresenta baixa toxicidade e assim é menor a lesão ao bem jurídico protegido. ii. Deu-se como provado que o corrente era quem dava a cara para o correio, isto é, tratava da contratação e da sua logística; iii. Não se deu como provado que era o adquirente da droga, nem que tivesse qualquer participação no lucro do destinatário final ou do dono da droga; iv. Provou-se que no quarto transporte esteve em causa cerca de 15 kg de haxixe, contudo, nos três primeiros, não se provou a data, nem em concreto a quantidade de haxixe transportado, pelo que é de considerar pro reo essa indeterminação; v. A organização logística parece básica, neste tipo de tráfico com recurso a correio de droga, sendo certo que foi mantida sempre a mesma atuação e logística após o sucesso do 1º transporte e desadequação dos meios de controlo dos aeroportos; vi. Não se provou a remuneração visada ou conseguida; vii. Por outro lado, não se levou em consideração uma sucessão de fatores pessoais – provados - que impunham, sempre a redução da pena aplicada: viii. Trabalha desde os 16 anos de idade; ix. Tem uma filha de 1 ano, [[6]] com quem, apesar de estar a viver com a ex-companheira no Algarve, visita com frequência e contribuí monetariamente para as suas necessidades; x. Tem apoio familiar; xi. A pena deve ser reduzida para os 6 anos de prisão. Violaram-se as seguintes disposições legais: - Artigos 40º e 71º do CP; (…) deverá o presente recurso obter provimento e em consequência reduzir-se a pena aplicada.” Do recurso do arguido, AA (fls. 1599 vº a 1636) “1- O Tribunal da Relação, salvo o devido respeito, não apreciou como devia as questões suscitadas na matéria de direito no recurso. 2- Salvo o devido respeito, em nosso entender o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa não ajuizou como devia o direito aplicável, designadamente a dosimetria da pena (art. 40º, 70º e 71º do C.P.P.) e a Lei 5/2002 de 11 de janeiro, em confronto com os arts. 2º, 18º, 20º, 32º, nº2 todos da C.R.P. e art. 61º nº1 al. d) do C.P.P.. 3- A Lei 5/2002 de 11 de janeiro foi a forma que o legislador encontrou para fazer frente às dificuldades probatórias com que o Ministério Público se depara para fazer face à proliferação da criminalidade económica e organizada. 4- O enquadramento do confisco alargado no âmbito do processo penal foi ditado por razões de economia processual, de forma a poupar os tribunais judiciais de um novo processo. Admitimos que o princípio da economia processual é bastante importante, mas não pode assumir nunca uma importância superior aos princípios que são postos em causa por este regime. 5- Na verdade, este regime de confisco alargado viola princípios estruturantes, não só do Direito Processual Penal, mas também do próprio Estado de Direito, os quais, sem dúvida nenhuma, estão num patamar muito superior ao princípio da economia processual, pelo que devem sobrepor-se a ele. 6- A Lei nº5/2002 consagrou um regime de inversão de ónus da prova, baseado numa presunção de ilicitude. 7- Esta presunção consta do art.7º da Lei supra referida e depende dos seguintes pressupostos: a condenação transitada em julgado por um dos crimes do catálogo do art. 1.º, a titularidade de bens por parte do arguido, a incongruência do património com os rendimentos lícitos do arguido e a demonstração da existência de uma atividade criminosa anterior ao crime pressuposto. 8- A natureza jurídica do confisco alargado tem natureza penal, como é entendido por Augusto Silva Dias e outros, ao invés de alguma doutrina que defende a natureza civil e/ou administrativa, nomeadamente, Damião da Cunha, Lourenço Martins. 9- O processo de confisco enquadra-se dentro do procedimento penal, o que significa que há uma forte ligação entre esta figura e o Direito Processual Penal. Esta ligação revela-se desde logo no primeiro pressuposto essencial do confisco alargado, a condenação por um dos crimes do catálogo do art.1º, uma vez que este mecanismo não prescinde de uma efetiva condenação por um ilícito criminal. 10- Em nosso entendimento, o regime de confisco alargado surge para colmatar falha da perda clássica de bens, um outro pressuposto de confisco que se enquadra dentro do Direito Processual Penal e tem efetivamente natureza penal. 11- A inserção do confisco alargado, salvo melhor opinião, no contexto do Direito Processual Penal não é desprovida de consequências, das quais destacamos a mais importante que é a sujeição às regras e aos princípios deste ramo do Direito, que não foi atendido pelo Tribunal “a quo”. 12- A figura do confisco alargado é notoriamente revolucionária, sendo que, é a primeira vez que o Direito Processual Penal português, uma presunção de ilicitude que inverte o ónus da prova em desfavor do arguido. Nesta medida, sendo uma figura atípica e inversa à máxima do processo penal, o in dúbio pro reo. 13- A Lei 5/2002 veio criar conflitos não só com as normas processuais, mas também com normas constitucionais, já que é um afigura que vai contra o espírito geral do direito processual penal, de proteção dos direitos do arguido, que não foram devidamente atendidos pelo Tribunal “a quo”. 14- A questão prévia solicitada do incidente de liquidação e da sua inexistência jurídica no recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa por parte do ora recorrente é demonstrativo dessas dificuldades. 15- Não tendo o arguido sido notificado do incidente de liquidação, a lei não comina com nulidade a inobservância de tal notificação, reportando o Tribunal com uma mera irregularidade, quando no entender o arguido deveria ter sido considerado a inexistência jurídica, entendimento esse que o Tribunal da Relação não subscreveu e que se impõe ser melhor atendido por este Superior Tribunal. 16- Conforme fora aflorado nas alegações do recurso interposto da Tribunal de primeira instância, o recorrente entendeu que a Lei 5/2002, enferma de inconstitucionalidades. 17- O arguido, o Tribunal da primeira instância e o da Relação entenderam, face à posição dos mesmos quanto às regras aplicáveis que o confisco alargado previsto na Lei 5/2002 tem natureza penal e nesta medida aplicaram as regras do processo penal. 18- Assim, atendendo à natureza do confisco alargado impunha-se proceder à relação entre este e os princípios da presunção da inocência, do direito ao silêncio do arguido e ao princípio da independência judicial e da separação de poderes que o tribunal “a quo” não fez e que se impõe. 19- A presunção da inocência é um dos princípios mais relevantes consagrados na Constituição da República Portuguesa. O artigo 32.º, n.º2 da Lei Fundamental “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”. 20- O modelo acusatório que serviu de base ao Código Penal ao Código de Processo Penal, consagrado no artigo 32.º, n.º 5 da Constituição, tem como princípio basilar a presunção da inocência, o que significa que todo o Direito Penal e o Direito Processual Penal foram construídos de forma a salvaguardar a presunção da inocência. 21- Ora, tal princípio assegura que, em todas as fases do procedimento (inquérito, instrução, julgamento e recurso) o arguido não pode ser tratado como um condenado antes do trânsito em julgado da condenação. Nem o juiz nem o Ministério Público devem fazer considerações de valor em relação aos factos da acusação e não deve ser restringida a liberdade do arguido, salvo casos excecionais de perigo para a investigação ou para a ordem pública. 22- Nesta medida, esta regra probatória tem como consequência direta que o ónus da prova cabe sempre ao Ministério Público, uma vez que se ele falhar em provar um determinado fato considera-se que esse fato não ocorreu – ressalvado o princípio da investigação – não sendo necessário que o arguido prove o facto contrário já que a simples falta de prova é suficiente para que haja uma decisão em seu favor. 23- A regra de tratamento que decorre do princípio da presunção de inocência, a Lei n.º5/2002 entra em confronto direto com o princípio in dúbio pro reu a partir do momento em que presume a existência de uma atividade criminosa, ou seja, presume que o arguido é um criminoso a partir do facto de existir património desconforme. 24- É certo que a decisão de confisco só deverá ocorrer após a efetiva condenação do arguido pelo crime, no entanto, o processo de confisco e a presunção de criminalidade ocorrem antes do momento da condenação, num momento em que o arguido tem a seu favor o princípio da presunção da inocência. 25- A questão reside no fato de que o processo de confisco alargado ocorre simultaneamente ao processo pelo crime pressuposto. 26- A Lei n.º 5/2002, ao inverter o ónus da prova numa fase em que o arguido se deve ainda presumir inocente, reduzindo significativamente as suas garantias de defesa e influenciando a imparcialidade do julgador, restringe drasticamente o princípio da presunção da inocência enquanto regra de tratamento. 27- Existindo assim uma restrição de um direito fundamental consagrado na nossa Constituição, impõe-se averiguar se essa restrição é necessária para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, nos termos do artigo 18.º, n.º 2 da Lei Fundamental. 28- Tendo o confisco ampliado como finalidade o combate ao lucro ilícito, que pode ser enquadrado dentro do âmbito do direito à segurança consagrado no artigo 27.º, n.º1 do da Constituição. 29- Questiona-se se esta restrição se limita ao necessário para salvaguardar o direito à segurança, na vertente de combate ao lucro dos crimes? Para responder a esta pergunta é necessário verificar, em primeiro lugar, se a restrição atinge o núcleo essencial da presunção da inocência e, em segundo lugar, se ela viola o princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes de adequação, exigibilidade e proporcionalidade stricto sensu. 30- Quanto à primeira vertente, entendemos que o confisco alargado atinge o núcleo essencial da presunção da inocência, uma vez que, ao presumir que o património incongruente provém de uma alegada atividade criminosa, a Lei n.º 5/2002 atingiu o ponto central da presunção da inocência, que consiste em tratar o arguido como inocente até ao trânsito em julgado da condenação. 31- A partir do momento em que o juiz extrai a culpabilidade do arguido do simples fato da existência de património incongruente, o núcleo essencial do princípio da presunção da inocência é atingido, o que aconteceu e que merece a devida reparação. 32- O funcionamento do confisco alargado durante a pendência de um processo crime afeta as garantias processuais do arguido e a imparcialidade do julgador, o que está em causa não é apenas o património que lhe será confiscado, mas sim o tratamento do arguido como um criminoso quando ele deveria ser presumido inocente, o que aconteceu nos presentes autos. 33- Sendo o princípio da presunção de inocência uma das bases do Direito Processual Penal, consideramos que ele não pode ser subjugado por necessidades de reprimir a criminalidade económica ou organizada, pelo que deve prevalecer o princípio estruturante, o que se reclama. 34- O confisco alargado não é uma restrição constitucionalmente válida ao princípio da presunção da inocência, na sua vertente de regra de tratamento, uma vez que a medida não passa no teste da proporcionalidade, pelo que não se limita ao necessário para salvaguardar o direito à segurança, nos termos do artigo 18.º, n.º2 da Constituição. 35- GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA apontam como primeira decorrência do in dubio pro reo, “a proibição da inversão do ónus da prova em detrimento do arguido”. 36- Este princípio não admite a criação de presunções de ilicitude que coloquem o ónus da prova a cargo do arguido, devendo ser sempre o Ministério Público o titular do ónus probatório. 37- É certo que o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 392/2015, de 12 de Agosto de 2015, veio pronunciar-se relativamente à questão da dignidade constitucional dos artigos 7.º e 9.º da Lei n.º 5/2002. 38- A orientação seguida naquele acórdão foi refutada atendendo à natureza jurídica tendo o confisco alargado efetivamente natureza penal e, por ser “enxertado” nesse processo, tem uma influência negativa na decisão do julgador em relação à condenação pelo crime pressuposto. 39- Assim, só nos resta concluir pela inconstitucionalidade do confisco alargado, por violação do princípio da presunção da inocência, uma vez que ele configura uma sanção de suspeita que coloca o ónus probatório do lado da parte errada. 40- Conforme refere JORGE GODINHO as razões que levam à conclusão da inconstitucionalidade: “o confisco alargado (...) incorre numa série de violações do princípio da presunção da inocência: presume a existência de pressupostos de que depende a sua aplicação; distribui o ónus da prova no arguido; e resolve o non liquet contra o arguido.”. 41- O arguido não prestou declarações na audiência de julgamento e viu esse direito ser violado atendendo à pena aplicada, numa manifesta violação desse Direito. 42- Também este princípio entra em conflito com o confisco alargado é o “nemo tenetur se ipsem acusare”, consagrado no artigo 61.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Penal. 43- Segundo tal princípio, o arguido não pode ser coagido a contribuir para a sua própria condenação, pelo que tem direito a não falar em qualquer fase do processo, sem que isso possa ser valorado negativamente. 44- Este princípio, apesar de não ter consagração constitucional, tem sido considerado pela doutrina e jurisprudência nacionais como um verdadeiro princípio constitucional. O artigo 7.º da Lei n.º 5/2002 restringe este princípio quando estabelece uma presunção que obriga o arguido a pronunciar-se para que possa ilidir a mesma, sendo que no caso de o arguido se remeter ao silêncio todos os seus bens lhe serão retirados, ou seja, o silêncio tem aqui um efeito cominatório pleno, o que aconteceu nos presentes autos e que se impõe a devida reparação. 45- Apesar de esta restrição apenas se relacionar diretamente com os efeitos patrimoniais do confisco alargado, indiretamente ela pode ter influência no juízo sobre a prática do ilícito, uma vez que o arguido poderá ter que revelar fatos incriminatórios. 46- Salvo melhor opinião, não restam dúvidas de que o direito ao silêncio é restringido pelo confisco alargado e, tal como no caso da presunção da inocência, não se pode considerar que esta restrição seja necessária, para efeitos do artigo 18.º, n.º2 da Constituição. 47- Na verdade, esta medida viola o núcleo fundamental do direito ao silêncio e não é exigível visto que existem alternativas atas a atingir as mesmas finalidades e que podem manter incólume o direito ao silêncio, nomeadamente a averiguação do confisco alargado num processo autónomo não penal. 48- O juiz no processo penal tem vários poderes que decorrem do princípio da independência judicial, enquanto garantia de decisões jurisdicionais livres de quaisquer influências, de entre os quais os mais importantes são o poder de livre apreciação da prova e o poder de investigação para a busca da verdade material. 49- O regime do confisco alargado veio restringir estes poderes ao juiz ao consagrar uma presunção de ilicitude que tarifa a prova e subtrai ao julgador as faculdades de averiguar a origem do património do arguido. 50- Assim, há uma intromissão legislativa nos poderes e na autonomia judicial, o que significa que existe aqui uma limitação do poder judicial pelo poder legislativo que viola o princípio da separação de poderes, previsto no artigo 2.º da Constituição. 51- Esta intromissão da lei na área de atuação do legislador é claramente limitadora dos poderes jurisdicionais e que merece o devido apontamento, o que se reclama. 52- Ao impor que o juiz deva considerar que todo o património do arguido é ilícito sempre que ele falhe em provar a congruência do mesmo, a lei está a retirar todos os poderes do juiz no que toca à decisão do confisco alargado, não podendo este averiguar se os bens são efetivamente ilícitos ou não. 53- Estas limitações à independência do julgador e ao princípio da separação de poderes não são necessárias, nos termos do artigo 18.º, n.º2 da Constituição, uma vez que se o confisco alargado for configurado num procedimento autónomo, sem intervenção do juiz penal, será possível atingir os mesmos objetivos sem lesar tais direitos fundamentais. 54- Face ao supra referido, impõe-se concluir que o regime do confisco alargado é desconforme o Direito, inconstitucional por violação do princípio da presunção de inocência, do direito ao silêncio e dos princípios da independência jurisdicional e da separação de poderes. 55- A aplicação ao arguido de uma pena de 9 anos de prisão, parece-nos, salvo o devido respeito, exagerada e desproporcional ao caso Sub Júdice. 56- Tal como se refere o preâmbulo do Código Penal, que traça um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamentalmente de que as penas devem ser sempre executadas com o sentido pedagógico e ressocializador. 57- Os princípios base da aplicação das penas devem ser compatíveis com as políticas criminais e humanas, que o Tribunal a quo não atendeu. 58- A pena deve servir para a reintegração do agente na comunidade e evitar a quebra da sua inserção social, só deste modo e por esta via, se alcançará uma eficácia ótima da perceção dos bens jurídicos. 59- O nº1 do art. 71º do C.P. indica o critério legal, para a determinação da medida da pena, assente na culpa do agente e nas exigências de prevenção. O nº 2 refere-se às “circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele…” Por sua vez, o nº3 determina imperativamente que a sentença explicite os fundamentos da medida da pena que se aplicou. 60- Face à disposição supra referida e à pena aplicada ao arguido, parece-nos salvo o devido respeito, ser sindicável nesta sede. 61- O art. 71º do C. P. deve ser doseado com o art. 40º do C. P.. 62- O nº 2 do art. 71º descreve alguns critérios, que servirão de suporte para a apreciação e mensuração da medida da pena. Embora não fazendo parte do tipo do ilícito, verificadas antes ou depois do seu cometimento, militarão a favor do arguido. 63- Mensurar a pena não é uma tarefa fácil, contudo existem duas regras importantes a ter em conta: a primeira, que nos indica que a culpa é o fundamento para a concretização da pena; e uma segunda, que atenderá aos efeitos da pena na vida futura do arguido em sociedade. 64- As necessidades de prevenção especial “têm por denominador comum a ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do delinquente com o fim de evitar que, no futuro, ele cometa novos crimes”. 65- Como é sobejamente reconhecido todas as doutrinas sobre prevenção têm como fim último a reinserção social do agente, para o que se deve ter em conta os seus antecedentes criminais e a sua personalidade no conjunto dos factos. 66- A valoração do julgador deve nortear-se pelo princípio da proporcionalidade, principio esse que atravessa todo o ordenamento jurídico e segundo o qual de quem se pode exigir mais, se deve castigar mais, de quem se exige menos, se deve castigar menos. 67- Também a valoração jurídica é temperada de acordo com os critérios do julgador, demonstrando uma certa dose subjetiva, influenciada pelo critério do homem médio e por valorações pessoais. 68- Salvo o devido respeito que é muito pelo tribunal “a quo”, o mesmo ao aplicar uma pena ao arguido de nove anos de prisão efetiva e de confisco alargado no montante de €284.281,16, não valorou como devia nem fundamentou como devia a determinação de tal pena. 69- O tribunal “a quo” não avaliou como devia os fatos praticados pelo arguido AA e das consequências dos mesmos na determinação da medida da pena. 70- Salvo melhor opinião, o equívoco está no momento da determinação da medida da pena, em voltar a tomar em conta a culpabilidade, não como critério de medição da pena, mas como pressuposto da condenação. O tribunal, ao dosar a pena, fê-lo penalizando o arguido. 71- Salvo o devido respeito pelo tribunal “a quo”, o fato do mesmo ter aplicado uma pena de prisão efetiva de 9 anos de prisão, faz-nos crer que o mesmo levou em conta no doseamento das penas circunstâncias que não ficaram demonstradas e que são comuns neste tipo de crime. 72- O tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, que é muito, no acórdão proferido nos presentes autos não esboçou, nem justificou devidamente a pena aplicada ao arguido em termos de prevenção geral e especial, e ao tipo de produto estupefaciente em causa nos autos, haxixe, considerada droga leve. 73- Como se pode reintegrar o arguido com uma pena de 9 anos de prisão quando se vedou à partida a possibilidade do mesmo poder demonstrar a si e à sociedade que é capaz de sozinho e sob imposições de retratar-se, de fazer a paz social. 74- O tribunal “a quo” não esboçou um esforço de aplicar ao arguido a possibilidade da pena de prisão inferior à aplicada. 75- O tribunal “a quo” acomodou-se na liquidação efetuada pelo Ministério Publico refugiando-se na Lei 5/2002, tendo abdicado dos poderes que decorrem do princípio da independência judicial, enquanto garantia de decisões jurisdicionais livres de quaisquer influências, destacando-se o poder da livre apreciação da prova e o poder de investigação para a busca da verdade material. 76- A medida da pena de 9 anos de prisão não se coaduna com as exigências de prevenção especial. Pelo contrário, face às circunstâncias concretas, desvalor da ação e do resultado atendendo à substância estupefaciente, às condições pessoais e familiares do arguido, a pena, porque desproporcional, terá um efeito dessocializante, salvo melhor opinião. 77- Os princípios base da aplicação das penas devem ser compatíveis com as políticas criminais e humanas. 78- A pena deve servir para a reintegração do agente na comunidade e evitar a quebra da sua inserção social, só deste modo e por esta via, se alcançará uma eficácia ótima da perceção dos bens jurídicos. 79- O Tribunal a quo não valorou como devia o fato do arguido não ter antecedentes criminais nesta tipologia criminal, o que se reclama, fazendo-se assim Justiça. 80- Cabe acreditar no Homem. (…) deve o recurso ter provimento, consequentemente, revogar-se o douto acórdão, substituindo-se por outro que atenda ao supra referido, designadamente, aplicar ao arguido uma pena prisão inferior a 9 anos de e não atender ao confisco alargado, (…). Resposta do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, relativamente ao recurso de BB (Conclusões). “1- O Recorrente, BB, vem interpor o presente recurso do douto acórdão proferido, em 26 de Fevereiro de 2019, pela 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, que, negando provimento ao recurso interposto pelo Arguido, confirmou a decisão recorrida proferida pelo Juiz 1 do Juízo Central Cível e Criminal de ..., que, além do mais, condenou o supra aludido Arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 8 (oito) anos e 2 (dois) meses de prisão. 2 – Contrariamente ao entendimento perfilhado pelo Recorrente, não se verifica no caso em apreço qualquer violação dos artigos 40º e 71º do C. Penal, não se mostrando desadequada nem excessiva a pena de prisão aplicada ao Arguido. 3 – Na verdade, foram ponderadas, de forma correcta e acertada, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuseram a favor do Arguido e contra ele, como lhe era imposto pelo artigo 71º n.º 2 do Código Penal. 4 - Efectivamente, num quadro da moldura abstracta da pena, de 4 a 12 anos de prisão, o acórdão recorrido, ao aplicar, confirmando-a, uma pena de 8 anos e 2 meses de prisão, situou-a em patamar muito próximo do seu limite médio, adequando, assim, a pena à culpa, dentro da medida da necessidade da tutela do bem jurídico em causa e das exigências (elevadíssimas) de prevenção geral e das exigências (elevadas) de prevenção especial. 5 – A pena aplicada mostra-se justa, adequada e proporcional, e não deixa ficar comprometida a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas. 6 – A necessidade da pena aplicada afigura-se-nos evidente, face às fortes exigências de protecção do bem jurídico em causa e ao grau da sua violação no caso concreto, a reclamar punição adequada a satisfazer as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. 7 - Não merece, pois, qualquer censura o douto acórdão recorrido, proferido pelo TRL, ao confirmar inteiramente o acórdão condenatório proferido pela 1ª Instância. 8 – Pelo que falece na íntegra toda a argumentação aduzida pelo Recorrente, pois o douto acórdão sob recurso fez correcta interpretação e aplicação da lei, não tendo violado qualquer norma jurídica nem qualquer princípio geral de direito. 9 - Termos em que, o douto acórdão recorrido deve ser integralmente mantido, improcedendo o recurso do Arguido Recorrente BB. Resposta do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, relativamente ao recurso de AA (Conclusões). “1- O Recorrente, AA, vem interpor o presente recurso do douto acórdão proferido em 26 de Fevereiro de 2019 pela 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, que, negando provimento ao recurso interposto pelo Arguido, confirmou a decisão recorrida proferida pelo Juiz 1 do Juízo Central Cível e Criminal de ..., que condenou o supra aludido Arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 9 (nove) anos de prisão, e determinou em relação ao mesmo, a perda do valor de Euros 284.281,16 (duzentos e oitenta e quatro mil duzentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos). 2 – Contrariamente ao entendimento perfilhado pelo Recorrente, não se verifica no caso em apreço a pretendida violação dos artigos 40º, 70º e 71º do C. Penal, não se mostrando desadequada nem excessiva a pena de prisão aplicada ao Arguido. 3 – Na verdade, foram ponderadas, de forma correcta e acertada, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuseram a favor do Arguido e contra ele, como lhe era imposto pelo artigo 71º n.º 2 do Código Penal. 4 - Efectivamente, num quadro da moldura abstracta da pena, de 4 a 12 anos de prisão, o acórdão recorrido, ao aplicar, confirmando-a, uma pena de 9 anos de prisão, situou-a em patamar muito próximo do seu limite médio, adequando, assim, a pena à culpa, dentro da medida da necessidade da tutela do bem jurídico em causa e das exigências (elevadíssimas) de prevenção geral e das exigências (elevadas) de prevenção especial. 5 – A pena aplicada mostra-se justa, adequada e proporcional, e não deixa ficar comprometida a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas. 6 – A necessidade da pena aplicada afigura-se-nos evidente, face às fortes exigências de protecção do bem jurídico em causa e ao grau da sua violação no caso concreto, a reclamar punição adequada a satisfazer as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. 7 – A fundamentação da pena concretamente aplicada mostra-se clara, congruente e abundante, não deixando qualquer dúvida sobre as razões da escolha da pena e da medida concreta da mesma. 8 – Bem andou, pois, o douto acórdão sob recurso, em manter na íntegra o acórdão proferido pela 1ª Instância, e como tal em manter a condenação do Recorrente AA na pena de 9 (nove) anos de prisão. 9 - Também a nosso ver não assiste razão ao Recorrente ao invocar a inconstitucionalidade da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, defendendo que com a aplicação de tal lei o acórdão recorrido violou os arts. 2º, 18º, 20º, 32º n.º 2 da CRP e 61º n.º 1 al. d) do C. de Processo Penal. 10 - Não se verifica qualquer das apontadas inconstitucionalidades, violação de normas ordinárias ou de princípios gerais de direito, o que tudo se mostra já bem dilucidado nos doutos Acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional, n.º 101/2015 (proferido no Processo n.º 1090/2013, 1ª Secção, de que foi Relatora a Exm.ª Conselheira Maria Lúcia Amaral) e n.º 392/2015 (proferido no Processo n.º 665/15, 2ª Secção, de que foi Relator o Exm.º Conselheiro Cura Mariano). 11 – Bem andou, pois, o douto acórdão sob recurso, em manter na íntegra o acórdão proferido pela 1ª Instância, e como tal, mantê-lo também na parte em que, por o Recorrente AA ter sido condenado pela prática de um crime de catálogo – tráfico de estupefacientes, elencado no artigo 1º n.º 1 al. a) da Lei n.º 5/2002, de 11/01 -, por ter património e o mesmo ser incongruente com o seu rendimento lícito no valor de Euros 284.281,16, foi determinada em relação ao mesmo, nos termos do disposto no artigo 7º e seguintes da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, a perda do valor de Euros 284.281,16 (duzentos e oitenta e quatro mil duzentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos). 12 - Não merece, pois, qualquer censura o douto acórdão recorrido, proferido pelo TRL, ao confirmar inteiramente o acórdão proferido pela 1ª Instância. 13 – Pelo que falece na íntegra toda a argumentação aduzida pelo Recorrente, pois o douto acórdão sob recurso fez correcta interpretação e aplicação da lei, não tendo violado qualquer norma jurídica nem qualquer princípio geral de direito. 14 - Termos em que, o douto acórdão recorrido proferido pelo TRL deve ser integralmente mantido, improcedendo o recurso do Arguido Recorrente AA.” Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público, emitiu diserto parecer, em que advoga (sic): “I. Do recurso. 1. Julgados conjuntamente com dois outros arguidos no PCC n.º 159/17.8JAPDL, foram os arguidos AA e BB, ora recorrentes, condenados por acórdão de 2.4.2018, do Tribunal Colectivo do Juiz 1 do Juízo Central Cível e Criminal de ..., além do mais, nas seguintes imposições: ─ Arguido AA: ─ 9 anos de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1; ─ No pagamento ao Estado da quantia de € 284.281,16, declarada perdida a favor daquela entidade em incidente de perda ampliada, nos termos do art.º 12º da Lei n.º 5/2002, de 11.1. ─ Arguido BB: ─ 8 anos e 2 meses de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1; ─ No pagamento ao Estado da quantia de € 15.541,29, declarada perdida a favor daquela entidade em incidente de perda ampliada, nos termos do art.º 12º da Lei n.º 5/2002, de 11.1. 2. Inconformados, moveram-lhe recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, suscitando o reexame das seguintes questões: ─AA: [[7]] ─ Inconstitucionalidade por violação dos art.ºs 18° n.º 1, 201º, n.º 1 e 32º, n.ºs 2 e 5 da CRP conexa com a falta de notificação do requerimento de perda ampliada de bens; ─ Inexistência jurídica ou nulidade do acórdão decorrente da mesma falta de notificação; ─ Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão; ─ Reapreciação (ampla) da matéria de facto; ─ Validade de depoimento co-arguido; ─ Determinação da medida da pena. ─ BB: [[8]] ─ (In)constitucionalidade da relevância probatória concedida aos dados de tráfego (facturação detalhada) e localizações celulares; ─ Invalidade de prova por reconhecimento; ─ Impugnação da matéria de facto. 3. Por Acórdão de 26.2.2019 – o, ora, recorrido – o Tribunal da Relação de Lisboa manteve, confirmando-a nos seus precisos termos, a condenação da 1ª instância. 4. Ainda inconformados, recorrem, desta feita os arguidos para este Supremo Tribunal de Justiça. O arguido AA reedita as questões relativas ao incidente da perda ampliada de bens – falta de notificação; - inconstitucionalidades por violação das normas dos art.ºs 2º, 18º, 20º, 32º n.º 2 da CRP; - nulidade e inexistência jurídica do acórdão, tudo conforme conclusões 3 a 54 da motivação; – e à medida concreta da pena – conclusões 55 a 79 –, pedindo a revogação do Acórdão Recorrido, a substituir por outro que que lhe «apli[que] uma pena de prisão inferior a 9 anos e [que] não atend[a] ao confisco alargado» . Acusa violação das normas dos art.º s 40º, 70º e 71º do CP, da Lei 5/2002 de 11.1 «em confronto com os arts. 2º, 18º, 20º, 32º, nº 2 todos da C.R.P.» e do art.º 61º n.º1 al.ª d) do CPP. O arguido BB centra-se, exclusivamente, na questão da medida da pena, que que ver reduzida dos 8 anos e 2 meses de prisão, para 6 anos – conclusões i. a xi.. Indica violação das normas do art.ºs 40º e 71º do CP. 5. Contramotivando nos recursos, sustentou doutamente a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa a sua total improcedência. II. Do parecer do Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça. 6. Nos termos dos art.ºs 402º, 403º e 412º n.º 1 do CPP, são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso, sem prejuízo do conhecimento das questões oficiosas. Revistas tais conclusões na síntese intentada em 3., tem-se, então que, ambos os recorrentes pedem a reponderação da medida concreta das penas, querendo, ainda, o arguido AA que se reexamine o decidido no incidente da perda ampliada de bens regulado na Lei n.º 5/2002. Obsta, porém, ao conhecimento das questões relativas à perda ampliada e à medida concreta da pena do arguido BB a inadmissibilidade dos recursos nesses segmentos Questão(ões) prévia(s) e oficiosas de que se passa imediatamente a tratar. A. Questão prévia: da rejeição dos recursos. a. Recurso do arguido AA; decisão sobre a perda ampliada de bens. 7. Em hipótese próxima da que se aprecia, disse-se o seguinte no douto Acórdão deste STJ de 14.3.2018 - Proc. n.º 22/08.3JALRA.E1.S1 - 3ª Secção, sumariado em www.stj.pt a propósito da (ir)recorribilidade do acto decisório do procedimento da perda alargada de bens: - «14.6. Questão que tem sido discutida diz respeito aos recursos de decisões proferidas em processo penal que declarem a perda alargada de bens em consequência de condenação penal, por aplicação da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, entre as quais um "regime especial de recolha de perda de bens a favor do Estado", através do qual, em caso de condenação por um dos crimes integrantes do catálogo previsto no seu artigo 1º, se aprecia a congruência entre o património do arguido e os seus rendimentos lícitos (artigos 1º e 7º). Nos termos do artigo 7º deste diploma, em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1º […] e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. A promoção de perda dos bens é apresentada pelo Ministério Público, mediante liquidação do montante apurado como devido a favor do Estado deduzida na acusação ou até ao 30º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento (artigo 8º), devendo o tribunal considerar toda a prova produzida no processo e a apresentada pelo arguido para provar a origem lícita dos bens por qualquer meio de prova válido em processo penal (artigo 9º), para, na sentença condenatória, poder declarar o valor que deve ser perdido a favor do Estado (artigo 12º). A doutrina e a jurisprudência têm sublinhado que a "perda alargada" não constitui uma sanção penal, pois que "a sua causa não é um facto típico, ilícito e culposo punível, mas sim um património incongruente acoplado a indícios da prática de certos crimes (a "actividade criminosa")". Configura-se, assim, como uma medida "de natureza materialmente administrativa aplicada por ocasião de um processo penal", que pressupõe uma condenação penal que lhe é anterior, como defende PEDRO CAEIRO (apud acórdão 392/2015 do Tribunal Constitucional, com exaustiva informação de doutrina, direito internacional e europeu e direito comparado). No mesmo sentido se pode ler no acórdão de 25.2.2015, no Proc. 1653/12.2JAPRT.P1.S1 (rel. Cons. Oliveira Mendes): "O instituto da perda de bens a favor do Estado e liquidação previstas no arts. 7º e 8º, da Lei 5/02, de 11-01, como sanção não penal que é, escapa, na sua determinação, a factores relacionados com o crime, designadamente a gravidade do ilícito, a gravidade da pena e o grau de participação do condenado, o respectivo procedimento é autónomo, iniciando-se por um acto autónomo (a liquidação), possuindo uma estrutura própria, pelo menos probatória, de índole radicalmente diversa da do processo principal. Do ponto de vista procedimental, estamos perante dois processos distintos, autónomos, embora umbilicalmente ligados, desencadeados pelo mesmo facto, o indício da prática de um crime de catálogo, juntos numa mesma audiência. No processo criminal, ou seja, no processo principal enxerta-se um outro processo de natureza distinta; no primeiro debate-se questão penal, no segundo questão administrativa, ou seja, ao procedimento criminal junta-se questão incidental relativa à aplicação de sanção administrativa". A decisão que ordena a perda alargada não é, pois, uma decisão condenatória, uma decisão que aplica uma pena ou uma medida de segurança. E, não o sendo, não é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, seja de recurso directo, por não se incluir na previsão das alíneas do n.º 1 do artigo 432º do CPP, seja de recurso de acórdão proferido, em recurso, pelo tribunal da Relação, que é o tribunal competente para dele conhecer (artigo 427º), por se incluir na previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 400º, segundo o qual não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo. Assim se decidiu no acórdão de 25.2.2015 deste tribunal (supra), que se acompanha e onde se consignou: "A decisão proferida em 1.ª instância que declarou perdidos a favor do Estado os montantes equivalentes ao património incongruente dos arguidos, com a consequente condenação de cada um deles a pagar a quantia devida e manutenção do arresto de bens decretado, uma vez que não se mostra contemplada em qualquer das alíneas do n.º 1 do art. 432º do CPP, é insusceptível de recurso directo para o STJ. De acordo com o art. 400º, n.º 1, al. c), do CPP «decisão que não conheça, a final, do objecto do processo» é toda a decisão interlocutória, bem como a não interlocutória que não conheça do mérito da causa. Isto é, abrange todas as decisões proferidas antes e depois da decisão final e ao aludir ao «objecto do processo», refere-se aos factos imputados ao arguido, ou seja, ao objecto da acusação (ou da pronúncia), visto que é esta que define e fixa, perante o tribunal, o objecto do processo. A decisão do Tribunal da Relação, que os recorrentes agora impugnam, a qual confirmou a decisão da 1ª instância, atenta a sua natureza, conteúdo e âmbito, bem como o seu enquadramento processual, cai na previsão da al. c) do n.º 1 do art. 400º do CPP. Com efeito, trata-se de uma decisão que não pôs termo à causa nem conheceu do seu mérito, decisão proferida em recurso e, nessa medida, irrecorrível"». 8. O signatário faz suas, com a devida vénia, as doutíssimas palavras do Exmos. Juízes Conselheiros acabadas de transcrever, que têm inteiro cabimento no caso sub judicibus, sem que nada lhe pareça necessário acrescentar-lhes, a não ser que, para lá da jurisprudência nelas citada, se encontram decisões convergentes nos, entre outros, Acórdãos do mesmo tribunal de 6.10.2016 - Proc. n.º 535/13.5JACBR.C1.S1 [[9]] e de 9.3.2017 - Proc. n.º 32/13.9SFPRT.P1.S1. [[10]] E com base nelas e porque, no segmento relativo à decisão sobre a perda ampliada de bens, o Acórdão Recorrido, que «confirmou a decisão de 1ª instância, atenta a sua natureza, conteúdo e âmbito, bem como o seu enquadramento processual, cai na previsão daquela alínea c) do Código de Processo Penal», [[11]] pronuncia-se pela rejeição do recurso nessa parte, por irrecorribilidade do acto impugnado, nos termos dos art.ºs 399º, 400º n.º 1 al.ª c), 414º n.ºs 2 e 3, 420º n.º 1 al.ª b) e 432º n.º 1 b) do CPP. b. Recurso do arguido BB; medida concreta da pena. 9. Como já referido em 4. e 6. supra e melhor se vê das conclusões i. a xi. da sua peça de motivação, o arguido BB circunscreve o seu recurso à questão da medida concreta da pena de prisão que lhe foi imposta, querendo vê-la reduzida dos 8 anos e 2 meses decretados para não mais do que 6 anos e dizendo violadas as normas dos art.ºs 40º e 71º do CP. Acontece, porém, que, na impugnação que moveu para o Tribunal da Relação de Lisboa do acórdão do Tribunal Colectivo de ..., o arguido não suscitou tal questão ou, dito, com maior rigor, pese ter-se-lhe referido no n.º VI do corpo da motivação, a título subsidiário – dizendo a pena de 8 anos e 2 meses excessiva e dever ser reduzida a não mais do que 5 anos e suspensa na sua execução –, acabou por não a levar a nenhuma das 21 conclusões com que rematou a peça, que se cingiram aos temas que se enunciaram em 2. supra, a recapitular, o da (i) (in)constitucionalidade da relevância probatória concedida aos dados de tráfego (facturação detalhada) e localizações celulares, o da (ii) invalidade de prova por reconhecimento e o da (iii) impugnação da matéria de facto. Mais do que isso: completamente ausente a questão nas conclusões, não foi sequer aflorada no pedido, cuja fórmula – «Nestes termos e demais de direito deverá o arguido ser absolvido ou, caso assim se não entenda o acórdão anulado» – não consente, nem com a maior das benevolências, a inclusão da ideia do reexame da medida concreta da pena. Ora, querendo tal reexame, cumpria ao arguido BB, extractar o ponto e formular a pretensão nas conclusões da motivação, isso pois que «[o] art. 412.º do CPP impõe ao recorrente o ónus de motivar o recurso, onde deve enunciar os respetivos fundamentos e terminar com a formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais resume as razões do pedido, sendo jurisprudência constante que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – deteção dos vícios decisórios ao nível da matéria de facto, previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP, e nulidades previstas no n.º 3 do mesmo preceito – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, ou dito de outro modo, as razões de discordância com o decidido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os horizontes cognitivos do tribunal superior». [[12]] E naturalmente que, nada lhe tendo sido pedido, nada disse o douto Acórdão Recorrido acerca da medida da pena, sem que por isso possa ser acusado da comissão de nulidade – mormente, da da omissão de pronúncia prevista no art.º 379º n.º 1 al.ª c) do CPP –, como, de resto, é pacificamente aceite na jurisprudência. [[13]] Aliás, consciente, decerto, disso mesmo, o arguido nem sequer ensaia no recurso que ora move para este Supremo Tribunal de Justiça uma qualquer arguição dessa natureza! 10. As consequências de o Tribunal da Relação não ter sido confrontado com a reponderação da medida concreta da pena do arguido BB não se ficam pelo que se deixou dito, projectando-se, também – e é isso que aqui fundamentalmente importa –, sobre a (in)admissibilidade do seu recurso para este Supremo Tribunal, que se apresenta aquela questão como nova, por isso que subtraída ao conhecimento recursório. É que, como remédios jurídicos que são, os recursos têm por «finalidade essencial […] a revisão das decisões recorridas, ou seja, a reapreciação, num grau superior, de questões que foram decididas pela instância inferior». [[14]] Motivo por que «não podem ser suscitadas em recurso questões novas que não tenham sido submetidas e constituído objecto específico da decisão do tribunal a quo, nem o tribunal ad quem pode assumir competência para se pronunciar ex novo sobre matéria que não tenha sido objecto da decisão recorrida». [[15]] Sendo que, não tendo este arguido impugnado «a medida da pena aplicada quando interpôs o recurso para a Relação», «quando pretende agora ver reanalisada a pena aplicada não recorre da decisão proferida pelo Tribunal da Relação, mas da decisão de 1.ª instância, não sendo esta a recorrível neste momento» já que, «não sendo um caso de recurso direto, apenas cabe [a este STJ] apreciar a decisão da Relação que», porém, «não se pronunciou sobre a determinação» da pena que lhe foi aplicada em .... [[16]] 11. Razões por que, sendo o recurso do arguido BB inadmissível, é o Ministério Público pela sua rejeição nos termos dos art.ºs 399º, 414º n.ºs 2 e 3 e 420º n.º 1 al.ª b) do CPP. B. Do mérito: recurso do arguido AA; medida concreta da pena. 12. Confinado o procedimento, como se espera, ao recurso do arguido AA e, neste, à questão da medida concreta da pena, recordar-se-á que pretende ele que este Supremo Tribunal atenue a pena de 9 anos de prisão que lhe foi aplicada, dizendo que o Acórdão Recorrido não a «justificou devidamente […] em termos de prevenção geral e especial, e ao tipo de produto estupefaciente em causa nos autos, haxixe, considerada droga leve» [[17]] e que tal sanção «não se coaduna com as exigências de prevenção especial», «[p]elo contrário, face às circunstâncias concretas, desvalor da ação e do resultado atendendo à substância estupefaciente, às condições pessoais e familiares do arguido, a pena, porque desproporcional, terá um efeito dessocializante», [[18]] e indicando violação das normas dos art.ºs 40º, 70º e 71º do CP. Louvando-se, amiúde, no douto Acórdão Recorrido, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa respondeu à alegação contrariando proficientemente a ideia do excesso da pena, para concluir, perante a moldura abstracta de 4 a 12 de prisão cominada no art.º 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.1, o deveras elevado grau da culpa, as elevadíssimas exigência de prevenção geral, as elevadas de prevenção especial e a articulação de tudo à luz das normas dos art.ºs 40º e 71º do CP, que, sobre necessária «face às fortes exigências de protecção do bem jurídico em causa e ao grau da sua violação no caso concreto, a reclamar punição adequada a satisfazer as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico», a «pena aplicada mostra-se justa, adequada e proporcional, e não deixa ficar comprometida a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas». 13. O signatário acompanha a posição da Exma. Magistrada do Tribunal da Relação, não vendo necessidade de tecer considerações adicionais. E com base nela pronuncia-se pela (total) improcedência do recurso nesta parte.” Em resposta, o arguido AA, propugna e reitera pela procedência do recurso. I.c). - QUESTÕES PARA SOLUÇÃO. A sinopse das posições adiantadas pelos sujeitos processuais, convocam para conhecimento as seguintes questões: a). – Do recurso do arguido AA: II.B. – DE DIREITO. A medida da pena a determinar no âmbito da moldura de prevenção - onde actuam as mencionadas considerações de socialização -, tem, assim, como limite máximo a culpa do agente e, como limite mínimo, a pena que, perante as circunstâncias concretas do caso relevantes, se mostra ainda comunitariamente suportável à luz da necessidade de tutela dos bens jurídicos e da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada ou reafirmação contra-fáctica da norma (prevenção geral de integração). Temos, assim, que a medida da pena se determina em função da necessidade de protecção dos bens jurídicos (prevenção geral) e de reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), tendo por limite a medida da culpa expressa - arts. 40°, 1 e 2 e 71°, C. Pen.. Efectivamente, dispõe expressamente aquele art. 71.°, n.° 1, que a determinação da medida da pena é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção», devendo-se atender, nos termos do n.° 2 do cit. art. a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, as elencadas nas suas diversas alíneas. Nos termos do art.° 40.° do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo em caso algum ultrapassar a medida da culpa. A determinação da sua medida faz-se, nos termos do art.° 71.° do Código Penal, em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. Adentro dos preditos pressupostos, a pena aplicada ao arguido encontra-se correctamente determinada, atentos os factos e fundamentos constantes do acórdão recorrido, para os quais se remete, como se passará a demonstrar. Senão, vejamos: o desvalor objectivo e ético-subjectivo dos factos afigura-se deveras elevado, sendo o dolo directo, havendo que considerar a natureza e quantidade do estupefaciente transportado (quatro transportes de elevadas quantidades de haxixe, sendo três delas indubitavelmente destinadas ao arguido Silvino), o modo de actuação (revelador de um elaborado plano de dissimulação e um considerável nível organizativo e logístico), os elevados ganhos obtidos com as transacções do estupefacientes em causa e o ganho do recorrente com o mencionado transporte (aqui se remetendo para o que se deu como provado com relevância para o incidente da liquidação do património) sendo a efectiva motivação da conduta do agente, o mero lucro obtido de modo relativa mente fácil. A favor do arguido milita a sua inserção profissional e familiar e modesta condição cultural. Por outro lado, os antecedentes criminais por diversos crimes, embora de natureza diversa dos presentes, revelam uma propensão do arguido para não acatar a normatividade jurídica vigente e uma ausência de sentido crítico e de arrepio ético ante as penas sofridas. Acresce que o recorrente não era um mero transportador da droga, mas antes o seu destinatário final, que a posteriori iria transaccionar a droga com terceiros e assim obter consideráveis lucros, como se veio a apurar. Relevam também a sua não colaboração com a justiça relativa mente aos factos praticados e a ausência de arrependimento. Para além disso, há que sopesar a repetição da conduta criminosa por um lapso de tempo considerável. Relativamente às necessidades de prevenção especial, pode afirmar-se que, relativamente ao que se apurou, que o recorrente tem passado criminal e que para além da descrita situação social, económica e familiar não demonstrou que as penas aplicadas o tenham sensibilizado no sentido do afastamento da prática de novos crimes, o que inculca que aquelas necessidades sejam deveras elevadas. Porém, como salienta Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª ed., pgs. 501 e 516 a 520, as considerações de prevenção especial de socialização têm sempre por limite considerações de prevenção geral positiva impostas pela defesa do ordenamento jurídico. Assim, desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias. É, assim, de manter, neste particular, o acórdão recorrido, não se mostrando violada qualquer das disposições legais invocadas.” A pena, na asserção de Claus Roxin, “só resulta legítima quando é preventivamente necessária e, ao mesmo tempo, é justa no sentido de que evita ao autor qualquer carga que vá além da culpabilidade do facto”. [[30]] (“As cominações penais só estão justificadas se têm em conta a dupla restrição que encerra o princípio de protecção subsidiária de prestações [públicas necessárias para a existência que permitem ao cidadão o livre desenvolvimento da sua personalidade, que a Constituição considera como pressuposto de uma existência humana digna] e bens jurídicos. Neste âmbito o fim das disposições penais é de prevenção geral”, [[31]] sendo que “o Direito penal enfrenta-se ao individuo de três maneiras: ameaçando com, impondo e executando penas (…)”) [[32]] Para este Professor, a culpabilidade actua simultaneamente como pressuposto fundamentador da pena “posto que nunca pode impor-se uma pena se ela não estiver presente, assim como tão pouco a pena pode ir além da sua medida. No entanto a tarefa da pena é igualmente preventiva, pois ela não deve retribuir mas sim impedir a comissão de delitos (crimes). Em câmbio, a culpabilidade só tem a função de limitar, ema aras da liberdade dos indivíduos, magnitude dentro da qual devem perseguir-se objectivos preventivos. Disto resulta, por politica criminal, aquele princípio da dupla limitação que caracteriza a minha sistematização da categoria da responsabilidade: a pena não deve ser imposta nunca sem uma legitimação preventiva, mas tão pouco pode haver pena sem culpabilidade ou mais além da medida desta. A pena de culpabilidade é limitada através do preventivamente indispensável; a prevenção é limitada através do princípio da culpabilidade.” [[33]] Para Günther Jakobs, “A pena há-de entender-se sobretudo («más bien») como marginalização do facto no seu significado lesivo para a norma e, com isso («com ello»), como constatação de que a estabilidade normativa da sociedade permanece inalterada: a pena é a confirmação da identidade da sociedade, isto é, da estabilidade normativa, e com a pena se alcança sempre este – se se quiser – fim da pena.” [[34]] Para este Autor, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. [[35]] “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” [[36]/[37]] Para Bacigalupo a culpabilidade só logra a sua função de parâmetro delimitador da pena, se for referido à «culpabilidade do facto». “Isto requer excluir das considerações referentes à culpabilidade as que se referem a uma ponderação geral de personalidade como objecto do juízo de reprovação (“juicio de reproche”). Concretamente o juízo de culpabilidade relevante para a individualização da pena, deve excluir como objecto do mesmo referências à conduta anterior ao facto (sobretudo a penas sofridas), a perigosidade, ao carácter do autor, assim como á conduta posterior ao facto (que só pode compensar a culpabilidade do momento da execução do delito.” A ordem jurídico-penal viger, estabelece no artigo 40º do Código Penal que as penas visam a protecção dos bens jurídicos e almejam ou prospectivam a reintegração do agente na sociedade. A determinação da medida da pena epigrafada no artigo 71 nº 1 do Código Penal estabelece-se “dentro dos limites definidos na lei” e “é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente societária e comunitária para a reprovação do comportamento do agente e a correlata necessidade no asseguramento da confiança (da sociedade) na norma, traduzido na punibilidade de condutas contrárias ao sentido conformador-normativo) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Mediante o estabelecimento e indicação de critérios, o legislador fornece ao juiz orientações para a formação cognitiva de juízos avaliativos e condensadores dos pressupostos e da fixação de premissas que possibilitam a conformação e determinação das escolhas a realizar perante um concreto responsável em face da realidade factual ressumada pela facticidade adquirida pelo julgamento. Assim na individualização da pena o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha uma insubstituível tarefa mediadora, construtiva e constitutiva da reacções penais ajustadas ao caso e convincentes da sua justeza perante a sociedade que se destinam a influenciar. Ponderando nos critérios a observar na individualização judicial da pena – que o legislador português crismou de determinação da medida da pena – refere Winfried Hassemer [[39]] que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o seu comportamento posterior ao delito”. Num seminário sobre os fins das penas, [[40]] Claus Roxin advoga, acompanhando Hans Scultz, que na determinação da pena se trata de retribuir a culpabilidade [[41]], devendo na operação de determinação aplicar a «teoria da margem de liberdade», que a jurisprudência alemã formulou da forma seguinte: “Não se pode determinar com precisão que pena corresponde à culpabilidade. Existe aqui uma margem de liberdade (Spielraum) limitada no seu grau máximo pela pena adequada (à culpabilidade). O juiz não pode ultrapassar o limite máximo. Não pode, portanto, impor uma pena que na sua magnitude ou natureza seja tão grave que já não se sinta por ela como adequada à culpabilidade, No entanto, o juiz … poderá decidir até donde pode chegar dentro dessa margem de liberdade.” [[42]] Outros anteriores, mais arreigados a um concreto e porfiado agir da realidade com as regras legalmente estabelecidas, como é o caso do penalista espanhol Jesús-Maria Silva Sánchez, adverte, na esteira de Hörnle [[43]] (Determinación de la Pena y Culpabilidad, Buenos Aires, 2003) que a individualização da pena pressupõe as seguintes premissas. “Em primeiro lugar, que o marco penal abstractamente previsto se configura como resposta preconstituida para um conjunto de factos que coincidem em constituir um determinado tipo de injusto penal, culpável e punível, no qual se contêm os elementos que fundamentam o merecimento e a necessidade de aquela pena-marco. Em segundo lugar, que injusto e culpabilidade (assim como punibilidade) constituem magnitudes graduáveis. Por isso, o marco penal abstracto pode ver-se como a união de um conjunto de cominações penais mais detalhadas (submarcos) que assinalariam medidas diversas de pena às distintas subclasses de realizações (subtipos), mais ou menos graves, do injusto culpável e punível expressado no tipo. E, em terceiro lugar, que, desde esta perspectiva, o acto de determinação judicial da pena se configura essencialmente como aquele em virtude do qual se constata o concreto conteúdo de injusto, culpabilidade e punibilidade de um determinado facto, traduzindo-o numa determinada medida da pena. O que reitera o já expresso de forma concisa: a única política criminal que deve realizar o juiz é a que discorre por um curso das categorias dogmáticas. (…) No entanto, o facto de que a única politica criminal que o juiz deva realizar seja a que decorre pelo curso das categorias dogmáticas não implica deixar de atender aos critérios preventivos. Isso porque precisamente as ditas categorias dogmáticas podem e devem ser reconstruídas no conchavo (“en clave”) politico-criminal considerando as finalidades preventivas e de garantia que legitimam o recurso ao direito penal. A teoria do delito configurar-se-á assim como um sistema de regras que permitem estabelecer com a maior segurança possível o sim e o não dos tais merecimento e necessidade de pena. E a teoria da determinação da pena como teoria da concreção do conteúdo delitivo do facto implicará, por sua vez, o estabelecimento do quantum do seu merecimento e necessidade politico-criminal de pena.” (a tradução nossa) [[44]] Não sendo este o lugar para uma crítica do sistema penal português, nomeadamente na parte relativa à individualização judicial da pena, sempre se poderá questionar a exigência de conciliação de uma determinação judicial da pena adequado ao facto perpetrado, ou melhor, ou melhor dito “individualização judicial da pena”, numa terminologia mais arreigada e afeiçoada com a realidade do proceder judicial – é desse procedimento que se trata quando a norma epigrafa “determinação da medida de pena” - aferida pela culpabilidade do agente, ou seja com a intencionalidade colocada no concreto proceder em que a materialidade ilícita se verteu na tipicidade recortada na norma, fazendo intervir na formação e aferição da dosimetria da pena vectores de referência como «a conduta anterior ao facto», «a falta de preparação para manter uma conduta licita» (mesmo que manifestada no facto e quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena). A norma carrega um conjunto de factores que são exteriores à culpabilidade concreta e pontual precipitada na realização/execução do concreto facto ilícito. Fazer intervir e dotar a individualização judicial de juízos e ponderações que não formaram e determinaram uma concreta e especifica acção, constitui fazer inflectir na censura daquele concreto agir típico e ilícito factores que são externos a uma conduta que se formou e deve ser apreciada a ajuizada de forma confinada. Ao fazer intervir os preditos factores julga-se o homem, na sua vertente pessoal-psicológica e social-institucional, com a subjectividade e evanescência que estes juízos comportam, não histórico-socialmente, mas também de discricionariedade pessoal do julgador. Para a individualização judicial da pena proporcional ao facto objecto de julgamento – aquisição e transporte para venda de produtos estupefacientes decorrida durante o período de um (1) ano – haverá que ponderar-se a perdurabilidade da actividade do agente; o tipo de estupefaciente objecto dos actos de venda e o volume de venda - de que é sinal a quantia de numerário apreendido e terá sido arrecado durante o ficto período de cinco anos referente à perda alargada de bens – que a actividade delitiva envolvia, a supor um pecúlio arrecadado, certamente, campanudo. Na concreção do comando ínsito na norma regente – artigo 40º do Código Penal – e concretamente no segmento pertinente com a protecção dos bens jurídicos, dir-se-á que bem jurídico ofendido ou lesado pela acção ilícita e típica do arguido – a saúde e a sanidade da física e intelectual dos indivíduos que compõem uma determinada comunidade – se situa entre aqueles que a sociedade preleva pela danosidade e disseminação capciosa e suspicaz que conleva na sua estruturação e devir societário. [[45]] Os efeitos deletérios e socialmente impressivos derivados e dimanados pelo uso deste tipo de produtos – especialmente aquele que foi apreendido ao arguido e parece ser o que seria o mais vultuoso, a heroína – tornou-se, em determinados estratos sociais, um factor de preocupação, não só pela deterioração da saúde psíquica, no plano pessoal, que desencadeia, como pelos efeitos desviantes, pessoal e socialmente, que precipita, potencia e desenvolve. Esta vertente, da danosidade social, que uma determinada conduta co-envolve e desfila no elenco de factores ponderativos da individualização judicial da pena, não pode deixar de ser valorizada no momento em que se aquilate a medida concreta do quantitativo da pena pela vulneração da ordem jurídica, na sua integralidade, como igualmente pela necessidade de produzir um sinal de atenção e resposta do sistema perante violações reiteradas e incisivas das proibições legais. A acusação refere um período temporal – cerca de um ano (durante o ano de 2016 e até 6 de Abril de 2017) – que o arguido se terá dedicado a introduzir produtos estupefacientes na ilha ..., apontando, pelo menos, quatro (4) ocasiões em que as entregas/recepções terão sido concretizadas, esmando em 15 Kilos de cannabis transportados e introduzidos na ilha, em cada operação de transporte levada a cabo pelo arguido DD. [[46]] A acusação crisma a actuação criminosa do arguido como tratando de uma «actividade» que o próprio planeava, sustentava, mediante o agenciamento de transportadores e financiamento da compra e transporte de produto estupefaciente do continente para a região insular (Ilha ...). [[47]] O arguido assumia-se, pela forma como a sua «actividade» é descrita no libelo acusatório, como um verdadeiro «empresário» e geria a «empresa» como se de um entreposto de distribuição e venda se tratasse. O modo estruturado e organizado como a «actividade» estava gizada evidencia uma base sólida de financiamento e certamente uma operativa rede de distribuição e venda interna, que permitia um «escoamento» regular e seguro dos produtos objecto da mencionada «actividade». A quantidade de cannabis introduzida na ilha – previsivelmente e durante o período de tempo computado de uma ano – terá propinado ao arguido pingues réditos, se esmarmos pelo número de doses (44.292) que seriam extraídas de cada uma das «encomendas» transportadas (pelo menos 4, durante o arco de 1 ano) e o quantitativo auferido por cada grama (cerca de 4 a 6 euros, de acordo com informação recolhida junto de entidade policial). A consolidada reiteração da actuação delitiva do agente – que a acusação qualifica e crisma de «actividade» - impele uma qualificação culposa intensa, gravosa e densa, porquanto o arguido não podia deixar de saber da danosidade que induzia no tecido social, mediante a disseminação de um produto que produz e provoca efeitos nocivos e desestabilizadores na personalidade individual e concomitantemente no comportamento societário dos indivíduos induzidos. A gravidade do agir culposo e a nímia de réditos arrecadados são de molde a considerar a pena imposta ao arguido como sendo a ajustada ao crime que lhe foi assacado. Na verdade, a pena de nove (9) anos situa-se num patamar um pouco acima da média da pena abstracta limites estabelecidos para o crime porque veio a ser condenado. (Mínimo (4 anos) e máximo (12) anos. O meio da pena legal determinada para o ilícito será assim de 8 (oito) anos: 12-4= 8:2=4+4=8). O quantum encontrada não se nos afigura excessivo, ao invés, prefigura-se como um pouco abaixo do que seria de considerar ajustado para uma censura aferida pela culpabilidade do agente e estimando os factores supra expostos. Do que se afiança e coonesta a decisão de imposição da pena de 9 (nove) anos de prisão.
III. – DECISÃO. Na defluência do exposto, acordam os juízes que compõem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em: A) – Rejeitar o segmento de recurso interposto pelo arguido AA, relativo à condenação pela perda alargada de bens, por se ter formado quanto à ela uma dupla conformidade; B) – Rejeitar o recurso interposto pelo arguido BB, por se tratar de questão nova que não foi objecto de cognoscibilidade no acórdão recorrido; C) – Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, na parte relativa à pena imposta pelo crime por que foi condenado.
Lisboa, 11 de Setembro de 2019
---------------- [19] “I. O instituto da perda de bens a favor do Estado e liquidação previstas no arts. 7º e 8º, da Lei 5/02, de 11-01, como sanção não penal que é, escapa, na sua determinação, a factores relacionados com o crime, designadamente a gravidade do ilícito, a gravidade da pena e o grau de participação do condenado, o respectivo procedimento é autónomo, iniciando-se por um acto autónomo (a liquidação), possuindo uma estrutura própria, pelo menos probatória, de índole radicalmente diversa da do processo principal. II. Do ponto de vista procedimental, estamos perante dois processos distintos, autónomos, embora umbilicalmente ligados, desencadeados pelo mesmo facto, o indício da prática de um crime de catálogo, juntos numa mesma audiência. No processo criminal, ou seja, no processo principal enxerta-se um outro processo de natureza distinta; no primeiro debate-se questão penal, no segundo questão administrativa, ou seja, ao procedimento criminal junta-se questão incidental relativa à aplicação de sanção administrativa". [47] Cfr. item 3 da matéria de facto provada: “Na prossecução desta atividade, previamente delineada competia ao arguido BB proceder à contratação dos indivíduos que efetuavam por via aérea o transporte do haxixe, habitualmente designados por "correios de droga" desde Lisboa até ..., bem como dar-lhe instruções e tratar de toda a logística relacionada com essas viagens e estadia na ilha de São Miguel.” |