Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
159/17.8JAPDL.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: PERDA ALARGADA DE BENS
LIQUIDAÇÃO
INCIDENTE
DECISÃO
RECURSO
DUPLA CONFORME
Data do Acordão: 09/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / LIQUIDAÇÃO – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / DECISÕES QUE NÃO ADMITEM RECURSO.
Doutrina:
- Günther Jakobs, Dogmática de Derecho Penal y la Confirmación Nornativa de la Sociedad, Editorial Thomson/Civitas, Madrid, 2004, p. 41;
- José M. Damião da Cunha, Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-financeira - A Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro de 2002, 2017, Universidade Católica, Biblioteca de Investigação, p. 23;
- Winfried Hassemer, Fundamentos del Derecho Penal, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, p. 127.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 358.º, 359.º, 360.º E 671.º, N.º 3.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 400.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 25-02-2015, PROCESSO N.º 1653/12.2JAPRT.P1.S1;
- DE 14-03-2018, PROCESSO N.º 22/08.2 JALRA.E1.S1.
Sumário :
I. – O incidente para liquidação da perda alargada de bens rege-se, na carência de regulação na legislação adrede, pelo rito prescrito nos artigos 358º a 360º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal;

II. – A decisão (judicial) que declara, ou decreta, a final, a perda alargada de bens, é recorrível, nos mesmos termos da decisão que decide o pedido cível processado em processo penal – artigo 400º, nº 3 do Código de Processo Penal;

III. – Constitui questão nova, em recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, a pretensão recursiva do arguido que tendo impugnado a individualização da mediação judicial da pena no recurso para o Tribunal da Relação não obteve pronúncia na decisão por esta proferida.  

IV. – A dupla conforme, numa decisão judicial, constitui-se quando, relativamente a um dos segmentos da decisão, ocorre uma decisão do tribunal de recurso que: i) confirme, sem voto de vencido o decidido pelo tribunal recorrido; ii) que a fundamentação com que tribunal de recurso confirma o decidido pelo tribunal recorrido não seja essencialmente diferente. (cfr. artigo 671º, nº 3 do Código Processo Civil)

Decisão Texto Integral:

I.- RELATÓRIO.

I.a). – ELEMENTOS RELEVANTES PARA A DECISÃO.

- Em 4 de Outubro de 2017, o Ministério Público no Departamento de Investigação e Acção Penal – 1ª Secção de ..., deduziu acusação contra AA; BB; CC e DD (com os dados de identificação constantes de fls. 934-935), imputando-lhes a prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, e 24º, alínea c) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro;

- Em 13 de Novembro de 2017,  Ministério Público, promoveu a liquidação do património contra os arguidos,  AA e BB, pedindo que, nos termos do artigo 12º, nº 1 da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, fossem declarados perdidos a favor do Estado os valores de € 284.281,16, correspondente ao património incongruente (relativamente ao património lícito) apurado na esfera patrimonial do arguido AA; e € 15.541,29, correspondente ao património incongruente com o património lícito que havia sido apurado na esfera patrimonial pertencente a BB – fls. 991 a 998;

- Foi requerida a abertura da instrução pelos arguidos, não tendo sido autorizada por carência de pagamento da multa, pela apresentação tardia do respectivo requerimento – fls. 1016;     

- Por despacho datado de 18 de Janeiro de 2018, o tribunal judicial da comarca ... - Juízo Central e Criminal de ... – Juiz 1, depois de declarar o tribunal competente, designou data para julgamento dos arguidos supra indicados, recebeu a acusação pública, “pelos factos e disposições legais dela constantes”, tendo designado data para julgamento;

- No despacho constante do item antecedente “por se mostrarem reunidos os pressupostos a que alude o art. 8º, nº s 1 e 2 da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, com referência ao “crime catálogo” do art. 1º, nº 1, alínea a) do mesmo diploma legal, recebo o incidente de liquidação do valor a perder a favor do Estado (liquidação de património) deduzido pelo Ministério Público a fls. 991/999 contra os arguidos, AA e BB.

Mais notifique especificamente os arguidos AA e BB nos termos e para os efeitos do disposto no art. 9º, nº 4 da cit. Lei 5/2002, de 11 de Janeiro.” – fls. 1043 e 1044;      

- Os arguido BB e AA ofereceram o merecimento dos autos e indicaram testemunhas – fls. 1091 vº e 1107;    

. Realizada audiência de discussão e julgamento – cfr. fls. 1142 a 1146; 1184 a 1188 – foi proferida decisão – cfr. fls. 1203 a 1233 – onde obtiveram pronúncia do tribunal, (i) – a questão suscitada pelo arguido BB da “proibição da valoração da facturação detalhada e localização celular aos postos telefónicos com os números... e ...” (fls. 1204 a 1206); (ii) “da nulidade das declarações prestadas pelo arguido DD ao OPC depois de detido em flagrante delito” (fls. 1206 a 1207 vº); (iii) “Da falta de notificação do incidente de liquidação” (fls. 1207vº a 1208); (iv) a apreciação da perda alargada (fls. 1227 a 1230, tendo, a final, o tribunal condenado todos os arguidos, notadamente os arguidos AA; BB, nos termos que a seguir se deixam transcritos (sic):             

A) Da acusação: - 1. No que concerne ao arguido AA
1.1. Convolar o crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 e 24.º al. c), pelo qual vem acusado, num crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº 1, ambos do mesmo diploma legal;

1.2. Condenar o arguido pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, na pena de nove anos de prisão; [[1]]

2. No que concerne ao arguido BB

2.1. Convolar o crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 e 24.º al. c), pelo qual vem acusado, num crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº 1, ambos do mesmo diploma legal;

2.2. Condenar o arguido pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, na pena de oito anos e dois meses de prisão; [[2]]

(…) B) Da perda alargada

Nos termos do disposto no artigo 7.º e seguintes da Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro, determinamos a perda:

1. Relativamente ao arguido AA: do valor de € 284.281,16 (duzentos e oitenta e quatro mil duzentos e oitenta e um e dezasseis cêntimos);

2. Relativamente ao arguido BB: do valor de €15.541,29 (quinze mil quinhentos e quarenta e um euros e vinte e nove cêntimos). [[3]/[4]]

- Por dissentirem do decidido pelo tribunal de primeira (1ª) instância, recorreram os arguidos, BB e AA (respectivamente fls. 1246 a 1270 [[5]] e 1270 a 1323 (corrigidas – cfr. despacho de fls. 1367 de fls. 1370 a 1516);

- Após a realização de audiência de discussão e julgamento, em 15-01-2018 (cfr. fls. 1529) veio a ser publicitada a decisão a 16 de Fevereiro de 2018, em que foram eleitas para apreciação: (a) do recurso ao arguido AA (sic): “(…) verificar se a decisão recorrida enferma de alguma inconstitucionalidade, por violação dos arts. 18°, 1, 201°, 1 e 32°, 1 e 5 , da CRP; se o acórdão recorrido enferma de inexistência jurídica ou nulidade; se se observa insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a reapreciação da matéria de facto impugnada; a validade de depoimento de co-arguido; a determinação da medida da pena.” (fls. 1565 Vº); (b) do recurso do arguido BB: “a constitucionalidade da relevância probatória concedida aos dados de tráfego (facturação detalhada) e localizações celulares; a pretensa invalidade de prova por reconhecimento; a impugnação da matéria de facto.” (fls. 1565 vª), e, a final, decidido “negar provimento aos recursos, mantendo na íntegra o acórdão recorrido.”

Da decisão proferida impelem os arguidos, AA e BB (cfr., respectivamente, fls. 1599 vº a 1636 e 1638 a 1641), recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo dessumido as respectivas fundamentações nas sínteses conclusivas que a seguir quedam extractadas.  

I.b). – QUADRO CONCLUSIVO.

Do recurso de BB (fls-1638 a 1641)

“1. O recorrente entende que a pena de 8 anos e 2 meses de prisão é excessiva, tendo em conta a sua culpa e exigências de prevenção:

i. Deu-se como provado que a droga traficada era haxixe, estupefaciente que apresenta baixa toxicidade e assim é menor a lesão ao bem jurídico protegido.

ii. Deu-se como provado que o corrente era quem dava a cara para o correio, isto é, tratava da contratação e da sua logística;

iii. Não se deu como provado que era o adquirente da droga, nem que tivesse qualquer participação no lucro do destinatário final ou do dono da droga;

iv. Provou-se que no quarto transporte esteve em causa cerca de 15 kg de haxixe, contudo, nos três primeiros, não se provou a data, nem em concreto a quantidade de haxixe transportado, pelo que é de considerar pro reo essa indeterminação;

v. A organização logística parece básica, neste tipo de tráfico com recurso a correio de droga, sendo certo que foi mantida sempre a mesma atuação e logística após o sucesso do 1º transporte e desadequação dos meios de controlo dos aeroportos;

vi. Não se provou a remuneração visada ou conseguida;

vii. Por outro lado, não se levou em consideração uma sucessão de fatores pessoais – provados - que impunham, sempre a redução da pena aplicada:

viii. Trabalha desde os 16 anos de idade;

ix. Tem uma filha de 1 ano, [[6]] com quem, apesar de estar a viver com a ex-companheira no Algarve, visita com frequência e contribuí monetariamente para as suas necessidades;

x. Tem apoio familiar;

xi. A pena deve ser reduzida para os 6 anos de prisão.

Violaram-se as seguintes disposições legais:

- Artigos 40º e 71º do CP;

(…) deverá o presente recurso obter provimento e em consequência reduzir-se a pena aplicada.”

Do recurso do arguido, AA (fls. 1599 vº a 1636)

1- O Tribunal da Relação, salvo o devido respeito, não apreciou como devia as questões suscitadas na matéria de direito no recurso.

2- Salvo o devido respeito, em nosso entender o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa não ajuizou como devia o direito aplicável, designadamente a dosimetria da pena (art. 40º, 70º e 71º do C.P.P.) e a Lei 5/2002 de 11 de janeiro, em confronto com os arts. 2º, 18º, 20º, 32º, nº2 todos da C.R.P. e art. 61º nº1 al. d) do C.P.P..

3- A Lei 5/2002 de 11 de janeiro foi a forma que o legislador encontrou para fazer frente às dificuldades probatórias com que o Ministério Público se depara para fazer face à proliferação da criminalidade económica e organizada.

4- O enquadramento do confisco alargado no âmbito do processo penal foi ditado por razões de economia processual, de forma a poupar os tribunais judiciais de um novo processo. Admitimos que o princípio da economia processual é bastante importante, mas não pode assumir nunca uma importância superior aos princípios que são postos em causa por este regime.

5- Na verdade, este regime de confisco alargado viola princípios estruturantes, não só do Direito Processual Penal, mas também do próprio Estado de Direito, os quais, sem dúvida nenhuma, estão num patamar muito superior ao princípio da economia processual, pelo que devem sobrepor-se a ele.

6- A Lei nº5/2002 consagrou um regime de inversão de ónus da prova, baseado numa presunção de ilicitude.

7- Esta presunção consta do art.7º da Lei supra referida e depende dos seguintes pressupostos: a condenação transitada em julgado por um dos crimes do catálogo do art. 1.º, a titularidade de bens por parte do arguido, a incongruência do património com os rendimentos lícitos do arguido e a demonstração da existência de uma atividade criminosa anterior ao crime pressuposto.

8- A natureza jurídica do confisco alargado tem natureza penal, como é entendido por Augusto Silva Dias e outros, ao invés de alguma doutrina que defende a natureza civil e/ou administrativa, nomeadamente, Damião da Cunha, Lourenço Martins.

9- O processo de confisco enquadra-se dentro do procedimento penal, o que significa que há uma forte ligação entre esta figura e o Direito Processual Penal.

Esta ligação revela-se desde logo no primeiro pressuposto essencial do confisco alargado, a condenação por um dos crimes do catálogo do art.1º, uma vez que este mecanismo não prescinde de uma efetiva condenação por um ilícito criminal.

10- Em nosso entendimento, o regime de confisco alargado surge para colmatar falha da perda clássica de bens, um outro pressuposto de confisco que se enquadra dentro do Direito Processual Penal e tem efetivamente natureza penal.

11- A inserção do confisco alargado, salvo melhor opinião, no contexto do Direito Processual Penal não é desprovida de consequências, das quais destacamos a mais importante que é a sujeição às regras e aos princípios deste ramo do Direito, que não foi atendido pelo Tribunal “a quo”.

12- A figura do confisco alargado é notoriamente revolucionária, sendo que, é a primeira vez que o Direito Processual Penal português, uma presunção de ilicitude que inverte o ónus da prova em desfavor do arguido. Nesta medida, sendo uma figura atípica e inversa à máxima do processo penal, o in dúbio pro reo.

13- A Lei 5/2002 veio criar conflitos não só com as normas processuais, mas também com normas constitucionais, já que é um afigura que vai contra o espírito geral do direito processual penal, de proteção dos direitos do arguido, que não foram devidamente atendidos pelo Tribunal “a quo”.

14- A questão prévia solicitada do incidente de liquidação e da sua inexistência jurídica no recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa por parte do ora recorrente é demonstrativo dessas dificuldades.

15- Não tendo o arguido sido notificado do incidente de liquidação, a lei não comina com nulidade a inobservância de tal notificação, reportando o Tribunal com uma mera irregularidade, quando no entender o arguido deveria ter sido considerado a inexistência jurídica, entendimento esse que o Tribunal da Relação não subscreveu e que se impõe ser melhor atendido por este Superior Tribunal.

16- Conforme fora aflorado nas alegações do recurso interposto da Tribunal de primeira instância, o recorrente entendeu que a Lei 5/2002, enferma de inconstitucionalidades.

17- O arguido, o Tribunal da primeira instância e o da Relação entenderam, face à posição dos mesmos quanto às regras aplicáveis que o confisco alargado previsto na Lei 5/2002 tem natureza penal e nesta medida aplicaram as regras do processo penal.

18- Assim, atendendo à natureza do confisco alargado impunha-se proceder à relação entre este e os princípios da presunção da inocência, do direito ao silêncio do arguido e ao princípio da independência judicial e da separação de poderes que o tribunal “a quo” não fez e que se impõe.

19- A presunção da inocência é um dos princípios mais relevantes consagrados na Constituição da República Portuguesa. O artigo 32.º, n.º2 da Lei Fundamental “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”.

20- O modelo acusatório que serviu de base ao Código Penal ao Código de Processo Penal, consagrado no artigo 32.º, n.º 5 da Constituição, tem como princípio basilar a presunção da inocência, o que significa que todo o Direito Penal e o Direito Processual Penal foram construídos de forma a salvaguardar a presunção da inocência.

21- Ora, tal princípio assegura que, em todas as fases do procedimento (inquérito, instrução, julgamento e recurso) o arguido não pode ser tratado como um condenado antes do trânsito em julgado da condenação.

Nem o juiz nem o Ministério Público devem fazer considerações de valor em relação aos factos da acusação e não deve ser restringida a liberdade do arguido, salvo casos excecionais de perigo para a investigação ou para a ordem pública.

22- Nesta medida, esta regra probatória tem como consequência direta que o ónus da prova cabe sempre ao Ministério Público, uma vez que se ele falhar em provar um determinado fato considera-se que esse fato não ocorreu – ressalvado o princípio da investigação – não sendo necessário que o arguido prove o facto contrário já que a simples falta de prova é suficiente para que haja uma decisão em seu favor.

23- A regra de tratamento que decorre do princípio da presunção de inocência, a Lei n.º5/2002 entra em confronto direto com o princípio in dúbio pro reu a partir do momento em que presume a existência de uma atividade criminosa, ou seja, presume que o arguido é um criminoso a partir do facto de existir património desconforme.

24- É certo que a decisão de confisco só deverá ocorrer após a efetiva condenação do arguido pelo crime, no entanto, o processo de confisco e a presunção de criminalidade ocorrem antes do momento da condenação, num momento em que o arguido tem a seu favor o princípio da presunção da inocência.

25- A questão reside no fato de que o processo de confisco alargado ocorre simultaneamente ao processo pelo crime pressuposto.

26- A Lei n.º 5/2002, ao inverter o ónus da prova numa fase em que o arguido se deve ainda presumir inocente, reduzindo significativamente as suas garantias de defesa e influenciando a imparcialidade do julgador, restringe drasticamente o princípio da presunção da inocência enquanto regra de tratamento.

27- Existindo assim uma restrição de um direito fundamental consagrado na nossa Constituição, impõe-se averiguar se essa restrição é necessária para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, nos termos do artigo 18.º, n.º 2 da Lei Fundamental.

28- Tendo o confisco ampliado como finalidade o combate ao lucro ilícito, que pode ser enquadrado dentro do âmbito do direito à segurança consagrado no artigo 27.º, n.º1 do da Constituição.

29- Questiona-se se esta restrição se limita ao necessário para salvaguardar o direito à segurança, na vertente de combate ao lucro dos crimes? Para responder a esta pergunta é necessário verificar, em primeiro lugar, se a restrição atinge o núcleo essencial da presunção da inocência e, em segundo lugar, se ela viola o princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes de adequação, exigibilidade e proporcionalidade stricto sensu.

30- Quanto à primeira vertente, entendemos que o confisco alargado atinge o núcleo essencial da presunção da inocência, uma vez que, ao presumir que o património incongruente provém de uma alegada atividade criminosa, a Lei n.º 5/2002 atingiu o ponto central da presunção da inocência, que consiste em tratar o arguido como inocente até ao trânsito em julgado da condenação.

31- A partir do momento em que o juiz extrai a culpabilidade do arguido do simples fato da existência de património incongruente, o núcleo essencial do princípio da presunção da inocência é atingido, o que aconteceu e que merece a devida reparação.

32- O funcionamento do confisco alargado durante a pendência de um processo crime afeta as garantias processuais do arguido e a imparcialidade do julgador, o que está em causa não é apenas o património que lhe será confiscado, mas sim o tratamento do arguido como um criminoso quando ele deveria ser presumido inocente, o que aconteceu nos presentes autos.

33- Sendo o princípio da presunção de inocência uma das bases do Direito Processual Penal, consideramos que ele não pode ser subjugado por necessidades de reprimir a criminalidade económica ou organizada, pelo que deve prevalecer o princípio estruturante, o que se reclama.

34- O confisco alargado não é uma restrição constitucionalmente válida ao princípio da presunção da inocência, na sua vertente de regra de tratamento, uma vez que a medida não passa no teste da proporcionalidade, pelo que não se limita ao necessário para salvaguardar o direito à segurança, nos termos do artigo 18.º, n.º2 da Constituição.

35- GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA apontam como primeira decorrência do in dubio pro reo, “a proibição da inversão do ónus da prova em detrimento do arguido”.

36- Este princípio não admite a criação de presunções de ilicitude que coloquem o ónus da prova a cargo do arguido, devendo ser sempre o Ministério Público o titular do ónus probatório.

37- É certo que o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 392/2015, de 12 de Agosto de 2015, veio pronunciar-se relativamente à questão da dignidade constitucional dos artigos 7.º e 9.º da Lei n.º 5/2002.

38- A orientação seguida naquele acórdão foi refutada atendendo à natureza jurídica tendo o confisco alargado efetivamente natureza penal e, por ser “enxertado” nesse processo, tem uma influência negativa na decisão do julgador em relação à condenação pelo crime pressuposto.

39- Assim, só nos resta concluir pela inconstitucionalidade do confisco alargado, por violação do princípio da presunção da inocência, uma vez que ele configura uma sanção de suspeita que coloca o ónus probatório do lado da parte errada.

40- Conforme refere JORGE GODINHO as razões que levam à conclusão da inconstitucionalidade: “o confisco alargado (...) incorre numa série de violações do princípio da presunção da inocência: presume a existência de pressupostos de que depende a sua aplicação; distribui o ónus da prova no arguido; e resolve o non liquet contra o arguido.”.

41- O arguido não prestou declarações na audiência de julgamento e viu esse direito ser violado atendendo à pena aplicada, numa manifesta violação desse Direito.

42- Também este princípio entra em conflito com o confisco alargado é o “nemo tenetur se ipsem acusare”, consagrado no artigo 61.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Penal.

43- Segundo tal princípio, o arguido não pode ser coagido a contribuir para a sua própria condenação, pelo que tem direito a não falar em qualquer fase do processo, sem que isso possa ser valorado negativamente.

44- Este princípio, apesar de não ter consagração constitucional, tem sido considerado pela doutrina e jurisprudência nacionais como um verdadeiro princípio constitucional. O artigo 7.º da Lei n.º 5/2002 restringe este princípio quando estabelece uma presunção que obriga o arguido a pronunciar-se para que possa ilidir a mesma, sendo que no caso de o arguido se remeter ao silêncio todos os seus bens lhe serão retirados, ou seja, o silêncio tem aqui um efeito cominatório pleno, o que aconteceu nos presentes autos e que se impõe a devida reparação.

45- Apesar de esta restrição apenas se relacionar diretamente com os efeitos patrimoniais do confisco alargado, indiretamente ela pode ter influência no juízo sobre a prática do ilícito, uma vez que o arguido poderá ter que revelar fatos incriminatórios.

46- Salvo melhor opinião, não restam dúvidas de que o direito ao silêncio é restringido pelo confisco alargado e, tal como no caso da presunção da inocência, não se pode considerar que esta restrição seja necessária, para efeitos do artigo 18.º, n.º2 da Constituição.

47- Na verdade, esta medida viola o núcleo fundamental do direito ao silêncio e não é exigível visto que existem alternativas atas a atingir as mesmas finalidades e que podem manter incólume o direito ao silêncio, nomeadamente a averiguação do confisco alargado num processo autónomo não penal.

48- O juiz no processo penal tem vários poderes que decorrem do princípio da independência judicial, enquanto garantia de decisões jurisdicionais livres de quaisquer influências, de entre os quais os mais importantes são o poder de livre apreciação da prova e o poder de investigação para a busca da verdade material.

49- O regime do confisco alargado veio restringir estes poderes ao juiz ao consagrar uma presunção de ilicitude que tarifa a prova e subtrai ao julgador as faculdades de averiguar a origem do património do arguido.

50- Assim, há uma intromissão legislativa nos poderes e na autonomia judicial, o que significa que existe aqui uma limitação do poder judicial pelo poder legislativo que viola o princípio da separação de poderes, previsto no artigo 2.º da Constituição.

51- Esta intromissão da lei na área de atuação do legislador é claramente limitadora dos poderes jurisdicionais e que merece o devido apontamento, o que se reclama.

52- Ao impor que o juiz deva considerar que todo o património do arguido é ilícito sempre que ele falhe em provar a congruência do mesmo, a lei está a retirar todos os poderes do juiz no que toca à decisão do confisco alargado, não podendo este averiguar se os bens são efetivamente ilícitos ou não.

53- Estas limitações à independência do julgador e ao princípio da separação de poderes não são necessárias, nos termos do artigo 18.º, n.º2 da Constituição, uma vez que se o confisco alargado for configurado num procedimento autónomo, sem intervenção do juiz penal, será possível atingir os mesmos objetivos sem lesar tais direitos fundamentais.

54- Face ao supra referido, impõe-se concluir que o regime do confisco alargado é desconforme o Direito, inconstitucional por violação do princípio da presunção de inocência, do direito ao silêncio e dos princípios da independência jurisdicional e da separação de poderes.

55- A aplicação ao arguido de uma pena de 9 anos de prisão, parece-nos, salvo o devido respeito, exagerada e desproporcional ao caso Sub Júdice.

56- Tal como se refere o preâmbulo do Código Penal, que traça um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamentalmente de que as penas devem ser sempre executadas com o sentido pedagógico e ressocializador.

57- Os princípios base da aplicação das penas devem ser compatíveis com as políticas criminais e humanas, que o Tribunal a quo não atendeu.

58- A pena deve servir para a reintegração do agente na comunidade e evitar a quebra da sua inserção social, só deste modo e por esta via, se alcançará uma eficácia ótima da perceção dos bens jurídicos.

59- O nº1 do art. 71º do C.P. indica o critério legal, para a determinação da medida da pena, assente na culpa do agente e nas exigências de prevenção. O nº 2 refere-se às “circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele…” Por sua vez, o nº3 determina imperativamente que a sentença explicite os fundamentos da medida da pena que se aplicou.

60- Face à disposição supra referida e à pena aplicada ao arguido, parece-nos salvo o devido respeito, ser sindicável nesta sede.

61- O art. 71º do C. P. deve ser doseado com o art. 40º do C. P..

62- O nº 2 do art. 71º descreve alguns critérios, que servirão de suporte para a apreciação e mensuração da medida da pena. Embora não fazendo parte do tipo do ilícito, verificadas antes ou depois do seu cometimento, militarão a favor do arguido.

63- Mensurar a pena não é uma tarefa fácil, contudo existem duas regras importantes a ter em conta: a primeira, que nos indica que a culpa é o fundamento para a concretização da pena; e uma segunda, que atenderá aos efeitos da pena na vida futura do arguido em sociedade.

64- As necessidades de prevenção especial “têm por denominador comum a ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do delinquente com o fim de evitar que, no futuro, ele cometa novos crimes”.

65- Como é sobejamente reconhecido todas as doutrinas sobre prevenção têm como fim último a reinserção social do agente, para o que se deve ter em conta os seus antecedentes criminais e a sua personalidade no conjunto dos factos.

66- A valoração do julgador deve nortear-se pelo princípio da proporcionalidade, principio esse que atravessa todo o ordenamento jurídico e segundo o qual de quem se pode exigir mais, se deve castigar mais, de quem se exige menos, se deve castigar menos.

67- Também a valoração jurídica é temperada de acordo com os critérios do julgador, demonstrando uma certa dose subjetiva, influenciada pelo critério do homem médio e por valorações pessoais.

68- Salvo o devido respeito que é muito pelo tribunal “a quo”, o mesmo ao aplicar uma pena ao arguido de nove anos de prisão efetiva e de confisco alargado no montante de €284.281,16, não valorou como devia nem fundamentou como devia a determinação de tal pena.

69- O tribunal “a quo” não avaliou como devia os fatos praticados pelo arguido AA e das consequências dos mesmos na determinação da medida da pena.

70- Salvo melhor opinião, o equívoco está no momento da determinação da medida da pena, em voltar a tomar em conta a culpabilidade, não como critério de medição da pena, mas como pressuposto da condenação. O tribunal, ao dosar a pena, fê-lo penalizando o arguido.

71- Salvo o devido respeito pelo tribunal “a quo”, o fato do mesmo ter aplicado uma pena de prisão efetiva de 9 anos de prisão, faz-nos crer que o mesmo levou em conta no doseamento das penas circunstâncias que não ficaram demonstradas e que são comuns neste tipo de crime.

72- O tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, que é muito, no acórdão proferido nos presentes autos não esboçou, nem justificou devidamente a pena aplicada ao arguido em termos de prevenção geral e especial, e ao tipo de produto estupefaciente em causa nos autos, haxixe, considerada droga leve.

73- Como se pode reintegrar o arguido com uma pena de 9 anos de prisão quando se vedou à partida a possibilidade do mesmo poder demonstrar a si e à sociedade que é capaz de sozinho e sob imposições de retratar-se, de fazer a paz social.

74- O tribunal “a quo” não esboçou um esforço de aplicar ao arguido a possibilidade da pena de prisão inferior à aplicada.

75- O tribunal “a quo” acomodou-se na liquidação efetuada pelo Ministério Publico refugiando-se na Lei 5/2002, tendo abdicado dos poderes que decorrem do princípio da independência judicial, enquanto garantia de decisões jurisdicionais livres de quaisquer influências, destacando-se o poder da livre apreciação da prova e o poder de investigação para a busca da verdade material.

76- A medida da pena de 9 anos de prisão não se coaduna com as exigências de prevenção especial. Pelo contrário, face às circunstâncias concretas, desvalor da ação e do resultado atendendo à substância estupefaciente, às condições pessoais e familiares do arguido, a pena, porque desproporcional, terá um efeito dessocializante, salvo melhor opinião.

77- Os princípios base da aplicação das penas devem ser compatíveis com as políticas criminais e humanas.

78- A pena deve servir para a reintegração do agente na comunidade e evitar a quebra da sua inserção social, só deste modo e por esta via, se alcançará uma eficácia ótima da perceção dos bens jurídicos.

79- O Tribunal a quo não valorou como devia o fato do arguido não ter antecedentes criminais nesta tipologia criminal, o que se reclama, fazendo-se assim Justiça.

80- Cabe acreditar no Homem.

(…) deve o recurso ter provimento, consequentemente, revogar-se o douto acórdão, substituindo-se por outro que atenda ao supra referido, designadamente, aplicar ao arguido uma pena prisão inferior a 9 anos de e não atender ao confisco alargado, (…).

Resposta do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, relativamente ao recurso de BB (Conclusões).

1- O Recorrente, BB, vem interpor o presente recurso do douto acórdão proferido, em 26 de Fevereiro de 2019, pela 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, que, negando provimento ao recurso interposto pelo Arguido, confirmou a decisão recorrida proferida pelo Juiz 1 do Juízo Central Cível e Criminal de ..., que, além do mais, condenou o supra aludido Arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 8 (oito) anos e 2 (dois) meses de prisão.

2 – Contrariamente ao entendimento perfilhado pelo Recorrente, não se verifica no caso em apreço qualquer violação dos artigos 40º e 71º do C. Penal, não se mostrando desadequada nem excessiva a pena de prisão aplicada ao Arguido.

3 – Na verdade, foram ponderadas, de forma correcta e acertada, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuseram a favor do Arguido e contra ele, como lhe era imposto pelo artigo 71º n.º 2 do Código Penal.

4 - Efectivamente, num quadro da moldura abstracta da pena, de 4 a 12 anos de prisão, o acórdão recorrido, ao aplicar, confirmando-a, uma pena de 8 anos e 2 meses de prisão, situou-a em patamar muito próximo do seu limite médio, adequando, assim, a pena à culpa, dentro da medida da necessidade da tutela do bem jurídico em causa e das exigências (elevadíssimas) de prevenção geral e das exigências (elevadas) de prevenção especial. 

5 – A pena aplicada mostra-se justa, adequada e proporcional, e não deixa ficar comprometida a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas.

6 – A necessidade da pena aplicada afigura-se-nos evidente, face às fortes exigências de protecção do bem jurídico em causa e ao grau da sua violação no caso concreto, a reclamar punição adequada a satisfazer as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.

7 - Não merece, pois, qualquer censura o douto acórdão recorrido, proferido pelo TRL, ao confirmar inteiramente o acórdão condenatório proferido pela 1ª Instância.

8 – Pelo que falece na íntegra toda a argumentação aduzida pelo Recorrente, pois o douto acórdão sob recurso fez correcta interpretação e aplicação da lei, não tendo violado qualquer norma jurídica nem qualquer princípio geral de direito.

9 - Termos em que, o douto acórdão recorrido deve ser integralmente mantido, improcedendo o recurso do Arguido Recorrente BB.

Resposta do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, relativamente ao recurso de AA (Conclusões).

1- O Recorrente, AA, vem interpor o presente recurso do douto acórdão proferido em 26 de Fevereiro de 2019 pela 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, que, negando provimento ao recurso interposto pelo Arguido, confirmou a decisão recorrida proferida pelo Juiz 1 do Juízo Central Cível e Criminal de ..., que condenou o supra aludido Arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 9 (nove) anos de prisão, e determinou em relação ao mesmo, a perda do valor de Euros 284.281,16 (duzentos e oitenta e quatro mil duzentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos).

2 – Contrariamente ao entendimento perfilhado pelo Recorrente, não se verifica no caso em apreço a pretendida violação dos artigos 40º, 70º e 71º do C. Penal, não se mostrando desadequada nem excessiva a pena de prisão aplicada ao Arguido.

3 – Na verdade, foram ponderadas, de forma correcta e acertada, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuseram a favor do Arguido e contra ele, como lhe era imposto pelo artigo 71º n.º 2 do Código Penal.

4 - Efectivamente, num quadro da moldura abstracta da pena, de 4 a 12 anos de prisão, o acórdão recorrido, ao aplicar, confirmando-a, uma pena de 9 anos de prisão, situou-a em patamar muito próximo do seu limite médio, adequando, assim, a pena à culpa, dentro da medida da necessidade da tutela do bem jurídico em causa e das exigências (elevadíssimas) de prevenção geral e das exigências (elevadas) de prevenção especial. 

5 – A pena aplicada mostra-se justa, adequada e proporcional, e não deixa ficar comprometida a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas.

6 – A necessidade da pena aplicada afigura-se-nos evidente, face às fortes exigências de protecção do bem jurídico em causa e ao grau da sua violação no caso concreto, a reclamar punição adequada a satisfazer as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.

7 – A fundamentação da pena concretamente aplicada mostra-se clara, congruente e abundante, não deixando qualquer dúvida sobre as razões da escolha da pena e da medida concreta da mesma.

8 – Bem andou, pois, o douto acórdão sob recurso, em manter na íntegra o acórdão proferido pela 1ª Instância, e como tal em manter a condenação do Recorrente AA na pena de 9 (nove) anos de prisão.

9 - Também a nosso ver não assiste razão ao Recorrente ao invocar a inconstitucionalidade da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, defendendo que com a aplicação de tal lei o acórdão recorrido violou os arts. 2º, 18º, 20º, 32º n.º 2 da CRP e 61º n.º 1 al. d) do C. de Processo Penal.

10 - Não se verifica qualquer das apontadas inconstitucionalidades, violação de normas ordinárias ou de princípios gerais de direito, o que tudo se mostra já bem dilucidado nos doutos Acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional, n.º 101/2015 (proferido no Processo n.º 1090/2013, 1ª Secção, de que foi Relatora a Exm.ª Conselheira Maria Lúcia Amaral) e n.º 392/2015 (proferido no Processo n.º 665/15, 2ª Secção, de que foi Relator o Exm.º Conselheiro Cura Mariano).

11 – Bem andou, pois, o douto acórdão sob recurso, em manter na íntegra o acórdão proferido pela 1ª Instância, e como tal, mantê-lo também na parte em que, por o Recorrente AA ter sido condenado pela prática de um crime de catálogo – tráfico de estupefacientes, elencado no artigo 1º n.º 1 al. a) da Lei n.º 5/2002, de 11/01 -, por ter património e o mesmo ser incongruente com o seu rendimento lícito no valor de Euros 284.281,16, foi determinada em relação ao mesmo, nos termos do disposto no artigo 7º e seguintes da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, a perda do valor de Euros 284.281,16 (duzentos e oitenta e quatro mil duzentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos).

12 - Não merece, pois, qualquer censura o douto acórdão recorrido, proferido pelo TRL, ao confirmar inteiramente o acórdão proferido pela 1ª Instância.

13 – Pelo que falece na íntegra toda a argumentação aduzida pelo Recorrente, pois o douto acórdão sob recurso fez correcta interpretação e aplicação da lei, não tendo violado qualquer norma jurídica nem qualquer princípio geral de direito.

14 - Termos em que, o douto acórdão recorrido proferido pelo TRL deve ser integralmente mantido, improcedendo o recurso do Arguido Recorrente AA.”

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público, emitiu diserto parecer, em que advoga (sic):

I. Do recurso.

1. Julgados conjuntamente com dois outros arguidos no PCC n.º 159/17.8JAPDL, foram os arguidos AA e BB, ora recorrentes, condenados por acórdão de 2.4.2018, do Tribunal Colectivo do Juiz 1 do Juízo Central Cível e Criminal de ..., além do mais, nas seguintes imposições:

─ Arguido AA:

─ 9 anos de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1;

─ No pagamento ao Estado da quantia de € 284.281,16, declarada perdida a favor daquela entidade em incidente de perda ampliada, nos termos do art.º 12º da Lei n.º 5/2002, de 11.1.

─ Arguido BB:

─ 8 anos e 2 meses de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1;

─ No pagamento ao Estado da quantia de € 15.541,29, declarada perdida a favor daquela entidade em incidente de perda ampliada, nos termos do art.º 12º da Lei n.º 5/2002, de 11.1.

2. Inconformados, moveram-lhe recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, suscitando o reexame das seguintes questões:

─AA: [[7]]

─ Inconstitucionalidade por violação dos art.ºs 18° n.º 1, 201º, n.º 1 e 32º, n.ºs 2 e 5 da CRP conexa com a falta de notificação do requerimento de perda ampliada de bens; ─ Inexistência jurídica ou nulidade do acórdão decorrente da mesma falta de notificação; ─ Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão; ─ Reapreciação (ampla) da matéria de facto; ─ Validade de depoimento co-arguido; ─ Determinação da medida da pena.

─ BB: [[8]]

─ (In)constitucionalidade da relevância probatória concedida aos dados de tráfego (facturação detalhada) e localizações celulares; ─ Invalidade de prova por reconhecimento; ─ Impugnação da matéria de facto.

 3. Por Acórdão de 26.2.2019 – o, ora, recorrido – o Tribunal da Relação de Lisboa manteve, confirmando-a nos seus precisos termos, a condenação da 1ª instância.

4. Ainda inconformados, recorrem, desta feita os arguidos para este Supremo Tribunal de Justiça.

O arguido AA reedita as questões relativas ao incidente da perda ampliada de bens – falta de notificação; - inconstitucionalidades por violação das normas dos art.ºs 2º, 18º, 20º, 32º n.º 2 da CRP; - nulidade e inexistência jurídica do acórdão, tudo conforme conclusões 3 a 54 da motivação; – e à medida concreta da pena – conclusões  55 a 79 –, pedindo a revogação do Acórdão Recorrido, a substituir por outro que que lhe «apli[que] uma pena de prisão inferior a 9 anos e [que] não atend[a] ao confisco alargado»  .

Acusa violação das normas dos art.º s 40º, 70º e 71º do CP, da Lei 5/2002 de 11.1 «em confronto com os arts. 2º, 18º, 20º, 32º, nº 2 todos da C.R.P.» e do art.º 61º n.º1 al.ª d) do CPP.

O arguido BB centra-se, exclusivamente, na questão da medida da pena, que que ver reduzida dos 8 anos e 2 meses de prisão, para 6 anos – conclusões i. a xi..

Indica violação das normas do art.ºs 40º e 71º do CP. 

 5. Contramotivando nos recursos, sustentou doutamente a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa a sua total improcedência.

II. Do parecer do Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça.

6. Nos termos dos art.ºs 402º, 403º e 412º n.º 1 do CPP, são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso, sem prejuízo do conhecimento das questões oficiosas.

Revistas tais conclusões na síntese intentada em 3., tem-se, então que, ambos os recorrentes pedem a reponderação da medida concreta das penas, querendo, ainda, o arguido AA que se reexamine o decidido no incidente da perda ampliada de bens regulado na Lei n.º 5/2002.

Obsta, porém, ao conhecimento das questões relativas à perda ampliada e à medida concreta da pena do arguido BB a inadmissibilidade dos recursos  nesses segmentos

Questão(ões) prévia(s) e oficiosas de que se passa imediatamente a tratar.

A. Questão prévia: da rejeição dos recursos.

a. Recurso do arguido AA; decisão sobre a perda ampliada de bens.

7. Em hipótese próxima da que se aprecia, disse-se o seguinte no douto Acórdão deste STJ de 14.3.2018 - Proc. n.º  22/08.3JALRA.E1.S1 - 3ª Secção, sumariado em www.stj.pt a propósito da (ir)recorribilidade do acto decisório do procedimento da perda alargada de bens: - «14.6. Questão que tem sido discutida diz respeito aos recursos de decisões proferidas em processo penal que declarem a perda alargada de bens em consequência de condenação penal, por aplicação da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, entre as quais um "regime especial de recolha de perda de bens a favor do Estado", através do qual,  em caso de condenação por um dos crimes integrantes do catálogo previsto no seu  artigo 1º, se aprecia a congruência entre o património do arguido e os seus rendimentos  lícitos (artigos 1º e 7º).

Nos termos do artigo 7º deste diploma, em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1º […] e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. A promoção de perda dos bens é apresentada pelo Ministério Público, mediante liquidação do montante apurado como devido a favor do Estado deduzida na acusação ou até ao 30º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento (artigo 8º), devendo o tribunal considerar toda a prova produzida no processo e a apresentada pelo arguido para provar a origem lícita dos bens por qualquer meio de prova válido em processo penal (artigo 9º), para, na sentença condenatória, poder declarar o valor que deve ser perdido a favor do Estado (artigo 12º).

A doutrina e a jurisprudência têm sublinhado que a "perda alargada" não constitui uma sanção penal, pois que "a sua causa não é um facto típico, ilícito e culposo punível, mas sim um património incongruente acoplado a indícios da prática de certos crimes (a "actividade criminosa")". Configura-se, assim, como uma medida "de natureza materialmente administrativa aplicada por ocasião de um processo penal", que pressupõe uma condenação penal que lhe é anterior, como defende PEDRO CAEIRO (apud acórdão 392/2015 do Tribunal Constitucional, com exaustiva informação de doutrina, direito internacional e europeu e direito comparado). No mesmo sentido se pode ler no acórdão de 25.2.2015, no Proc. 1653/12.2JAPRT.P1.S1 (rel. Cons. Oliveira  Mendes): "O instituto da perda de bens a favor do Estado e liquidação previstas no arts. 7º e 8º, da Lei 5/02, de 11-01, como sanção não penal que é, escapa, na sua  determinação, a factores relacionados com o crime, designadamente a gravidade do  ilícito, a gravidade da pena e o grau de participação do condenado, o respectivo procedimento é autónomo, iniciando-se por um acto autónomo (a liquidação), possuindo uma estrutura própria, pelo menos probatória, de índole radicalmente diversa  da do processo principal. Do ponto de vista procedimental, estamos perante dois processos distintos, autónomos, embora umbilicalmente ligados, desencadeados pelo mesmo facto, o indício da prática de um crime de catálogo, juntos numa mesma audiência. No processo criminal, ou seja, no processo principal enxerta-se um outro processo de natureza distinta; no primeiro debate-se questão penal, no segundo questão administrativa, ou seja, ao procedimento criminal junta-se questão incidental relativa à aplicação de sanção administrativa".

A decisão que ordena a perda alargada não é, pois, uma decisão condenatória, uma decisão que aplica uma pena ou uma medida de segurança. E, não o sendo, não é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, seja de recurso directo, por não se incluir na previsão das alíneas do n.º 1 do artigo 432º do CPP, seja de recurso de acórdão proferido, em recurso, pelo tribunal da Relação, que é o tribunal competente para dele conhecer (artigo 427º), por se incluir na previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 400º, segundo o qual não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo.

Assim se decidiu no acórdão de 25.2.2015 deste tribunal (supra), que se acompanha e onde se consignou: "A decisão proferida em 1.ª instância que declarou  perdidos a favor do Estado os montantes equivalentes ao património incongruente dos arguidos, com a consequente condenação de cada um deles a pagar a quantia devida e manutenção do arresto de bens decretado, uma vez que não se mostra contemplada em qualquer das alíneas do n.º 1 do art. 432º do CPP, é insusceptível de recurso directo  para o STJ. De acordo com o art. 400º, n.º 1, al. c), do CPP «decisão que não conheça, a final, do objecto do processo» é toda a decisão interlocutória, bem como a não interlocutória que não conheça do mérito da causa. Isto é, abrange todas as decisões proferidas antes e depois da decisão final e ao aludir ao «objecto do processo», refere-se aos factos imputados ao arguido, ou seja, ao objecto da acusação (ou da pronúncia), visto que é esta que define e fixa, perante o tribunal, o objecto do processo. A decisão do Tribunal da Relação, que os recorrentes agora impugnam, a qual confirmou a decisão da 1ª instância, atenta a sua natureza, conteúdo e âmbito, bem como o seu enquadramento processual, cai na previsão da al. c) do n.º 1 do art. 400º do CPP. Com  efeito, trata-se de uma decisão que não pôs termo à causa nem conheceu do seu mérito,  decisão proferida em recurso e, nessa medida, irrecorrível"».    

 8. O signatário faz suas, com a devida vénia, as doutíssimas palavras do Exmos. Juízes Conselheiros acabadas de transcrever, que têm inteiro cabimento no caso sub judicibus, sem que nada lhe pareça necessário acrescentar-lhes, a não ser que, para lá da jurisprudência nelas citada, se encontram decisões convergentes nos, entre outros, Acórdãos do mesmo tribunal de 6.10.2016 - Proc. n.º 535/13.5JACBR.C1.S1 [[9]] e de 9.3.2017 - Proc. n.º 32/13.9SFPRT.P1.S1. [[10]]

E com base nelas e porque, no segmento relativo à decisão sobre a perda ampliada de bens, o Acórdão Recorrido, que «confirmou a decisão de 1ª instância, atenta a sua natureza, conteúdo e âmbito, bem como o seu enquadramento processual, cai na previsão daquela alínea c) do Código de Processo Penal», [[11]] pronuncia-se pela rejeição do recurso nessa parte, por irrecorribilidade do acto impugnado, nos termos dos art.ºs 399º, 400º n.º 1 al.ª c), 414º n.ºs 2 e 3, 420º n.º 1 al.ª b) e 432º n.º 1 b) do CPP.

b. Recurso do arguido BB; medida concreta da pena.

9. Como já referido em 4. e 6. supra e melhor se vê das conclusões i. a xi. da sua peça de motivação, o arguido BB circunscreve o seu recurso à questão da medida concreta da pena de prisão que lhe foi imposta, querendo vê-la reduzida dos 8 anos e 2 meses decretados para não mais do que 6 anos e dizendo violadas as normas dos art.ºs 40º e 71º do CP.

Acontece, porém, que, na impugnação que moveu para o Tribunal da Relação de Lisboa do acórdão do Tribunal Colectivo de ..., o arguido não suscitou tal questão ou, dito, com maior rigor, pese ter-se-lhe referido no n.º VI do corpo da motivação, a título subsidiário – dizendo a pena de 8 anos e 2 meses excessiva e dever ser reduzida a não mais do que 5 anos e suspensa na sua execução –, acabou por não a levar a nenhuma das 21 conclusões com que rematou a peça, que se cingiram aos temas que se enunciaram em 2. supra, a recapitular, o da (i) (in)constitucionalidade da relevância probatória concedida aos dados de tráfego (facturação detalhada) e localizações celulares, o da (ii) invalidade de prova por reconhecimento e o da (iii) impugnação da matéria de facto.

Mais do que isso: completamente ausente a questão nas conclusões, não foi sequer aflorada no pedido, cuja fórmula – «Nestes termos e demais de direito deverá o arguido ser absolvido ou, caso assim se não entenda o acórdão anulado» – não consente, nem com a maior das benevolências, a inclusão da ideia do reexame da medida concreta da pena.

Ora, querendo tal reexame, cumpria ao arguido BB, extractar o ponto e formular a pretensão nas conclusões da motivação, isso pois que «[o] art. 412.º do CPP impõe ao recorrente o ónus de motivar o recurso, onde deve enunciar os respetivos fundamentos e terminar com a formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais resume as razões do pedido, sendo jurisprudência constante que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – deteção dos vícios decisórios ao nível da matéria de facto, previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP, e nulidades previstas no n.º 3 do mesmo preceito – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, ou dito de outro modo, as razões de discordância com o decidido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os horizontes cognitivos do tribunal superior». [[12]]

E naturalmente que, nada lhe tendo sido pedido, nada disse o douto Acórdão Recorrido acerca da medida da pena, sem que por isso possa ser acusado da comissão de nulidade – mormente, da da omissão de pronúncia prevista no art.º 379º n.º 1 al.ª c) do CPP –, como, de resto, é pacificamente aceite na jurisprudência. [[13]]

Aliás, consciente, decerto, disso mesmo, o arguido nem sequer ensaia no recurso que ora move para este Supremo Tribunal de Justiça uma qualquer arguição dessa natureza! 

10. As consequências de o Tribunal da Relação não ter sido confrontado com a reponderação da medida concreta da pena do arguido BB não se ficam pelo que se deixou dito, projectando-se, também – e é isso que aqui fundamentalmente importa –, sobre a (in)admissibilidade do seu recurso para este Supremo Tribunal, que se apresenta aquela questão como nova, por isso que subtraída ao conhecimento recursório.

É que, como remédios jurídicos que são, os recursos têm por «finalidade essencial  […] a revisão das decisões recorridas, ou seja, a reapreciação, num grau superior, de questões que foram decididas pela instância inferior». [[14]]

Motivo por que «não podem ser suscitadas em recurso questões novas que não tenham sido submetidas e constituído objecto específico da decisão do tribunal a quo, nem o tribunal ad quem pode assumir competência para se pronunciar ex novo sobre matéria que não tenha sido objecto da decisão recorrida». [[15]]

Sendo que, não tendo este arguido impugnado «a medida da pena aplicada quando interpôs o recurso para a Relação», «quando pretende agora ver reanalisada a pena aplicada não recorre da decisão proferida pelo Tribunal da Relação, mas da decisão de 1.ª instância, não sendo esta a recorrível neste momento» já que, «não sendo um caso de recurso direto, apenas cabe [a este STJ] apreciar a decisão da Relação que», porém, «não se pronunciou sobre a determinação» da pena que lhe foi aplicada em .... [[16]]

11. Razões por que, sendo o recurso do arguido BB inadmissível, é o Ministério Público pela sua rejeição nos termos dos art.ºs 399º, 414º n.ºs 2 e 3 e 420º n.º 1 al.ª b) do CPP.

B. Do mérito: recurso do arguido AA; medida concreta da pena.

12. Confinado o procedimento, como se espera, ao recurso do arguido AA e, neste, à questão da medida concreta da pena, recordar-se-á que pretende ele que este Supremo Tribunal atenue a pena de 9 anos de prisão que lhe foi aplicada, dizendo que o Acórdão Recorrido não a «justificou devidamente […] em termos de prevenção geral e especial, e ao tipo de produto estupefaciente em causa nos autos, haxixe, considerada droga leve» [[17]] e que tal sanção «não se coaduna com as exigências de prevenção especial», «[p]elo contrário, face às circunstâncias concretas, desvalor da ação e do resultado atendendo à substância estupefaciente, às condições pessoais e familiares do arguido, a pena, porque desproporcional, terá um efeito dessocializante», [[18]] e indicando violação das normas dos art.ºs 40º, 70º e 71º do CP.

Louvando-se, amiúde, no douto Acórdão Recorrido, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa respondeu à alegação contrariando proficientemente a ideia do excesso da pena, para concluir, perante a moldura abstracta de 4 a 12 de prisão cominada no art.º 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.1, o deveras elevado grau da culpa, as elevadíssimas exigência de prevenção geral, as elevadas de prevenção especial e a articulação de tudo à luz das normas dos art.ºs 40º e 71º do CP, que, sobre necessária «face às fortes exigências de protecção do bem jurídico em causa e ao grau da sua violação no caso concreto, a reclamar punição adequada a satisfazer as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico», a «pena aplicada mostra-se justa, adequada e proporcional, e não deixa ficar comprometida a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas».

13. O signatário acompanha a posição da Exma. Magistrada do Tribunal da Relação, não vendo necessidade de tecer considerações adicionais.

E com base nela pronuncia-se pela (total) improcedência do recurso nesta parte.”     

Em resposta, o arguido AA, propugna e reitera pela procedência do recurso.     

I.c). - QUESTÕES PARA SOLUÇÃO.

A sinopse das posições adiantadas pelos sujeitos processuais, convocam para conhecimento as seguintes questões:

a). – Do recurso do arguido AA:
(a).i) – Como questão prévia, esgrimida pelo Ministério Público, no parecer que emitiu, a não cognoscibilidade do recurso no segmento concernente à perda alargada;
(b) – Caso assim se não vier a entender, e de modo cogente, haverá que tomar conhecimento das sequentes questões:
(b).i) – Inexistência do incidente de liquidação, por carência de notificação do arguido – item 15 das conclusões;
(b).ii) – Inconstitucionalidade da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, por (sic), “atendendo à natureza do confisco alargado impunha-se proceder à relação entre este e os princípios da presunção da inocência, do direito ao silêncio do arguido e ao princípio da independência judicial e da separação de poderes, bem como o princípio da proporcionalidade (item 29 e 54)”, que teriam sido violados (artigos 2º, 18º, nº 2, 20º e 32º, nº 2 e 61º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa );
(b).iii). – Individualização Judicial da pena;
(c) – relativamente ao recurso impulsionado por BB:
(c).i). – Caso não se vier a atender a opinião expressa pelo Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal, de rejeição do recurso, por versar um questão nova, por não assumida no acórdão recorrido, deverá ponderar-se a individualização judicial da pena irrogada ao arguido.  
II. FUNDAMENTAÇÃO.
II.A. – DE FACTO.
Impugnada a matéria de facto e esgrimidos vícios susceptíveis de invalidar a decisão de primeira (1ª) instância – cfr. artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal –, o Tribunal da Relação de Lisboa, desestimou as objecções e impugnações opostas, tendo mantido na íntegra a decisão de facto da primeira instância que queda transcrita, tornando-se a matéria de facto em uso para a resolução do recurso em apreciação.
A. Factos provados
A) Da acusação:
1. Em data não concretamente apurada do ano de 2016 o arguido BB (doravante BB), atuando em conjunto e em comunhão de esforços com os arguidos AA, (doravante AA) e DD (doravante DD), se dedicam à aquisição e transporte para a Ilha ... de produtos estupefacientes, com vista à sua comercialização.
2. Para o efeito, foi concebido um plano, tendente a permitir introduzir na Ilha..., por via aérea, produtos estupefacientes, mormente canábis.
3. Na prossecução desta atividade, previamente delineada competia ao arguido BB proceder à contratação dos indivíduos que efetuavam por via aérea o transporte do haxixe, habitualmente designados por "correios de droga" desde Lisboa até ..., bem como dar-lhe instruções e tratar de toda a logística relacionada com essas viagens e estadia na ilha ....
4. Assim o arguido BB contratou DD a fim desde transportar canábis, por via aérea, em contrapartida DD recebeu a quantia de 2500 euros.
5. Durante as 4 vezes que o arguido DD transportou quantidades de canábis semelhantes à que ocorreu no dia 06.04.2017, (cerca de 15 Quilogramas), numa mala que lhe era entregue no transporte para o aeroporto de Lisboa.
6. Na sequência do acordo, durante o ano dc 2016 até ao dia 6 de abril de 2017 o arguido DD transportou canábis, por 4 vezes, por via aérea para Ilha .... Dessas, 3 vezes o produto estupefaciente que transportou destinou-se ao arguido AA. Por duas vezes entregou o produto estupefaciente que transportou ao arguido AA. Na terceira vez (no dia 06.04.2017) a entrega não se concretizou, porque o arguido AA se apercebeu da presença da Policia Judiciária e fugiu.
7. Após acordo com os arguidos BB e DD, no dia 06.04.2017 CC transportou o arguido DD até ao aeroporto de Lisboa e entregou-lhe uma mala tipo trólei (bagagem de porão), 30 (trinta) embalagens contendo no seu interior cinco placas cada, perfazendo o total de 150 placas de haxixe, com o peso líquido de 15272,948 gramas, suficiente para 44292 doses individuais.
8. Nesse mesmo dia o arguido o arguido DD chegou ao aeroporto de ..., no voo S4223, da companhia aérea ... Airlines, transportando consigo a referida mala tipo trólei (bagagem de porão).
9. Já em ..., na posse da referida mala com o produto estupefaciente o arguido DD seguindo as instruções do arguido BB deveria entregar ao arguido AA, em local e hora que o arguido BB lhe indicaria, por contacto telefónico que ocorreu. Nessa atividade foi o arguido AA surpreendido por inspetores da Policia Judiciária.
10. Esta atividade de transporte e venda de produto estupefaciente desenvolvida pelos arguidos BB e AA, visando o tráfico de estupefacientes na Ilha ..., permitiu aos arguidos angariar quantias monetárias; a quantidade de canábis destinada ao arguido AA e enviada pelo arguido BB no referido período (durante o ano de 2016 até ao dia 6 de abril de 2017), ascende a 132.876 doses individuais de canábis.
11. Na conta em nome da filha AA (EE) com n.º  conta ... do Banco Novo Banco ... foi depositado:
Nos dias 23.09.2016 depositou a quantia 6.500 euros;
No dia 08.03.2017 transferiu a crédito a quantia de 15.000 euros.
12. Os arguidos conheciam as características do produto estupefaciente que adquiriram, transportaram, venderam, como igualmente sabiam ser proibida a
conduta que empreende, mesmo assim quiseram realizá-la, como realizaram.
B) Do incidente de liquidação relativamente ao arguido AA
13. AA foi constituído arguido em 06.04.2017.
14. O agregado familiar do arguido AA era composto pelo próprio, por --- (cônjuge), com quem o arguido casou a .../2001 em regime de comunhão de separação de bens; o casal tem uma filha: EE, nascida a .../2004.
15. Desde 05.09.2013 o arguido encontra-se registado como prestador de serviços; declarou os seus rendimentos em conjunto com o cônjuge e de acordo com as declarações fiscais do casal, o rendimento líquido anual do agregado familiar foi o seguinte: - no ano de 2012, €7.129,50; - no ano de 2013, €2.037,00; - no ano de 2014, € 6.162,28; - no ano de 2014, € 500,00; - no ano de 2015, AA €7.423,49; - no ano de 2015, FF €29.298,89; - no ano de 2016, AA €7.791,00; - no ano de 2015, FF € 24.767,02.
16. Entre o período de 2012 e 2016 AA auferiu ainda os seguintes rendimentos pagos pelo Instituto da Segurança Social IP, a título de prestações sociais:
- no ano de 2012: € 350,28; - no ano de 2013; €457,47; - no ano de 2014: €350,28; - no ano de 2015: €457,47; - no ano de 2016: €359,66.
17. No período compreendido entre os anos de 2013 e 2015, o arguido AA adquiriu 2 viaturas, cuja propriedade transferiu em 2014 e em 2016, respetivamente, para sujeitos singulares.
18. Por sua vez, o seu cônjuge FF, é proprietária do veiculo automóvel de matrícula ...-GE-..., adquirido no estado de usado em fevereiro de 2016.
19. Foi ainda proprietária de dois veículos, registados em seu nome nos anos de 2011 e 2012, embora alienados ambos no ano de 2013, bem como de um terceiro veículo registado em 2014, cuja propriedade foi transmitida em 2015. Tais veículos foram objeto de contrato de seguro automóvel, cujo tomador se tratava do arguido AA.
20. O arguido é proprietário de um prédio urbano afeto a habitação, cujo valor patrimonial atual se cifra em 17.080,00€., adquirido com recurso a crédito bancário.
21. No ano de 2016, o arguido e cônjuge celebraram contrato promessa de compra e venda com eficácia real do prédio urbano que se localiza na morada indicada no inquérito como sendo a sua residência, tendo entregado a título de sinal pela aquisição do bem, a quantia de 31.000,00€.
22. 0 arguido é herdeiro, (com mais 6 herdeiros), do prédio urbano que faz parte da herança de AA, respetivo ascendente, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... com o n.° 93/19870115, inscrito na matriz predial urbana com o artigo 288, sito na Rua....
23. No mesmo período temporal o arguido era titular diversas contas bancárias e de outras em que apenas era titular o seu cônjuge FF ou a sua filha EE, contudo em todas o AA tinha acesso e movimentava-as designadamente, nas seguintes contas bancárias: - 23.1. De FF foi titular da conta com o IBAN ... domiciliada no Banco ... .... A conta foi aberta em 28.01.2014 e encerrada em 05.05.2015 com os seguintes montante: no ano de 2014, o valor de 4000€; no ano de 2015, o valor de 5.727,37€;
23.2. Na conta titulada pela sua filha EE com IBANPT..., domiciliada Banco ..., lendo como autorizados a movimentar FF e o arguido AA, representantes legais. A conta em causa foi aberta em 25.09.2013. Em 24.03.2017, data do último movimento registado nos extratos bancários, exibia um saldo de 0,04€, com seguintes montantes:
- no ano de 2013, o valor de 3.431,50€; no ano de 2014, o valor de 1.024,08€; no ano de 2015, o valor de 120€; no ano de 2016, o valor de 16.300,00€; no ano de 2017, o valor de 1.395,006;
23.3. Na conta titulada pelo cônjuge do arguido, FF, domiciliada no Banco ... n.° PT..., aberta a 09/03/2015 e que, a 24/03/2017 apresentava os seguintes depósitos em numerários/valores/vendas em TPA:
- no ano de 2015, o valor de 104.767,096; - no ano de 2016, o valor de 95.663,70€; - no ano de 2017. o valor de 50.946,43;
23.4. da conta titulada pelo arguido AA, domiciliada Banco ... n.° PT..., no período em causa, o arguido recebeu ativos financeiros:
- no ano de 2012, o valor de 15.810,95€; - no ano de 2013, o valor de 17246,396; - no ano de 2014, o valor de 18232,126; - no ano de 2015, o valor de 19.311,396; - no ano de 2016, o valor de 16.831,506; - no ano de 2017, o valor de 5.276,716.
24. Nas referidas contas, durante os últimos 5 anos o arguido recebeu o montante total de € 368.005,60.
25. O rendimento lícito líquido do arguido AA e seu agregado familiar foi o valor global de € 83.724,44.
26. Auferiu vantagem de atividade ilícita no valor de € 284.281,16.
C) Do incidente de liquidação relativamente ao arguido BB
27. BB foi constituído arguido em 15.05.2017.
28. O BB tem duas filhas: GG, nascida em ....2007 e HH, nascida em ....2017 ambas residentes com as suas mães.
29. O arguido encontra-se registado como prestador de serviços, encontra- se registado como prestador de serviços pessoais no âmbito das atividades económicas relativas a salões de cabeleireiro e institutos de beleza e ainda desde 28.03.2016 como prestador de serviços em outras atividades de acabamento em edifícios.
30. No período compreendido entre os 5 anos que antecederam aquela data e a presente data, o arguido não declarou os seus rendimentos referentes aos anos 2012 a 2015.
31. De acordo com a declaração fiscal referente ao ano de 2016 o arguido BB declarou ter auferido um rendimento líquido anual de 636.196,97 em rendimentos de Categoria B (atividade profissionais/empresariais/comerciais) e liquidou IVA no valor de 68.408,51 (no montante global de 6 44.605,48).
32. A data de 27.10.2017, o arguido era proprietário de 3 (três) veículos automóveis adquiridos, no estado de usados, no período de investigação, mais concretamente, nos anos de 2016 (um dos veículos) e ano de 2017 (restantes viaturas).
33. No período referido, (os últimos 5 anos), o arguido adquiriu ainda outras viaturas cuja propriedade alienou, posteriormente.
34. No mesmo período temporal o arguido é titular das seguintes contas bancárias:
34.1. Na conta com o n.° ..., domiciliada no Banco BCP, com os seguintes montantes depositados:
no ano de 2016 o valor de 14.635,55€; no ano de 2017 o valor de 8.995,00€;
34.2. Na conta nº ..., em que o arguido, na qualidade de único titular, domiciliada no Banco .... A conta em causa foi aberta em 08.11.2011. Em 08.08.2016, data do último movimento registado nos extratos bancários, exibia um saldo de 9,10€.
34.3. Nos 5 anos que antecederam a constituição do arguido, o arguido BB tinha um património global (composto pela totalidade dos ativos), no montante global de €60.146,77.
35. Auferiu vantagem de atividade ilícita no valor de €15.541,29.
D) Mais se provou relativamente ao arguido AA
36. AA nasceu em ....1978.
Iniciou o ensino básico em idade própria. Interrompeu o percurso escolar aos treze anos de idade (com o 6º  ano de escolaridade) e iniciou a atividade na área da lavoura. Aos catorze anos de idade iniciou atividade numa salsicharia na qual se manteve até aos vinte e três anos. Nessa altura, aceitou colocação na área da restauração, como empregado de mesa/bar, onde se mantém até à presente data.
Ainda aos vinte e três anos, AA casou com FF, sua atual esposa.
Em 2012, encontravam-se a residir em ..., em habitação temporariamente cedida, por uma pessoa amiga. Há cerca de dois anos residem (o arguido, a esposa e a filha de 13 anos de idade) em habitação na freguesia dos....
O arguido trabalha como porteiro, no horário das 23 horas às 5 horas da madrugada. Durante o dia apoiava a mulher na exploração do café.
A esposa, desde há cerca de três anos, que se encontra a explorar um café, na freguesia de...
O próprio refere que aufere um ordenado de 1.520 (mil quinhentos e vinte) euros mensais e a mulher retira um ordenado que não consegue precisar.
Semanalmente efetuavam depósitos entre os 1.500 (mil e quinhentos) e os 1700 (mil e setecentos) euros.
O mesmo não apresenta qualquer historial de consumo de substâncias psicoativas.
O arguido revela um modo de agir impulsivo, apresentando dificuldades ao nível da autocrítica e do auto controlo, bem como a nível da assunção de responsabilidade pessoais face à sua conduta, tendendo a recorrer a estratégias de manipulação e a apresentar um discurso de vitimização.
37. Do seu certificado de registo criminal constam as seguintes condenações:
37.1. Por decisão transitada em julgado em 04.10.2017, o arguido foi condenado pela prática, em 03.11.2003, de 3 crimes de ofensa à integridade física, na pena de 200 dias de multa à razão diária de 6€.
37.2. Por decisão transitada em julgado em 29.01.2008, o arguido foi condenado pela prática, em 11.03.2007, de um crime de ofensa à integridade física, na pena de 120 dias de multa à razão diária de 5€.
37.3. Por decisão transitada em julgado em 30.01.2012, o arguido foi condenado pela prática, em 17.01.2010, de um crime ofensa à integridade física, na pena de 2 meses de prisão suspensa por 1 ano.
37.4. Por decisão transitada em julgado em 02.04.2013, o arguido foi condenado pela prática, em 11.08.2010, de um crime detenção de arma proibida, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão suspensa por igual período com regime de prova.
37.5 Por decisão transitada em  julgado em 20.04.2012, o arguido foi condenado pela prática, em 29.03.2010, de um crime dano, na pena de 50 dias de multa à razão diária de 5,50€.
37.6 Por decisão transitada em  julgado em 09.05.2012, o arguido foi condenado pela prática, em 01.10.2009 e 18.09.2009, respetivamente de um crime detenção de arma proibida e exercício ilícito da atividade de segurança privada, na pena de 200 dias de multa à razão diária de 5€.
37.7. Por decisão transitada em julgado em 29.03.2016, o arguido foi condenado pela prática, em 13.12.2015, de um crime em condução em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa à razão diária de 10€ e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses c 15 dias.
E) Mais se provou relativamente ao arguido BB
38. BB nasceu em ....1987.
O percurso escolar de BB foi marcado por algumas dificuldades ao nível do aproveitamento, tendo concluído o 8º ano.
O seu trajeto laboral é iniciado pouco depois do abandono escolar, por volta dos 16 anos, como servente no sector da construção civil, na empresa do "padrasto" e irmão, sem vinculação contratual, onde esteve alguns anos, tendo vindo posteriormente de forma irregular a colaborar com a empresa referida. Trabalhou também no sector das energias renováveis, montando equipamentos como painéis solares, pisos radiantes, etc. Teve também uma sociedade, gerindo um restaurante na zona de ... durante alguns meses.
Tem uma filha, atualmente com 10 anos, com a qual referiu não manter contactos nem convívio.
Tem uma filha, atualmente com 1 ano de idade, que reside no ..., com a qual mantém contactos.
O relacionamento com os familiares, designadamente pais e irmãos foi descrito de forma cordial, assente em relações de apoio.
BB revela algumas dificuldades nos processos de reflexão crítica, tendo vindo a revelar fraca interiorização do sentido intimidatório e correcional inerente ao seu envolvimento com o sistema de administração da justiça.
39. Do seu certificado de registo criminal constam as seguintes condenações:
39.1. Por decisão transitada em julgado em 15.10.2008, o arguido foi condenado pela prática, em 06.04.2008, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa à razão diária de 6€ e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses.
39.2. Por decisão transitada em julgado em 27.02.2013, o arguido foi condenado pela prática, em 09.11.2009, de um crime de sequestro e ofensa à integridade física, na pena de 245 dias de multa à razão diária de 5€.
39.3. Por decisão transitada em julgado em 07.11.2012, o arguido foi condenado pela prática, em 21.09.2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 120 dias de multa à razão diária de 5€.
39. 4. Por decisão transitada em julgado em 05.05.2014, o arguido foi condenado pela prática, em 28.02.2013, de um crime de desobediência, na pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução por um ano.
39.5. Por decisão transitada em julgado em 04.02.2013, o arguido foi condenado pela prática, em 16.07.2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 110 dias de multa à razão diária de 5€ e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses.
39.6. Por decisão transitada em julgado em 06.02.2017, o arguido foi condenado pela prática, em 17.11.2016, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução por um ano e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 9 meses.
B. Factos não provados
Resultou não provado:
a) CC atuava, desde 2016, em conjunto e em comunhão de esforços com os arguidos AA, DD e o BB.
b) O arguido BB procedia à aquisição de canábis.
c) CC auxiliava na contratação dos "correios de droga".
d) CC entregou a mala ao arguido DD nos transportes que ocorreram antes de 06.04.2017.
e) No que concerne ao facto n° 7: o arguido CC tinha estabelecido prévio acordo com o arguido AA.
f) A atividade comercial de restauração do arguido AA era meramente de fachada.
g) No que concerne ao facto n° 11: no dia 27.09.2016 depositou a quantia 6500 euros.”

II.B. – DE DIREITO.
II.B.1. – Do recurso impulsado pelo arguido AA.
II.B.1.a). – Rejeição do recurso no atinente ao segmento da perda alargada dos bens.
O arguido impugna, para este Supremo Tribunal de Justiça, a condenação operada no tribunal de primeira instância e coonestada pela decisão sob sindicância na perda da quantia de € 284.281,16 (duzentos e oitenta e quatro mil duzentos e oitenta e um e dezasseis cêntimos).
O Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal, amparando-se na doutrina arrimada na jurisprudência deste Supremo Tribunal, notadamente a firmada no acórdão de 25 de Fevereiro de 2015, proferido no processo nº 1653/12.2JAPRT.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes, [[19]] e mais recentemente coonestado pelo acórdão de 14.03.2018 (proc. nº 22/08.2 JALRA.E1.S1. [[20]]  
As decisões transcritas (do concernente sumário) arrancam da premissa de não recorribilidade das decisões que condenem na perda alargada de bens (a favor do Estado) do facto de as ditas decisões constituírem decisões interlocutórias e não se incluírem no âmbito de recorribilidade contida no artigo 400º, nº 1, alínea c), com referência ao artigo 432º, nº 1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal. (O recurso, baseando-nos no relatório do acórdão de 25 de Fevereiro de 2015, foi interposto do acórdão proferido no Tribunal da Relação e cingido ao incidente de liquidação da perda alagada de bens a favor do Estado. Os recorrentes haviam-se abstido de impugnar os demais decretos do acórdão proferido pela primeira (1ª) instância.)
Se bem entendemos o iter recursivo percorrido no processo em que foi tirado o acórdão de 25 de Fevereiro de 2015, os recorrentes conformaram-se com a parte do acórdão de primeira (1ª) instância, tendo recorrido, para o Tribunal da Relação do Porto, tão só do segmento do acórdão que julgou o incidente de liquidação de perda (alargada) de bens a favor do Estado.
Com o devido respeito pela posição que formou doutrina  afigura-se-nos que não vai no sentido certo.
Genericamente, o incidente de liquidação destina-se a tornar certa e líquida uma obrigação que, na sua origem, ou razão causal, não pôde afirmar um quantitativo certo e líquido, vale dizer constante de uma universalidade ou causada por um facto ilícito. Já Alberto dos Reis, asseverava a necessidade de proceder à liquidação para evitar a formulação de um pedido genérico (“pressupõe um pedido genérico e destina-se a converter esse pedido em específico ou líquido” – Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, pág. 608).
A liquidação a que alude o artigo 8º da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro (com as alterações posteriores até à lei 30/2017, de 30 de Maio) pressupõe (i) a indiciação suficiente e bastante de um arguido pela prática de um dos crimes elencados no artigo 1º; (ii) uma manifestação, por parte do órgão titular da acção penal (Ministério Público) de, mediante um acusação formal, apresentar e sujeitar a julgamento os factos suficientemente indiciados; (iii) a justificação – existência de uma relação de causalidade – de que os factos indiciados são, ou se prefiguram, origem de um património (existente na dominialidade do arguido) que não apresenta congruência com a actividade lícita que o mesmo exibe e comprova mediante declarações formais às autoridades competentes; (iv) e que a o montante que indica no requerimento de liquidação é o resultante da diferença, durante os últimos cinco (5) anos, entre o património revelado ou apurado e aquele que resulta da  (declarada) actividade lícita.
A causa de pedir – para usar uma terminologia civilista, que outra não lhe é adequada – provém, assim, causalmente, da alegação de factos que evidenciem uma actividade ilícita, ou seja, de uma actividade que a indiciação restrita da acusação indicia e presume provir de uma actividade reiterada e prolongada durante um determinado período (os últimos cinco (5) anos). [[21]]
Alinhando com a posição de Damião Cunha que depois de referir a natureza do instituto de confisco nas ordens jurídicas estrangeiras – holandesa e italiana – afirma, peremptoriamente, que “a perda de bens e/ou confisco são actos (autoritários) de direito público e manifestações de um poder sancionador, senão mesmo punitivo, do Estado.” [[22]] (A legislação espanhola consagrou na LO 15/2003, de 25 de Novembro, um alargamento da figura de «comiso» prevista no artigo 127 do Código Penal, passando a conter a figura de «comiso substitutivo ou equivalente», que permite um confisco de bens “por um valor equivalente de outros bens que pertençam aos criminalmente responsáveis pelo facto”. Para o autor “este comiso é uma consequência lógica do delito ou falta, que entronca com a prevenção geral negativa.” Porém “não é uma pena – não se priva de direito legitimo algum -, nem uma medida de segurança – a variedade que se observa nos ganhos confiscados convida a pensar que muitas delas nada têm que ver com uma prognose criminal do condenado –, nem uma forma de responsabilidade civil, anda que em virtude do art. 127.4 do Código penal sirva para assegurar a sua satisfação”.  – Ver para uma análise mais detalhada “Valoración Crítica de la Reforma del Comiso. (LO 15/2002, de 25 de Noviembre), Emilio Cortés Bechiarelli, incluído no Universatis Vitae, Homenaje a Ruperto Núñez  Barbero, Ediciones Universidade Salamanca, 2007, págs. 109 a 125)   
Tratando-se de uma manifestação sancionatória (sanção) que tem a sua origem, ou nasce, da presunção de uma actividade ilícita [[23]] – extraída e estendida da acusação por um concreto e especifico tipo de ilícito, qualificado, ou tipificado, na lei (penal) como crime – haverá de concluir-se que, como se disse, a justificação (legal) do pedido de liquidação da quantia adveniente dessa actividade – que, naturalmente, não é por si mesma líquida – tem de radicar, ou basear-se, na indicação de uma factualidade – bens móveis e  imóveis existentes na titularidade/património do arguido e familiares directos, dinheiro existente em contas bancárias, aplicações financeiras e outros valores que se presuma não poder ter sido adquiridos a não por meio de proventos advenientes de uma actividade ilícita (artigo 7º, nº 1 e respectivas alíneas da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro) – que para além do facto ilícito imputado no processo, demonstre que o arguido obteve um património que não é condizente, paragonado, ou isonómico com a actividade (lícita) que lhe é conhecida e/ou com as declarações obrigatórias que tem de apresentar perante as autoridades competentes.  
Incidente que assume, na sua especifica tramitação, uma feição ou contornos jurídico-processuais de índole administrativa – o que vale dizer civilista, já que o direito processual administrativo remete para o direito processual civil – incoa com o requerimento do Ministério Público – que deve ser notificado ao arguido – para ser julgado, a final, em audiência de discussão e julgamento com a causa principal, ou seja com o(s) crime(s) que hajam sido imputados ao arguido e pelos quais foi recebida a acusação. [[24]]
Esta conclusão confirma a especifica tramitação do incidente de liquidação previsto nos artigos 358º a 361º do Código de Processo Civil.  Reza o artigo 360º, nº 2 do Código de Processo Civil que sendo o incidente deduzido antes de começa a discussão da causa “a matéria da liquidação é considerada  nos temas de prova enunciados ou a enunciar nos termos do nº 1 do artigo 359º, as provas são oferecidas e produzidas, sendo possível, com as da restante matéria da acção e da defesa e a liquidação é discutida e julgada com a causa principal.” Ressalvando as especificidades próprias e concernentes a uma liquidação como a que é prevista e com o objectivo teleológico apontado pelo legislador para o caso da “perda de bens a favor do Estado”, haverá que convir que numa coisa a doutrina e a legislação parecem confluir, é a de que a matéria do confisco e da causa penal são apresentados a tribunal para que este, na audiência de discussão e julgamento, leve a cabo a respectiva produção de prova, a aprecie e sobre ela emita um juízo/pronúncia, que no caso penal será de culpabilidade e de aplicação/ou não de uma sanção penal e para o pedido de perda de vantagens um decreto de perda de bens no valor que vier a apurar.               
Questão que é debatida na doutrina prende-se com a apodada “repartição do ónus da prova”, ou seja para o caso que nos ocupa, sobre quem impende a obrigação de provar a imputação que é formulada. Se para o caso da acção penal, as dúvidas parecem não se suscitarem, por num adversary system , “na questão de culpabilidade (ou seja, no âmbito da prova do ilícito típico e culposo), o dever de trazer ao processo os elementos que demonstrem a prova do crime cabe à acusação” e nas “questões que sejam “favoráveis à defesa” (em particular, aquelas referentes à exclusão da ilicitude ou da culpa, naturalmente que segundo a lógica de “distribuição antagónica de papéis” é à defesa que cabe suscitar a discussão sobre a sua existência e fornecer os elementos de prova que sirvam de base à convicção do tribunal”, já para a perda de bens a questão não se prefigura tão linear, sendo que na doutrina de Damião e Cunha “fazer recair sobre o condenado o dever de apresentar uma explicação razoável para determinados bens ou activos que, prima facie, se demonstrem injustificados e “atingidos” pela grave suspeita de ilicitude, não se pode dizer que seja um encargo irrazoável (pelo contrário); questão subsequente, mas que não é consequência necessária, é a de saber se a explicação tem de ser razoável/provável ou, mais do que isso, tem mesmo de ser convincente:” “Assim, o “alargamento da perda” pressupõe, em termos de lógica probatória mas, do mesmo modo, de ordem “epistemológica”, o percorrer dos mesmos passos argumentativos (ao menos de um ponto de vista “mental”) que estão subjacentes à declaração de perda clássica: a demonstração da existência de vantagens patrimoniais e a demonstração de actividade criminosa. O que não se exige é o mesmo grau de certeza probatória na afirmação dos pressupostos dessa ligação. Verificada esta certeza “probabilística”, caberá ao arguido “demonstrar” porque, apesar da “inferência” demonstrada por elementos de argumentação e baseada em regras de experiência, não há nexo (ou este é só aparente) entre o acréscimo patrimonial e o crime/actividade criminosa.” [[25]]                   
O iter argumentativo que vimos explanando tem, embora em termos abreviados, como objectivo demonstrar que (i) o incidente de liquidação iniciado num processo penal colhe decisão final na audiência de discussão e julgamento, e mais concretamente na decisão que o tribunal vier a proferir, depois de produzidas as provas pertinentes ao caso; (ii) que a sentença que define o montante/quantitativo da liquidação apurada constitui a “ordem de pagamento” conferida ao Estado para o confisco dos bens e activos indicados na sentença que procedeu á liquidação.
Sendo o incidente julgado juntamente com a acção penal, o que equivale a dizer que foi objecto de uma actividade probatória tendente a demonstrar a sua materialidade e à formação/criação de uma convicção que conduzirá a um sentencing a questão cogente que se coloca é a de saber que a decisão o incidente não faz parte do objecto da acção penal, tal como a lei a projecta para efeitos de possibilidade de recurso, por parte do prejudicado com a decisão.
Em nosso juízo, e com o muito respeito que nos merece a posição assumida pelo Ilustre Conselheiro Oliveira Mendes, a decisão do incidente de liquidação não é uma decisão interlocutória, antes se constitui como parte integrante da decisão (sentença) que decide a final uma questão incidental conexa com a questão penal (causa principal) similar a uma decisão sobre a parte cível enxertada em acção penal, devendo poder ser recorrível nos mesmos termos que uma decisão cível proferida em processo penal, verificados que estejam os pressupostos que o permitam/admitam – cfr. nº 3 do artigo 400º do Código de Processo Penal.
Assim, na nossa perspectiva, e na base jurídico-processual que perfilhamos, seria admissível recurso per saltum para o Supremo de uma decisão de primeira (1ª) instancia que tivesse condenado o arguido em montante superior à alçada do tribunal da Relação e se verificassem os demais pressupostos insertos no artigo 629º, nº 1 do Código de Processo Civil, aplicável ao recurso da matéria cível, por força do artigo 4º do Código de Processo Penal.
Postulada a posição de princípio quanto à (i) inerência/inclusão/integração da decisão do incidente de liquidação na decisão penal, enquanto parte do sentencing desta decisão; (iii) e, correlatamente, da possibilidade de recorribilidade, nos mesmos termos da pate cível apreciada e pronunciada em processo penal, temos que a recorribilidade, no caso em apreço, não é admissível, não pelas razões implementadas e aduzidas pelo Ministério Público, mas porque sobre a questão se formou uma dupla conforme.
Na verdade, sobre a questão discutida e decidida na decisão de primeira (1ª) instância recaiu uma decisão de um tribunal de recurso, tendo confirmado a decisão impugnada sem desvio de fundamentação e sem discrepância de votos do colégio deliberativo (colectivo formado para decidir o recurso) – cfr. nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4º do Código de Processo Penal. 
A assumpção decisória asserida, de não conhecer deste segmento da impulsionada pretensão recursiva, ilaqueia, pensamos, por inauferível decorrência, a cognoscibilidade dos temas frequentados nas conclusões insertas sob os números 29 a 54, notadamente a violação dos princípios constitucionalmente consagrados da presunção de inocência, de  direito ao silêncio – quiçá melhor da auto-inculpação ou do nemo tenetur se ipsum accussare – da independência do poder judicial e da separação de poderes (item 54) e da proporcionalidade (item 29).
Só a cognoscibilidade deste segmento do recurso forneceria o lastro de tensão cognoscente que permitiria ao tribunal de recurso apreciar a violação da Constituição, nas abordagens princípiológicas, indicadas pelo recorrente. 
O não conhecimento do mencionado segmento de recurso, descarta a indicada possibilidade.  
II.B.2. – Do recurso impulsionado por BB.
II.B.2.a) – Rejeição do recurso, por se tratar de questão nova, não assumida no acórdão recorrido.  
Por uma questão de sistematização da decisão, apreciar-se-á a questão prévia suscitada pelo Ministério Público no seu parecer de inadmissibilidade do recurso do arguido, BB.
Para o opinante da rejeição do recurso, a decisão recorrida não apreciou/emitiu pronúncia sobre a determinação da pena do arguido BB, o que emergiria, no recurso interposto para este Supremo Tribunal de Justiça, como uma questão nova (relativamente á decisão recorrida).
Na recensão a que se procedeu impõe-se atestar que (i) o recorrente na fundamentação do recurso incluiu um item – numerado sob grafa romano com os caracteres “VI.” – em que subordinava a sequente argumentação à epigrafe “DA MEDIDA DA PENA”; (ii) que a página 43 vº vem inserta com adução de argumentos que inculcam um pedido de alteração da medida da pena (embora, diga-se em abono da verdade, de forma pouco ortodoxa e coerente, pois aí se diz que o tribunal “entende que a pena de 7 anos é justa por vendas não concretizadas”; (iii) que o epítome conclusivo – cfr. fls. 45º a 50 – não refere qualquer indicação quanto à alteração da medida da pena (insurge-se contra a localização/facturação detalhada, pugna pela inconstitucionalidade das normas 187º a 189º e 269, nº 1, al. e) do Código de Processo Penal; inconstitucionalidade das normas constantes nos artigos 127º e 147º do Código de Processo Penal (livre apreciação da prova e reconhecimento de pessoas); (iv) o “pedido” formulado a final é postulado da forma seguinte “nestes termos e demais de direito deverá o arguido ser absolvido ou, caso assim se não entenda, o acórdão anulado”(sic)– fls.50; (v)o acórdão elegeu para conhecimento as seguintes questões –fls. 1565 vº: (a) “a constitucionalidade da relevância probatória concedida aos dados de tráfego (facturação detalhada) e localizações celulares; b) a pretensa invalidade de prova por reconhecimento; c) a impugnação da matéria de facto.”
Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série – A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, bem como o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, Diário da República, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.
Como assinalava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1996, proferido no processo n.º 118/96, in BMJ n.º 458, pág. 98, as conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso.
As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502).
E como referia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1998, processo n.º 1444/97, da 3.ª Secção, in BMJ n.º 475, págs. 480/8, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo de se pronunciar sobre questões de conhecimento oficioso; as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação.” [[26]]
Os recursos não se destinam a criar decisões novas, antes, e  de forma axiomática, a reparar, alterar, modificar ou revogar as decisões proferidas naquele concreto processo e tendo como objecto/âmbito as questões delimitadas que hajam sido objecto de apreciação e pronúncia na decisão que se pretende ver sindicada e reparada/alterada. O tribunal para que se recorre não pode tomar conhecimento, a não ser que o deva fazer por dever de oficio, isto é, quando a lei comine a necessidade de reparação/sanação oficiosa de um erro ou nulidade que inquine de forma irremediável a solução do caso, de questões que não hajam obtido apreciação/pronúncia na decisão cuja sindicância é impetrada.
O asserido parece não suscitar dúvidas, no plano teórico-formal. Já, porém, no plano jurídico-processual se podem suscitar aporias (fundadas) se se questionar por que razão o relator não mandou aperfeiçoar/corrigir as conclusões de modo a que passassem a integrar todos os pontos de impugnação que constavam da fundamentação. Como supra se deixou asseverado, o recorrente incluiu na motivação a impugnação da medida da pena, pelo que – presumindo-se que o relator haja tomado conhecimento de toda  extensão da motivação, o que se acredita – deveria ter mandado, em obediência ao disposto no nº 3 do artigo 417º do Código de Processo Penal, completar as conclusões de modo a completá-las com o referido ponto da motivação. Com este acto não teria excedido o âmbito do poder/dever que lhe está cometido por lei, dado que o suprimento/sanação da falta verificada não excedia o comando normativizado no nº 4 do artigo 417º do mesmo livro de lei (“O aperfeiçoamento previsto no número anterior não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação”). Encontrando-se a impugnação da medida da pena incluída na motivação a sua inclusão na síntese conclusiva prefigurava-se como um factor de adequação e isonomia processual, para além de, tratando-se de um factor cognoscente concernente com a liberdade de uma pessoa, ou pelo menos, do período em que terá de ficar privado de liberdade, se figurasse do mais elementar sentido de justiça e de respeito pelo direito à liberdade do arguido. (“Uma limitação importante à faculdade de correcção das conclusões resulta do disposto no nº 4: não é possível modificar o âmbito ou objecto do recurso que tiver sido na motivação, a qual, por isso, é, nesses termos, imodificável. Apenas e só a súmula dessa fundamentação em que desejavelmente se devem converter as conclusões pode ser aditada ou corrigida. Por isso, as conclusões em falta, deverão conter-se no âmbito da motivação que as antecede, sob pena de rejeição, total ou parcial.”) [[27]]      
O nº 3 do artigo 417º do Código de Processo Penal comina ao relator – “o relator convida” – a observância do comando contido no preceito, pensamos que numa perspectiva de que a apreciação do recurso – que deve ser balizado pelas conclusões – esteja conforme, ou seja adequada aos respectivos fundamentos alinhados na motivação. Com a expressa injunção de exame cuidado, atento e minucioso da pretensão recursiva, por parte de relator, a norma contém um sentido injuntivo quando emprega um tempo verbal cominativo e preceptivo, “o relator convida o recorrente”. [[28]]
Tratando-se de um desvio a um comando/observância que a lei comina – no sentido que lhe conferimos – o acto omitido, escapando às nulidades taxativamente enumeradas nos artigos 119º e 120º do Código de Processo Penal, traduzir-se-ia numa mera irregularidade, e como tal sujeita a arguição, com a consequente sanação esta não for impulsionada. [[29]]
Questão axial e cogente com que haveremos de nos defrontar prende-se com o facto de que a omissão accionada influiu no direito do arguido/recorrente de ver apreciada pelo tribunal superior a medida da pena que lhe havia sido imposta e de que dissentia. (Anota-se a forma atabalhoada, “destartalada” e “desmadejada” como o arguido remata o item (da motivação) em que pugna pela alteração da medida da pena, referindo que o tribunal recorrido tinha entendido que a pena de 7 anos era justa “por vendas não concretizadas “, quando é certo que a pena imposta ao arguido foi de 8 anos e 2 meses de prisão.)
Seja, porém, como for se é certo que se deve exigir um sentido de responsabilidade pela produção das peças processuais, não deixa de ser menos justo que os tribunais devam ser criteriosos, minudentes e atentos quando examinam e exprimem a sua vontade (jurisdicional) no processo, de modo a torná-lo justo e completo. 
Para solução do dilema esgrimido na parágrafo antecedente haverá que ponderar qual o valor que mais deve pesar no prato da balança em que se equilibrem os dois braços da equação. Respeitar a justiça formal contida na opinião do parecer do Ministério Público, que é irrefragável e no rigor deveria ser observada, até porque sancionaria a falta de atenção e cuidado posto na elaboração e remate da peça processual em que deixou de incluir o segmento refente à impugnação da medida da pena, ou fazer prevalecer a justiça material e tomar conhecimento do recurso, sanando a omissão praticada, ainda que essa omissão tenha sido praticada em momento processual anterior à prolação da decisão e porque não arguida ou suscitada não transitou para a decisão que terá que se ter, num rigor formal, isenta e despejada de qualquer vicio?
Numa perspectiva totalitária, diríamos, a opção dilemática apresentada só teria uma solução. Suprir a nulidade e realizar o ideal, prático e material, de uma ideia de justiça.
Porém, poderão pesar numa opção adversa (i) o facto de o recorrente ter apresentado a impugnação com indicadores factuais e processuais inexactas, deslocadas e descuidadas, o que inculca uma desresponsabilização e desprendimento do esforço de defesa assinável; (ii) e, numa fase posterior, já depois de ter tomado conhecimento do acórdão, não ter reagido, numa primeira linha assinalando a omissão cometida, junto do próprio tribunal preponente, e depois, já em sede de recurso para este Supremo, não ter suscitado a nulidade do acórdão.
Com esta opção, para além do arrimo (rigoroso) à lei (positivada), salvaguardaríamos o esmeril da vocação pedagógica que a prática do direito em acção deve conter, rigor e auto-responsabili-zação dos agentes que operam na planura judicial.
Prenunciando-se a opção, sempre se dirá, e com enfâse lineal, que a opção pelo não conhecimento do recurso se fica a dever, para além das razões indicadas nos parágrafos antecedentes, ao facto de, na análise jurídico-material a que se procedeu da motivação do recuso, este não merecer, definitivamente, provimento. Esta, de motivação substantiva, suporta o não conhecimento do recurso, por se tratar de questão que o acórdão recorrido não conheceu. A razão de economia processual acrescenta-se, de forma assoberbante, às razões supra indicadas, na medida em que o conhecimento do recurso interposto pelo arguido BB não iria alterar a medida da pena imposta. Tornaria  actividade deste Tribunal espúria e sobressaliente, pela inanidade resolutiva que aportaria ao decidido.    
Em desinência do argumentado ir-se-á rejeitar o recurso interposto pelo arguido/recorrente BB.
II.B.1.B) – Medida concreta da pena. (Do arguido AAs).
Sobra para conhecer, o segmento da pretensão recursiva concernente com a individualização judicial da pena – cfr. conclusões 55 a 79.
O tribunal recorrido justificou a manutenção a pena imposta pelo tribunal de primeira (1ª) instância, com a argumentação que a seguir queda transcrita (sic): “As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitária mente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção actuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Parte Geral, II, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pp. 227 e segs.). Destarte, a medida da pena há-de ser dada primordialmente pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto. É, assim, a prevenção geral positiva e não a culpa que fornece um «espaço de liberdade ou de indeterminação», uma «moldura de prevenção» (ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida de tutela dos bens jurídicos). A culpa, além de constituir o referido limite máximo de medida da pena, teria como função a proibição de excesso: constituiria um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas. Dentro dos limites referidos e permitidos pela prevenção geral positiva, actuam os pontos de vista de prevenção especial de socialização que vão determinar, em último termo, a medida da pena, devendo esta, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração (Figueiredo Dias, ob. e loc. cit., pgs. 221-225).

A medida da pena a determinar no âmbito da moldura de prevenção - onde actuam as mencionadas considerações de socialização -, tem, assim, como limite máximo a culpa do agente e, como limite mínimo, a pena que, perante as circunstâncias concretas do caso relevantes, se mostra ainda comunitariamente suportável à luz da necessidade de tutela dos bens jurídicos e da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada ou reafirmação contra-fáctica da norma (prevenção geral de integração).

Temos, assim, que a medida da pena se determina em função da necessidade de protecção dos bens jurídicos (prevenção geral) e de reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), tendo por limite a medida da culpa expressa - arts. 40°, 1 e 2 e 71°, C. Pen..

Efectivamente, dispõe expressamente aquele art. 71.°, n.° 1, que a determinação da medida da pena é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção», devendo-se atender, nos termos do n.° 2 do cit. art. a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, as elencadas nas suas diversas alíneas.

Nos termos do art.° 40.° do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo em caso algum ultrapassar a medida da culpa.

A determinação da sua medida faz-se, nos termos do art.° 71.° do Código Penal, em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.

Adentro dos preditos pressupostos, a pena aplicada ao arguido encontra-se correctamente determinada, atentos os factos e fundamentos constantes do acórdão recorrido, para os quais se remete, como se passará a demonstrar.

Senão, vejamos: o desvalor objectivo e ético-subjectivo dos factos afigura-se deveras elevado, sendo o dolo directo, havendo que considerar a natureza e quantidade do estupefaciente transportado (quatro transportes de elevadas quantidades de haxixe, sendo três delas indubitavelmente destinadas ao arguido Silvino), o modo de actuação (revelador de um elaborado plano de dissimulação e um considerável nível organizativo e logístico), os elevados ganhos obtidos com as transacções do estupefacientes em causa e o ganho do recorrente com o mencionado transporte (aqui se remetendo para o que se deu como provado com relevância para o incidente da liquidação do património) sendo a efectiva motivação da conduta do agente, o mero lucro obtido de modo relativa mente fácil. A favor do arguido milita a sua inserção profissional e familiar e modesta condição cultural. Por outro lado, os antecedentes criminais por diversos crimes, embora de natureza diversa dos presentes, revelam uma propensão do arguido para não acatar a normatividade jurídica vigente e uma ausência de sentido crítico e de arrepio ético ante as penas sofridas. Acresce que o recorrente não era um mero transportador da droga, mas antes o seu destinatário final, que a posteriori iria transaccionar a droga com terceiros e assim obter consideráveis lucros, como se veio a apurar. Relevam também a sua não colaboração com a justiça relativa mente aos factos praticados e a ausência de arrependimento.

Para além disso, há que sopesar a repetição da conduta criminosa por um lapso de tempo considerável.

Relativamente às necessidades de prevenção especial, pode afirmar-se que, relativamente ao que se apurou, que o recorrente tem passado criminal e que para além da descrita situação social, económica e familiar não demonstrou que as penas aplicadas o tenham sensibilizado no sentido do afastamento da prática de novos crimes, o que inculca que aquelas necessidades sejam deveras elevadas.

Porém, como salienta Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª ed., pgs. 501 e 516 a 520, as considerações de prevenção especial de socialização têm sempre por limite considerações de prevenção geral positiva impostas pela defesa do ordenamento jurídico. Assim, desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
Assim, em sede de prevenção geral, relevam particulares preocupações com a inusitada frequência deste tipo de crime com consequências deveras perniciosas para a saúde pública e a paz social, encontrando-se a sociedade particularmente atenta às decisões judiciais no que toca ao tipo de crime em causa, com reflexos directos no prestigio das instituições e na confiança dos cidadãos nas mesmas.

É, assim, de manter, neste particular, o acórdão recorrido, não se mostrando violada qualquer das disposições legais invocadas.”

A pena, na asserção de Claus Roxin, “só resulta legítima quando é preventivamente necessária e, ao mesmo tempo, é justa no sentido de que evita ao autor qualquer carga que vá além da culpabilidade do facto”. [[30]] (“As cominações penais só estão justificadas se têm em conta a dupla restrição que encerra o princípio de protecção subsidiária de prestações [públicas necessárias para a existência que permitem ao cidadão o livre desenvolvimento da sua personalidade, que a Constituição considera como pressuposto de uma existência humana digna] e bens jurídicos. Neste âmbito o fim das disposições penais é de prevenção geral”, [[31]] sendo que “o Direito penal enfrenta-se ao individuo de três maneiras: ameaçando com, impondo e executando penas (…)”) [[32]]

Para este Professor, a culpabilidade actua simultaneamente como pressuposto fundamentador da pena “posto que nunca pode impor-se uma pena se ela não estiver presente, assim como tão pouco a pena pode ir além da sua medida. No entanto a tarefa da pena é igualmente preventiva, pois ela não deve retribuir mas sim impedir a comissão de delitos (crimes). Em câmbio, a culpabilidade só tem a função de limitar, ema aras da liberdade dos indivíduos, magnitude dentro da qual devem perseguir-se objectivos preventivos. Disto resulta, por politica criminal, aquele princípio da dupla limitação que caracteriza a minha sistematização da categoria da responsabilidade: a pena não deve ser imposta nunca sem uma legitimação preventiva, mas tão pouco pode haver pena sem culpabilidade ou mais além da medida desta. A pena de culpabilidade é limitada através do preventivamente indispensável; a prevenção é limitada através do princípio da culpabilidade.” [[33]]     

Para Günther Jakobs, “A pena há-de entender-se sobretudomás bien») como marginalização do facto no seu significado lesivo para a norma e, com issocom ello»), como constatação de que a estabilidade normativa da sociedade permanece inalterada: a pena é a confirmação da identidade da sociedade, isto é, da estabilidade normativa, e com a pena se alcança sempre este – se se quiser – fim da pena.” [[34]]  

Para este Autor, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. [[35]] “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” [[36]/[37]]

Para Bacigalupo a culpabilidade só logra a sua função de parâmetro delimitador da pena, se for referido à «culpabilidade do facto».  “Isto requer excluir das considerações referentes à culpabilidade as que se referem a uma ponderação geral de personalidade como objecto do juízo de reprovação (“juicio de reproche”). Concretamente o juízo de culpabilidade relevante para a individualização da pena, deve excluir como objecto do mesmo referências à conduta anterior ao facto (sobretudo a penas sofridas), a perigosidade, ao carácter do autor, assim como á conduta posterior ao facto (que só pode compensar a culpabilidade do momento da execução do delito.”    

A ordem jurídico-penal viger, estabelece no artigo 40º do Código Penal que as penas visam a protecção dos bens jurídicos e almejam ou prospectivam a reintegração do agente na sociedade.   

A determinação da medida da pena epigrafada no artigo 71 nº 1 do Código Penal estabelece-se “dentro dos limites definidos na lei” e “é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção".

Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente societária e comunitária para a reprovação do comportamento do agente e a correlata necessidade no asseguramento da confiança (da sociedade) na norma, traduzido na punibilidade de condutas contrárias ao sentido conformador-normativo) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Mediante o estabelecimento e indicação de critérios, o legislador fornece ao juiz orientações para a formação cognitiva de juízos avaliativos e condensadores dos pressupostos e da fixação de premissas que possibilitam a conformação e determinação das escolhas a realizar perante um concreto responsável em face da realidade factual ressumada pela facticidade adquirida pelo julgamento. Assim na individualização da pena o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha uma insubstituível tarefa mediadora, construtiva e constitutiva da reacções penais ajustadas ao caso e convincentes da sua justeza perante a sociedade que se destinam a influenciar.
Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
– O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente;
– A intensidade do dolo ou negligência;
– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
– As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
– A conduta anterior ao facto e posterior a este;
– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. [[38]]

Ponderando nos critérios a observar na individualização judicial da pena – que o legislador português crismou de determinação da medida da pena – refere Winfried Hassemer [[39]] que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o seu comportamento posterior ao delito”. Num seminário sobre os fins das penas, [[40]] Claus Roxin advoga, acompanhando Hans Scultz, que na determinação da pena se trata de retribuir a culpabilidade [[41]], devendo na operação de determinação aplicar a «teoria da margem de liberdade», que a jurisprudência alemã formulou da forma seguinte: “Não se pode determinar com precisão que pena corresponde à culpabilidade. Existe aqui uma margem de liberdade (Spielraum) limitada no seu grau máximo pela pena adequada (à culpabilidade). O juiz não pode ultrapassar o limite máximo. Não pode, portanto, impor uma pena que na sua magnitude ou natureza seja tão grave que já não se sinta por ela como adequada à culpabilidade, No entanto, o juiz … poderá decidir até donde pode chegar dentro dessa margem de liberdade.” [[42]

Outros anteriores, mais arreigados a um concreto e porfiado agir da realidade com as regras legalmente estabelecidas, como é o caso do penalista espanhol Jesús-Maria Silva Sánchez, adverte, na esteira de Hörnle [[43]] (Determinación de la Pena y Culpabilidad, Buenos Aires, 2003) que a individualização da pena pressupõe as seguintes premissas. “Em primeiro lugar, que o marco penal abstractamente previsto se configura como resposta preconstituida para um conjunto de factos que coincidem em constituir um determinado tipo de injusto penal, culpável e punível, no qual se contêm os elementos que fundamentam o merecimento e a necessidade de aquela pena-marco. Em segundo lugar, que injusto e culpabilidade (assim como punibilidade) constituem magnitudes graduáveis. Por isso, o marco penal abstracto pode ver-se como a união de um conjunto de cominações penais mais detalhadas (submarcos) que assinalariam medidas diversas de pena às distintas subclasses de realizações (subtipos), mais ou menos graves, do injusto culpável e punível expressado no tipo. E, em terceiro lugar, que, desde esta perspectiva, o acto de determinação judicial da pena se configura essencialmente como aquele em virtude do qual se constata o concreto conteúdo de injusto, culpabilidade e punibilidade de um determinado facto, traduzindo-o numa determinada medida da pena. O que reitera o já expresso de forma concisa: a única política criminal que deve realizar o juiz é a que discorre por um curso das categorias dogmáticas. (…) No entanto, o facto de que a única politica criminal que o juiz deva realizar seja a que decorre pelo curso das categorias dogmáticas não implica deixar de atender aos critérios preventivos. Isso porque precisamente as ditas categorias dogmáticas podem e devem ser reconstruídas no conchavo (“en clave”) politico-criminal considerando as finalidades preventivas e de garantia que legitimam o recurso ao direito penal. A teoria do delito configurar-se-á assim como um sistema de regras que permitem estabelecer com a maior segurança possível o sim e o não dos tais merecimento e necessidade de pena. E a teoria da determinação da pena como teoria da concreção do conteúdo delitivo do facto implicará, por sua vez, o estabelecimento do quantum do seu merecimento e necessidade politico-criminal de pena.” (a tradução nossa) [[44]]       

Não sendo este o lugar para uma crítica do sistema penal português, nomeadamente na parte relativa à individualização judicial da pena, sempre se poderá questionar a exigência de conciliação de uma determinação judicial da pena adequado ao facto perpetrado, ou melhor, ou melhor dito “individualização judicial da pena”, numa terminologia mais arreigada e afeiçoada com a realidade do proceder judicial – é desse procedimento que se trata quando a norma epigrafa “determinação da medida de pena” - aferida pela culpabilidade do agente, ou seja com a intencionalidade colocada no concreto proceder em que a materialidade ilícita se verteu na tipicidade recortada na norma, fazendo intervir na formação e aferição da dosimetria da pena vectores de referência como «a conduta anterior ao facto», «a falta de preparação para manter uma conduta licita» (mesmo que manifestada no facto e quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena). A norma carrega um conjunto de factores que são exteriores à culpabilidade concreta e pontual precipitada na realização/execução do concreto facto ilícito. Fazer intervir e dotar a individualização judicial de juízos e ponderações que não formaram e determinaram uma concreta e especifica acção, constitui fazer inflectir na censura daquele concreto agir típico e ilícito factores que são externos a uma conduta que se formou e deve ser apreciada a ajuizada de forma confinada. Ao fazer intervir os preditos factores julga-se o homem, na sua vertente pessoal-psicológica e social-institucional, com a subjectividade e evanescência que estes juízos comportam, não histórico-socialmente, mas também de discricionariedade pessoal do julgador.

Para a individualização judicial da pena proporcional ao facto objecto de julgamento – aquisição e transporte para venda de produtos estupefacientes decorrida durante o período de um (1) ano  – haverá que ponderar-se a perdurabilidade da actividade do agente; o tipo de estupefaciente objecto dos actos de venda e o volume de venda - de que é sinal a quantia de numerário apreendido e terá sido arrecado durante o ficto período de cinco anos referente à perda alargada de bens – que a actividade delitiva envolvia, a supor um pecúlio arrecadado, certamente, campanudo.

Na concreção do comando ínsito na norma regente – artigo 40º do Código Penal – e concretamente no segmento pertinente com a protecção dos bens jurídicos, dir-se-á que bem jurídico ofendido ou lesado pela acção ilícita e típica do arguido – a saúde e a sanidade da física e intelectual dos indivíduos que compõem uma determinada comunidade – se situa entre aqueles que a sociedade preleva pela danosidade e disseminação capciosa e suspicaz que conleva na sua estruturação e devir societário. [[45]] Os efeitos deletérios e socialmente impressivos derivados e dimanados pelo uso deste tipo de produtos – especialmente aquele que foi apreendido ao arguido e parece ser o que seria o mais vultuoso, a heroína – tornou-se, em determinados estratos sociais, um factor de preocupação, não só pela deterioração da saúde psíquica, no plano pessoal, que desencadeia, como pelos efeitos desviantes, pessoal e socialmente, que precipita, potencia e desenvolve. Esta vertente, da danosidade social, que uma determinada conduta co-envolve e desfila no elenco de factores ponderativos da individualização judicial da pena, não pode deixar de ser valorizada no momento em que se aquilate a medida concreta do quantitativo da pena pela vulneração da ordem jurídica, na sua integralidade, como igualmente pela necessidade de produzir um sinal de atenção e resposta do sistema perante violações reiteradas e incisivas das proibições legais.

A acusação refere um período temporal – cerca de um ano (durante o ano de 2016 e até 6 de Abril de 2017) – que o arguido se terá dedicado a introduzir produtos estupefacientes na ilha ..., apontando, pelo menos, quatro (4) ocasiões em que as entregas/recepções terão sido concretizadas, esmando em 15 Kilos de cannabis transportados e introduzidos na ilha, em cada operação de transporte levada a cabo pelo arguido DD. [[46]]
A imprecisão que o esmo propicia – previsivelmente cerca de 15 Kilos de cannabis, por cada mala que era transportada de Lisboa para ... – não pode emascular, ou menoscabar, a gravidade da conduta do arguido. (Só a última entrega se encontra quantitativamente apurada: “30 (trinta) embalagens contendo no seu interior cinco placas cada, perfazendo o total de 150 placas de haxixe, com o peso líquido de 15272,948 gramas, suficiente para 44292 doses individuais.)

A acusação crisma a actuação criminosa do arguido como tratando de uma «actividade» que o próprio planeava, sustentava, mediante o agenciamento de transportadores e financiamento da compra e transporte de produto estupefaciente do continente para a região insular (Ilha ...). [[47]]

O arguido assumia-se, pela forma como a sua «actividade» é descrita no libelo acusatório, como um verdadeiro «empresário» e geria a «empresa» como se de um entreposto de distribuição e venda se tratasse. O modo estruturado e organizado como a «actividade» estava gizada evidencia uma base sólida de financiamento e certamente uma operativa rede de distribuição e venda interna, que permitia um «escoamento» regular e seguro dos produtos objecto da mencionada «actividade».       

A quantidade de cannabis introduzida na ilha – previsivelmente e durante o período de tempo computado de uma ano – terá propinado ao arguido pingues réditos, se esmarmos pelo número de doses (44.292) que seriam extraídas de cada uma das «encomendas» transportadas (pelo menos 4, durante o arco de 1 ano) e o quantitativo auferido por cada grama (cerca de 4 a 6 euros, de acordo com informação recolhida junto de entidade policial).

A consolidada reiteração da actuação delitiva do agente – que a acusação qualifica e crisma de «actividade» - impele uma qualificação culposa intensa, gravosa e densa, porquanto o arguido não podia deixar de saber da danosidade que induzia no tecido social, mediante a disseminação de um produto que produz e provoca efeitos nocivos e desestabilizadores na personalidade individual e concomitantemente no comportamento societário dos indivíduos induzidos.

A gravidade do agir culposo e a nímia de réditos arrecadados são de molde a considerar a pena imposta ao arguido como sendo a ajustada ao crime que lhe foi assacado. Na verdade, a pena de nove (9) anos situa-se num patamar um pouco acima da média da pena abstracta limites estabelecidos para o crime porque veio a ser condenado. (Mínimo (4 anos) e máximo (12) anos. O meio da pena legal determinada para o ilícito será assim de 8 (oito) anos: 12-4= 8:2=4+4=8). O quantum encontrada não se nos afigura excessivo, ao invés, prefigura-se como um pouco abaixo do que seria de considerar ajustado para uma censura aferida pela culpabilidade do agente e estimando os factores supra expostos.

Do que se afiança e coonesta a decisão de imposição da pena de 9 (nove) anos de prisão.                

III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, acordam os juízes que compõem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

A) – Rejeitar o segmento de recurso interposto pelo arguido AA, relativo à condenação pela perda alargada de bens, por se ter formado quanto à ela uma dupla conformidade;

B) – Rejeitar o recurso interposto pelo arguido BB, por se tratar de questão nova que não foi objecto de cognoscibilidade no acórdão recorrido;

C) – Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, na parte relativa à pena imposta pelo crime por que foi condenado.

 Lisboa, 11 de Setembro de 2019    

 

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[1] Os pontos 1.3; 1.4 e 1.5 correspondem à determinação do tribunal para recolha de ADN; condenação em custas e manutenção da medida de coacção de prisão preventiva.
[2] Os pontos 2.3 e 2.4 correspondem à determinação do tribunal para recolha de ADN e condenação em custas.
Os pontos 3. e 4. da decisão do tribunal referem-se às condenações dos arguidos CC e DD que se não transcrevem por não tido impugnado a decisão. Embora o recurso interposto pudesse, nos termos do artigo 402º do Código de Processo Penal, influenciar nos restantes arguidos, o facto é que pelo âmbito conferido, pelos arguidos/recorrentes, aos respectivos recursos não se descortina que possam vir a influenciar as decisões assumidas quanto aos arguidos comparticipantes.   
[3] O segmento da decisão sob a Letra C) corresponde à perda dos objectos, pelo que estimamos ser desinteressante para a apreciação dos recursos interpostos. (Não foram declarados perdidos a favor do Estado “o veículo com a matrícula 05-GE-12 e o veículo de matrícula 97-60-VB (sem prejuízo da decisão referida em B).”
[4] Os arguidos CC e DD foram condenados, respectivamente, nas penas de um ano e dez meses de prisão e quatro anos e dez meses de prisão, tendo a sua execução sido suspensa pelo mesmo período e sujeita a regime de prova.
[5] Porque interessa à apreciação do recurso, nomeadamente pela posição assumida pelo Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal, contra o conhecimento do recurso do arguido BB, deixa-se consignado que o arguido não transportou para as conclusões dessumidas da fundamentação (fls. 1246 a 1266vº) o ponto “VI. DA MEDIDA DA PENA”, em que, “por dever de oficio” e pelas razões elencadas, estimava que, caso o tribunal de recurso não viesse a absolver o arguido, deveria a pena (sic): “Numa moldura penal de 4 a 12 anos de prisão, o acórdão recorrido entende que a pena de 7 anos de prisão é justa por vendas não concretizadas.
Desta forma, a pena aplicada mostra-se desadequada e excessiva, pelo que não deve ultrapassar os 5 anos de prisão e suspensa na sua execução.” (fls. 1266 vº).   
[6] “E outra com 10 anos com a qual não tem agora contacto.”
[7] Cfr. Acórdão recorrido, fls. 46.
[8] Cfr. Acórdão Recorrido, ibidem
[9] In www.dgsi.pt.
[10] Sumariado em www.stj.pt
[11] Acórdão de 9.3.2017 citado.
[12] AcSTJ de 17.6.2015 – Proc. nº 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1, IN www.dgsi.pt
[13] A título de mero exemplo e para além do acórdão do AcSTJ citado – «Só existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões cujo conhecimento lhe era imposto por lei apreciar ou que lhe tenham sido submetidas pelos sujeitos processuais, sendo que, quanto à matéria submetida pelos sujeitos processuais, a nulidade só ocorre quando não há pronúncia sobre as questões, e já não sobre os motivos ou razões que os sujeitos processuais […]” e “Não tendo o recorrente suscitado a questão da omissão de pronúncia de modo processualmente válido, por não ter apresentado conclusões nem pedido, não impendia sobre o tribunal a obrigação de emitir pronúncia, não se verificando, assim, a invocada nulidade.» – veja-se o AcSTJ de 13.11.2014 – Proc. 74/14.7YFLSB, in www,stj.pt - «Aferindo-se o objecto do recurso pelas conclusões, que, no recurso interposto para a Relação, eram omissas quanto à necessidade de esclarecimento de pontos de facto, a falta de referência no acórdão a tais questões não constitui nulidade por falta do pressuposto de o tribunal ter deixado de se pronunciar acerca de questões que devesse apreciar.»
[14] AcSTJ de 18.5.2017 – Proc. 85/15.5PDAMD.L1.S1, sumariado em www.stj.pt, 399.
[15] AcSTJ de 18.5.2017, acabado de citar.
[16] AcSTJ de 9.3.2017 – Proc. nº 783/09.2TAPTM.E1.S1, sumariado em www.stj.pt
[17] Conclusão 72.
[18] Conclusão 76.

[19] “I. O instituto da perda de bens a favor do Estado e liquidação previstas no arts. 7º e 8º, da Lei 5/02, de 11-01, como sanção não penal que é, escapa, na sua  determinação, a factores relacionados com o crime, designadamente a gravidade do  ilícito, a gravidade da pena e o grau de participação do condenado, o respectivo procedimento é autónomo, iniciando-se por um acto autónomo (a liquidação), possuindo uma estrutura própria, pelo menos probatória, de índole radicalmente diversa  da do processo principal. II. Do ponto de vista procedimental, estamos perante dois processos distintos, autónomos, embora umbilicalmente ligados, desencadeados pelo mesmo facto, o indício da prática de um crime de catálogo, juntos numa mesma audiência. No processo criminal, ou seja, no processo principal enxerta-se um outro processo de natureza distinta; no primeiro debate-se questão penal, no segundo questão administrativa, ou seja, ao procedimento criminal junta-se questão incidental relativa à aplicação de sanção administrativa".
[20]8. Questão que tem sido discutida diz respeito aos recursos de decisões proferidas em processo penal que declarem a perda alargada de bens em consequência de condenação penal, por aplicação da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, entre as quais um “regime especial de recolha de perda de bens a favor do Estado”, através do qual, em caso de condenação por um dos crimes integrantes do catálogo constante do seu artigo 1.º, se aprecia a congruência entre o património do arguido e os seus rendimentos lícitos (artigos 1.º e 7.º).
9. A doutrina e a jurisprudência têm sublinhado que a “perda alargada” não constitui uma sanção penal, pois que “a sua causa não é um facto típico, ilícito e culposo punível, mas sim um património incongruente acoplado a indícios da prática de certos crimes (a “actividade criminosa”) ”; configura-se, assim, como uma medida “de natureza materialmente administrativa aplicada por ocasião de um processo penal”, que pressupõe uma condenação penal que lhe é anterior. 10. Sendo esta “perda alargada” uma sanção não penal, a sua determinação não obedece a factores relacionados com o crime que constitui o objecto do processo, designadamente a gravidade do ilícito, a gravidade da pena e o grau de participação do condenado; o respectivo procedimento inicia-se por um acto autónomo (a liquidação), com regras próprias relativas à prova. No processo criminal é enxertado um outro processo de natureza distinta – ao procedimento criminal junta-se a questão incidental relativa à aplicação de sanção administrativa. 11. A decisão que ordena a perda alargada não é uma decisão condenatória, uma decisão que aplica uma pena ou uma medida de segurança. E, não o sendo, não é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, seja de recurso directo, por não se incluir na previsão das alíneas do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, seja de recurso de acórdão proferido, em recurso, pelo tribunal da Relação, que é o tribunal competente para dele conhecer (artigo 427.º), por se incluir na previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º, segundo o qual não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo.”
[21]A liquidação é deduzida mediante requerimento oferecido em duplicado, no qual o autor, conforme os casos, relaciona os objectos compreendidos na universalidade, com indicações necessárias para se identificarem, ou especifica os danos derivados do facto ilícito e conclui pedindo quantia certa.” – nº 1 do artigo 359º do Código de Processo Civil. 
[22] José M. Damião da Cunha, “Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-financeira -  A Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro de 2002”, 2017, Universidade Católica, Biblioteca de Investigação, p. 23.
[23]A medida sancionatória “perda de bens a favor de Estado” assenta numa lógica de perda de vantagens, deduzidas por presunção”; com efeito não são vantagens comprovadamente obtidas pelo crime, mas sim presumidas como obtidas por actividade presumida” – José M. Damião Cunha, op. loc. cit. p. 40.   
[24]Durante a audiência, são assim discutidos a questão penal [principal) e o confisco” – José M. Damião Cunha, op. loc. cit. p. 19. 
[25] José M. Damião Cunha, op. loc. cit. p. 32e 41.
[26] Cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Julho de 2019, proferido no processo nº 1203/16.T9VNG.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges.
[27] Pereira Madeira, in “Código de Processo Penal, Comentado”, de Henriques Gaspar; J.A. Santos Cabral; Maia Costa; Oliveira Mendes; Pereira Madeira e Pires da Graça, Almedina, 2ª edição, 2016, p. 1331.
[28] Pereira Madeira, in op. loc. cit., ponto 1 da anotação ao artigo 417º do Código de Processo Penal citado. “Por isso deve ser encarado com a minúcia adequada, na certeza de que da sua completude muto se pode ganhar em economia processual em benefício de todos os intervenientes sem esquecer o próprio tribunal e também a própria imagem que se quer de uma justiça atenta e eficiente.” – pág. 1331.
[29] Diversamente do que acontece no processo civil em que a omissão de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial é cominada, segundo alguns processualistas, com a nulidade (artigo 195º do Código de Processo Civil) – Cfr. neste sentido Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, p. 224.
[30] Claus Roxin, “La Teoria del Delito en la Discussión actual”, Editorial Grijley, 2007, p.71.
[31] Claus Roxin, Fundamentos Politico-Criminales del Derecho Penal, Hammurabi, Buenos Aires, 2008, p. 69 e 65.
[32] Claus Roxin, Fundamentos Politico-Criminales del Derecho Penal, Hammurabi, Buenos Aires, 2008, p. 63. “Se quiséssemos perfilar numa frase, o sentido e limites do Direito Penal, poderíamos caracterizar a sua missão como protecção subsidiária de bens jurídicos e prestações de serviços estatais mediante a prevenção geral e especial que salvaguarde a personalidade no marco traçado pela medida da culpabilidade individual. Trata-se, se me é permitido dar um nome a esta concepção, de uma teoria unificadora dialéctica, que há que distinguir estritamente, tanto metodologicamente como pelo seu conteúdo, das tradicionais teorias monistas, assim como da teoria dominante da unificação por adição.” – ibidem, p. 85.     
[33] Claus Roxin, op. loc. cit. ps. 52-53. No mesmo eito pode colher-se lição em Enrique Bacigalupo, in “Justicia Penal y Derechos Fundamentales”, Marcial Pons, 2002, p. 117, quando assevera que “A gravidade da culpabilidade determina o limite máximo da pena, mas não obriga – como na concepção de Kant – à aplicação da pena adequada á culpabilidade. Por debaixo desse limite é possível observar exigências preventivas que, inclusive, podem determinar uma redução da pena adequada á culpabilidade. Dito de outra maneira: a retribuição da culpabilidade, que provém das teorias absolutas, só determina o limite máximo da pena aplicável ao autor, sem excluir a possibilidade de dar cabida às necessidades preventivas, proveniente das teorias relativas, até ao limite fixado pela culpabilidade.”      
[34] Günther Jakobs, Dogmática de Derecho Penal y la Confirmación Nornativa de la Sociedad”, Editorial Thomson/Civitas, Madrid, 2004, pág. 41.
[35] cfr. Eduardo Crespo, op. loc.cit., pag. 121.
[36] Cfr. Günther Jakobs, Derecho Penal, Parte General, Fundamentos y Teoria de la Imputación, 2ª edição, corrigida, Marcial Pons, 1997, pag. 13.
[37] Para uma abordagem mais aprofundada sobre a acepção «social de culpabilidade» veja-se Bernd Schünemann, págs. 98 a 114, “La Culpabilidad: Estado de la Questión”;  in “Sobre el Estado de la Teoria del Delito” (Seminário en la Universitat Pompeu Fabra), Claus Roxin, Günther Jakobs, Bernd Schünemann; Wolfang Frish e Michael Köhler; Cuardernos Civitas, 2016. 
[38] Paragonado com o estabelecido no artigo 71º do nosso ordenamento jurídico-penal, pontua-se no apartado II do § 46 do StGB, que o tribunal deverá na “medición” da pena ponderar as circunstâncias favoráveis e contrárias ao autor. “com este fim se contemplarão particularmente: - os fundamentos da motivação e os fins do autor; - a intencionalidade que se deduz do facto e a vontade com a qual se realizou o facto; - a medida do incumprimento do dever; - o modo de execução e os efeitos inculpatórios do facto; - os antecedentes do autor, a sua situação pessoal e económica, assim como a sua conduta depois do facto, especialmente os seus esforços para reparar os danos, e os seus esforços para acordar uma compensação com o prejudicado.”    
[39] Winfried Hassemer, “Fundamentos del Derecho Penal”, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, pág. 127.
[40] Cfr. Claus Roxin, “Fundamentos Politico-criminales del Derecho Penal” (“La determinación de la pena a la luz y de la teoria de los fines de la pena), Hammarabi, Buenos Aires, págs. 143 a 166.
[41]O princípio - fundamentado segundo opinião generalizada na Constituição - nulla poena sine culpa (princípio da culpabilidade) não significa nesta situação senão que «o suposto de facto e a consequência jurídica devem estar em proporção adequada», quer dizer, a imputação ao autor deve ser necessária, por estar descartada a possibilidade de resolver o conflito sem castigar o autor. Também a medida da culpabilidade se vê limitada pelo necessário. Sobretudo, o conteúdo da culpabilidade não é algo prévio ao Direito, sem consideração às situações sociais.” – Günther Jakobs, op. loc. cit. pág. 588-589.     
[42] À teoria da margem da liberdade opõe-se a teoria da «pena exacta», segundo a qual «a la culpabilidad» só pode corresponder una pena exactamente determinada (punktuell).  – Clus Roxin, op. loc. cit. P. 146.
[43] Tatjana Hörnle representa na dogmática alemã, juntamente com Bernd Schünemann e Hans Joachim Hirsch, um dos epígonos do modelo da determinação da pena proporcional ao facto que de pretende contrariar a designada teoria da margem da liberdade, maioritariamente seguida pela jurisprudência alemã. Para esta teoria (da determinação da pena proporcional ao facto), os  “Fins legítimos da sanção penal seriam a prevenção geral intimidatória e a prevenção de integração (prevenção geral positiva). Estas finalidades, entretanto, deveriam ser promovidas em harmonia com o princípio da igualdade e da proporcionalidade, pois, dado o fato de que a pena representa uma intervenção direta nos direitos fundamentais do cidadão, a sanção criminal deveria legitimar-se em face do atingido. Nesse sentido, o principal critério para a aferição do quantum da pena seria a quantificação do desvalor do delito cometido. Isso significa que “apenas as circunstâncias imputadas ao autor a título de culpabilidade devem compor o fundamento real da medição da pena. A forma, a extensão e a modalidade da lesão do bem jurídico, bem como o nível da ameaça que se materializa no delito deveriam ser levados em consideração nesse processo.” “No âmbito das consequências jurídicas, nomeadamente, na medição da pena, o princípio da culpabilidade adquire, igualmente, importância. Trata-se da cognoscibilidade individual de circunstâncias que são significativas para a medição da pena concreta”. Isso quer dizer que nada para além do injusto e da culpabilidade stricu senso pode fundamentar um determinado segmento de pena, ou seja, nenhum dia de pena de pena a mais imposta ao condenado pode ter a sua razão de ser em circunstâncias alheias ao injusto culpável cometido.” Hörnle, “afirma que apenas uma aplicação da pena ancorada na valoração interpretativa do facto delitivo satisfaz o princípio da culpabilidade da melhor forma.” – Apud Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação Pena. Fundamentos de uma determinação judicial da pena proporcional ao fato.”, Marcial Pons, São Paulo, 2015, págs. 64;106-107.      
[44] Cfr. Jesús-Maria Silva Sáchez, La teoria de la Determinación de la Pena como Sistema (dogmático): un primero esbozo”, InDret, Revista para el Analisis del Derecho, Barcelona, Abril de 2007, págs. 5 e 6. 
[45] Quanto à natureza e categorização do bem jurídico tutelado na norma adrede vejam-se os arestos que, data venia, pedimos de empréstimo ao acórdão proferido no processo nº 6045/16.1T9LSB.S1. “O bem jurídico protegido pela tipificação do crime de tráfico de estupefacientes é a saúde pública, que se reconduz, segundo a jurisprudência, a bens jurídicos como a “vida, a saúde, coesão interindividual das organizações fundacionais da sociedade” – acórdão do STJ de 28-04-2004, processo n.º 0491116, in www.dgsi.pt,;  Acórdão do STJ de 17-05-2000, processo n.º 44/2000, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 193, o bem jurídico essencial que a previsão das normas sobre os crimes de tráfico de estupefacientes visa proteger é o da saúde pública, a que se acrescenta o da própria economia e da organização do Estado (em alguns países afectada por este tipo de criminalidade); Acórdão de 4-10-2006, proferido no processo n.º 069812, in www.dgsi.pt, o bem jurídico tutelado é “a saúde individual dos consumidores e pública, liberdade individual e estabilidade familiar e até a economia do Estado, afetada por negócios com origem no mundo subterrâneo da droga”; Acórdão de 15-09-2010, processo n.º 1977/09.6JAPRT.S1-3.ª Secção “Os bens jurídicos a acautelar com a incriminação pelo tráfico de estupefacientes são a protecção da saúde individual, da liberdade individual do consumidor, da economia do Estado, porque o tráfico propicia economias paralelas, subterrâneas, de complexa sindicância, fazendo do tráfico um negócio temível e comunitariamente repugnante, fundamentalmente pela devastação física e psíquica do consumidor, geralmente as camadas mais jovens do tecido social, instabilidade e, na maior parte dos casos, a desgraça total do seu agregado familiar, censurável em alto grau no plano ético-jurídico, até pelos custos sociais a que conduz, relacionados com o absentismo laboral e a contracção de doenças transmissíveis”; Acórdão de 13-11-2014, proferido no processo n.º 249/11.0PECBR.C1.S1 - 5.ª Secção “Quanto ao bem jurídico, e considerando que o crime protege primariamente o bem jurídico da saúde pública (e em segundo plano protege diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores), tem sido este classificado como um crime de perigo abstrato, considerando-se que daquelas atividades descritas no tipo há já um perigo de lesão daquele bem jurídico
[46] O Supremo Tribunal tem vindo a advertir para a necessidade de nas acusações se proceder a uma concretização e precisão das condutas imputadas as arguidos, de modo a poder constituir-se um corpo de irrogações determinadas e, espácio-temporalmente, delimitadas e confinadas, que permitam uma percepção, compreensão e apreensão do concreto modo de agir e actuar do agente infractor e com base neste acervo aquilatar e apreciar o grau de culpabilidade colocada na realização do facto típico e ilícito. Cfr. por todos o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Outubro de 2008, relatado pelo Conselheiro Rodrigues da Costa, (Proc. 08P1314), em que se sumariou “(…) Isto para além de tais factos indeterminados, pouco precisos nos seus contornos, não poderem servir para agravar substancialmente as penas do crime de tráfico, quando este já é muito severamente punido. Além disso, a própria lei já parte de conceitos indeterminados, de forma a acrescentar à indeterminação legal a indeterminação ou imprecisão dos factos é correr um risco muito acentuado no que diz respeito às garantias do processo criminal.”

[47] Cfr. item 3 da matéria de facto provada: “Na prossecução desta atividade, previamente delineada competia ao arguido BB proceder à contratação dos indivíduos que efetuavam por via aérea o transporte do haxixe, habitualmente designados por "correios de droga" desde Lisboa até ..., bem como dar-lhe instruções e tratar de toda a logística relacionada com essas viagens e estadia na ilha de São Miguel.”