Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2882/16.5TDLSB.L1-A.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
CORRECÇÃO OFICIOSA
CORREÇÃO OFICIOSA
RECURSO DE DECISÃO CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA
ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEI APLICÁVEL
MODIFICAÇÃO
QUESTÃO PREJUDICIAL
PRINCÍPIO DA SUFICIÊNCIA DO PROCESSO PENAL
SUSPENSÃO
PROCESSO PENAL
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 10/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: REJEITADO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
Doutrina:
- Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2.ª edição revista, 2016, p. 1493.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 7.º, 437.º, N.º 1, 443.º, N.º 3, 445.º, N.º 1, 446.º E 448.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 193.º.
REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS, APROVADO PELA LEI N.º 15/2001, DE 05 DE JUNHO: - ARTIGOS 6.º, 7.º, N.º 1, 47.º, N.º 1, 105.º, N.ºS 1, 4 E 5 E 107.º, N.ºS 1 E 2.
REGIME JURÍDICO DAS INFRACÇÕES FISCAIS NÃO ADUANEIRAS (RJIFNA), APROVADO PELO DL N.º 20-A/90, NA REDACÇÃO DADA PELO DL N.º 394/93: - ARTIGOS 15.º E 50.º, N.º 1.
CÓDIGO PENAL DE 1995: - ARTIGO 120.º.
CÓDIGO PENAL DE 1982: - ARTIGO 119.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ASSENTO N.º 3/2007, DE 12-10-2006, IN DR, 1.ª SÉRIE, N.º 37, DE 21-02-2007;
- DE 12-10-2006, PROCESSO N.º 256/06, IN DR, 1.ª SÉRIE, N.º 37, P. 1294 A 1298;
- DE 03-04-2008, PROCESSO N.º 689/08;
- DE 03-06-2009, PROCESSO N.º 21/08.5GAGDL.S1;
- DE 19-01-2011, PROCESSO N.º 1/08.0GAPRT.S1;
- DE 23-05-2012, PROCESSO N.º 244/11.0TTBGC.P1-A.S1;
- DE 23-05-2012, PROCESSO N.º 244/11.0TTBGC.P1-A.S1;
- DE 04-06-2014, PROCESSO N.º 41/07.7IDSRR.S1.
Sumário :
I – O presente caso tem a especificidade de o recorrente interpor recurso nos termos do disposto no artigo 446.º do Código de Processo Penal, apresentar requerimento de interposição de recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, invocando como fundamento a oposição entre o acórdão recorrido e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2007 (Processo n.º 256/06 – 3.ª Secção).

II – No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 2882/16.5TDLSB do Juízo Local Criminal – Juiz 3, Comarca de Lisboa, o recorrente fora pronunciado pela prática de crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos artigos 6.º, 7.º, n.º 1, 105.º n.os 1, 4 e 5 e 107.º n.os 1 e 2, todos do RGIT, referenciado a factos ocorridos entre 2009 e 2012.

III – Requereu a suspensão do processo por prejudicialidade – art.º 7.º

do CPP e 47.º, n.º 1, do RGIT –, alegando ter apresentado no Tribunal Tributário de Lisboa acção de intimação judicial contra o Instituto de Segurança Social, IP, a fim de reconhecer a prescrição das prestações respeitantes a cotizações referentes aos períodos compreendidos entre o ano de 2009 e 2012 e que essas prestações são as mesmas que estão em causa no processo crime.

IV – A impugnação de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça processa-se mediante o recurso extraordinário de decisão contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, regulado nos artigos 446.º e 448.º do Código de Processo Penal.

V – No presente recurso extraordinário o recorrente defende que foi violada a orientação definida no Assento n.º 3/2007, de 12 de Outubro de 2006, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 37, de 21 de Fevereiro de 2007, a qual deveria ter sido aplicada, no acórdão ora recorrido proferido no dia 12 de Fevereiro de 2019.

VI – Estando-se face a manifesto erro na forma do processo, é possível a correcção oficiosa, ao abrigo do artigo 193.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 4.º do CPP.

VII – Tal correcção faz-se com aproveitamento dos dados presentes.

VIII – De resto, tal correcção/convolação tem sido atendida em casos de convolação de recurso extraordinário para recurso ordinário.

IX – No caso presente, estando em causa alegada violação da jurisprudência fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2007, os autos prosseguirão como recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada.

X – Requisito substancial de admissibilidade do recurso é a oposição entre a decisão recorrida e o acórdão de fixação de jurisprudência.

XI – Como requisito fundamental deste recurso extraordinário a lei exige que a decisão recorrida tenha decidido em sentido divergente ao do acórdão uniformizador, por não acatamento da sua doutrina, caso em que o tribunal que assim decida terá de fundamentar a sua divergência.

XII – O recurso extraordinário de decisão contra jurisprudência fixada tem como escopo fundamental, não a tutela do caso concreto, não sendo o remédio jurídico de primeira linha para um erro de julgamento, sendo antes um meio de proporcionar a reanálise da jurisprudência fixada, designadamente, quando surjam argumentos novos, não anteriormente ponderados, ou quando a jurisprudência fixada se encontra ultrapassada.

XIII – Sobre o condicionalismo que poderá atingir a jurisprudência fixada, podem ver-se Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2.ª edição revista, 2016, pág. 1493, nota 7, e os acórdãos de 3 de Abril de 2008, proferido no processo n.º 689/08, da 5.ª Secção; de 03-06-2009, proferido no processo n.º 21/08.5GAGDL.S1-5.ª Secção; de 19-01-2011, processo n.º 1/08.0GAPRT.S1-3.ª Secção; de 23-05-2012, proferido no processo n.º 244/11.0TTBGC.P1-A.S1-3.ª Secção; e de 4-06-2014, proferido no processo n.º 41/07.7IDSRR.S1-3.ª Secção.

XIV – Segundo o acórdão de 23-05-2012, proferido no processo n.º 244/11.0TTBGC.P1-A.S1, da 3.ª Secção, a jurisprudência tem apontado como factos-índice que podem levar um tribunal judicial a afastar-se da jurisprudência fixada pelo STJ pelo facto de estar ultrapassada quando:

- o tribunal tiver desenvolvido um argumento novo ou argumentos novos e de grande valor não ponderado no acórdão uniformizador (no texto ou em eventuais votos de vencido), susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada;

- se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados por forma a que, na actualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso”.

XV – A norma do artigo 446.º do Código de Processo Penal conexiona-se directa e sequencialmente com o antecedente artigo 445.º do CPP, igualmente inserto no Título II, dedicado aos recursos extraordinários, ora no Capítulo I, prevendo o recurso para fixação de jurisprudência.

XVI – O preceito em causa tem como fundamento a necessidade de fazer acatar a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em acórdão uniformizador, que ao tempo dos “Assentos”, era obrigatória para os tribunais judiciais, como decorria então do disposto no artigo 445.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, antes da revogação do artigo 2.º do Código Civil pelo artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (corporizando com o Decreto-Lei n.º 180/96, de 25-09, a Reforma do Processo Civil de 1995/1996).

XVII – Antes, de acordo com o n.º 1 do artigo 445.º do CPP, a decisão uniformizadora de jurisprudência, para além de aplicável ao próprio processo em que o recurso fora interposto, sem prejuízo do disposto no artigo 443.º, n.º 3, constituía jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais.

XVIII – Actualmente o artigo 445.º do CPP, sob a epígrafe “Eficácia da decisão”, estabelece no n.º 3 que a decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão.

XIX – Como proclama o n.º 1 do artigo 437.º do CPP, aplicável ex vi do artigo 447.º do mesmo diploma, o recurso pressupõe a exigência de que a contradição se verifique no “domínio da mesma legislação”.

XX – Ora, o Acórdão n.º 3/2007, datando de 12-10-2006, debruçou-se sobre caso em que era aplicável o Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro de 1990 (Diário da República, I Série, n.º 12, Suplemento, rectificado pela Declaração de 14-02-1990, Diário da República, I Série, n.º 49, 2.º Suplemento), alterado pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, sendo certo ter ocorrido alteração legislativa em 2001, com a entrada em vigor do Regime Geral para as Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 5/2001, de 5 de Junho (Diário da República, I–A Série, n.º 130, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 15/2001, de 27-07-2001, Diário da República, I Série-A, n.º 180, de 4 de Agosto de 2001), entrada em vigor em 5-07-2001.

XXI – O acórdão de 12 de Outubro de 2006, proferido no processo n.º 256/06-3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 37, págs. 1294 a 1298, como Acórdão n.º 3/2007, fixou a seguinte jurisprudência:

      «Na vigência do artigo 50.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, a impugnação judicial tributária determinava, independentemente de despacho, a suspensão do processo penal fiscal e, enquanto esta suspensão se mantivesse, a suspensão da prescrição do procedimento penal por crime fiscal.».

XXII – O acórdão uniformizador foi tirado com referência ao artigo 50.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, na redacção do Decreto-Lei n.º 394/93, preceito a conjugar com o artigo 15.º, uma vez que em causa estava pretensão de prescrição do prazo do procedimento criminal.

XXIII – Segundo o ponto 2, na 2.ª coluna, in fine, da página 1295, da publicação no Diário da República, em causa na fixação de 2007 estava a aplicação do chamado Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro. “Mais concretamente, em discussão está o regime de suspensão do procedimento criminal por crime fiscal em virtude de impugnação judicial fiscal”.

XXIV – Era a seguinte a posição do acórdão fundamento – 1.ª coluna da página 1296:

« […] Temos assim que a suspensão da prescrição se verifica por força – é um efeito – da suspensão do processo penal fiscal e esta última é determinada pela existência de processo de impugnação judicial ou de oposição de executado onde se discuta o acto tributário que definiu o montante do imposto que com o crime fiscal o arguido deixou de pagar.

 Isto quer dizer que não basta a pendência de impugnação judicial ou de oposição de executado para que possa ter-se por verificada a suspensão da prescrição; esta só ocorrerá se o processo penal fiscal for declarado suspenso por virtude daquelas impugnação ou oposição. Na verdade, a causa determinante da suspensão da prescrição é a suspensão do processo criminal fiscal e esta só ocorre se existir despacho judicial que, reconhecendo a existência de fundamento legal para o efeito, a declare.» 

XXV – E a posição do acórdão recorrido – página 1296, 1.ª coluna, in fine, e 2.ª coluna – era esta:

«[…] É nosso entendimento que a suspensão do processo criminal é obrigatória, resultando da própria lei, sem necessidade de despacho a declará-la.

Se a suspensão do processo penal é imposta pela lei e se essa suspensão implica a suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, parece-nos evidente a desnecessidade de qualquer despacho a declarar a suspensão do prazo de prescrição.

A letra da lei não permite interpretação diferente. Ela impõe a obrigatoriedade da suspensão do processo penal e do prazo de prescrição, sem necessidade de qualquer despacho.

Nos casos de suspensão do prazo de prescrição referidos no artigo 120.º do CP/95, como no artigo 119.º do CP/82, não é necessário qualquer despacho a declarar tal suspensão. Ela resulta, como no caso em apreço: da própria lei, sem necessidade de qualquer decisão

XXVI – Concluiu o acórdão (2.ª coluna da página 1298): “(…) a norma do artigo 50.º, n.º 1, do RJIFNA deve ser interpretada no sentido de que a suspensão da prescrição do procedimento  penal fiscal decorre ope legis da suspensão do processo em virtude de impugnação judicial tributária, não dependendo, pois, de prévio despacho judicial que a declare”.

XXVII – Implicando a suspensão do processo penal a suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, em causa estava a questão de saber se havendo impugnação judicial fiscal a suspensão do procedimento criminal era obrigatória, resultando da própria lei, operando ope legis, sem necessidade de despacho a declará-la, ou se pelo contrário, é necessário despacho a declarar a suspensão do processo criminal fiscal.

XXVIII – Aliás, este acórdão é acórdão datado, valendo para o estipulado no RJIFNA, sendo perfeitamente claro que isso mesmo foi entendido no segmento fixador, atento o tempo verbal usado – pretérito imperfeito –, quando consta “a impugnação judicial tributária determinava”.

XXIX – Aplicando-se a lei nova, na versão de 2001, não há que invocar a doutrina do Acórdão n.º 3/2007, que valia para o anterior regime legal, tendo caducado.

XXX – E porque caducou, não há violação de jurisprudência fixada.

XXXI – A decisão recorrida foi proferida no domínio da nova versão.

XXXII – Sendo de rejeitar o recurso, uma palavra final para o requisito da oposição.

No caso presente não se verificaria qualquer contradição, suposta que fosse a vigência da doutrina do Assento n.º 3/2007.

O tema abordado pelo acórdão recorrido que versou sobre o regime do RGIT, decidindo que a apreciação da prescrição do procedimento criminal era questão da competência do tribunal criminal para cujo conhecimento os autos fornecem os dados suficientes, afastando a aplicação do princípio da suficiência do processo penal é tema diverso no versado no acórdão n.º 3/2007.

Decisão Texto Integral:

AA, arguido no processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 2882/16.5TDLSB, do Juízo Local Criminal – Juiz …, Comarca de Lisboa, não se conformando com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 12 de Fevereiro de 2019, veio, nos termos do disposto no artigo 446.º do Código de Processo Penal, apresentar requerimento de interposição de recurso extraordinário de fixação de jurisprudência (sic), invocando como fundamento a oposição entre o acórdão recorrido e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2007 (Processo n.º 256/06 – 3.ª Secção), apresentando a motivação de fls. 2 verso a 6 verso, nestes termos (Realces do texto):

«Entendeu o douto Tribunal da Relação de Lisboa inexistir fundamento para a suspensão do processo ao abrigo do princípio da suficiência do processo penal, por considerar o objeto da instância penal diferente do da instância tributária. Com todo o devido respeito, não pode o Arguido/Recorrente concordar com tal uma vez que, o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência que invalida por completo o entendimento do tribunal a quo, como veremos infra.

Requereu o arguido a suspensão da instância penal, por se encontrar pendente uma ação de intimação judicial, cuja apreciação radica em factos constitutivos do tipo ilícito reportado ao arguido. Foi pelo arguido apresentada, junto do Tribunal Tributário de Lisboa, ação de Intimação Judicial contra o Instituto de Segurança Social IP – Núcleo de Investigação Criminal, a fim de se reconhecer da prescrição das prestações respeitantes a cotizações referentes aos períodos compreendidos entre o ano de 2009 e 2012. As referidas prestações, respeitantes a cotizações cujo reconhecimento de prescrição se requer na ação, são as mesmas que estão em causa no presente processo crime em que o ora arguido vem acusado de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 6.º, 7.º n.º 1, 105.º n.º 1, 4 e 5, 107.º n.º 1 e 2 do RGIT. O reconhecimento da prescrição de tais prestações tributárias, torna a notificação feita ao arguido nos termos do artigo 105.º n.º 4 alínea b) do RGIT, absolutamente intempestiva porquanto respeitante a prestações tributárias inelutavelmente prescritas à data em que tal notificação ocorre. Por conseguinte, tais circunstâncias influenciam de forma decisiva o desfecho da instância penal, razão pela qual o arguido aqui recorrente requereu a sua suspensão.

Estamos assim perante uma questão prejudicial que envolve a análise da prescrição das prestações respeitantes a cotizações que, conforme artigo 49.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e fiscais é da competência dos tribunais tributários. Deste modo, dada a especificidade da matéria em causa – fiscal -, demonstra-se necessário a avaliação/ponderação da questão pelas instâncias competentes. Não obstante, entendeu o acórdão recorrido que: “considerando o seu objecto definido pelo despacho de pronúncia, está em causa a responsabilidade criminal do arguido, o que pode abranger apreciação da prescrição do respectivo procedimento criminal, questão da competência do tribunal criminal e para conhecimento da qual os autos fornecessem todos os elementos, sendo evidente que nenhuma justificação existe para a suspensão do processo”.

Por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão n.º 3/2007, perante dois acórdãos em conflito em relação a uma mesma questão de direito, na alçada da mesma legislação, quanto à suspensão do prazo de prescrição do procedimento penal fiscal devido a uma impugnação judicial fiscal, fixou jurisprudência sobre a presente matéria - suspensão do processo penal por crime fiscal - em sentido contrário ao adotado pelo tribunal recorrido.

O regime de suspensão do procedimento penal por crime fiscal em virtude de ação fiscal (impugnação judicial ou oposição fiscal) encontra-se previsto no Regime Geral das Infrações Tributárias (doravante RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho. O n.º 4 do artigo 21.º deste regime determina que, “O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º”. Por seu turno, o n.º 1 do artigo 47.º do regime identificado estabelece, “Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o código (SIC) tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças..

Pelo douto Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do recurso de fixação de jurisprudência identificado supra foi delimitado o sentido e alcance da norma jurídica – artigo 47.º do RGIT. Como realça o acórdão fixador de jurisprudência o sentido e alcance da norma jurídica advém da sua interpretação e, interpretar uma norma consiste em fixar o seu sentido, delimitando o alcance da norma. Ora o ponto de partida da interpretação é a letra da norma, que detém a função de excluir tudo o que não tenha apoio ou ligação no texto do preceito. Porém, é também essencial na interpretação a procura do sentido que a norma deve indicar, de acordo com critérios de apreensão literal, sistemáticos e teleológicos.

Neste conspecto, o Supremo Tribunal de Justiça procedeu à interpretação do normativo legal do regime de suspensão do procedimento penal por crime fiscal em virtude de pendência de ação fiscal.

De acordo com o elemento literal, os artigos 21.º n.º 4 e 47.º n.º 1 do RGIT estabelecem que o prazo de prescrição do procedimento por crime fiscal suspende-se perante a suspensão do processo penal fiscal, se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução onde se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, perdurando a suspensão até ao transito em julgado das sentenças. A este propósito determina o acórdão de jurisprudência supra identificado que, “o legislador aponta a pendência do processo de impugnação judicial tributário como uma causa de suspensão do processo penal por crime fiscal e, consequentemente, por referência expressa, do procedimento criminal. Indica, pois, uma causa própria de suspensão, pura e simples e directa, do processo penal por crime fiscal, isto é, sem a fazer depender de qualquer condição. Nomeadamente não estipula a necessidade de um despacho judicial a determinar no contexto indicado a suspensão do processo por crime fiscal.”

Destarte, ao contrário do exposto no acórdão recorrido, de acordo com o qual “a suspensão depende” “de critérios de necessidade e conveniência”, determina o acórdão fixador de jurisprudência que de acordo com o n.º 1 do artigo 47.º do RGIT, a suspensão do processo penal por crime fiscal ocorre de forma imediata perante a pendência de acção fiscal que discuta a situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados e, “a suspensão do processo do processo penal determina ex vi legis suspensão do procedimento criminal”. Esta suspensão revela-se obrigatória na pendência de acção fiscal que discuta a situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, como sucede in casu pois, as prestações de cotizações discutidas na acção de intimação judicial (por via da prescrição) é decisivo para a imputação ao arguido do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 6.º, 7.º n.º 1, 105.º n.º 1, 4 e 5, 107.º n.º 1 e 2 do RGIT. E, como estabelece o RGIT, nomeadamente o n.º 2 do artigo 47.º, a suspensão do processo penal fiscal prolonga-se até ao trânsito em julgado das decisões da acção fiscal que discuta a situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados.

Quanto ao elemento sistemático, decorre do acórdão fixador de jurisprudência que o RGIT integra um regime penal e processual especial. Tal especificidade fundamenta que às infracções fiscais seja em primeiro lugar aplicável as normas constantes do RGIT e, subsidiariamente, em casos de omissão e desde que tal aplicação não contrarie as normas e os princípios daquele regime, as normas do regime penal e processual-penal comum. Razão pela qual, a suspensão decorre da lei, nomeadamente do artigo 47.º do RGIT, sem carência de despacho judicial, o qual terá, se eventualmente for proferido, índole tão-só declarativa.

Também aqui o acórdão recorrido andou mal ao considerar que, à luz do princípio da suficiência do processo penal a suspensão só é admissível se “quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer outra questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal”, desconsiderando a especificidade do direito fiscal e a primazia na aplicação das normas constantes do RGIT. Aliás, como expõe o acórdão fixador de jurisprudência, a peculiaridade do direito fiscal legitima “o afastamento do chamado princípio da suficiência do processo penal no domínio do direito penal fiscal”, acrescentando ser “manifesto que o direito fiscal constitui um ramo de direito público, imbuído de princípios e normas próprios, do ponto de vista quer substantivo quer adjectivo. Uma tal peculiaridade do direito fiscal justificou a criação de uma ordem jurisdicional própria — os tribunais administrativos e fiscais. (…) Mais constitui matéria da competência exclusiva de tal jurisdição, assim se afastando, neste limite, o princípio da suficiência do processo penal.”.

Neste seguimento, recusar a suspensão do processo penal estando pendente acção de intimação judicial poderá acarretar que o desfecho de uma das ações ou de ambas figure como um ato inútil ou, poderá até mesmo originar contradição de julgados.

Por fim, quanto ao elemento teleológico, o acórdão fixador de jurisprudência refere que a pendência de acção fiscal onde se discuta situação tributária de cujo sentido dependa a qualificação criminal dos factos imputados ao arguido concede firmeza ao conflito que o procedimento penal fiscal integra, inexistindo debilidade ou cessação das necessidades de prevenção do crime durante a pendência daquela suspensão. O que contradiz o entendimento do acórdão recorrido que considera não existir necessidade e/ou conveniência para a suspensão do processo penal requerida.

Foi assim incorreta a interpretação feita pelo tribunal a quo, com base no artigo 7.º do Código de Processo Penal (doravante CPP), ao desconsiderar o regime penal e processual especial previsto no RGIT e consequentemente, as normas de suspensão nele previstas, nomeadamente no artigo 47.º do RGIT.

EM RESUMO E CONCLUSÃO:

I – A sentença recorrida considerou inexistir fundamento para a suspensão do processo ao abrigo do princípio da suficiência do processo penal todavia, o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência que invalida por completo o entendimento do tribunal a quo.

II - Requereu o arguido a suspensão da instância penal por se encontrar pendente uma ação de intimação judicial, cuja apreciação radica em factos constitutivos do tipo ilícito reportado ao arguido. Deste modo, dada a especificidade da matéria em causa – fiscal -, demonstra-se necessário a avaliação/ponderação da questão pelas instâncias competente.

III – Não obstante, entendeu o acórdão recorrido que, “Nestes autos, considerando o seu objecto definido pelo despacho de pronúncia, está em causa a responsabilidade criminal do arguido, o que pode abranger apreciação da prescrição do respectivo procedimento criminal, questão da competência do tribunal criminal e para conhecimento da qual os autos fornecessem todos os elementos, sendo evidente que nenhuma justificação existe para a suspensão do processo”.

IV – O Supremo Tribunal de Justiça no acórdão n.º 3/2007, delimitando o sentido e alcance da norma jurídica, artigo 47.º do RGIT, procedeu à interpretação do normativo legal do regime de suspensão do procedimento penal por crime fiscal em virtude de pendência de ação fiscal.

V - Determina o acórdão fixador de jurisprudência supra identificado que, “o legislador aponta a pendência do processo de impugnação judicial tributário como uma causa de suspensão do processo penal por crime fiscal e, consequentemente, por referência expressa, do procedimento criminal. Indica, pois, uma causa própria de suspensão, pura e simples e directa, do processo penal por crime fiscal, isto é, sem a fazer depender de qualquer condição. Nomeadamente não estipula a necessidade de um despacho judicial a determinar no contexto indicado a suspensão do processo por crime fiscal.”

VI - Destarte, ao contrário do exposto no acórdão recorrido, de acordo com o qual “a suspensão depende” “de critérios de necessidade e conveniência”, o acórdão fixador de jurisprudência determina que de acordo com o n.º 1 do artigo 47.º do RGIT, a suspensão do processo penal por crime fiscal ocorre de forma imediata, sendo até obrigatória, perante a pendência de acção fiscal que discuta a situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados e, “a suspensão do processo do processo penal determina ex vi legis suspensão do procedimento criminal”.

VII - Quanto ao elemento sistemático, decorre do acórdão fixador de jurisprudência que o RGIT integra um regime penal e processual especial. Tal especificidade fundamenta que às infracções fiscais seja em primeiro lugar aplicável as normas constantes do RGIT e, subsidiariamente, em casos de omissão e, desde que tal aplicação não contrarie as normas e os princípios daquele regime, as normas do regime penal e processual penal comum.

VIII - Pelo que, também aqui o acórdão recorrido andou mal ao considerar que, à luz do princípio da suficiência do processo penal a suspensão só é admissível se “quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer outra questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal”, desconsiderando a especificidade do direito fiscal e a primazia na aplicação das normas constantes do RGIT.

IX - Como expõe o acórdão fixador de jurisprudência, a peculiaridade do direito fiscal legitima “o afastamento do chamado princípio da suficiência do processo penal no domínio do direito penal fiscal”. Assim, recusar a suspensão do processo penal estando pendente acção de intimação judicial poderá acarretar que o desfecho de uma das ações ou de ambas figure como um ato inútil ou, poderá até mesmo originar contradição de julgados.

X - O acórdão fixador de jurisprudência refere ainda, quanto ao elemento teleológico, que a pendência de acção fiscal onde se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados concede firmeza ao conflito que o procedimento penal fiscal integra o que, contradiz o entendimento do acórdão recorrido que considera não existir necessidade e/ou conveniência para a suspensão do processo penal requerida.

XI – Face ao exposto, foi incorreta a interpretação feita pelo tribunal a quo, com base no artigo 7.º do CPP, ao desconsiderar o regime penal e processual especial previsto no RGIT e consequentemente, as normas de suspensão nele previstas, nomeadamente no artigo 47.º do RGIT.

Pede que seja concedido provimento ao presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência, e em consequência, seja revogado o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa recorrido, substituindo-se por outro que defira a suspensão do processo penal requerida.

O recorrente juntou cópia do Diário da República onde foi publicado o acórdão fundamento.



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Cumprido o disposto no artigo 439.º do CPP, relativamente aos recorridos Instituto da Segurança Social - IP e BB, Lda. e Ministério Público, a fls. 12, 13 e 17, apenas este veio responder a fls. 18 e verso e, em original, a fls. 19/20, dizendo afigurar-se-lhe ter sido erradamente indicado recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, já que a natureza do recurso interposto configura recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, estar em tempo, e estarem verificados os pressupostos de natureza formal e substancial para interposição do recurso.

 


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Situação processual

No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 2882/16.5TDLSB do Juízo Local Criminal – Juiz …, Comarca de Lisboa, o arguido, ora recorrente, está pronunciado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos artigos 6.º, 7.º, n.º 1, 105.º n.os 1, 4 e 5 e 107.º n.os 1 e 2, todos do RGIT, referenciado a factos ocorridos entre 2009 e 2012.

O arguido requereu a suspensão do processo por prejudicialidade – artigos 7.º do CPP e 47.º, n.º 1, do RGIT –, alegando ter apresentado no Tribunal Tributário de Lisboa acção de intimação judicial contra o Instituto de Segurança Social, I.P., a fim de reconhecer a prescrição das prestações respeitantes a cotizações referentes aos períodos compreendidos entre o ano de 2009 e 2012 e que essas prestações são as mesmas que estão em causa no processo crime.

Por despacho de 7-11-2018 do Juiz 3 do Juízo Local Criminal de Lisboa foi considerado: “A prescrição pode ser analisada nestes autos pelo que se indefere o requerido por também não ser útil para a descoberta da verdade e decisão da causa, artigo 340.º do CPP.”.

Desse despacho interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por acórdão de 12 de Fevereiro de 2019, transitado em 28 seguinte, negou provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido.

Fundamentando, discorreu (Realces do texto):

«O “princípio da suficiência” do processo penal, consagrado no n°1, do art. 7º, CPP, não sendo uma regra absoluta admite, no n° 2, do mesmo preceito, a suspensão do processo “quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer outra questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida processo penal”.

Essa suspensão depende, assim, de critérios de necessidade e conveniência, ou seja, exige-se em primeiro lugar, que a decisão da questão prejudicial esteja numa relação de necessidade com o conhecimento do crime e, em segundo lugar, cumulativamente com a necessidade, exige-se a nota da conveniência “... não possa ser convenientemente resolvida no processo penal”.

“No caso, o recorrente refere-se ao conhecimento da “…prescrição das prestações …”, mas tem de ter presente que “a responsabilidade tributária não se confunde com a responsabilidade criminal pela conduta omissiva de entrega de prestações tributárias[1].

Nestes autos, considerando o seu objecto definido pelo despacho de pronúncia, está em causa a responsabilidade criminal do arguido, o que pode abranger apreciação da prescrição do respectivo procedimento criminal, questão da competência do tribunal criminal e para conhecimento da qual os autos fornecessem (SIC) todos os elementos, sendo evidente que nenhuma justificação existe para a suspensão do processo.

Ao contrário do alegado, não há qualquer risco de litispendência ou oposição de decisões, pois o objecto da instância penal é diferente do da instância tributária.

Assim é manifesto que o recurso não merece provimento”.     

       


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Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na vista a que alude o artigo 440.º, n.º 1, aplicável ex vi do artigo 446.º, n.º 1, do CPP, a fls. 23 a 34, emitiu profícuo parecer, de que se extrai:

“III. Do parecer.

A. Dos pressupostos do recurso extraordinário; admissibilidade e seguimento do recurso.

a. A modalidade do recurso: de fixação de jurisprudência ou contra jurisprudência fixada.

6. A primeira questão a abordar vem suscitada na contra motivação do Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Tribunal da Relação e respeita à qualificação do recurso, se o extraordinário de fixação de jurisprudência referido no art.º 437º do CPP, se o extraordinário contra jurisprudência fixada a que alude o art.º 446º do CPP.

O Recorrente, diz que é o de fixação, mas convoca a norma do art.º 446º – que é a do contra jurisprudência fixada – e diz que a oposição é entre o Acórdão Recorrido e um Acórdão de Fixação – que é precisamente, um dos fundamentos previstos no, mesmo, art.º 446º.

A referência ao recurso de fixação tem, assim, que ser levada à conta de erro de escrita, suprível nos termos do art.º 249º do CC, entendendo-se estar-se em recurso contra jurisprudência fixada.

De resto, mesmo entendendo-se ter havido erro na forma do procedimento recursório, nem assim a solução será outra: «inoperante como recurso para fixação de jurisprudência nos termos do art. 437.º do CPP, tendo em conta a situação» alegada, o requerimento «deve ser apreciado como sendo um recurso de decisão supostamente proferida contra jurisprudência fixada, nos termos do art. 446.º do CPP, uma vez que o erro na forma de processo não implica o desaproveitamento dos actos que possam ser aproveitados, como resulta do art. 199.º do CPC [de 1961],» – hoje, art.º 193º – «aplicável por força do art. 4.º do CPP» [2].

Pelo que nada obsta, nestes aspectos, ao seguimento do recurso como contra jurisprudência fixada, nos termos do art.º 446º do CPP.


b. Pressupostos formais e substanciais (específicos).


7. Nos termos do art.º 446º do CPP, «[é] admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo» – n.º 1 –, «[o] recurso pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público» – n.º 2 – e «[o] Supremo Tribunal de Justiça pode limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, apenas devendo proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada» – n.º 3.

E nos termos do art.º 437º do mesmo diploma, «[q]uando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar» – n.º 1 – e «[o]s acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida» – n.º 3.

Transcrevendo do recentíssimo Ac STJ de 24.4.2019 - Proc. n.º 265/16.6T8ILH.P1-A.S1, 3ª Secção, sumariado em www.stj.pt para o efeito de caracterizar o recurso e enunciar os seus pressupostos formais e substanciais:

─ «[O] recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça é um recurso de caráter extraordinário que permite a este Tribunal controlar as decisões contrárias à jurisprudência que fixou, garantindo a coerência e estabilidade da jurisprudência […]. Permite, ainda, o reexame dessa jurisprudência quando, por exemplo, surjam argumentos novos, não anteriormente ponderados, ou quando a jurisprudência fixada se encontra ultrapassada.

[A]o específico recurso extraordinário previsto no citado art.º 446º são "correspondentemente aplicáveis" as disposições do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, o que significa que terão de verificar-se os respetivos pressupostos, formais e substanciais.

Os requisitos de ordem formal são os seguintes: a legitimidade do recorrente – que é restrita ao arguido, ao assistente, às partes civis e ao Ministério Público – e a interposição do referido recurso no prazo de 30 dias a partir do trânsito da decisão de que se pretende recorrer. É ainda exigível a existência de prévio trânsito em julgado, por esgotada a possibilidade de recurso ordinário […].

A nível substancial, exige-se a oposição entre a decisão recorrida e um acórdão de fixação de jurisprudência. Ou seja, exige-se, nos termos do art. 445º, n.º 3, do CPP, que “a decisão recorrida tenha decidido em sentido divergente ao do acórdão uniformizador, por não acatamento da sua doutrina, caso em que o tribunal que assim decida terá de fundamentar a sua divergência” [3].

Nessa apreciação releva a identidade de facto respeitante à mesma questão de direito que é, justamente, a tratada no acórdão uniformizador. À semelhança do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, este pressuposto resulta da necessidade de tal identidade para aferir da oposição sobre a mesma questão de direito […].

O recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada está, assim, sujeito aos mesmos requisitos substanciais exigidos para o recurso de fixação de jurisprudência, isto é, é necessário que a oposição respeite à própria decisão e não aos fundamentos, bem como que se verifique identidade de facto quanto à mesma questão de direito.

Citando Alberto dos Reis, dizem Simas Santos e Leal Henriques "Dá-se a oposição sobre o mesmo ponto de direito quando a mesma questão foi resolvida em sentidos diferentes, isto é, quando à mesma disposição legal foram dadas interpretações ou aplicações opostas"[4] [5].

8. Enunciados, assim, os requisitos do recurso e passando no imediato à sua aferição, diz-se já que nada obsta ao seguimento do impugnação extraordinária do ponto de vista do formal: o Recorrente, na sua qualidade de arguido e de vencido na decisão tem legitimidade e interesse; o Acórdão Recorrido transitou em julgado; e o recurso foi interposto dentro dos 30 dias subsequentes.

9. Já não assim – antecipe-se – na perspectiva do substancial, onde falha o requisito da oposição de julgados, quer por via (i) da inidentidade da questão de direito na vertente da inidentidade da disposição legal aplicada, quer por via, de qualquer modo, (ii) da não divergência entre ao Acórdão Recorrido e o AFJ n.º 3/2007.

Com efeito:

10. Segundo a proposição interpretativa do AFJ n.º 3/2007 sempre referido, «[n]a vigência do artigo 50º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, a impugnação judicial tributária determinava, independentemente de despacho, a suspensão do processo penal fiscal e, enquanto esta suspensão se mantivesse, a suspensão da prescrição do procedimento penal por crime fiscal.».

Como linearmente decorre desse texto, o acórdão uniformizador foi tirado com referência ao art.º 50º n.º 1 do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, na redacção do Decreto-Lei n.º 394/93. Preceito que dispunha que, «[s]e estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição de execução, nos termos do Código de Processo Tributário, o processo penal fiscal suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças» e que se articulava com o art.º 15º do mesmo diploma, que estatuía que «[o] procedimento criminal por crime fiscal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do mesmo sejam decorridos cinco anos» – n.º 1 – e que «[o] prazo de prescrição do procedimento por crime fiscal suspende-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos do n.º 4 do artigo 43º e do artigo 50º» – n.º 2.

O RJIFNA veio a ser revogado e substituído pelo Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5.6, em vigor desde 5.7.2001 [6]

Passando o art.º 47º n.º 1[7] deste a dispor que «[s]e estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças» e o art.º 21º que «[o] procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos» – n.º 1 –, que «[o] disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos» – n.º 2 – e que «[o] prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º» – n.º 3.

Ora, acontece que o Acórdão Recorrido não fez aplicação do RJIFNA mas sim, e naturalmente, do RGIT, que era o vigente à data dos factos sob pronúncia[8] e sob cuja égide as condutas foram tipificadas e o procedimento penal se regeu[9].

E, de outro lado, e suposto que o Acórdão Recorrido tenha feito aplicação do art.º 47º n.º 1 do RGIT – no que se concede, mas apenas no sentido de que pode tê-lo tido presente no momento de decidir, que nenhuma referência expressa se lhe vê no texto –, a verdade é que, diferentemente do que o Recorrente logo afirma nos primeiros passos da motivação, o AFJ n.º 3/2007 não delimitou o sentido e o alcance dessa norma, mas sim da do art.º 50º n.º 1 do RJIFNA.

O que, tudo, significa que não se vê como possa haver um conflito interpretativo entre o Acórdão Recorrido e o AFJ n.º 3/2007, que nem sequer convocaram, ambos, a mesma norma legal!

Por isso que não podendo deixar de falhar o pressuposto material da identidade da questão de direito/norma legal aplicada que legitima o recurso contra jurisprudência fixada, de que os art.os 446º n.º 1 e 437º n.º 1 e 3[10] do CPP dão nota.

E não se diga em contrário do que acaba de afirmar que, embora formalmente distintos, os preceitos do art.º 50º n.º 1 do RJIFNA e do art.º 47º n.º 1 do RGIT se equivalem substancialmente por estabelecerem o mesmo enquadramento normativo, por isso que valendo para este a injunção uniformizadora daquele[11].

É que, salvo o devido respeito, não é, nem pode ser, assim!

Na verdade, e transcrevendo, de novo, de um aresto do STJ, desta feita do de 20.4.2015 - Proc. n.º 20/02.0IDBRG-X.G1-A.S1, in www.dgsi.pt, que tratou de uma situação manifestamente próxima da presente[12]:

─ «[Q]uando o Supremo Tribunal de Justiça profere um acórdão de fixação de jurisprudência terá que, por força do disposto no art. 437.º, do CPP, se verificar não só a existência de soluções opostas sobre a mesma questão jurídica, mas ainda que estas tenham sido proferidas "no domínio da mesma legislação" (art. 437.º, n.º 1, do CPP). Isto porque o que se pretende é, em nome de uma ideia de segurança e certeza jurídicas, obter uma identidade de decisões. E esta identidade só poderá ser plenamente estabelecida quando esteja em causa a mesma legislação. Além disto, uma qualquer solução jurídica deve ter por base não só o específico normativo que esteja em discussão, mas todo o regime em que este esteja enquadrado, sendo relevante não só todo o diploma em que se integra, mas todo o ordenamento jurídico em vigor.

Ora, no presente caso, estamos perante um recurso de uma decisão em que se invoca a sua não conformidade com um acórdão de fixação de jurisprudência; trata-se de um recurso que tem em vista a defesa de um interesse na unidade do direito. Porém, para que se possa afirmar esta unidade é necessário que as decisões sejam proferidas no âmbito da mesma legislação. Ora, nas duas decisões em confronto, […] o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2007 e o acórdão do Tribunal da Relação […], foram proferidos no âmbito de legislações distintas. No primeiro caso, a legislação em vigor era o Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de janeiro) e, no segundo caso, a legislação em vigor é o Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho […]. Fácil é constatar que a legislação subjacente a cada uma das decisões é diversa. Ainda que se pretenda dizer que os dispositivos em questão – art. 50.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 20-A/90, de 15.01, na redação dada pelo decreto-lei n.º 394/93, de 24.11 (RJIFNA) e art. 47.º da Lei n.º 15/2001, de 05.06 (RGIT) […] – são idênticos, o certo é que estão integrados no âmbito de diplomas distintos, pelo que caberia analisar a redação do art. 47.º da Lei n.º 15/2001 e verificar se se poderia dar a mesma solução que foi defendida no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2007. E não se diga que pelo facto de ao tempo em que o acórdão de fixação de jurisprudência foi proferido, e porque expressamente já se referiu a este novo diploma (RGIT), que aquela decisão pode ser aplicada a este – como se disse é necessário analisar todo o regime para que depois se possa (ou não) chegar à mesma conclusão que foi anteriormente alcançada. E só assim se pode entender tendo em conta que, se, por absurdo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não fosse de uniformização de jurisprudência, ainda que com solução distinta do acórdão do Tribunal da Relação […], não haveria fundamento para que se interpusesse recurso de uniformização de jurisprudência, uma vez que ambas as decisões não tinham sido proferidas no domínio da mesma legislação, ou seja, ambas não tinham aplicado as mesmas normas jurídicas. E como se sabe, é jurisprudência uniforme deste Tribunal este entendimento.

[…]

Assim sendo, entende-se que o acórdão do Tribunal da Relação […] não foi proferido contra jurisprudência fixada por este Tribunal, pelo que, não estando cumpridos os pressupostos do art. 446.º, do CPP, é rejeitado o recurso.».

As doutas considerações transcritas acomodam-se sem resto à hipótese sub judicibus e, na sua eloquência e proficiência, evidenciam que aqui, tal como ali, falece o pressuposto da identidade substancial do quadro normativo de que a oposição de julgados não prescinde.

Razões por que o recurso extraordinário não pode ter seguimento, havendo de ser rejeitado nos termos dos art.os 446º n.º 1, 437º n.os 1 e 3, 440º n.os 3 e 4 e 441º n.º 1, todos do CPP.

11. Mas ainda que assim não fosse e valendo-se o signatário, de novo, de uma transcrição, neste caso do AcSTJ de 23.4.2015 - Proc. n.º 523/08.3TAVIS.C1-A.S1[13], in www.dgsi.pt, para ilustrar o outro fundamento de rejeição antecipado, o da inexistência da oposição na perspectiva da inverificação de julgados divergentes:

─ «Nos termos do artº 446º do CPP, "é admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo correspondentemente aplicáveis" as disposições que regulam o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

Esta norma está directamente relacionada com a do nº 3 do artº 445º, que imediatamente a precede: embora a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça não seja obrigatória para os tribunais judiciais, "estes devem fundamentar as divergências relativas" a essa jurisprudência. Deve, pois, entender-se que é das decisões que, ao abrigo do nº 3 do artº 445º, divirjam da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça que se admite o recurso previsto no artº 446º, ou seja, das decisões que não aceitem essa jurisprudência, contestando-a. Não das decisões que, sem afrontarem a referida jurisprudência, deixem de aplicá-la, por desconhecimento ou por dela fazerem uma errada leitura.

Por outras palavras, para o efeito previsto no artº 446º, nº 1, decisões proferidas contra jurisprudência fixada são as que se inserem na categoria acabada de delimitar na norma anterior: aquelas que divergem dessa jurisprudência.

Só nesses casos se justifica que seja sempre admitido recurso para o Supremo […], na medida em que, sendo questionada a validade da jurisprudência por si fixada, se pode equacionar a necessidade de a reexaminar, de acordo com o nº 3 do mesmo artº 446º.

Nos casos em que a decisão não afirma qualquer divergência em relação à jurisprudência fixada, isto é, não nega a sua validade, mas a não aplica, por desconhecimento ou mau entendimento, o que pode haver é uma errada aplicação do direito, que, como todas as erradas aplicações do direito, pode ser impugnada na medida em que as vias normais o permitam. Não há, na verdade, qualquer justificação para que uma decisão que não põe em causa a validade da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça admita mais meios de impugnação do que uma decisão que aplica incorrectamente o direito.

Já assim não é no caso de divergência assumida.

Aí, porque é posta em causa a validade da jurisprudência fixada, há necessidade de decidir se ela continua válida. E isso só pode ser feito por meio do recurso extraordinário, visto que se pode colocar a questão do reexame dessa jurisprudência, para o qual só tem competência o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça. Só uma decisão desse tipo justifica o desencadeamento do mecanismo processual destinado a verificar se a jurisprudência fixada continua válida […].».

Ora, a clareza, a proficiência e a acomodabilidade ao caso das doutíssimas reflexões que se acabam de reproduzir, também aqui a demonstração da inverificação da divergência que fundamenta a oposição de julgados quase que dispensa considerações adicionais:

─ Como já assinalado e resulta do que dele se reproduziu em 3. supra, o Acórdão Recorrido não chegou a referir-se expressamente ao art.º 47º n.º 1 do RGIT. E muito menos o fez com relação ao AFJ n.º 3/2007.

─ Na visão que teve dos normativos convocáveis – o do art.º 7º do CPP, que mencionou; o do art.º 47º n.º 1 do RGIT, que teve, decerto, presente –, limitou-se a afirmar que, pese a pendência do procedimento tributário, a pretendida suspensão da instância dependia do juízo concreto que se fizesse sobre a respectiva conveniência e necessidade nos termos do n.º 2 do art.º 7º do CPP, para, depois, concluir que, in casu, a questão da prescrição do procedimento podia/devia ser averiguada no processo penal, sem necessidade de derrogação do princípio da suficiência – o mesmo é dizer, sem necessidade de suspensão dele – e sem qualquer prejuízo para as garantias de defesa.

─ Decisão que, boa ou má – não é, ora, o ponto –, não sendo susceptível de recurso ordinário para o STJ – art.º 400º n.º 1 al.ª c) do CPP –, transitou em julgado decorridos os 10 dias para pedido da sua reforma quanto a nulidades, erros materiais ou custas.

─ Assim e em bom rigor, o Acórdão Recorrido não divergiu do AFJ n.º 3/2007 no sentido que assinala o AcSTJ de 23.4.2015 e que traduz entendimento pacífico neste Supremo Tribunal: não se lhe referiu, directa ou indirectamente, muito menos contestou expressamente a sua doutrina; pura e simplesmente, parece tê-lo ignorado, na convicção de que – parece também – não tinha aplicabilidade in casu.

─ Não há, por tudo, que repensar a proposição interpretativa em recurso contra jurisprudência fixada, que a sua validade não foi aqui questionada. Ou – é o mesmo –, não se verifica o pressuposto material da divergência entre o Acórdão Recorrido e ao AFJ n.º 3/2007 que a oposição de julgados supõe, por isso também por aqui falecendo esse pressuposto material do recurso extraordinário.

─ O que, igualmente, constitui causa de rejeição do recurso nos termos dos art.os 446º n.º 1, 437º n.os 1 e 3, 440º n.os 3 e 4 e 441º n.º 1, todos do CPP, também por este motivo não podendo a impugnação ter seguimento.

Termina dizendo pronunciar-se pela rejeição do recurso nos termos dos artigos 440.º, n.ºs 3 e 4 e 441.º do CPP, por inverificado o requisito substancial da oposição de julgados exigido pelos artigos 446.º, n.º 1 e 437.º do CPP.


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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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Questão prévia - Erro na espécie de recurso


A impugnação de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça processa-se mediante o recurso extraordinário de decisão contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, regulado nos artigos 446.º e 448.º do Código de Processo Penal.

No caso presente, dizendo fazê-lo nos termos do disposto no artigo 446.º do Código de Processo Penal, veio o recorrente apresentar requerimento de interposição de recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, invocando como fundamento a oposição entre o acórdão recorrido e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2007 (Processo n.º 256/06 – 3.ª Secção).

No presente recurso extraordinário o recorrente defende que foi violada a orientação definida no Assento n.º 3/2007, de 12 de Outubro de 2006, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 37, de 21 de Fevereiro de 2007, a qual deveria ter sido aplicada, no acórdão ora recorrido proferido no dia 12 de Fevereiro de 2019.

Estando-se face a manifesto erro na espécie de recurso/forma de processo, é possível a correcção oficiosa, ao abrigo do disposto no artigo 193.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4.º do CPP.

Tal correcção faz-se com aproveitamento dos dados presentes.

De resto, tal correcção/convolação tem sido atendida em casos de convolação de recurso extraordinário para recurso ordinário.

No acórdão de 26-06-2013, proferido no processo n.º 83/04.4IDCBR.C12.-A.S1-5.ª Secção, em caso em que estava em causa alegada violação da fixação/uniformização do entendimento expresso no AFJ n.º 8/2012, face a recurso interposto antes do trânsito em julgado, foi entendido haver erro na forma de processo, o que não implica desaproveitamento dos actos que possam ser aproveitados, devendo seguir segundo nova forma, nos termos do artigo 199.º do CPC, aplicável por força do artigo 4.º do CPP.

No acórdão de 8-01-2015, por nós relatado no processo n.º 1039/10.3IDLSB.L1.S1, em caso em que estava igualmente em causa alegada violação da fixação de jurisprudência expressa no AFJ n.º 8/2012, sendo intempestivo o recurso extraordinário (o Ministério Público interpusera o recurso no dia anterior do termo final do prazo), foi entendido dever prosseguir como recurso ordinário, nestes termos:

“Sucedendo ao artigo 199.º do Código de Processo Civil – erro na forma do processo –  o artigo 193.º inovou, prescrevendo no n.º 3, a possibilidade de correcção oficiosa do meio processual, determinando-se que se sigam os termos processuais adequados”, sendo decidido:

I - Rejeitar o presente recurso, enquanto configurado como recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, previsto no artigo 446.º do CPP, por intempestividade, in casu, por defeito (prematuridade), nos termos dos artigos 446.º, n.º 1, 414.º n.º 2 e 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP;

II - Não conhecer do recurso enquanto configurado como recurso ordinário;

III - Determinar o seguimento do presente recurso, classificado como extraordinário, como recurso ordinário, no Tribunal da Relação de Lisboa, a fim de aí se decidir se o acórdão recorrido afrontou ou não a uniformização de jurisprudência fixada pelo AFJ n.º 8/2012”.

       

Pereira Madeira, em Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 1599, comentando o preceito, afirma: 

“A localização sistemática do artigo inculca a ideia de que se trata de regulamentar aqui um recurso extraordinário por violação de jurisprudência fixada. Tão extraordinário que a sua interposição pressupõe o trânsito em julgado da decisão recorrida. Obviamente que a possibilidade de recurso extraordinário não afasta a possibilidade de esgotamento dos recursos ordinários, seja porque a eles se lançou mão sem êxito, seja porque, não importa o motivo, se deixou precludir o direito a recorrer, mormente por trânsito em julgado da decisão recorrida. Porém, se o recurso é interposto antes do trânsito em julgado da decisão, ele deverá seguir o rumo do recurso ordinário, já que, por essa via bem pode acontecer que seja posto termo à impugnada violação de jurisprudência, não se justificando, por isso, o recurso ao meio extraordinário, que justamente porque o é, só deve ser usado quando [já] não seja possível lançar mão dos meios ordinários de solução do litígio. (Sublinhado nosso).

 

Concluindo.


No caso presente, estando em causa alegada violação da jurisprudência fixada no Acórdão do supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2007, os autos prosseguirão como recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada.


Apreciando.

    

Requisitos primários – Legitimidade e tempestividade.

Constituem requisitos primários do presente recurso extraordinário a legitimidade do recorrente e a tempestividade do mesmo.

Inserto no Livro IX do Código de Processo Penal – Dos Recursos – no Título II - Dos Recursos Extraordinários – e integrado no Capítulo I, o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça está previsto no artigo 446.º (correspondente ao artigo 670.º do Código de Processo Penal de 1929).  

Estabelece o artigo 446.º do Código de Processo Penal:

1 – É admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo.

2 – O recurso pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.

3 – O Supremo Tribunal de Justiça pode limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, apenas devendo proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada.

[O n.º 1 tem a redacção introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007, mantendo-se o preceito inalterado nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, Diário da República, 1.ª série, n.º 40, de 26-02-2008 (Regulamento das Custas Processuais – altera artigos 374.º, 376.º, 377.º, 397.º, 510.º a 515.º, 517.º, 519.º a 521.º e 524.º, adita artigo 107.º-A, e republica no anexo II o livro XI do CPP), pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto (Diário da República, 1.ª série, n.º 166, de 28-08, aprova a Nova LOFTJ e opera a 17.ª alteração) que pelo artigo 161.º altera os artigos 318.º, 390.º e 426.º-A, pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro (Diário da República, 1.ª série, n.º 197, de 12-10-2009, que Aprova o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e procede a alterações às LOFTJ 3/99 e 52/2008 e no CPP altera os artigos 470.º, 477.º, 494.º, 504.º e 506.º e adita ao livro X o artigo 491.º-A), pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto (Diário da República, 1.ª série, n.º 168, de 30 de Agosto, 19.ª alteração ao CPP, que altera os artigos 1.º, 68.º, 69.º, 86.º, 103.º, 194.º, 202.º, 203.º, 219.º, 247.º, 257.º, 276.º, 333.º, 334.º, 379.º, 382.º, 383.º, 384.º, 385.º, 386.º, 387.º, 388.º, 389.º, 390.º, 391.º, 391.º- A, 391.º- B, 391.º- D, 391.º - E, 391.º - F e 393.º), pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 37, de 21-02, opera a 20.ª alteração do CPP, e introduz alterações aos artigos 13.º, 14.º, 16.º, 40.º, 61.º, 64.º, 99.º, 101.º, 103.º, 141.º, 144.º, 145.º, 154.º, 155.º, 156.º, 172.º, 194.º, 196.º, 214.º, 260.º, 281.º, 287.º, 315.º, 337.º, 340.º, 342.º, 356.º, 357.º, 364.º, 379.º, 381.º, 382.º, 383.º, 384.º, 385.º, 387.º, 389.º, 389.º-A, 390.º, 391.º-B, 397.º, 400.º, 404.º, 411.º, 413.º, 414.º, 417.º e 426.º), pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto (aprova o Regime do segredo de Estado e altera o artigo 137.º, n.º 3), pela Lei n.º 27/2015, de 14 de Abril (Diário da República, 1.ª série, n.º 72, de 14-04, opera a 22.ª alteração – altera os artigos 105.º, 283.º, 284.º, 285.º, 315.º, 316.º, 328.º, 364.º, 407.º e 412.º e adita o artigo 328.º-A), pela Lei n.º 58/2015, de 23 de Junho (Diário da República, 1.ª série, n.º 120, procede à 23.ª alteração, actualizando a definição de terrorismo e alterando o teor da alínea i) do artigo 1.º), pela Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 173, procede à 23.ª (rectius, 24.ª) alteração e aprova o Estatuto da Vítima, alterando os artigos 68.º, 212.º, 246.º, 247.º, 292.º e 495.º e adita artigo 67.º-A), Lei n.º 1/2016, de 25 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 39, que procede à 25.ª alteração ao CPP, eliminando a possibilidade de aplicação do processo sumário a crimes puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, alterando os artigos 13.º, 14.º, 16.º, 381.º, 385.º, 387.º, 389.º e 390.º), Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro, Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio (Diário da República, 1.ª série, n.º 100), Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio  (Diário da República, 1.ª série, n.º 104) procede à 27.ª alteração – artigos 58.º, 178.º, 186.º, 192.º, 227.º, 228.º, 268.º, 335.º, e 374.º e adita artigo 347.º-A,  Lei n.º 1/2018, de 29 de Janeiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 20 – 30.ª alteração – artigos 113.º, 287.º, 315.º e 337.º, pela Lei n.º 49/2018, de 14 de AgostoDiário da República, 1.ª série, n.º 156 - artigo 131.º-1, pela Lei n.º 71/2018, de 31 de DezembroDiário da República, 1.ª série, n.º 251 - artigo 113.º-13, Lei n.º 27/2019, de 28 de MarçoDiário da República, 1.ª série, n.º 62 - artigo , Lei n.º 33/2019, de 22 de MaioDiário da República, 1.ª série, n.º 98 – 33.ª alteração; e Lei n.º 101/2019, de 6 de SetembroDiário da República, 1.ª série, n.º 171 - artigo 200.º)].


Para melhor se entender o alcance da inovação introduzida em 2007, passa-se a transcrever a redacção anterior do preceito.

Estabelecia então o artigo 446.º do Código de Processo Penal, na redacção originária do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1988, sob a epígrafe “Recursos de decisão proferida contra jurisprudência obrigatória”:

1 – O Ministério Público recorre obrigatoriamente de quaisquer decisões proferidas contra jurisprudência obrigatória, sendo o recurso sempre admissível.

2 – Ao recurso referido no número anterior são correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo.


Com a revisão de 1998 (Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto), passou a estabelecer:

1 – O Ministério Público recorre obrigatoriamente de quaisquer decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, sendo o recurso sempre admissível.

2 – Ao recurso referido no número anterior são correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo.

3 – O Supremo Tribunal de Justiça pode limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, apenas devendo proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada.


Tal como aconteceu com o n.º 1, no n.º 3, foi substituída a originária designação de jurisprudência obrigatória por jurisprudência fixada.

 

O recurso em causa não dispunha de regulamentação própria directa, decorrendo do então n.º 2 do artigo 446.º nas duas versões, que o regime a aplicar seria o correspondente aos recursos para fixação de jurisprudência e recursos no interesse da unidade do direito, recorrendo-se, de acordo com o artigo 448.º, nos casos omissos e subsidiariamente, às normas que disciplinavam os recursos ordinários.

Para além do mais, era patente o recurso não ter norma própria quanto a prazos de interposição, diversamente dos prazos de 30 dias previstos para a fixação de jurisprudência - artigo 438.º, n.º 1 - e para os recursos no interesse da unidade do direito - artigo 447.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal.      

Ali, devendo o recurso ser interposto no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

No último, prevendo a possibilidade de interposição de recurso de decisão transitada “há mais de trinta dias”.

Relativamente à lacuna quanto a prazo de interposição do recurso, defendeu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-09-1996, processo n.º 697/96, publicado na CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 146, que o recurso devia ser interposto no prazo geral de 10 dias, a contar da notificação da decisão.

Não era então possível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça.

Conforme então decidiu o citado acórdão de 26-09-1996, processo n.º 697/96, in CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 146, a lei não permitia que da decisão do juiz singular pudesse recorrer-se directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, afirmando que da decisão do juiz singular proferida contra jurisprudência obrigatória recorria-se, em primeiro lugar, para o Tribunal da Relação, podendo, depois, recorrer-se para o Supremo Tribunal de Justiça.

A nova redacção, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (Diário da República, I Série, n.º 166, de 29-08, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, Suplemento n.º 207, de 26 de Outubro, por seu turno, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, Diário da República, n.º 216, de 09 de Novembro), entrada em vigor em 15-09-2007, veio, para além do mais (previsão de recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, alargamento do leque de recorrentes e definição do âmbito de cognição deste Supremo Tribunal), clarificar a aludida lacuna quanto ao prazo de interposição de recurso e transpor a solução constante do artigo 438.º, dispondo-se no n.º 1 do artigo 438.º (inalterado em 2007, 2008, 2009, 2010, 2013, 2015, 2016 e 2018) que o recurso para a fixação de jurisprudência é de interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. (Neste sentido, os acórdãos por nós relatados de 16-01-2008, processo n.º 4818/07, de 8-01-2015, processo n.º 1039/10.3IDLSB.L1.S1, de 1-02-2017, processo n.º 446/07.3ECLSB.L1-C.S1).

Significa isto que o recurso a interpor nos termos do artigo 446.º do Código de Processo Penal deverá ter lugar dentro dos 30 dias subsequentes ao trânsito da decisão de que se pretende recorrer. 

Pressuposto incontornável do presente recurso extraordinário é o trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo de exigir a verificação do requisito do prévio trânsito em julgado, por esgotada a possibilidade de recurso ordinário.


Da oposição de julgados

Requisito substancial de admissibilidade do recurso é a oposição entre a decisão recorrida e o acórdão de fixação de jurisprudência.

Como requisito fundamental deste recurso extraordinário a lei exige que a decisão recorrida tenha decidido em sentido divergente ao do acórdão uniformizador, por não acatamento da sua doutrina, caso em que o tribunal que assim decida terá de fundamentar a sua divergência – acórdão de 3-02-2011, processo n.º 38/07.7GBSTB.E1-A.S1 - 3.ª Secção.

O recurso extraordinário de decisão contra jurisprudência fixada tem como escopo fundamental, não a tutela do caso concreto, não sendo o remédio jurídico de primeira linha para um erro de julgamento, sendo antes um meio de proporcionar a reanálise da jurisprudência fixada, designadamente, quando surjam argumentos novos, não anteriormente ponderados, ou quando a jurisprudência fixada se encontra ultrapassada.

(Sobre o condicionalismo que poderá atingir a jurisprudência fixada, podem ver-se Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2.ª edição revista, 2016, pág. 1493, nota 7, e os acórdãos de 3 de Abril de 2008, proferido no processo n.º 689/08, da 5.ª Secção; de 03-06-2009, proferido no processo n.º 21/08.5GAGDL.S1-5.ª, de 19-01-2011, processo n.º 1/08.0GAPRT.S1-3.ª; de 23-05-2012, proferido no processo n.º 244/11.0TTBGC.P1-A.S1-3.ª e de 4-06-2014, proferido no processo n.º 41/07.7IDSRR.S1-3.ª).


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A norma do artigo 446.º do Código de Processo Penal conexiona-se directa e sequencialmente com o antecedente artigo 445.º do CPP, igualmente inserto no Título II, dedicado aos recursos extraordinários, ora no Capítulo I, prevendo o recurso para fixação de jurisprudência.

O preceito em causa tem como fundamento a necessidade de fazer acatar a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em acórdão uniformizador, que ao tempo dos “Assentos”, era obrigatória para os tribunais judiciais, como decorria então do disposto no artigo 445.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, antes da revogação do artigo 2.º do Código Civil pelo artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (corporizando com o Decreto-Lei n.º 180/96, de 25-09, a Reforma do Processo Civil de 1995/1996).

Antes, de acordo com o n.º 1 do artigo 445.º do CPP, a decisão uniformizadora de jurisprudência, para além de aplicável ao próprio processo em que o recurso fora interposto, sem prejuízo do disposto no artigo 443.º, n.º 3, constituía jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais.

Actualmente o artigo 445.º do CPP, sob a epígrafe “Eficácia da decisão”, estabelece:

1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 443.º, a decisão que resolver o conflito tem eficácia no processo em que o recurso foi interposto e nos processos cuja tramitação tiver sido suspensa nos termos do n.º 2 do artigo 441.º

2 - O Supremo Tribunal de Justiça, conforme os casos, revê a decisão recorrida ou reenvia o processo.

3 - A decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão.


A redacção do n.º 1 e do n.º 3, sendo que este n.º não tinha correspondente na versão originária, foi introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1999.

As alterações introduzidas no n.º 1 e o aditamento do n.º 3 visaram aproximar o regime dos recursos para uniformização de jurisprudência em processo civil – então constante dos artigos 732.º-A e 732.º-B do Código de Processo Civil – e em processo penal, e sobretudo acatar a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que quebrara a força vinculativa genérica dos assentos.

Aliás, o relatório preambular do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que introduziu alterações no CPC, referia-se à quebra pela jurisprudência constitucional da força vinculativa genérica dos assentos e a imposição do princípio da sua ampla revisibilidade.

Após a publicação deste Decreto-Lei, mas ainda antes da sua entrada em vigor (inicialmente marcada para 1 de Março de 1996, de acordo com o artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, a vigência do diploma foi objecto de adiamentos, pela Lei n.º 6/96, de 29 de Fevereiro, que diferiu o início de vigência para 15 de Setembro, e finalmente, pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, que deu nova redacção àquele artigo 16.º, marcando a entrada em vigor para 1 de Janeiro de 1997) o Tribunal Constitucional pelo Acórdão n.º 743/96, de 28 de Maio de 1996, proferido no processo n.º 240/94, da 1.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 165, de 18-07-1996 e no BMJ n.º 457, pág. 98, decidiu:

«Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 2.º do Código Civil, na parte aos tribunais competência para fixar doutrina com força obrigatória geral, por violação do disposto no artigo 115.º, n.º 5, da Constituição».

Já anteriormente o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 810/93, de 7 de Dezembro de 1993, processo n.º 474/88 da 1.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 51, de 2-03-1994, no BMJ n.º 432, pág. 85 e na RLJ Ano 127.º, págs. 35 e 63, julgara inconstitucional a norma do artigo 2.º do Código Civil na parte em que atribuía aos tribunais competência para fixar doutrina com força obrigatória geral, por violação do disposto no artigo 115.º da Constituição.

(Depois de o n.º 1 definir como actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais, o n.º 2 dispõe: “Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”).

A doutrina assim definida foi perfilhada nos acórdãos n.º 407/94 e 410/94, passando a ser orientação jurisprudencial do Tribunal Constitucional.

Na esteira do acórdão n.º 810/93, o Decreto-Lei n.º 329.º-A/95 – artigo 4.º, n.º 2 – pôs termo à existência do instituto dos assentos e revogou o artigo 2.º do Código Civil.


Na antecâmara da revisão de 1998, na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 157/VII, Diário da Assembleia da República, II Série - A, n.º 27, de 28 de Janeiro de 1998, no n.º 16, respeitante a alterações em matéria de recursos, constava:

h) Altera-se o regime do recurso para uniformização da jurisprudência, valorizando as ideias de independência dos tribunais e de igualdade dos cidadãos perante a lei e evitando os riscos de rigidez jurisprudencial. 


Como refere Pereira Madeira em comentário ao preceito no Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 1591, nota 3: “Não se trata de jurisprudência de observância obrigatória, como resulta claro do n.º 3. Porém, os tribunais judiciais que doravante divirjam dela, terão de fundamentar as divergências relativas àquela jurisprudência. Esta menção explícita à necessidade de fundamentação das divergências inculca a ideia de que se exige aqui uma fundamentação mais aprofundada, completa e cuidada do que o habitual, pois de outra forma o artigo seria neste ponto meramente redundante, atenta a imposição geral de fundamentação de todas as decisões judiciais que não sejam de mero expediente (art. 205.º, n.º 1, da Constituição). Como tem sido enfatizado pelo STJ, o tribunal judicial divergente não pode limitar-se ao desacato da jurisprudência uniformizada, sem adiantar qualquer relevante argumento novo não ponderado ainda, sem percepção de alteração notória nas concepções ou da composição do Supremo, vg, através de arestos publicados, baseando essa divergência tão-somente na convicção de que aquela não é a melhor solução legal”.

Na 2.ª edição revista, de 2016, veja-se o que consta da pág. 1486, notas 3 e 4.


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Como se colhe dos acórdãos de 2-04-2008, proferido no processo n.º 408/08 e de 23-04-2008, proferido no processo n.º 893/08, ambos da 3.ª Secção e do mesmo Relator:

“O recurso obrigatório para o MP, previsto no art. 446.º do CPP, visa garantir o controle do respeito pela jurisprudência fixada sem se pretender desautorizar o STJ na sua função uniformizadora da aplicação da lei, além de se assegurar margem de iniciativa aos tribunais de instância no provocar do seu eventual reexame, com inegáveis vantagens no caso de se entender que a jurisprudência está desactualizada”.

Sobre esta norma disse o acórdão de 3 de Abril de 2008, proferido no processo n.º 689/08, da 5.ª Secção:

“O n.º 3 do art. 445.º do CPP, na redacção dada pela Lei 59/98, veio permitir que os tribunais judiciais se afastassem da jurisprudência fixada pelo STJ, desde que fundamentem as divergências em relação à jurisprudência fixada.

Este dever de fundamentação não corresponde ao dever geral de fundamentação das decisões judiciais (arts. 97.º, n.º 4 e 374.º do CPP), mas traduz-se num dever especial de fundamentação destinado a explicar as razões de divergência em relação à jurisprudência fixada.  

Quis então o legislador que o eventual afastamento, por parte dos tribunais judiciais, da jurisprudência fixada, pudesse gerar uma “fiscalização difusa” da jurisprudência fixada (art. 446.º, n.º 3, do CPP)

De seguida, enuncia as únicas três razões que podem levar um tribunal judicial a afastar-se da jurisprudência fixada.

Mas acrescenta que seguramente tal não sucederá quando o Tribunal Judicial não acata a jurisprudência uniformizada, sem adiantar qualquer argumento novo, sem percepção da alteração das concepções ou da composição do STJ, baseado somente na sua convicção de que aquela não é a melhor solução ou a “solução legal”. 

E finaliza, afirmando: «Se o TC vem emitindo um juízo de inconstitucionalidade de norma interpretada por um acórdão uniformizador de jurisprudência, deve o STJ reexaminar a posição assumida no acórdão uniformizador de jurisprudência».

Segundo o acórdão de 3-6-2009, proferido no processo n.º 21/08.5GAGDL.S1-5.ª Secção, em caso em que a decisão recorrida assumiu explicitamente que não seguia a jurisprudência fixada no Acórdão n.º 8/2008, de 25 de Junho, relativo à vigência do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01: “Dizem n.ºs 1 e 3 do art 446.º que, no caso de “qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele (STJ) fixada, este Supremo Tribunal “pode limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, apenas devendo proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada”. Assim, a lei indica que a regra é a de que a jurisprudência fixada deverá ser seguida, se necessário ordenando-se a sua observância.

Mais recentemente, o acórdão de 30-11-2011, proferido no processo n.º 55/10.0PFSTB.E1.S1-5.ª Secção, afirmou: “Os acórdãos de fixação de jurisprudência tirados pelo pleno das secções criminais do STJ deixaram de ser obrigatórios para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências, quando decidam de maneira diversa, afrontando a jurisprudência fixada. Em tal caso, a lei prevê como admissível recurso directo para o STJ, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo aplicáveis ao recurso as regras do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência (art. 446.º do CPP). Ao permitir que os tribunais decidam de maneira diversa, a lei pretende revitalizar a jurisprudência e criar condições para a sua reformulação ao longo do tempo, do mesmo passo que estimula a criatividade jurisprudencial, pela busca de novas perspectivas e de novos argumentos. No caso, a decisão recorrida «repescou» os argumentos da posição minoritária para violar a jurisprudência fixada pelo Ac. n.º 8/2008, nada trazendo de novo, pelo que é de determinar a sua substituição por outra que aprecie o requerimento do M.º P.º de acordo com a jurisprudência fixada”.

Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-01-2012, proferido no processo n.º 395/08.8PBSTB-A.S1-5.ª Secção, “Os acórdãos de fixação de jurisprudência tirados pelo pleno das secções criminais do STJ deixaram de ser obrigatórios para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências em relação a tais arestos, quando decidam de maneira diversa, prevendo a lei recurso directo para o STJ, que pode limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, ou a proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada (art. 446.º, n.º 3, do CPP).

A sentença recorrida, se bem que fundamentada, limita-se a repetir argumentos que não obtiveram vencimento no acórdão de fixação de jurisprudência, não trazendo argumentos novos”.        

Para o acórdão de 11-04-2012, processo n.º 3786/02.4TDLSB-C1-C.S1-3.ª Secção: “Constitui pressuposto básico do recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ que as duas decisões, ou seja, a recorrida e a de fixação de jurisprudência, hajam sido proferidas no domínio da mesma legislação - cf. o n.º 1 do art. 446.º e o n.º 1 do art. 437.º do CPP”.

Segundo o acórdão de 23-05-2012, proferido no processo n.º 244/11.0TTBGC.P1-A.S1, da 3.ª Secção, “O recurso extraordinário contra jurisprudência fixada tem como requisito substancial de admissibilidade, a oposição entre a decisão recorrida e a jurisprudência fixada pelo STJ; ou seja, um acórdão uniformizador de jurisprudência, tirado em julgamento, em conferência, pelo pleno das secções criminais, presidida pelo Presidente do STJ, nos termos do artigo 443.º do CPP e sujeito a publicação na 1.ª série do DR. 

A jurisprudência tem apontado como factos-índice que podem levar um tribunal judicial a afastar-se da jurisprudência fixada pelo STJ pelo facto de estar ultrapassada quando:

 - o tribunal tiver desenvolvido um argumento novo ou argumentos novos e de grande valor não ponderado no acórdão uniformizador (no texto ou em eventuais votos de vencido), susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada;

- se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados por forma a que, na actualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso”.

(NOTA: Em causa estava o Assento n.º 2/94, de 10-03-1994, proferido no processo n.º 45325, publicado no Diário da República I-A, de 07-05-1994 e no BMJ n.º 435, pág. 49, que versou sobre a natureza do prazo previsto no artigo 59.º, n.º 3, do DL n.º 433/82, de 27-10, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17-10) e a Lei n.º 107/09, de 14-09, relativa a processo de contra-ordenação laboral e de segurança social – contagem de prazo).

Diz o acórdão de 25-10-2012, proferido no processo n.º 393/08.1ECLSB.L1-B.S1-5.ª Secção: A norma do artigo 446.º está directamente relacionada com a do n.º 3 do artigo 445.º, que imediatamente a precede: embora a jurisprudência fixada pelo STJ não seja obrigatória para os tribunais judiciais, «estes devem fundamentar as divergências relativas» a essa jurisprudência.

No voto de vencido, que mereceu voto de adesão do Presidente da Secção, pode ler-se: “O recurso existe, primacialmente, para que o STJ defenda a validade da decisão tomada pelo Pleno das Secções Criminais, obrigando o tribunal que dela se desviou, sem fundamento válido e inovador, a se conformar com jurisprudência fixada, já que a mesma, por lei, não tem força vinculativa geral”.

No acórdão de 17-01-2013, por nós relatado no processo n.º 430/09.2TATVD.L1.S1-3.ª, foi revogado o acórdão recorrido de modo a observar a orientação jurisprudencial fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013, de 15 de Novembro de 2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 4, de 7 de Janeiro de 2013, respeitante a admissibilidade de dedução de pedido cível em processo crime relativo a abuso de confiança contra a segurança social. (No caso, o Tribunal da Relação de Lisboa revogara a sentença que condenara no pedido deduzido pelo ISS.IP).

Para o acórdão de 28-02-2013, proferido no processo n.º 90/06.2TAPMS-B.S1-5.ª Secção “A decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, para o efeito do art. 446.º do CPP, é, necessariamente, a que foi proferida depois de publicado no DR o AUJ (art. 444.º, n.º 1, do CPP), pois só então a jurisprudência uniformizadora assume o carácter moderadamente vinculativo, imposto para os tribunais judiciais. Como do acórdão recorrido não cabia recurso ordinário, o mesmo transitou em julgado no prazo geral de 10 dias a contar da notificação, pois é esse o prazo para arguir nulidades, ou para pedir a aclaração ou rectificação de erros (cfr. artigo 105.º, n.º 1, do CPP), ou, então, para interpor recurso para o TC (cfr. art 75.º, n.º 1, da LTC). Não relevam, para o efeito da data do trânsito, os 3 dias úteis durante os quais o acto ainda pode ser praticado com o pagamento de uma multa (art. 145.º do CPC), pois, como refere a norma, trata-se dos «três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo»”.

No acórdão de 21-03-2013, proferido no processo n.º 34/08.7ECLSB-B.S1-3.ª Secção, o recurso foi rejeitado por o acórdão recorrido alegadamente violador da orientação fixada ainda não ter transitado em julgado.

Segundo o acórdão de 12-09-2013, proferido no processo n.º 267/09.9PGALM.L1-A.S1-3.ª Secção – A impugnação de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ não se processa através do recurso para fixação de jurisprudência, regulado nos artigos 437.º a 445.º e 448.º do CPP, antes mediante o recurso de decisão contra jurisprudência fixada pelo STJ, recurso regulado nos artigos 446.º e 448.º do CPP.

O critério de aferição da existência de decisão proferida contra jurisprudência fixada, conquanto a lei adjectiva penal o não enuncie expressamente, não pode deixar de ser o da oposição de julgados, critério aplicável ao recurso de fixação ou uniformização de jurisprudência, previsto no n.º 1 do artigo 437.º do CPP.

No acórdão de 26-09-2013, proferido no processo n.º 454/06.1PASTB.P1-B.S1-5.ª Secção, pode ler-se:

Como pressuposto deste recurso extraordinário, que agora pode ser interposto directamente para o STJ, enquanto que, na vigência da redacção anterior, se entendia (jurisprudencialmente) que era necessário esgotar primeiro os recursos ordinários, a lei exige que a decisão recorrida tenha decidido em sentido divergente ao do acórdão uniformizador de jurisprudência, por não acatamento da sua doutrina. Falta este pressuposto quando o acórdão recorrido foi proferido em data anterior ao AFJ. Como tal, o acórdão recorrido não podia ter decidido em sentido divergente àquele aresto, que ainda não existia, não acatando a sua doutrina.

Não é admissível ao recorrente socorrer-se do recurso previsto no art. 446.º do CPP e, para a hipótese de insucesso, lançar mão, enquanto pedido subsidiário, do recurso para fixação de jurisprudência a que alude o art. 437.º do mesmo Código.

De acordo com o acórdão de 17-10-2013, proferido no processo n.º 5/05.5TELSB-O.S1-5.ª Secção, o artigo 446.º do CPP não reclama, como pressuposto do recurso extraordinário contra jurisprudência fixada pelo STJ, a existência de um acórdão que contrarie jurisprudência fixada. Refere-se o n.º 1 do artigo 446.º a qualquer decisão.

(Neste sentido se pronunciara já o acórdão de 7 de Julho de 2010, proferido no processo n.º 287/99, CJSTJ 2010, tomo 2, pág. 221, “A figura de “decisão sumária” integra o conceito de “qualquer decisão” a que se refere o art. 446.º do CPP como pressuposto do recurso de decisão contara jurisprudência fixada).

No acórdão de 29-10-2013, proferido no processo n.º 16136/09.0IDPRT.P1-A.S1-5.ª Secção, teve lugar rejeição do recurso por extemporaneidade.

Refere o acórdão de 21-11-2013, proferido no processo n.º 189/02.4TABGC.P1-A.S1-5.ª Secção: O acórdão recorrido suspendeu a execução da pena de prisão fixada pela prática de crimes de abuso de confiança fiscal e de fraude fiscal, sob a condição do condenado, no período de suspensão, proceder ao pagamento do imposto devido e dos legais acréscimos.

Segundo o AFJ 8/2012, nos crimes fiscais não se exige ao julgador apenas o juízo de prognose acerca da adequação da mera censura do facto e da ameaça, da prisão às necessidades de prevenção geral e especial, conveniência da suspensão, mas, em resultado da imposição legal da condição de pagamento da dívida fiscal, também um juízo sobre a real dimensão do dever imposto.

É obrigatória a formulação de um juízo de prognose sobre a razoabilidade da satisfação dessa condição legal pelo condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, sob pena de a decisão estar ferida de nulidade por omissão de pronúncia, mas sendo omitida essa ponderação, anula-se a decisão recorrida, a fim de ser substituída por outra que observe a jurisprudência fixada.

Como se extrai do acórdão de 27-11-2013, proferido no processo n.º 432/06.0JDLSB-P.S1-3.ª Secção – No caso de desrespeito pela jurisprudência fixada pelo STJ, consumada através duma decisão judicial posterior, o emprego do recurso extraordinário a que alude o art. 446.º do CPP está justificado. No entanto, importa precisar que a tipologia do recurso em causa tem inscrita, na sua concretização prática, a aplicabilidade das regras processuais relativas ao recurso para fixação de jurisprudência.    

Segundo o acórdão de 12-12-2013, proferido no processo n.º 533/04.0TAAB T-C.S1-5.ª Secção – Não tem lugar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência quando um acórdão do STJ ou da Relação está em oposição com um acórdão de fixação de jurisprudência.

Neste caso o que há é uma decisão contra jurisprudência fixada (art. 446.º do CPP).

Para o acórdão de 29-01-2014, proferido no processo n.º 29/08.0IDAVR-A.S1-5.ª Secção, “O recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ é um recurso extraordinário que, independentemente dos recursos ordinários que a decisão admita, permite ao próprio STJ controlar decisões contrárias à jurisprudência que fixou, garantindo a coerência e estabilidade da jurisprudência.

Não se pode falar em violação da jurisprudência fixada, quando o AFJ (no caso o n.º 8/2012) determina que seja levado a efeito «um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta condição económica, presente e futura» e tal juízo foi efectuado na decisão recorrida.

Diz o acórdão de 12-02-2014, proferido no processo n.º 85/11.4GSTB.L1-A.S1-3.ª Secção: “O art. 446.º, n.º 1, do CPP prevê um recurso extraordinário para as decisões proferidas contra jurisprudência que esteja fixada pelo STJ nos termos dos arts. 437.º e ss. do CPP.

Só há violação da jurisprudência fixada quando a doutrina estabelecida sobre a questão de direito nela tratada venha a ser infringida ou contrariada.

Como o acórdão recorrido não manifestou divergência relativamente à doutrina vertida no AFJ n.º 7/95 [de 19-10-1995, Diário da República, I Série, de 28-12], ou seja, como não defendeu que os vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP não são de conhecimento oficioso, mas apenas que, no caso em apreciação, nenhum desses vícios se verificava, não há violação da jurisprudência fixada, devendo o recurso interposto ao abrigo do art. 446.º, n.º 1, do CPP ser rejeitado.

Como refere o acórdão de 12-02-2014, proferido no processo n.º 34/11.0GAPND-C.S1-3.ª Secção “A jurisprudência fixada pelo AFJ 11/2013 teve por objecto a proibição da convolação antes de ser produzida a prova, em audiência.

A decisão recorrida não contraria a jurisprudência fixada se a convolação ocorreu após a produção de prova em audiência, integrando o dispositivo do acórdão condenatório”. 

De acordo com o acórdão de 13-02-2014, processo n.º 432/06.0JDLSB-O.S1-5.ª Secção, “Conquanto a lei processual penal não o afirme expressamente, para apurar da existência de decisão proferida contra jurisprudência fixada, o critério a utilizar é o da oposição de julgados que, usado no recurso de uniformização de jurisprudência (art. 437.º do CPP), há-de aplicar-se também a este recurso extraordinário, por via do n.º 1 do art. 446.º do CPP”.

O recurso foi rejeitado por a questão de direito não ser idêntica à versada no Assento de 24-06-1992, Diário da República, I Série, de 6-08 e BMJ n.º 418, pág. 327 (artigo 403.º do CPP e princípio da cindibilidade).

Para o acórdão de 10-09-2014, proferido no processo n.º 329/09.2TAVFR.P1-A.S1-5.ª Secção, o Tribunal da Relação não se colocou contra a jurisprudência fixada pelo Acórdão n.º 8/2012, ao considerar que o tribunal da 1.ª instância efectuou um juízo prognóstico sobre a razoabilidade da condição imposta para a suspensão da execução da pena de prisão aplicada pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, p. e p. pelo art. 107.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT.

Segundo o acórdão de 2-10-2014, proferido no processo n.º 154/11.0PAPNI.L1-B.S1-5.ª Secção – Para apurar da existência de decisão proferida contra jurisprudência fixada, o critério a utilizar tem de ser o da oposição de julgados, que usado no recurso de uniformização de jurisprudência (art. 437.º do CPP), também se aplica nesta espécie de recurso extraordinário, por via do n.º 1 do art. 446.º do CPP.

Para o acórdão de 13-11-2014, proferido no processo n.º 261/07.4PAALM-A.S1-5.ª Secção “Pelo recurso previsto no art. 446.º do CPP estabelece-se a verdadeira garantia da uniformização de jurisprudência. Consiste ela no controlo difuso das decisões que contrariem jurisprudência fixada, pelo próprio STJ, por via da obrigatoriedade de interposição do recurso imposta ao MP.

No acórdão de 8-01-2015, processo n.º 1039/10.3IDLSB.L1.S1 - 3.ª Secção, por nós relatado, afirmando-se poder recorrer-se de qualquer decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, como claramente resulta do n.º 1 do artigo 446.º e apontando-se como requisito substancial de admissibilidade, a oposição entre a decisão recorrida e a jurisprudência fixada pelo STJ, e estando em causa o AFJ n.º 8/2012, o recurso foi rejeitado por não ter transitado ainda o acórdão recorrido, sendo ordenada correcção de tramitação nos termos do artigo 193.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e remessa dos autos ao Tribunal da Relação.

No acórdão de 28-01-2015, proferido no processo n.º 423/10.7TABGC.P2.-A.S1 - 3.ª Secção, foi entendido não violar o acórdão recorrido o AFJ n.º 8/2012, por estarem em causa crimes de abuso de confiança e de falsificação de documentos previstos no Código Penal e os critérios de suspensão da pena de prisão aí previstos, sendo rejeitado o recurso.

No acórdão de 25-02-2015, proferido no processo n.º 14/14.3IYUSTR.L1-A.S1-5.ª Secção, foi rejeitado o recurso por o acórdão recorrido não ter abordado, implícita ou explicitamente, a temática do desconto rappel, não invadindo nem contrariando a jurisprudência fixada no AFJ n.º 9/2014, de 14-05-2014, in Diário da República, 1.ª série, n.º 114, de 17-06-2014, versando desconto rappel escalonado, venda com prejuízo.

No acórdão de 1-07-2015, processo n.º 3907/10.3T3SNT.L1-A.S1, por nós relatado, foi consignado: “O acórdão recorrido, que confirmou a sentença proferida em 1.ª instância, numa data em que já estava em vigor a jurisprudência fixada no AUJ n.º 8/2012, não realizou o necessário juízo de prognose de razoabilidade acerca da possibilidade do condenado satisfazer esta condição legal, sendo que o argumento da eventual alteração de fortuna do arguido não preenche o necessário juízo de prognose sobre a razoabilidade da imposição.

Concluindo: O acórdão recorrido ao omitir formulação do juízo sobre razoabilidade de cumprimento da condição imposta, incorreu em omissão de pronúncia, determinativa de nulidade, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, do CPP.

E assim foi decidido “anular o acórdão recorrido, que deverá ser substituído por outro nos moldes referidos”.

Por acórdão de 9-09-2015, proferido no apenso n.º 118/08.1GBAND.P1-A.S1 desta 3.ª Secção, o recurso extraordinário interposto pelo arguido foi rejeitado por manifesta falta de fundamento legal.

O arguido considerava no caso ter o acórdão por nós relatado e transitado em julgado em 12-06-2015 sido decidido contra a jurisprudência fixada no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 8/99, de 30-10-1997, publicado no Diário da República, I Série, de 10-08-1999 (no acórdão então impugnado fora reconhecida legitimidade e interesse em agir por parte da assistente que pretendia impugnar a medida da pena aplicada pelo homicídio do marido).

      


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 Vejamos a situação no caso concreto.


Legitimidade


A legitimidade do recorrente, arguido que viu confirmada a denegação da sua pretensão de suspensão do processo pelo acórdão ora recorrido, é clara, face ao disposto no artigo 446.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.


Tempestividade do recurso

Como vimos, resulta do disposto no artigo 446.º, n.º 1, do CPP, que o recurso deve ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida.

Como referido acima, pressuposto incontornável do presente recurso extraordinário é o trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo de exigir a verificação do requisito do prévio trânsito em julgado.

Como resulta do actual artigo 628.º do Código de Processo Civil, que sucedeu ao artigo 677.º do mesmo diploma legal, aplicável ex vi do artigo 4.º do CPP, a decisão considera-se transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.

Tendo o acórdão recorrido transitado em julgado em 28 de Fevereiro de 2019 e tendo o arguido interposto o presente recurso extraordinário em 15 de Março de 2019, conforme consta da certidão de fls. 14, há que concluir que, observando o prazo de 30 dias, é o recurso tempestivo.


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O requisito de a violação de jurisprudência fixada se verificar no “domínio da mesma legislação”.

 

Como proclama o n.º 1 do artigo 437.º do CPP, aplicável ex vi do artigo 447.º do mesmo diploma, o recurso pressupõe a exigência de que a contradição se verifique no “domínio da mesma legislação”.

Ora, o Acórdão n.º 3/2007, datando de 12-10-2006, debruçou-se sobre caso em que era aplicável o Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro de 1990 (Diário da República, I Série, n.º 12, Suplemento, rectificado pela Declaração de 14-02-1990, Diário da República, I Série, n.º 49, 2.º Suplemento), alterado pelo Decreto-Lei n.º 3984/93, de 24 de Novembro, sendo certo ter ocorrido alteração legislativa em 2001, com a entrada em vigor do Regime Geral para as Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 5/2001, de 5 de Junho (Diário da República, I –A Série, n.º 130, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 15/2001, de 27-07-2001, Diário da República, I Série-A, n.º 180, de 4 de Agosto de 2001), entrada em vigor em 5-07-2001.


Vejamos o que está em causa.


Ao referir-se ao Acórdão n.º 3/2007, toda a narrativa do recorrente refere o RGIT, olvidando estar em causa o RJIFNA, o que não é de todo anódino ou indiferente, atentas as inovações protagonizadas pela Lei de 2001.

No § 3.º de fls. 3 verso, diz o recorrente que pelo Acórdão de fixação de jurisprudência “foi delimitado o sentido a alcance da norma jurídica – artigo 47.º do RGIT” e no § 3.º de fls. 4 “determina o acórdão fixador de jurisprudência que de acordo com o n.º 1 do artigo 47.º do RGIT …”, quando a fixação incidiu sobre o estabelecido no RJIFNA.

O acórdão de 12 de Outubro de 2006, proferido no processo n.º 256/06-3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 37, págs. 1294 a 1298, como Acórdão n.º 3/2007, fixou a seguinte jurisprudência:

«Na vigência do artigo 50.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, a impugnação judicial tributária determinava, independentemente de despacho, a suspensão do processo penal fiscal e, enquanto esta suspensão se mantivesse, a suspensão da prescrição do procedimento penal por crime fiscal.».

O acórdão uniformizador foi tirado com referência ao artigo 50.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, na redacção do Decreto-Lei n.º 394/93, preceito a conjugar com o artigo 15.º, uma vez que em causa estava pretensão de prescrição do prazo do procedimento criminal.


O que estava em causa na fixação de 2007?

Segundo o ponto 2, na 2.ª coluna, in fine, da página 1295, da publicação no Diário da República, em causa estava a aplicação do chamado Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro.

“Mais concretamente, em discussão está o regime de suspensão do procedimento criminal por crime fiscal em virtude de impugnação judicial fiscal”.


Posição do acórdão fundamento – 1.ª coluna da página 1296:


« […] Temos assim que a suspensão da prescrição se verifica por força – é um efeito – da suspensão do processo penal fiscal e esta última é determinada pela existência de processo de impugnação judicial ou de oposição de executado onde se discuta o acto tributário que definiu o montante do imposto que com o crime fiscal o arguido deixou de pagar.

Isto quer dizer que não basta a pendência de impugnação judicial ou de oposição de executado para que possa ter-se por verificada a suspensão da prescrição; esta só ocorrerá se o processo penal fiscal for declarado suspenso por virtude daquelas impugnação ou oposição. Na verdade, a causa determinante da suspensão da prescrição é a suspensão do processo criminal fiscal e esta só ocorre se existir despacho judicial que, reconhecendo a existência de fundamento legal para o efeito, a declare.» 


Posição do acórdão recorrido – página 1296, 1.ª coluna, in fine, e 2.ª coluna.


«[…] É nosso entendimento que a suspensão do processo criminal é obrigatória, resultando da própria lei, sem necessidade de despacho a declará-la.

Se a suspensão do processo penal é imposta pela lei e se essa suspensão implica a suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, parece-nos evidente a desnecessidade de qualquer despacho a declarar a suspensão do prazo de prescrição.

A letra da lei não permite interpretação diferente. Ela impõe a obrigatoriedade da suspensão do processo penal e do prazo de prescrição, sem necessidade de qualquer despacho.

Nos casos de suspensão do prazo de prescrição referidos no artigo 120.º do CP/95, como no artigo 119.º do CP/82, não é necessário qualquer despacho a declarar tal suspensão. Ela resulta, como no caso em apreço: da própria lei, sem necessidade de qualquer decisão

Concluiu o acórdão (2.ª coluna da página 1298): “(…) a norma do artigo 50.º, n.º 1, do RJIFNA deve ser interpretada no sentido de que a suspensão da prescrição do procedimento  penal fiscal decorre ope legis da suspensão do processo em virtude de impugnação judicial tributária, não dependendo, pois, de prévio despacho judicial que a declare”.


Sob a epígrafe “Prescrição e suspensão da prescrição do procedimento criminal”, estabelecia o RJIFNA no


Artigo 15.º


1 – O procedimento criminal por crime fiscal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do mesmo sejam decorridos cinco anos.

2 – O prazo de prescrição do procedimento por crime fiscal suspende-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos do n.º 4 do artigo 43.º e do artigo 50.º.


Sob a epígrafe “Suspensão do processo penal fiscal”, estabelecia o artigo 50.º do RJIFNA, sendo o n.º 1 na redacção do Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro:

1 – Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição de execução, nos termos do Código de Processo Tributário, o processo penal fiscal suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças.

2 – Se o processo penal fiscal for suspenso, nos termos do número anterior, o processo que deu causa à suspensão tem prioridade sobre todos os outros da mesma espécie.

 

No RGIT passaram a estabelecer os artigos 21.º e 47.º.


Artigo 21.º

Prescrição, interrupção e suspensão do procedimento criminal



1 – O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos.

2 – O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos.

3 – O prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.

4 – O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º.


Os n.ºs 2 e 3 e primeira parte do n.º 4 inovaram, sendo no n.º 2 com salvaguarda do prazo de prescrição de máximo igual ou superior aos cinco anos previstos no n.º 1.

      

No n.º 3, com redução do prazo de prescrição de procedimento criminal ao prazo de caducidade do direito à liquidação, quando a infracção depender de liquidação, sendo aquela caducidade figura presente no artigo 45.º da Lei Geral Tributária (Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1999, com as alterações no que ao preceito respeita, introduzidas pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro e Lei n.º 60.º-A/2005, de 30 de Dezembro) e de aplicar ao caso de contribuições para a Segurança Social, conforme Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de Fevereiro de 2014.

  


Artigo 47.º

Suspensão do processo penal tributário



1 – Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar à oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças.

2 – Se o processo penal tributário for suspenso, nos termos do número anterior, o processo que deu causa à suspensão tem prioridade sobre todos os outros da mesma espécie.


Implicando a suspensão do processo penal a suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, em causa estava a questão de saber se havendo impugnação judicial fiscal a suspensão do procedimento criminal era obrigatória, resultando da própria lei, operando ope legis, sem necessidade de despacho a declará-la, ou se pelo contrário, é necessário despacho a declarar a suspensão do processo criminal fiscal.

Aliás, este acórdão é acórdão datado, valendo para o estipulado no RJIFNA, sendo perfeitamente claro que isso mesmo foi entendido no segmento fixador, atento o tempo verbal usado – pretérito imperfeito –, quando consta “a impugnação judicial tributária determinava”.

Aplicando-se a lei nova, na versão de 2001, não há que invocar a doutrina do Acórdão  n.º 3/2007, que valia para o anterior regime legal, tendo caducado.

E porque caducou, não há violação de jurisprudência fixada.

A decisão recorrida foi proferida no domínio da nova versão.

Sendo de rejeitar o recurso, uma palavra final para o requisito da oposição.

No caso presente não se verificaria qualquer contradição, suposta que fosse a vigência da doutrina do Assento n.º 3/2007.

O tema abordado pelo acórdão recorrido que versou sobre o regime do RGIT, decidindo que a apreciação da prescrição do procedimento criminal era questão da competência do tribunal criminal para cujo conhecimento os autos fornecem os dados suficientes, afastando a aplicação do princípio da suficiência do processo penal é tema diverso no versado no acórdão n.º 3/2007.


Decisão


Pelo exposto, acordam nesta 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA, por inadmissibilidade. 

Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 448.º do mesmo diploma legal, fixando-se a taxa de justiça, de acordo com os artigos 8.º, n.º 5 e 13.º, n.º 1 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril (artigos 1.º e 2.º), pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 31, de 13 de Fevereiro, que procedeu à sexta alteração e republicação do RCP, rectificada com a Declaração de Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, in Diário da República, 1.ª série, n.º 61, de 26-03-2012, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 167, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 156, de 14 de Agosto e pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, in Diário da República, 1.ª série, n.º 62, de 28 de Março), o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal).

Mantém-se em vigor o valor da UC (Unidade de conta) vigente em 2018, conforme estabelece o artigo 182.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2019), publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 251, de 31-12-2018. Tal valor é de 102,00 €, que se tem mantido inalterado desde 20 de Abril de 2009.   

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, Escadinhas de São Crispim, 30 de Outubro de 2019


Raul Borges (Relator)

Manuel Augusto de Matos

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[1] Neste sentido, decidiu este mesmo colectivo, por acórdão de 11 Dez.18, no Pº12/17.5IDFUN.L1-5, acessível em www.dgsi.pt».

[2] Acórdão STJ de 20.6.2013 - Proc. n.º 83/04.4IDCBR.C1-A.S1, 5.ª Secção, sumariado em www.stj.pt.

[3] Cfr. Acórdão do STJ, de 01-02-2017, processo n.º 446/07.3ECLSB.L1-C.S1 - 3ª Secção, com sumário disponível em https://www.stj.pt/?page_id=4471.

[4] ln "Recursos em Processo Penal", Rei dos Livros, 8ª edição, pág. 183.».

[5] Destacados a negrito do signatário.

[6] Art.º 14º da lei preambular.

[7] Na versão da Lei n.º 53-A/2006, de 29.12, em vigor desde Janeiro de 2007.

[8] E ainda hoje.

[9] E continua a reger-se.

[10]  Estes a contrario.

[11]  Cfr., de novo, o art.º 437º n.º 3 do CPP.
[12] 9 Recurso do Ministério Público contra acórdão de Tribunal da Relação que confirmou a declaração de prescrição do procedimento relativo a crime de associação criminosa e de fraude fiscal qualificada em razão da inoperatividade ope legis, mas apenas ope judicis, da causa de suspensão prevista no art.º 47º n.º 1 do RGIT.
[13] Aliás, objecto de frequente citações em casos em que se discute e temática do recurso previsto no art.º 446º do CPP, como acontece, por exemplo, com o AcSTJ de 24.4.2019 repetidamente referido.