Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6725/04.4TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO
CONTRATO DE MÚTUO
LIVRANÇA
ASSINATURA
TERCEIRO
FALSIFICAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
DEVER DE INFORMAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/18/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática: DIREITO COMERCIAL - TITULOS DE CREDITO
DIREITO BANCARIO
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): -ARTIGOS 342.º, 374.º483.º, 487.º, 494.º, 496.º, 564.º E 566.º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): -ARTIGOS 378.º, 661.º/2, 754.º/2
DL N.º 47909, DE 7 DE SETEMBRO DE 1967
DL N.º 29/96, DE 11 DE ABRIL: - ARTIGO 3.º/4.
LULL: -ARTIGOS 7.º E 16.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 27-10-2009, REVISTA N.º 502/09. 3YFLSB- 1ª SECÇÃO, IN WWW.STJ.PT E C.J., 3., PÁG. 110;
-DE 14-9-2010, PROCESSO N.º 989.07.9TVPRT.P1 IN WWW.DGSI.PT .
Sumário : I - A instituição de crédito que solicita ao mutuário a entrega de livrança subscrita em conjunto com terceiro, confiando que a assinatura desse terceiro subscritor era verdadeira, não a conferindo com a assinatura aposta em bilhete de identidade, e que depois, por inadimplemento do mutuário, comunica ao Serviço de Centralização de Riscos de Crédito que funciona junto do Banco de Portugal a existência de responsabilidades do terceiro, sem que alguma vez tivesse dado conhecimento a esse terceiro quer dessa informação, quer da existência do débito, tal instituição de crédito incorre em responsabilidade pelos prejuízos que advenham dessa informação, verificando-se que ela é incorrecta, importando tais actuações um juízo de culpa (arts. 483.º e 487.º do CC e art. 3.º, n.º 4, do DL n.º 29/96, de 11-04).
II - É de considerar que houve uma informação incorrecta, verificando-se, em execução instaurada contra esse subscritor, impugnada por este a sua assinatura, não ter logrado a instituição de crédito provar que a assinatura aposta no título é do punho do subscritor.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA, solteiro, maior, profissional de seguros e residente na Rua A... R...de C..., nº ... – ...º F... em C... - em Lisboa intentou contra BB-C..., Banco de Crédito Pessoal, S. A., com sede na Rua A...nº ... – ... – ...º andar em Lisboa a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário, visando, na procedência da acção, a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 118.551,81€ (cento e dezoito mil quinhentos e cinquenta e um euros e oitenta e um cêntimos) acrescido dos juros de mora vincendos desde a citação e até integral pagamento.

2. Alega, para tanto, e em síntese, que foi pela ré contra ele instaurada uma execução fundada numa livrança que o autor não tinha subscrito, como veio a confirmar-se no decorrer do mencionado processo de execução.

3. Por via de tal facto foi-lhe negado acesso a crédito bancário quando quis adquirir um imóvel com as condições que sempre tinha desejado.

4. Tal impedimento causou-lhe profundo abalo psicológico que motivou o seu tratamento médico, um menor desempenho profissional e um prejuízo directamente causado pela perda da actualização do valor do imóvel que não adquiriu.

5. Regularmente citada a ré deduziu a sua contestação, na qual, em síntese, pugna pela improcedência do pedido, alegando desconhecer que a assinatura dos documentos dados à execução não tinha sido aposta pelo autor.

6. Após a apresentação do resultado da prova pericial sobre a alegada diminuição da sua capacidade de ganho, o autor, em articulado superveniente ampliou o pedido, visado agora a condenação da ré a pagar-lhe ainda a quantia de 75.000,00€ (setenta e cinco mil euros).

7. A ré invocou a inadmissibilidade de tal ampliação por não ser consequência nem desenvolvimento do pedido inicial.

8. Por despacho proferido a 15 de Abril de 2006 foi indeferida a ampliação do pedido requerida pelo autor por não constituir consequência nem desenvolvimento do pedido inicial.

9. Inconformado com tal decisão dela interpôs recurso de agravo o autor, o qual viria a ser admitido com subida diferida e efeito devolutivo, não tendo obtido provimento pelo Tribunal da Relação.

10. Também não foi concedido provimento à apelação da sentença que absolveu o réu do pedido.

11. Recorre o autor, de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a minuta de recurso com as conclusões a seguir transcritas

- O R. praticou actos ilícitos, com culpa grave, que colocaram o recorrente em grave situação neurótica e psicótica, como resulta do relatório elaborado no Instituto de Medicina Legal, que aqui se dá por reproduzido

- Por tais situações, conhecendo e relatando as condições de que se sente vítima o recorrente pediu que lhe fosse atribuída uma indemnização por danos não patrimoniais;

- Saneado o processo, o recorrente, para prova do que alegou na petição inicial, requereu a sua submissão a um exame no Instituto de Medicina Legal;

- Para objecto do exame requerido, o recorrente formulou quesitos que julgou necessários para que medicamente fossem fornecidos ao julgador os factos que provocam a sua situação e a descrição médica dessa mesma situação, a fim de os mesmos serem devidamente tidos em conta pelo julgador;

- No âmbito dos quesitos e como sua natural consequência pretendeu o recorrente saber e demonstrar se a sua situação clínica determinava em si alguma incapacidade permanente parcial e, em caso afirmativo, qual o respectivo grau de incapacidade;

- Sabendo, após o relatório elaborado pelo Ilustre Perito, que se encontrava afectado de uma incapacidade permanente parcial de 48% o recorrente procurou necessariamente conhecer os seus direitos e a forma de os exercer;

- Pelos artigos 483º e 494º do Código civil, clarificados pela jurisprudência dos tribunais, sabe o recorrente que a violação dos seus direitos determina a existência de danos patrimoniais e que o autor de tais danos se encontra na obrigação de os ressarcir;

- Por sua vez, o disposto no nº 3 do artigo 264 e nº. 2 do artigo 273º, ambos do Código de Processo Civil, permitem fazer a ampliação do pedido, requerendo a condenação do R. nos danos patrimoniais a que tem direito; e, encontrando-se a tempo de o fazer, naturalmente, o recorrente deduziu ampliação do seu inicial pedido, acrescentando, agora, os danos patrimoniais que resultam de uma incapacidade permanente parcial, com um grau de desvalorização de 48%;

- Neste sentido não entendeu o Metmº. Juiz da 6ª Vara Cível de Lisboa nem o Acórdão recorrido, indeferindo o requerido pedido de ampliação e confirmando tal indeferimento;

- O Acórdão recorrido, confirmando o indeferimento do pedido de ampliação do recorrente, violou o disposto nos artigos 483º e 494º. do Código Civil e o disposto no nº 3 do artigo 264º e no nº. 3 do artigo 273º., ambos do Código do Processo Civil, preceitos estes expressamente invocados na ampliação do pedido.

- Devendo, em consequência, ser revogado por Acórdão que admita a ampliação do pedido deduzida pelo recorrente;

- Dão-se por integralmente reproduzidos os factos apurados nos autos após audiência de discussão e julgamento e que ficaram transcritos nas presentes alegações;

- Como dos mesmos resulta, a Ré ora recorrida recebeu uma proposta para concessão de crédito para obras e uma livrança de caução nas quais constavam assinaturas que reproduziam o nome do A.;

- Tais assinaturas não haviam sido feitas pelo A. facto que a Ré viria a reconhecer em 12/02/2003: “assiste razão ao embargante no que diz respeito à falsidade da assinatura”;

- O A. pretendeu concretizar o seu sonho de ter e habitar uma casa com quintal, onde se pudesse dedicar ao cultivo de produtos hortícolas e à floricultura, tendo-lhe surgido essa oportunidade;

- Necessitado de crédito para o efeito, antes de 8/1/2001, o A.
contactou diversas instituições bancárias que lho negaram com o único esclarecimento de que “o sistema bancário se encontrava impedido de lhe conceder crédito”;

- O A. tomou conhecimento do motivo de tal recusa com a citação para os termos do processo de execução movido pela Ré contra si fundado na livrança que ficou referida no dia 8/1/2001;

- Após exame pericial às assinaturas que reproduziam o nome do aqui A.
nos embargos que este deduziu a essa execução, em 12/02/2003 – mais de dois anos volvidos – a ora Ré reconheceu nesses autos “que assiste razão ao embargante no que respeita à falsidade da assinatura”;

- Apesar disso, só em 12/06/2003 – quatro longos meses volvidos – a Ré comunicou ao Banco de Portugal que o ora A. estava ilibado de quaisquer responsabilidades no contrato de crédito que originou, por comunicação sua à mesma instituição, sem qualquer contacto prévio com o A., que este constasse na listagem de pessoas incumpridoras perante o sistema bancário sem direito a crédito;

- Por tais motivos, o A. passou a viver com o sistema nervoso alterado;

- Perdeu a auto-estima;

- Passando a recorrer a tratamentos por um psiquiatra, por síndrome auto-depressivo, de características reactivas;

- Perdendo a oportunidade para comprar a casa dos seus sonhos, entretanto vendida a outras pessoas;

- Vivendo crise depressiva, esforçando-se para cumprir as obrigações profissionais, apesar de não conseguir dormir e de estar sujeito a medicação que provocava sonolência;

- Vendo, no final de 2003, diminuído o grau de avaliação em que normalmente o tinha o seu superior hierárquico;

- Tendo ficado portador, em resultado directo e necessário da situação descrita, de uma IPP de 48%, exigindo correspondente esforço acrescido no desempenho profissional;

- A ré invocou nos autos factos impeditivos do direito do A. – artigo 342º, nº 2, do Código Civil –, quesitados sob o nº 25 da base
instrutória:

“A Ré, antes de aprovar o mencionado crédito, comparou as referidas assinaturas imputadas ao autor com a assinatura que constava da fotocópia do bilhete de identidade do Autor que lhe havia sido entregue e chegou à conclusão de que eram semelhantes a esta última e de que teriam sido feitas pela mesma pessoa, ou seja, pelo Autor”?

- Não produziu a Ré qualquer prova de tais factos, não tendo junto aos autos quaisquer documentos que, eventualmente, acompanhassem o contrato de crédito e a livrança como sejam:

a) Cópia do bilhete de identidade e do cartão de contribuinte do A. ao tempo da presumida subscrição;

b) Cópia da última declaração de rendimentos do A. para efeitos de I.R.S.;

c) Cópia do último recibo de vencimento;

d) Orçamento relativo às obras a que o crédito alegadamente se destinava;

- Tal junção de documentos seria fácil se os mesmos existissem;

- Como consta da fundamentação da resposta a tal matéria, o funcionário da Ré ouvido apenas tinha em seu poder uma fotocópia de um bilhete de identidade do A. com data de emissão posterior à do contrato de crédito e livrança – certamente obtida nos autos de execução e respectivos embargos;

- A Ré é responsável por indemnizar o A. pelos danos que lhe ocasionou;

- O recorrente entende deverem os danos não patrimoniais ser valorados, pela sua gravidade, no montante peticionado de € 66.701,81 (sessenta e seis mil setecentos e um euros e oitenta e um cêntimos), acrescidos de juros moratórios desde a citação;

- A este montante devendo acrescer a indemnização peticionada na ampliação do pedido, deduzida pelo A. em 23/03/2009, de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) por danos patrimoniais decorrente da diminuição da capacidade de ganho do A.

- Assim, não decidindo e absolvendo a Ré do pedido, o Acórdão recorrido violou, designadamente, o disposto nos artigos 342º, nº 2, 483º, nº 1, 484º, 487º, nº 1, 494º, 496º e 562º, todos do Código Civil.

Termos em que

Deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão recorrido por Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça que admita a ampliação do pedido deduzida pelo A., e decrete a condenação da Ré no pagamento ao mesmo A. de uma indemnização de € 141.701,81 (cento e quarenta e um mil setecentos e um euros e oitenta e um cêntimos), sendo:

a) 66.701, 81€ (sessenta e seis mil setecentos e um euros e oitenta e um cêntimos) por danos não patrimoniais; e

b) 75.000,00€ (setenta e cinco mil euros) por danos patrimoniais decorrentes da diminuição da capacidade de ganho do A.

Valores esses acrescidos de juros moratórios, à taxa legal, respectivamente, desde a citação e desde a notificação ao mandatário da Ré da ampliação do pedido e até efectivo pagamento.

12. Factos provados:

São os seguintes os factos assentes, tal como descritos na douta sentença impugnada:

1. O autor nasceu no dia 8 de Outubro de 1955.

2. O pai do autor,CC, faleceu em 25 de Abril de 1996, enquanto que a sua mãe DD, faleceu em 12 de Janeiro de 1999.

3. Em Março de 1999, o autor adquiriu a fracção autónoma designada pela letra "..." correspondente ao ...º andar frente do prédio sito na Rua A... dos R..., nº ..., ...-... e ...-..., freguesia de C..., concelho do Seixal, descrito na Conservatória Registo Predial de A... sob o nº ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... .

4. Em 26 de Maio de 2003 foi registada a aquisição, a favor de EE casada com FF, e GG casado com HH, por compra a II casado com JJ, da fracção autónoma designada pela letra "...", correspondente ao rés-do-chão do prédio sito na Rua da L..., nº ..., freguesia da C... da P..., concelho de A..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Almada sob o nº ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... .

5. Por nota de citação datada de 8 de Janeiro de 2001, a partir do processo n0 1861/2000, da 3ª Secção do 5° Juízo Cível de Lisboa, o autor foi citado para os termos de uma acção executiva, exigindo-lhe o pagamento de uma livrança, pelo valor de Esc. 960.859$00 (novecentos e sessenta mil oitocentos e cinquenta e nove escudos), acrescido de juros de mora, à taxa anual de 7%, encontrando-se vencidos Esc.6.634$00 (seis mil seiscentos e trinta e quatro escudos).

6. O réu figurava como exequente de tal acção.

7. O autor deduziu embargos de oposição à execução, que deram entrada em juízo no dia 2 de Fevereiro de 2001, e requereu, como prova, entre outras, "que o original da livrança fosse submetido a exame pericial no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária para determinar se o embargante fora ou não seu subscritor".

8. Em 21 de Novembro de 2001, na Polícia Judiciária procederam à recolha da assinatura do autor para o exame que havia requerido.

9. E por carta de 26 de Novembro de 2002, a Polícia Judiciária remeteu para a Secção do 5.° Juízo Cível de Lisboa, o resultado da perícia que efectuara comparando as assinaturas que do autor havia colhido com a que se encontrava na livrança, objecto de execução, exame esse de que o patrono do autor só foi notificado por carta de 30 de Janeiro de 2003.

10. O ora réu, igualmente notificado do resultado de tal exame, alegou em juízo, no dia 12 de Fevereiro de 2003, o que consta certificado a fls. 62 desta acção, designadamente que "tal significa que assiste razão ao embargante no que diz respeito à falsidade da assinatura".

11. O réu comunicou ao Banco de Portugal, em 12 de Junho de 2003, que "AA foi ilibado de quaisquer responsabilidades no contrato de crédito que originou a informação de Crédito Abatido ao Activo na Central de Riscos do Banco de Portugal".

12. Em 5 de Novembro de 2003 o Banco de Portugal remeteu ao Autor a carta de que existe cópia a fls. 64, onde declarava que nos mapas da centralização de responsabilidades de crédito dos meses de Dezembro de 2002 a Setembro de 2003 não constava qualquer situação de incumprimento.

13. O autor exerce a actividade de profissional de seguros, ao serviço da LL-L... – Companhia de Seguros, S.A., desde 20 de Maio de 1974.

14. O autor possui como habilitações literárias o Curso Geral de Administração e Comércio, equivalente ao 9.º Ano de Escolaridade.

15. O autor viveu com os seus pais até ao falecimento de cada um.

16. Após os seus pais estarem incapacitados para de si cuidarem – o que ocorreu anos antes dos óbitos respectivos –, foi o autor quem deles tratou, efectuando todos os trabalhos necessários à sua alimentação, bem-estar, e à lide doméstica.

17. O autor acalentava o sonho de poder adquirir uma habitação, no rés-do-chão de um edifício, com quintal, e com o modelo T2, suficiente para si e para receber as pessoas suas solidárias.

18. Sendo-lhe necessário e gratificante o quintal, para nele proceder à cultura de produtos hortícolas e experimentar e desenvolver, para seu contentamento e de outros que lhe são próximos, a floricultura.

19. Porque manifestava, publicamente, estes seus interesses, uma colega de profissão, de nome MM, que deles tinha conhecimento, informou-o de que conhecia uma casa, propriedade do seu filho NN, sita na Rua C... P..., n.° ... - r/c, C... da P... – A..., com as características necessárias, que em breve estaria vaga e para venda.

20. Combinado o preço da casa, o autor tratou de procurar quem lhe concedesse empréstimo para o efeito.

21. Em data anterior à referida no ponto 5., o autor dirigiu-se ao Banco denominado OO-"M... G...", onde possui conta, já que a sua entidade patronal, pertencente ao mesmo grupo financeiro, aí deposita o seu ordenado.

22. No identificado Banco disseram ao autor que lhe seria impossível obter qualquer empréstimo, uma vez que o sistema bancário se encontrava impedido de lhe conceder crédito.

23. O autor procurou por outros bancos mas as informações que lhe deram foram no mesmo sentido referido no ponto anterior.

24. O autor passou a viver com o seu sistema nervoso alterado.

25. A recusa de crédito por parte dos diversos bancos causou ao autor a perda da sua auto-estima.

26. Desde Novembro de 2000, que o autor teve de recorrer a um psiquiatra, evidenciando síndrome auto-depressivo, de características reactivas, relacionada com a situação em causa nos autos.

27. A casa referida em 4., foi vendida pelo valor de 68.584,72€.

28. O autor sofria de uma crise depressiva, sacrificando-se por cumprir as suas obrigações profissionais, não dormia e tomava medicamentos que lhe davam sonolência.

29. O autor submeteu-se a várias consultas de psiquiatria e foram-lhe receitados medicamentos para atenuar o estado de depressão em que se encontrava.

30. O autor sempre procurou desempenhar a sua profissão de forma exemplar, sendo mesmo o braço direito e indispensável do seu superior directo.

31. No fim do ano de 2003 o autor viu esse superior hierárquico diminuir o grau de avaliação em que normalmente o tinha.

32. No ano de 2003 o autor auferiu um ordenado, ao serviço da sua entidade patronal, no valor bruto anual de 26.308,67€.

33. A ré, quando concedeu o crédito correspondente ao contrato nº ..., fê-lo na convicção de que eram verdadeiras e autênticas as assinaturas que reproduziam o nome do ora autor, apostas naquele contrato e na livrança entregue como caução.

Apreciando:

13. As questões que se suscitam nestes autos são as seguintes:

a) Se uma instituição de crédito quando negoceia um contrato de mútuo e exige ao mutuário como caução uma livrança subscrita por terceiro, deve, nessa ocasião, conferir a assinatura aposta na livrança com o bilhete de identidade do subscritor.

b) Se a instituição de crédito mutuante, havendo incumprimento do mutuário e vencida a livrança, deve informar o subscritor dessa situação, antes de comunicar ao Serviço de Centralização de Riscos de Crédito.

c) Se deve informá-lo de que vai instaurar contra ele acção executiva.

d) Se é responsável pelos prejuízos que advierem ao subscritor no caso de ter informado incorrectamente o Serviço de Centralização de que aquele era inadimplente não tendo praticado nenhum dos actos referidos em a) e b).

14. Quanto ao primeiro ponto, dir-se-á que a instituição de crédito mutuante quando exige a caução se não conferir a assinatura aposta no título de crédito com o bilhete de identidade do subscritor assume o riscos decorrentes dessa omissão.

15. Um dos riscos que dessa omissão pode resultar é o de, entrando o título em circulação, não ser oponível ao portador a falsificação da assinatura do subscritor (artigo 7.º da L.U.L.L.).

16. O outro é precisamente o de o tomador do título não lograr satisfazer o crédito uma vez suscitada a falsificação da assinatura do subscritor. Não deve esquecer-se que cumpre ao exequente o ónus da prova (artigos 342.º e 374.º do Código Civil) de que a assinatura aposta no título dado à execução é do punho do executado.

17. Por aqui se vê que, se a instituição mutuante confia, como sucedeu no caso vertente, que a assinatura aposta no título é verdadeira, não procedendo ou não demonstrando ter procedido à sua comparação com a assinatura aposta no bilhete de identidade, estamos, sem dúvida, diante de uma prática bancária incorrecta que à primeira vista não parece implicar riscos a não ser os que podem atingir a própria entidade bancária que adopta a referida actuação omissiva.

18. Não se afigura que da lei que institui o Serviço de Centralização de Riscos de Crédito resulte que, em caso de incumprimento, a instituição de crédito deva informar o inadimplente de que vai comunicar a ocorrência ao Banco de Portugal. Veja-se neste sentido o Ac. do S.T.J. de 27-10-2009 (Urbano Dias) ( revista n.º 502/09. 3YFLSB- 1ª secção) in www.stj.pt e C.J., 3., pág. 110)

19. Mas sendo isto certo, não é menos certo que as instituições de crédito podem considerar a informação proveniente do Serviço de Centralização de Riscos de Crédito criado pelo Decreto-Lei n.º 29/96, de 11 de Abril e, com base nela, recusar o crédito pretendido. Foi, aliás, o que sucedeu no caso vertente: ver 21 a 23, não estando em dúvida que a recusa de financiamento tivesse outra causa que não fosse a divulgação pelo Banco de Portugal da informação fornecida pela ré que a responsabiliza.

20. Com efeito, resulta do Decreto-Lei n.º 29/96, de 11 de Abril (ver artigo 3.º/4) que “ a informação divulgada pelo Banco de Portugal, constante do Serviço de Centralização de Riscos do Crédito, é da responsabilidade das entidades que a tenham transmitido, cabendo exclusivamente a estas proceder à sua alteração ou rectificação” e não se duvida, até porque o próprio Banco de Portugal assim o assume, que “ as responsabilidades são comunicadas mensalmente pelas instituições de crédito e sociedades financeiras, e da sua responsabilidade, não cabendo ao Banco de Portugal proceder a qualquer alteração desses dados. A alteração dos dados recebidos só se concretiza quando comunicada pela entidade que os tenha transmitido, uma vez que só ela conhece todos os contratos celebrados com os seus clientes, a evolução da responsabilidade destes e as eventuais situações de incumprimento, quando ocorrem” ( ver comunicação de 5-11-2003 do Basco de Portugal dirigida ao A. junta a fls. 64).

21. Constata-se que o autor, depois de lhe ser recusado crédito solicitado, não procurou saber junto da instituição mutuante, ou junto de outra entidade habilitada para o efeito, a razão concreta em que se fundavam para considerar que ele estava impedido de obter crédito.

22. Mas não se afigura que esta inércia seja causa de isenção da responsabilidade que possa advir para o réu, pois a consideração da ilicitude culposa é o que releva no plano da responsabilidade extracontratual. A atitude passiva ulterior do autor interessará para outros efeitos: como elemento valorativo da intensidade do sentimento de perda de possibilidade de compra da pretendida habitação e, em consequência, como factor de ponderação da indemnização a atribuir.

23. Refira-se, no que respeita à instauração de acção executiva com base em título de crédito, sem prévia informação ao executado, que uma tal actuação não é ilícita; nem tão pouco a instituição de crédito, ainda que seja avisada de que a assinatura aposta no título é falsa, pode ser responsabilizada por demandar o executado, optando por aguardar a prova que se vier a fazer em julgamento: veja-se o Ac. do S.T.J. de 14-9-2010 (Nuno Cameira) 989.07.9TVPRT.P1 in www.dgsi.pt com este sumário:

I - Não comete facto ilícito e, por isso, não responde pelas perdas e danos decorrentes da penhora efectuada, o Banco que, sendo portador legítimo de duas letras por virtude do disposto no art. 16.º da LULL, move uma execução contra a aceitante para pagamento das quantias inscritas nos títulos.

II - O facto do Banco ter sido avisado pela aceitante de que a sua assinatura era falsa e de ter decaído nos embargos por não ter provado, como lhe competia, a respectiva veracidade, é insuficiente para tornar ilícita a promoção e desenvolvimento do processo executivo.

24. Refira-se também que a responsabilidade pelos prejuízos recai sobre o autor da falsificação e junto dele o autor poderá ressarcir-se mas isso não significa que, por diversa causa, a ré não possa igualmente ser responsabilizada.

25. No caso vertente não se sabe quem incorreu em tal falsificação, sabendo-se apenas, com base na leitura da petição de embargos deduzida pelo aqui autor, que a mutuária à qual foi exigida livrança como caução é uma sua familiar e sabendo-se que a instituição de crédito mutuante, logo que tomou conhecimento do resultado do exame laboratorial onde se admite “ como provável que a assinatura suspeita […] não seja da autoria” do autor, desistiu da instância (13-2-2003).

26. Não se nos afigura que deva ter-se por negligente, pelo tempo decorrido ( ver 10 e 11 supra da matéria de facto) a comunicação efectuada pela ré ao Banco de Portugal em 12-6-2003. Nessa comunicação ( ver fls. 63) o réu declara que o autor “ foi ilibado de quaisquer responsabilidades no contrato de empréstimo que originou a informação de Crédito Abatido ao Activo na Central de Riscos do Banco de Portugal pelo que diligenciamos para que a referida informação fosse retirada”.

27. A causa desta demanda não se situa na ilicitude - que não existe, como vimos - de o réu ter instaurado acção executiva contra o autor com base na sua vinculação cambiária (subscrição conjunta de livrança) nem tão pouco no atraso da comunicação, anteriormente mencionada, que a ré fez ao Banco de Portugal ilibando o autor das suas responsabilidades, mas na incorrecta informação que a ré prestou ao Serviço de Centralização de Riscos do Crédito que funciona na sede do Banco de Portugal (Decreto-Lei n.º 47909, de 7 de Setembro de 1967).

28. Se, como se disse, a prestação de informações ao abrigo dos mencionados diplomas de 1967 e de 1996 não é em si um acto ilícito, já uma informação incorrecta é susceptível de causar prejuízos pelas consequências que dela possam advir para o lesado, implicando ilicitude (artigo 483.º do Código Civil).

29. Ao autor cumpre, no que respeita ao ónus da prova (artigo 342.º) e porque estamos no plano da responsabilidade civil extracontratual, demonstrar a culpa da ré que é aferível pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487.º do Código Civil).

30. Ora está provado que a ré forneceu uma informação incorrecta sem que alguma vez tivesse, com a diligência que o caso impunha, procurado evitar o risco de prestar uma informação incorrecta. E, quanto a este aspecto, importa atentar que há uma conjugação de omissões que assumem relevância precisamente em função dessa conjugação: a primeira, já mencionada, foi a de a ré ter confiado em que eram verdadeiras e autênticas as assinaturas que reproduziam o nome do autor; a segunda foi a de a ré ter prestado a informação ao Serviço de Centralização de Riscos de Crédito sem ter previamente informado o autor da sua situação de devedor, o que permitiria a este diligenciar no sentido de, junto da ré, procurar demonstrar que aquela assinatura não era sua, evitando-se, desse modo, que o autor permanecesse na ignorância de uma realidade a que era alheio. Queremos com isto dizer que o facto de a lei não impor às instituições de crédito que informem os clientes de que vão comunicar as suas responsabilidades junto do referido Serviço de Centralização de Riscos de Crédito isso não significa que lhes esteja vedado contactar os clientes e garantes previamente no sentido de esclarecer o que se passa com a sua posição contratual.
Trata-se, aliás, de uma prática usual e corrente que se compagina com os deveres de boa fé que devem estar sempre presentes no âmbito das relações contratuais.

31. Se assim tivesse procedido, face à posição do autor de não ser sua a assinatura aposta no título de crédito, não estava a ré, como é evidente, obrigada a aceitá-la sem prévia discussão judicial; mas não poderia deixar de comunicar ao Serviço de Centralização de Riscos, a entender-se que em tal circunstância a comunicação se impunha, que a responsabilidade que atribuía ao réu era por este negada por negar ter sido por ele subscrita a livrança. Seria esta a informação correcta a prestar e a verdade é que a ré não conseguiu provar que o A. era efectivamente responsável pelo crédito cambiário por ter subscrito a livrança.

32. O autor tem, pois, direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos de ordem patrimonial e moral (artigos 496.º, 564.º e 566.º do Código Civil).Nas indicadas circunstâncias a ré incorreu num acto ilícito culposo.

33. A título de danos patrimoniais o A. reclama: 1000€ despendidos em consultas de psiquiatria; 850€ em medicamentos; mais valia de 50.000€ perdida entre o valor da casa que pretendia adquirir com recurso ao mútuo bancário; 66.701,81€ de danos morais, valor que faz equivaler ao ordenado que auferiu na sua entidade patronal durante o tempo em que se manteve na situação que o réu lhe criou.

34. Face ao disposto no artigo 754.º/2 do C.P.C. este tribunal não pode conhecer do recurso interposto do acórdão que negou provimento ao agravo interposto da decisão de 1ª instância que não admitiu a ampliação do pedido e, por isso, os montantes a considerar são apenas os que se referem em 32.

35. No que respeita aos invocados lucros cessantes provou-se apenas que a casa que o A. pretendia adquirir foi vendida por 68.584,72€ (27) não se provando o valor actual de 125.000,00€ ou que ela se tenha valorizado apenas em 5.000€. Não se provando a valorização da casa, realidade que não é segura, pois há casas que se desvalorizam por razões várias, não está provado o prejuízo e, por isso, não se pode sequer pretender uma indemnização a liquidar em momento ulterior. Por outro lado, esta indemnização não seria nunca devida, pois o autor apenas teria direito a indemnização a título de lucros cessantes se tivesse alegado que se dedicava ou, pelo menos, tinha em vista a compra de imóveis para revenda. Atendíveis seriam os danos emergentes, os custos que lhe advieram da não aquisição do imóvel, mas, quanto a isto, nada foi alegado.

36. Quanto às despesas com consultas de psiquiatria e medicamentosas - comprovado o nexo causal entre o acto lesivo da ré e as alterações nervosas do autor ( ver 23, 24, 25, 26 e 28) - não se apurou o montante, mas provou-se o dano e , por isso, quanto a elas, considerado o limite de 1850,00€, relega-se a sua fixação para incidente de liquidação (artigos 378.º e 661.º/2 do C.P.C.).

37. A título de danos morais, o A. fez equivaler o montante indemnizatório ao valor de retribuição auferida naquele período, tendo-se provado que esse valor foi de 26.308,67€ ilíquidos. O critério de atribuição de indemnização a título de danos morais tem em vista um juízo prudencial em que se deve ponderar o grau de culpabilidade da ré, a sua situação económica comparativamente à do lesado e as circunstâncias do caso (artigo 494.º do Código Civil).

38. Importa salientar que se é verdade, como referimos, que a circunstância de o autor não ter procurado saber a razão da não concessão do crédito não releva para afastar a responsabilidade da ré, constitui tal passividade um elemento a ponderar no juízo prudencial que nos leva a considerar que o sonho de uma nova habitação (ver 17
supra) não era afinal tão intenso como poderia concluir-se a partir do alegado em 17, 18 e 19 supra, pois, se o fosse, o autor não se deixaria envolver pelo desespero sem antes procurar saber que razões levavam as instituições de crédito a recusar-lhe o financiamento de modo a poder eventualmente conseguir resolver a tempo uma situação cuja causa desconhecia. Por isso, o montante indemnizatório, a título de danos morais, deve fixar-se em 7.500€.

Concluindo:

I- A instituição de crédito que solicita ao mutuário a entrega de livrança subscrita em conjunto com terceiro, confiando que a assinatura desse terceiro subscritor era verdadeira, não a conferindo com a assinatura aposta em bilhete de identidade e que depois, por inadimplemento do mutuário, comunica ao Serviço de Centralização de Riscos de Crédito que funciona junto do Banco de Portugal a existência de responsabilidades do terceiro sem que alguma vez tivesse dado conhecimento a esse terceiro quer dessa informação, quer da existência do débito, tal instituição de crédito incorre em responsabilidade pelos prejuízos que advenham dessa informação, verificando-se que ela é incorrecta, importando tais actuações um juízo de culpa (artigos 483.º e 487.º do Código Civil e Decreto-Lei n.º 29/96, de 11 de Abril, artigo 3.º/4).

II- E é de considerar que houve uma informação incorrecta, verificando-se em execução instaurada contra esse subscritor, impugnada por este a sua assinatura, não ter logrado a instituição de crédito provar que a assinatura aposta no título é do punho do subscritor.

Decisão: concede-se a revista e, consequentemente, julga-se a acção parcialmente procedente, condenando-se o réu a pagar ao A. a quantia de 7.500€ a título de indemnização por danos morais e, por danos patrimoniais, o valor das consultas psiquiátricas e gastos medicamentosos, a liquidar, realizados no período que decorreu desde Novembro de 2000 até 5-11-2003 quando foi informado pelo Banco de Portugal de que não constava, quanto a ele, qualquer situação de incumprimento, sendo devidos juros, à taxa legal, desde a citação; absolve-se a ré do demais pedido.

Custas por A. e ré na medida do decaimento e, no que respeita aos danos a liquidar, em 50% do devido a final sem prejuízo de se ter em conta, face à liquidação, o valor do decaimento efectivo.


Supremo Tribunal de Justiça,

Lisboa, 18 de Janeiro de 2011.


Salazar Casanova (Relator)*

Azevedo Ramos

Silva Salazar

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* Sumário elaborado pelo relator.