Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
497/13.9TBSTR-E.E1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PAULO SÁ
Descritores: INSOLVÊNCIA
PESSOA SINGULAR
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA
CONTAGEM DOS JUROS
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 01/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - MASSA INSOLVENTE E CLASSIFICAÇÃO DE CRÉDITOS - INSOLVÊNCIA DE PESSOAS SINGULARES / EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- A. VARELA, in RLJ, ano 117, 30/31.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE INSOLVÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 48.º, N.º1, AL. B), 235.º, 237.º, 238.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 660.º, N.º2, 684.º, N.º3, 690.º, N.ºS 1 E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 21.10.2010, PROCESSO N.º 3850/09TBVLG.D.PL.S1, IN WWW.DGSI.PT
-DE 06.07.2011, PROCESSO N.º 7295/08.0TBBRG.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT
-DE 13.11.2011, PROCESSO N.º 85/10.1TBVDC-F.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
-DE 24.01.2012, PROCESSO N.º 152/10.1TBBRG-E.01.51 – 6.ª SECÇÃO;
-DE 15.03.2012, PROCESSO N.º 2010/10.0TBMTAC.L1.51 – 6.ª SECÇÃO
-DE 19.04.2012, PROCESSO N.º 434/11.5TJCBR
-DE 19.06.2012, PROCESSO N.º 1239/11.9TBBRG-E.G1.S1, 1.ª SECÇÃO
-DE 14.02.2013, PROCESSO N.º 3327/10.0TBSTBD
-DE 21.03.2013, PROCESSO N.º 1728/11.5TJLSB-B.L1.S1
Sumário :

I - Se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo ou nos 5 anos posteriores ao encerramento deste (cf. art. 235.º do CIRE), dependendo a exoneração do passivo restante dos pressupostos referidos no art. 237.º do CIRE, e estabelecendo o art. 238.º, daquele código, os casos e as situações em que deve ser indeferido liminarmente o pedido.
II - A apresentação tardia à insolvência só releva em desfavor do requerente, no âmbito da prestação de exoneração do passivo restante, se esse facto implicar prejuízo concreto e efectivo para os credores.
III - O simples avolumar da contagem de juros não pode ser óbice ao deferimento da pretensão do requerente, uma vez que os mesmos, ao contrário do que acontecia antes da aplicação do CIRE, continuam a ser contados até ao momento da apresentação, sendo considerados créditos subordinados, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 48.º.
IV - Os fundamentos previstos nas alíneas do n.º 1 do art. 238.º do CIRE, consubstanciam factos impeditivos do direito à exoneração, pelo que a sua alegação e prova competirá aos credores ou ao administrador da insolvência, uma vez que o insolvente tem o direito potestativo a que o seu requerimento seja admitido e submetido à assembleia de credores, sem que tenha de apresentar prova daqueles requisitos, bastando-lhe declarar expressamente que os preenche.


Decisão Texto Integral:
Processo n.º 497/13.9TBSTR-E.E1.S1 [1]

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. No Tribunal Judicial de Santarém, AA apresentou-se à insolvência, tendo requerido exoneração do passivo restante.

Veio a ser declarado insolvente, mas a pretensão relativa à exoneração do passivo restante foi liminarmente indeferida, por se ter entendido que estava preenchida a previsão das als. d), e) e g), do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE.

O requerente, por não se conformar com esta decisão, interpôs, recurso de apelação, sem êxito, já que a Relação lhe negou provimento, confirmando integralmente a decisão recorrida.

Desta decisão veio recorrer o Ministério Público de revista, para este Tribunal, recurso que foi admitido como tal, decisão que se acompanhou.

O recorrente conclui as suas alegações, deste modo:

I – Verifica-se oposição entre o acórdão recorrido e o proferido nesta Relação de Évora em 22/11/2012, no Proc. nº 1110/11.4TBENT-D.E1, ambos proferidos no domínio da mesma legislação (sem que entre um e outro tenham ocorrido quaisquer alterações legislativas pertinentes), os quais decidiram de forma divergente a mesma questão fundamental de direito, sendo certo que não existe jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

II – Tal como se decidiu no Acórdão do STJ de 19/6/2012 (Proc. nº 1239/1 1.9TBBRG-E.G1-S1), “A apresentação tardia do insolvente-requerente da exoneração do passivo restante não constitui presunção de prejuízo para os credores, pelo facto de, entretanto, se terem acumulado juros de mora, competindo antes aos credores do insolvente e ao administrador da insolvência o ónus da prova de um efectivo prejuízo, que, seguramente, se não presume.”

III – E, conforme a conclusão VII do mesmo Acórdão, “Os fundamentos determinantes do indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante não assumem uma feição estritamente, processual, uma vez que contendem com a ponderação de requisitos substantivos, cuja natureza assumem, não se traduzindo em factos constitutivos do direito do devedor a pedir a exoneração do passivo restante, mas antes em factos impeditivos desse direito, razão pela qual compete aos credores e ao administrador da insolvência a sua demonstração.”

IV – A douta decisão recorrida violou assim o disposto no artº 238º nº 1 al. d) do CIRE, devendo ter interpretado tal norma no sentido constante das conclusões que antecedem.

V – Face à oposição do acórdão recorrido com jurisprudência unânime do STJ, propõe-se, nos termos do disposto no art.º 686º nº 2 do NCPC, que o julgamento do presente recurso se faça com intervenção do pleno das secções cíveis, dado que tal se mostra necessário para assegurar a uniformidade da jurisprudência.

Não houve contralegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

II.A. De Facto

O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:

1) AA apresentou-se à insolvência a 24 de Fevereiro de 2013.

2) No dia 27 de Fevereiro de 2013 foi proferida sentença que declarou a insolvência de AA.

3) AA nasceu a 7 de Novembro de 1960.

4) AA encontra-se no estado civil de casado com BB, desde 4 de Janeiro de 1997.

5) AA e BB têm, em comum, um filho menor, CC, nascido em 13 de Julho de 1997.

6) AA encontra-se reformado desde 28 de Setembro de 2009 e aufere mensalmente a quantia de € 861,64, a título de pensão de reforma.

7) Foram reconhecidos pelo administrador de insolvência os seguintes créditos:

I) AOF — 4 SARL, referente a empréstimo, no total de € 4.999,06, concedido em 04 de Maio de 2005, em incumprimento desde 2007, declarado resolvido em 1 de Julho de 2009;

II) Banco DD, S.A., referente a contrato de crédito contraído em 2006, que deixou de ser pago em 7 de Março de 2008, no valor total de € 4.171,27;

III) Banco EE, S.A., referente a contratos de crédito concedidos em 2005, segundo informação do Banco de Portugal de 30 de Novembro de 2012, se encontra em incumprimento há mais de 60 meses – 2007 – no total de € 46.642,00;

IV) BMW Bank FF, referente a crédito concedido em Janeiro de 2004, que deixou de ser pago em 31 de Maio de 2007, no total de € 8.042,99;

V) GG, S.A., referente a contrato de crédito contraído no ano de 2005, no valor total de € 5.899,55, em incumprimento desde 2007.

VI) HH, S.A. referente a contrato de crédito contraído em 2005, no total de € 200.747,00, que, segundo informação do Banco de Portugal de 30 de Novembro de 2012, se encontra em incumprimento há mais de 60 meses.

VII) Fazenda Nacional, referente a IMI, referente a tributação do ano de 20I1, vencido em 1 de Outubro de 2012, no valor total de € 216,49.

8) Para cobrança de valores em dívida foram instauradas as seguintes acções contra AA:

I) Processo n.º 2574/1 0.9TBEVR, que corre termos no Tribunal Judicial de Santarém em que é exequente Banco EE, S.A. e executados o insolvente e o cônjuge, no qual se encontra penhorada, desde 30 de Janeiro de 2013, a casa de morada de família.

II) Processo n.º 2316/08.9TBEVR, que corre termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Évora, em que é exequente o Banco DD, S.A., e executados o insolvente e o cônjuge, no qual se efectuam mensalmente descontos judiciais de 1/3 da pensão de reforma do insolvente, no valor de € 254,52, desde 20 de Julho de 2010.

III) Processo n.º 2733/08.4TBEVR, que corre termos no 1.º juízo Cível do Tribunal Judicial de Évora, em que é exequente BMW Bank FF e executados o insolvente e o cônjuge, no qual se efectuam mensalmente descontos judiciais no vencimento do cônjuge do insolvente, no valor de € 112,95.

IV) Processo n.º 2589/08.7TBEVR, que corre termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Évora, em que é Exequente HH, S.A., e executado o insolvente, no qual se encontra penhorada, desde 9 de Outubro de 2009, a casa de morada de família.

V) Processo n.º 2089201113089, que corre termos no Serviço de Finanças de Santarém.

9) Do certificado de registo criminal de AA nada consta.

II.B. De Direito

II.B.1. Como se sabe, o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes (art.º 684.º, n.º 3, e 690.º, n.os 1 e 3, do CPC), importando ainda decidir as questões nela colocadas e bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.º 660.º, n.º 2, também do CPC.

Existe apenas uma questão suscitada a conhecer: a existência dos pressupostos da exoneração do passivo restante.

Sobre este ponto em discussão, disse-se no acórdão recorrido:

Como se observou no Acórdão de 21 de Outubro de 2010 do Supremo Tribunal de Justiça (www.dgsi.pt, proc. nº 3850/09.09TBVLG-D.P1.S1), não se pode interpretar a citada al. d) do nº 1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas no sentido de que “pelo facto de o devedor se atrasar a apresentar-se à insolvência resultavam automaticamente prejuízos para os credores”, desde logo porque, “então não se compreendia por que razão o legislador autonomizou o requisito de prejuízo”; mas a decisão sob censura não perfilhou manifestamente essa interpretação, que seria equivalente à de retirar do mero atraso (isto é, da ultrapassagem dos seis meses) na apresentação uma presunção de prejuízo. Diferentemente, a decisão recorrida, concluiu pela ocorrência de prejuízos, não os presumiu e não se limitou a inferir a sua verificação.

É certo que sendo o insolvente uma pessoa singular, e não sendo titular de qualquer empresa, não estava obrigado a apresentar-se à insolvência.

Porém, o prazo de apresentação não deixa de ser relevante nesta matéria da exoneração do passivo restante, porquanto não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica, o pedido de exoneração deve ser liminarmente indeferido.

E é isso que consta precisamente do ponto 13 do Preâmbulo do diploma legal já citado, ao referir: “Uma das causas de insucesso de muitos processos de recuperação ou de falência residiu no seu tardio início, seja porque o devedor não era suficientemente penalizado pela não atempada apresentação, seja porque os credores são negligentes no requerimento de providências de recuperação ou de declaração de falência, por falta dos convenientes estímulos”.

In casu, face à factualidade provada é óbvio que o requerente se apresentou à insolvência em 24 de Fevereiro de 2013 muito para além dos seis meses seguintes à verificação da sua situação de insolvência, com prejuízo para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica, basta atentar que os incumprimentos datam de 2007 a que se seguem as inúmeras acções executivas com as consequentes penhoras, e que o devedor se aufere desde 2009 uma pensão de reforma no valor de € 861,64, os seus rendimentos não se situariam garantidamente muito para além de tal montante, para se concluir que tal situação económica manifestamente não lhe permitia suportar as suas obrigações.

Não obstante ser esta a situação verificada, o ora apelante não se apresentou à insolvência nos seis meses seguintes à verificação dessa situação, vindo apresentar-se quando as circunstâncias em que se encontravam se terem agravado consideravelmente, até chegar ao ponto do montante das dividas que resultaram provadas, auferindo desde 2009 tão só uma reforma no valor de € 861,64.

Ora considerando os credores do apelante e tratando-se de dívidas vencidas e que vencem juros moratórios, o vencimento desses juros para além do elevado montante das dividas, reduz qualquer hipótese de possibilidade de pagamento dos créditos, dado o aumento da divida e a evidente incapacidade económica do ora apelante, com o consequente prejuízo para os credores.

Acresce que, conjugando o disposto no n.º 3 do artigo 236.º com a alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º, ambos do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, e atendendo ainda ao disposto no artigo 342.º, n.os 1 e 3, do Código Civil, será ao devedor que incumbe a alegação e prova que do incumprimento da sua obrigação de apresentação à insolvência não resultou qualquer prejuízo para os credores.

Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados constitutivos do direito (n.º 3 do artigo 342.º do C. Civil), regra que no plano processual é complementada com o princípio vertido no artigo 516.º do CPC, segundo o qual a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.

No que concerne ao último requisito previsto na al. d) do nº 1 do art.238 do CIRE, isto é, o de saber se o devedor sabia, ou não poderia ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica, efectivamente reitera-se que não restam dúvidas quanto à sua verificação, considerando o circunstancialismo que resulta dos autos.

Dada a sua situação económica e não se apresentarem quaisquer reais possibilidades de uma melhoria, o requerente não podia deixar de saber que não existia qualquer perspectiva séria de alteração da mesma.

Considerando o elevado montante das dívidas contraídas, e o escassíssimo rendimento auferido pelo insolvente, qualquer indivíduo no seu lugar, minimamente consciente e atento à realidade da vida, teria, desde há muito, tomado consciência da inexistência de perspectiva séria de melhoria da sua situação económica, o que consequencia que se mostram preenchidos todos os pressupostos consignados no art. 238, nº 1, al. d), do CIRE, improcedendo as conclusões do apelante.”

A perspectiva do recorrente estriba-se no voto de vencido, proferido no referido acórdão e no acórdão fundamento invocado.

De facto, no acórdão, o Ex.mo Desembargador vencido pronuncia-se favoravelmente ao insolvente, esclarecendo que havia relatado um projecto nesse sentido, fundando o seu voto no seu projecto.

Segundo esta posição – que passamos a seguir –, decorre do art.º 235.º do CIRE que, se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.

Os pressupostos de que depende a concessão de exoneração do passivo estão referidos no art.º 237.º do CIRE, estabelecendo o artigo 238.º do mesmo diploma os casos e as situações em que deve ser indeferido liminarmente o pedido.

Dispõe o n.º 1 do artigo 238.º,citado:

“1 – O pedido de exoneração é liminarmente indeferido se:

a)...;

b)...;

c)...;

d) o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica;

e) constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo l86.º;

f)...;

g) o devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência.”

Constata-se que se invocaram, para o indeferimento da pretensão, a verificação dos fundamentos aludidos nas citadas als. d) e) e g).

Como decorre da matéria de facto apurada, podemos concluir que o requerente entrou em situação de insolvência e, apesar dessa constatação, apresentou-se à insolvência para além dos seis meses seguintes à concreta verificação dessa realidade.

Embora não pondo em causa que a data da apresentação à insolvência tenha extravasado o aludido prazo de seis meses, o requerente defende que, não obstante, não estão verificados todos os condicionalismos previstos nas aludidas alíneas do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE, pelo que não devia a sua pretensão ter sido indeferida liminarmente.

Relativamente aos fundamentos das als. e) e g) da citada disposição, não se pode deixar de corroborar o que é salientado pelo recorrente, uma vez que parece ser manifesta a sua não verificação.

O requerente não violou quaisquer deveres de informação no decurso do processo de insolvência, tendo, antes pelo contrário, respondido prontamente a todas as questões que lhe foram colocadas, quer pelo Tribunal, quer pelo Administrador de Insolvência, e fornecido da mesma forma todos os elementos que lhe foram solicitados. Também nada evidencia que, sabendo da sua situação delicada de incumprimento, tenha feito gastos descontextualizados com a sua situação económica, familiar e pessoal, com vista a agravar o passivo ou com intuito de não pagar e de beneficiar do instituto da exoneração do passivo restante.

Não existe, por isso, sustentação factual, para a aplicação do disposto na previsão destas aludidas alíneas.

No que se refere à alínea d), apesar de se verificar uma situação de apresentação tardia à insolvência, a posição do requerente, pugnando pelo deferimento da pretensão de exoneração do passivo restante é de acolher, uma vez que a apresentação tardia, por si só, não conduz ao indeferimento do pedido.

A apresentação tardia à insolvência só releva em desfavor do requerente, “no âmbito da pretensão de exoneração do passivo restante, se esse facto implicar prejuízo concreto e efectivo para os credores” (v. Ac. do STJ de 13.11.2011, in www.dgsi.pt no processo 85/10.1TBVDC-F.P1.S1.), pois, para que possa proferir despacho de indeferimento liminar têm de estar preenchidos, cumulativamente, três requisitos:

a) A não apresentação do devedor à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência;

b) Que o devedor conheça da inexistência, (ou não podendo ignorar sem culpa grave) de qualquer perspectiva séria da melhoria da sua situação económica;

c) Que desse incumprimento, resulte para os credores um prejuízo.

No caso em apreço, ao contrário da opinião do julgador “a quo”, não parece evidente, concreto e inequívoco que a conduta omissiva de apresentação célere à insolvência tivesse agravado o passivo ou tivesse contribuído para a inviabilidade ou maior dificuldade na cobrança dos créditos, sendo que, como bem salienta o administrador da insolvência no seu parecer, o simples avolumar da contagem de juros não pode ser óbice ao deferimento da pretensão do requerente, uma vez que os mesmos, ao contrário do que acontecia antes da aplicação do CIRE, continuam a ser contados até ao momento da apresentação, sendo considerado créditos subordinados, nos temos da al. b) do n.º 1 do art. 48.º – (v. Ac. do STJ 24-01-2012, Revista n.º 152/10.1TBBRG-E.01.51 – 6.ª Secção; Ac. do STJ de 15-03-2012 Revista n.º 2010/10.0TBMTAC.L1.51 – 6.ª Secção).

Não foram também contraídos novos créditos, quando se evidenciaram as dificuldades no cumprimento das obrigações anteriormente assumidas, pelo que não se pode concluir ter havido uma actuação com culpa grave, em prejuízo dos credores.

Do compulsar do processo, pode constatar-se que o óbice por parte de alguns credores ao deferimento liminar da pretensão de exoneração do passivo não teve como sustentáculo a existência concreta de qualquer prejuízo referenciado, mas tão só o facto de terem decorrido mais de seis meses a partir do momento em que se podia ter a situação de insolvência por caracterizada, o que, na generalidade, conduz a um maior acumular de dívida.

Os fundamentos previstos nas alíneas do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE, consubstanciam factos impeditivos do direito à exoneração, donde a sua alegação e prova competirá aos credores ou ao administrador da insolvência, uma vez que o insolvente tem o direito potestativo a que o seu requerimento seja admitido e submetido à assembleia de credores, sem que tenha de apresentar prova daqueles requisitos, bastando-lhe declarar expressamente que os preenche (ao autor apenas “cabe a prova dos factos que segundo a norma substantiva aplicável, cabem serem de pressuposto ao efeito jurídico por ele pretendido” – v. A. VARELA, in RLJ, ano 117, 30/31), como decorre, inequivocamente, do disposto no n.º 3 do art.º 236.º, ao impor que do requerimento conste expressamente tal declaração e a disposição de observar todas as condições exigidas no artigo seguinte (Ac. do STJ de 21.10.2010, in www.dgsi.pt, no processo 3850/09TBVLG.D.Pl.S1. Ac do STJ de 06.07.2011 in www.dgsi.pt no processo 7295/08.0TBBRG.G1.S1, Ac. do STJ de 19-06-2012, na Revista n.º 1239/11.9TBBRG-E.G1 51 – 1.ª Secção).

Como se referiu, os credores não invocaram factos que fundamentem a existência de prejuízo concreto que os tenha afectado, ou culpa do requerente na criação ou agravamento da situação de insolvência, nem tais factos resultam do acervo documental.

Por isso, do que se deixou dito, não resultam preenchidos todos os fundamentos legalmente exigidos para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo, pelo que se impunha a procedência da apelação.

Esta tese defendida no voto de vencido e no acórdão da Relação de Évora que é invocado como fundamento (de 22.11.2012, proc. 1110/11.4BENT-D.E1), colhe o apoio unânime da jurisprudência deste Tribunal.

Desde o acórdão de 21.10.10, proferido no processo n.º 3850/09.TBVLG-D. P1.S1, passando pelos acórdãos de 6.7.11 (proc. 7295/08.BTBBRG.G1.S1), de 24.01.12 (processo n.º 152/10TBBRG-E.G1.S1), de 19.04.12 (proc. 434/11.5TJCBR), de 14 de Fevereiro de 2013 (processo n.º 3327/10.0TBSTBD), até ao mais recente de 21.03.13, proferido no processo 1728/11.5TJLSB-B.L1.S1, se tem defendido, neste Tribunal, que os factos previstos no n.º 1 do artigo 238.º do CIRE devem ser alegados e provados pelo administrador da insolvência ou pelos credores, porquanto tendo a natureza de factos impeditivos do direito do devedor a pedir a exoneração do passivo restante, é sobre eles que recai o respectivo ónus de prova.

Disse-se no acórdão deste Tribunal de 19.06.12, citado:

«Diz o acórdão recorrido, neste particular, que era aos requerentes do pedido de exoneração do passivo restante que pertencia a alegação dos factos que fundamentam a respectiva pretensão.

Com efeito, as diversas alíneas do nº 1, do artigo 238º, do CIRE, ao estabelecerem os fundamentos que determinam o indeferimento liminar, não assumem uma feição, estritamente, processual, uma vez que contendem com a ponderação de requisitos substantivos, não se traduzindo em factos constitutivos do direito do devedor pedir a exoneração do passivo restante, mas antes em factos impeditivos desse direito, razão pela qual compete aos credores e ao administrador da insolvência a sua demonstração, atento o preceituado pelo artigo 342º, nº 2, do Código Civil.

Tratando-se de factos que, de acordo com a norma substantiva que serve de fundamento à pretensão de cada uma das partes, se destinam a inviabilizar o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo devedor-insolvente, são susceptíveis de obstar a que esse direito se tenha constituído, validamente [Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, com a colaboração de Antunes Varela, revista e actualizada por Herculano Esteves, 1976, 130] cabendo, assim, aos credores ou ao administrador demonstrar a sua existência, sendo certo, a este propósito, que “o devedor pessoa singular tem o direito potestativo a que o pedido seja admitido e submetido à assembleia de apreciação do relatório, momento em que os credores e administrador da insolvência se podem pronunciar sobre o requerimento, em conformidade com o preceituado pelo artigo 236º, nºs 1 e 4, do CIRE” [Assunção Cristas, Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante, Themis, 2005, 168.]

Aliás, a hipótese legal de indeferimento liminar, consagrada pela alínea e), do nº 1, do artigo 238º, do CIRE, ou seja, “constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186º”, significa um afloramento deste entendimento […].

Por tudo quanto já se disse, a apresentação tardia pelo insolvente-requerente do pedido de exoneração do passivo restante não constitui presunção de prejuízo para os credores, nos termos do disposto pelo artigo 238º, nº1, d), do CIRE, pelo facto de, entretanto, se terem acumulado juros de mora, competindo antes aos credores do insolvente e ao administrador da insolvência o ónus da prova de um efectivo prejuízo, que, seguramente, se não presume.»

Nada temos a acrescentar ao que se deixou dito, porquanto se louva no apoio unânime da jurisprudência deste Tribunal, com o suporte da doutrina citada nos acórdãos que se enumeraram.

Ou seja, não foi produzida prova pelos credores ou pelo administrador da insolvência de que o insolvente tenha faltado aos seus deveres, com dolo ou culpa grave, ou que, pela sua tardia apresentação à insolvência, tenha criado ou aumentado o prejuízo dos credores.

III. Termos em que concede a revista e, em consequência, se revoga o acórdão da Relação e se defere o pedido de exoneração do passivo restante.


LISBOA, 21 de Fevereiro de 2014


[1]             
                Paulo Sá (Relator) 
                Garcia Calejo
                 Hélder Roque