Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1032/15.0T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: FERIADO FACULTATIVO
TERÇA-FEIRA DE CARNAVAL
USOS DA EMPRESA
Data do Acordão: 11/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / PRESTAÇÃO DO TRABALHO / TEMPO DE TRABALHO / FERÍADOS.
DIEITO CIVIL - FONTES DO DIREITO / USOS.
Doutrina:
- Júlio Vieira Gomes, Novos Estudos de Direito do trabalho, 15, 16, 22, 34, 35, 38, 39.
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª edição, 113 e 114;
Direito do Trabalho, 17.º edição, 2014, 371.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 33.
- Romano Martinez, Direito do Trabalho, 5.ª edição, Almedina, 197.
- Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte I – Dogmática Geral, Almedina, 2012, 3ª edição, 241 e 242.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 3.º, N.º1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) /2009: - ARTIGOS 1.º, 234.º, 235.º, 236.º, 269.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 5-7-2007, RECURSO N.º 2576/06 - 4.ª SECÇÃO.
Sumário :
I-Desde a vigência do DL nº 874/76 de 28/12, doutrina que transitou para o CT/2003, bem como para o CT/2009, a terça-feira de carnaval é considerada um feriado facultativo, pelo que a empresa não é obrigada a suspender a sua laboração nesse dia.

II- Os usos correspondem a práticas sociais reiteradas não acompanhadas da convicção de obrigatoriedade, em cuja noção está ínsita ou implícita a ideia de uma reiteração ou repetição dum comportamento ao longo do tempo.

III- Concedendo a empresa o gozo da terça-feira de Carnaval a todos os seus trabalhadores, sindicalizados ou não, sem perda de retribuição, prática que sempre vigorou na empresa desde a sua fundação em 1994 até 2013, configura-se uma prática constante, uniforme e pacífica integrante dum uso da empresa que justifica a tutela da confiança dos seus trabalhadores, pelo que não podia esta retirar unilateralmente o seu gozo a partir de 2014.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1---

           

O SINDICATO DA INDÚSTRIA TRANSFORMADORA, ENERGIA E ACTIVIDADES DO AMBIENTE DO NORTE intentou uma acção com processo comum, contra a ré

AA, LDª, pedindo que seja condenada a reconhecer a ilicitude da decisão de retirar aos trabalhadores o direito ao gozo da terça-feira de carnaval e do feriado de São João sem perda de retribuição, ou seja, o direito a não trabalharem nestes dias sem que tal possa ter efeitos desfavoráveis, e a manter este direito para o futuro.

Findos os articulados, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual as partes acordaram em dar como assente a matéria de facto.

E após, foi proferida sentença que decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:

1. Condenar a ré a reconhecer a ilicitude da decisão de retirar aos trabalhadores o direito ao gozo do feriado de São João, sem perda de retribuição, ou seja, o direito a não trabalharem neste dia, sem que tal possa ter efeitos desfavoráveis, e a manter este direito para o futuro;

2. No mais, absolveu a ré dos pedidos contra si formulados.

Inconformado, apelou o A, tendo o Tribunal da Relação de ... acordado em julgar a apelação procedente, pelo que, e revogando a sentença na parte respectiva, condenou a R a reconhecer a ilicitude da decisão de retirar aos seus trabalhadores o direito ao gozo da terça-feira de Carnaval sem perda de retribuição, devendo, consequentemente manter tal direito para o futuro.

É agora a R que, irresignada, nos traz revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

1- Afigura-se que o Acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, não interpretou e aplicou correctamente os preceitos legais atinentes: o artigo 1º e seguintes do Código do Trabalho, o artigo 3º, n° 1 do Código Civil, e o artigo 674º, n° 1 CPC;

2- No Acórdão que ora se recorre, entendeu revogar a Sentença com fundamento que a mesma extravasa a factualidade assente;

3- A concessão ao longo dos últimos anos de tolerância de ponto no Carnaval, facto noticiado todos os anos e do conhecimento tanto daqueles que beneficiam dessa tolerância como dos restantes cidadãos, é facto sabidamente conhecido da generalidade da comunidade.

4- Pelo que, nesse particular ponto, não tendo a Sentença incorrido no vício - excesso de pronúncia - que o Acórdão sufragou, violou o disposto no artigo do 615, n°2, d) do CPC;

5- Nulidade aliás que, a se ter verificado, o que por mera hipótese de raciocínio se equaciona, obrigava à sua arguição nos termos consignados no artigo 77°, n° 1 do CPT, o que não ocorreu, omissão que o Acórdão olvidou, violando, assim, o mencionado preceito.

6- O gozo da Terça-feira de carnaval resultava, então, da sua previsão e consequente aplicação da CCT aos trabalhadores e não de uma prática implementada pela Recorrente, não traduzindo, assim, qualquer benefício ou concessão.

7- Face ao explicitado no ponto antecedente, o gozo da Terça-feira de carnaval resultava, então, da sua previsão e consequente aplicação da CCT não traduzindo, assim, qualquer benefício.

8-Tendo sido realizada com a convicção da sua obrigatoriedade impossibilita que tal conduta possa ser enquadrada num uso laboral, inexistindo qualquer liberalidade ou benefício.

9- Não ocorrendo uma prática reiterada realizada sem convicção de obrigatoriedade não pode ser a mesma reconhecida como uso laboral.

10- Também no que concerne ao período de tempo que terá durado tal conduta, sempre seria insuficiente o decurso de cinco anos para o reconhecimento como uso, uma vez que tem sido entendido que a prática reiterada deverá ocorrer reiteradamente ao longo de um período de tempo relevante (20, 30 anos).

Pede assim a revogação do Acórdão recorrido.

O A também alegou, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:

1.- A razão de ser do recurso assenta, em síntese, nos seguintes argumentos:

a) Ser do conhecimento geral e público a aplicação ao sector privado do "regime aplicável à função pública" para o gozo da terça-feira de Carnaval;

b) O gozo concedido pela Recorrente aos trabalhadores resulta da aplicação da CCT aplicável e não de uso laboral.

 2.- No que respeita ao alegado conhecimento público da aplicação pelo sector privado do regime da função pública para o gozo da terça-feira de Carnaval, é manifesto, desde logo, que tal facto não corresponde à verdade, por outro lado, tal factualidade não se encontra vertida na matéria assente, não resulta de qualquer elemento probatório e, muito menos, foi, em algum momento, alegado pela Recorrente.

3.- Como refere e bem o douto acórdão recorrido "Esta análise sociológica não encontra, porém, sustentação fática no acervo trazido aos autos", aderindo a alegação da apelante e ora Recorrida, acrescentando que "não existe fundamento para equiparar o regime ao dos trabalhadores em funções públicas, nem como fazer equivaler o regime de tolerância de ponto ao da concessão de um dia no sector privado. Está ali subjacente uma decisão de cariz político que não vemos como fundamentar uma decisão em meio empresarial".

4.- Aliás, sempre o devido respeito, parece que a linha argumentativa da Recorrente é claramente contraditória, quando, por um lado, pretende sustentar o gozo da terça-feira de Carnaval pelos trabalhadores com a aplicação de tal regime aos funcionários públicos e, por outro lado, mais adiante já pretende justificar esse mesmo gozo com a vigência da CCT, ou seja utiliza dois argumentos que por si só não são compatíveis e que revela a ausência total de razão.

5.- No que respeita ao segundo argumento da Recorrente no sentido de sustentar que o gozo da terça-feira de Carnaval resulta da aplicação da CCT aplicável e não de uso laboral, também tem naturalmente que improceder.

6.- Como bem salienta o acórdão recorrido "(„.)evidenciam os factos, e foi, aliás, ponderado pela sentença, "a ré concedeu o gozo da terça-feira de carnaval e do feriado de São João a todos os trabalhadores, independentemente de serem associados de sindicatos que integravam esta federação ou estarem sindicalizados. Por outro lado, a convenção colectiva de trabalho foi publicada no dia 22 de Março de 2002 e caducou no dia 17 de Fevereiro de 2009 e a ré concedeu aos trabalhadores o gozo da terça-feira de carnaval e do feriado de São João desde o ano de 1994 até ao ano de 2014, ou seja, desde cerca de oito anos antes da entrada em vigor da convenção e durante cerca de cinco anos após a caducidade. A prática da ré ao conceder aos trabalhadores o gozo da terça-feira de carnaval e do feriado de São João foi, assim, muito além do mero cumprimento da convenção colectiva de trabalho ..."

7.- Trata-se, sem dúvida, de um direito adquirido pelos trabalhadores e que resultam de um uso laboral vinculativo, que, em momento algum, pode ser unilateralmente retirado, como a Recorrida fez.

8.- Com efeito, tal como resulta da matéria assente (cfr. pontos 11, 14, 15, 16, , 17, 18 e 19 dos factos provados), a Recorrente sempre atribuiu aos trabalhadores o direito ao gozo da Terça-Feira de carnaval, desde a data de admissão de cada um, pelo que, até 2014, sempre revestiu uma prática regular, uniforme, reiterada, com características de generalidade, o que consubstancia um USO vinculativo.

9.- Aliás, o próprio tribunal a quo reconhece tal realidade ao expressamente referir que "a prática da ré ao conceder aos trabalhadores o gozo da terça-feira de carnaval (...) traduz-se num uso laboral que se tornou vinculativo."

10.- Com efeito, a prática reiterada de tal direito é de molde a fazer surgir na esfera jurídica dos trabalhadores a legítima expectativa de serem, como são, titulares do direito a não trabalharem, sem perda de retribuição, na Terça-Feira de carnaval.

11.- Quer o actual Código do Trabalho, quer os Regimes Jurídicos revogados, nomeadamente a Lei do Contrato Individual de Trabalho (LCT), sempre conferiu os USOS como uma parte específica do direito do trabalho.

12.- Dispõe o art.° 39° do CT que "o contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, assim como os usos laborais que não contrariem o princípio da boa-fé".

 13.- No mesmo sentido, encontra-se o art.° 3° do Código Civil que, também, confere valor jurídico aos usos desde que não "fossem contrários ao princípio da boa-fé. "

14.- Importa salientar, também, que antes da entrada em vigor do Código do Trabalho, o legislador já considera o uso como parte de direito nomeadamente o n.° 2 do art.° 12° do Dec. Lei 49.408, de 24/11/1969, que dispunha o seguinte:

"Desde que não contrariem as normas acima indicadas e não sejam contrários aos princípios da boa-fé, serão atendíveis os usos da profissão do trabalhador e das empresas, salvo se outra coisa for convencionada por escrito."

15.- Dúvidas não há, assim, que o direito ao gozo da Terça-Feira de Carnaval pelos trabalhadores constitui um uso da Recorrida, vinculativa e relevante como fonte de direito para efeitos do disposto no art.° 12°, n° 2 da LCT e do artigo 1° do Código do Trabalho.

16.- Aliás, a contradição da defesa da Recorrente é bem demonstrada no douto acórdão recorrido quando realça que a "observância dos feriados municipais equipara-se à observância da terça-feira de Carnaval" (cfr. art.° 235°, n.° 1 do CT), pelo que não deixa de ser incompreensível que a Recorrida aceite a decisão judicial que reconheceu aos trabalhadores o gozo do feriado de São João, pelos usos (decisão esta que não recorreu) e já não faz o mesmo raciocínio relativamente ao gozo da terça-feira de Carnaval!

Pede assim que se mantenha o acórdão recorrido.

Subidos os autos a este Tribunal, a Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência da revista, tendo concluído que não pode aceitar-se a argumentação da recorrente, pois a concessão do gozo do feriado da 3ª feira de Carnaval a todos os seus trabalhadores, sem perda de retribuição, durante cerca de 20 anos, 5 dos quais depois da caducidade da contratação colectiva aplicável, transformou--se numa prática vinculativa.     

Nenhuma das partes se tendo pronunciado sobre este parecer, é altura de decidir.

2----

Para tanto, as instâncias apuraram a seguinte materialidade:

1. O autor é uma associação sindical filiada na FIEQUEMETAL - Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgicas, Químicas, Eléctricas, Farmacêutica, Celulose, Papel, Gráfica, Imprensa, Energia e Minas;

2. Por sua vez, a FIEQUEMETAL integra a CGTP-IN - Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional;

3. A FIEQUEMETAL tinha a designação de FIQUEMETAL - Federação Intersindical da Metalurgia, Metalomecânica, Minas, Química, Farmacêutica, Petróleo e Gás e outros;

4. Os estatutos do autor encontram-se registados no Ministério do Trabalho;

5. A ré é associada da AIMAP - Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e afins de Portugal;

6. A ré é uma média empresa que tem ao serviço oitenta e sete trabalhadores;

7. Destes trabalhadores, cerca de cinquenta, pelo menos, são associados do autor;

8. A ré foi constituída no ano de 1994 e teve origem em diversas sociedades comerciais que exerceram a sua actividade no âmbito do denominado Complexo BB, situado no local onde exerce a sua actividade;

9. Os trabalhadores destas sociedades comerciais passaram para a ré, tendo ocorrido a transmissão dos respectivos contratos de trabalho;

10. Estes trabalhadores mantiveram todos os direitos que tinham quando estavam ao serviço das anteriores sociedades comerciais, os quais continuaram a ser respeitados pela ré;

11. A ré garantiu sempre todos os direitos que estes trabalhadores tinham quando estavam ao serviço das anteriores sociedades comerciais, nomeadamente a antiguidade e a categoria profissional;

12. Os restantes trabalhadores foram admitidos ao serviço directamente pela ré;

13. O feriado de São João ocorre no dia 24 de Junho de cada ano e corresponde ao feriado municipal do concelho de ...;

14. Até ao ano de 2013, inclusive, a ré sempre concedeu a todos os trabalhadores o gozo da terça-feira de carnaval e do feriado de São João, permitindo aos trabalhadores não terem que trabalhar nestes dias, sem que fossem prejudicados na sua retribuição;

15. O gozo da terça-feira de carnaval e do feriado de São João foi concedido pela ré durante toda a antiguidade de cada um dos trabalhadores, ou seja, desde a data de admissão de cada um, até ao ano de 2013;

16. A ré sempre concedeu o gozo da terça-feira de carnaval e do feriado de São João a todos os trabalhadores, incluindo os que passaram das anteriores sociedades comerciais e os que foram admitidos ao serviço directamente;

17. Alguns dos trabalhadores da ré têm uma antiguidade superior a trinta anos;

18. Ao longo dos anos, o gozo da terça-feira de carnaval e do feriado de São João sempre foi concedido pela ré a todos os trabalhadores de forma habitual e reiterada;

19. No ano de 2014, a ré retirou aos trabalhadores o gozo da terça-feira de carnaval e do feriado de São João e considerou injustificada a falta dos trabalhadores que não trabalharam nestes dias;

20. Nos dias 3 de Março de 2014 e 23 de Junho de 2014, a ré divulgou junto dos trabalhadores os comunicados que constam de fls. 119 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

3---

E decidindo:

O A pediu que a R fosse condenada a repor aos seus trabalhadores a concessão dos feriados facultativos da terça-feira de carnaval e do feriado municipal de São João, sem perda de retribuição, que havia retirado em 2014.

A sentença da primeira instância acabou por concluir que a demandada não podia retirar aos seus trabalhadores o gozo do feriado municipal de São João, tendo-a por isso, condenado nesta parte do pedido, segmento decisório que transitou em julgado. Mas relativamente à terça-feira de carnaval, acabou por concluir que fora legítima a decisão de retirar aos seus trabalhadores o gozo deste dia, não fazendo mais que transpor para a empresa o modelo da função pública, posição que a Relação não acolheu, vindo assim a revogá-la nesta parte.

É contra tal decisão que reage a recorrente, argumentando basicamente que o gozo da Terça-feira de carnaval resultava da previsão e consequente aplicação do CCT aplicável, pelo que a sua concessão não resulta de um uso laboral que se tenha consolidado. E argumenta ainda que o período de tempo que terá durado a sua concessão sempre seria insuficiente para o seu reconhecimento como uso, pois não durou mais de cinco anos, sempre se tendo entendido que a prática reiterada integrante dum uso deverá prolongar-se por um período de tempo relevante (20, 30 anos).

Colocando-se a questão a decidir na revista nestes termos, vejamos então se a recorrente tem razão.

3.1---

O DL nº 874/76 de 28/12, procedendo à unificação da regulamentação respeitante a férias, feriados e faltas, veio consagrar a existência de feriados obrigatórios, cujo elenco constava do seu artigo 18º. Mas admitiu igualmente existência de feriados facultativos, de que fazem parte a terça-feira de carnaval e o feriado municipal (artigo 19º).

E considerando que estão em causa interesses gerais da comunidade de salvaguarda da produção nacional, considerou nulas as cláusulas de contrato individual de contrato ou as disposições de instrumento de regulamentação colectiva que consagrem feriados em dias diferentes dos mencionados nos artigos 18º e 19º, conforme advinha do seu artigo 21º.

Este regime passou para o CT/2003, referindo-se o artigo 208º aos feriados obrigatórios e o artigo 209º aos feriados facultativos, nos mesmos termos da legislação anterior, considerando também nulas as cláusulas de contrato individual de contrato ou as disposições de instrumento de regulamentação colectiva que consagrem feriados diferentes dos indicados nos aludidos preceitos.

Em sentido idêntico, o artigo 234º do CT/2009 elenca os feriados obrigatórios, admitindo o artigo 235º como feriados facultativos a terça-feira de carnaval e o feriado municipal da localidade, e considerando igualmente nulas as cláusulas de contrato individual de contrato ou as disposições de instrumento de regulamentação colectiva que consagrem feriados diferentes dos indicados nas supracitadas normas, conforme resulta do nº 2 do artigo 236º.

Os feriados constituem dias em que a empresa deve normalmente suspender a sua laboração para proporcionar aos seus trabalhadores a celebração de datas festivas ou de eventos relevantes no plano político, histórico, religioso e cultural (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 371, edição 17ª-2014), apenas não estando obrigadas a tal suspensão as actividades que sejam permitidas aos domingos (artigo 236º/1 do CT/2009).

De qualquer maneira, os dias considerados feriado são retribuídos, e não podem ser compensados com a prestação de trabalho suplementar, conforme impõe o nº 1 do artigo 269º do CT.

E nas empresas que estejam dispensadas de suspender o seu funcionamento nestes dias, o trabalhador tem direito a receber uma retribuição majorada, ou a descanso compensatório, nos termos do nº 2 do mesmo preceito.

No caso presente está em causa saber se os trabalhadores da R conquistaram o direito a não trabalhar na terça-feira de carnaval, sem perda da respectiva retribuição.

Este direito era reconhecido aos trabalhadores da R filiados no sindicato, ora A, tal como advinha do nº 2 da cláusula 75ª do CCT celebrado entre a AIMMAT, Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e afins de Portugal, de que a R é associada, e a FIQUIMETAL, Federação Intersindical da Metalurgia, Metalomecânica, Minas, Química, Farmacêutica, Petróleo e Gás e outros, de que o A era uma associação sindical filiada.

No entanto, tendo aquele instrumento de regulamentação colectiva caducado em 17/2/2009, e não lhes sendo aplicável outra contratação colectiva, coloca-se a questão de saber se manterão tal direito, ponto que tem a ver com a relevância dos usos, como forma de regulação do contrato de trabalho.

Efectivamente dispõe o artigo 3º/1 do CC que os usos que não forem contrários aos princípios da boa-fé são juridicamente atendíveis quando a lei o determine.

O Direito do Trabalho é um dos ramos do direito onde tem sido atribuído relevo aos usos como elemento normativo de integração do vínculo laboral, pois conforme resultava do nº 2 do artigo 12º da LCT, na regulamentação dos contratos de trabalho era de atender aos usos da profissão do trabalhador e das empresas desde que conformes com as normas legais ou convencionais aplicáveis e com o princípio da boa-fé.

Esta doutrina também é de seguir terminada a vigência da LCT, pois foi consagrado no artigo 1º do CT/2003, norma que transitou para o artigo 1º do CT/2009, que o contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação colectiva assim como aos usos laborais que não contrariem o princípio da boa-fé.

De qualquer forma, e no que respeita à sua relação com a lei, os usos podem afastar normas legais supletivas, mas já não valerão se contrariarem norma imperativa, conforme decidiu o acórdão deste Supremo Tribunal de 5-7-2007, Recurso n.º 2576/06 - 4.ª Secção.

Quanto ao seu conceito, ensina Mota Pinto[1] que se trata de práticas ou usos de facto que não constituindo verdadeiras normas jurídicas, nem se confundindo com o costume como fonte de direito consuetidinário, correspondem a práticas sociais reiteradas, não acompanhadas da convicção da sua obrigatoriedade.

Monteiro Fernandes assinala que não se trata aqui do “costume”, estando-se apenas perante "práticas usuais ou tradicionais" deste ou daquele sector do mundo laboral, que apesar de não revestirem as características de obrigatoriedade da norma jurídica, se apresentam como "mero elemento de integração das estipulações individuais (ou seja, destinado a preencher condições a que as partes não se referiram, de harmonia com aquilo que elas presumivelmente estariam dispostas a aceitar)” - Direito do Trabalho, 12º edição, págs. 113 e 114.

Para Romano Martinez os usos são, actualmente, verdadeira fonte de direito laboral, traduzindo-se em práticas sociais reiteradas a que não está associada a convicção de obrigatoriedade. (Direito do Trabalho, 5ª edição, Almedina, 197).

Igualmente Maria do Rosário Palma Ramalho se pronuncia no sentido dos usos corresponderem a práticas sociais reiteradas não acompanhadas da convicção de obrigatoriedade, sendo reconduzidos à categoria de fonte meramente mediata de normas jurídicas por não terem relevância autónoma[2].

Para Júlio Vieira Gomes, na noção de uso está ínsita ou implícita a ideia de uma reiteração ou repetição dum comportamento ao longo do tempo, ou melhor de um período de tempo relevante (Novos Estudos de Direito do trabalho, pgª 15).

E continuando a seguir este autor, como é que uma prática reiterada, que começa num primeiro momento por ser livre e espontânea, por não corresponder a qualquer obrigação jurídica, passa, depois, a ser uma conduta devida, conteúdo de uma obrigação do empregador e de um correspondente direito do trabalhador?

Afastando a tese negocial que vê na conduta do empregador uma proposta negocial tacitamente aceite pelo trabalhador, e não aderindo à corrente doutrinária que vê nessa actuação do empregador uma promessa ao público, por não existir uma verdadeira declaração de vontade, sustenta este autor que a vinculação do empregador pelo uso da empresa resulta da sua autovinculação por força da boa-fé na execução do contrato, da tutela da confiança e da proibição do abuso do direito, vinculação que o empregador vai criando a si próprio por comportamentos que adopta perante um colectivo (obra citada, 22), assentando a tutela da confiança no trabalhador confiar, não que o empregador se quis vincular juridicamente para o futuro, mas sim na convicção que o empregador prosseguirá no futuro aquele uso (pgªs 34 e 35), sendo esta expectativa dos trabalhadores na continuidade da prática reiterada que é merecedora de tutela.

E nesta linha conclui que “é de certo modo pela exigência de boa-fé na execução do contrato, pela proibição do arbítrio e pela necessidade de tutela da pessoa que trabalha e que está sujeita ao poder de outrem na execução do seu trabalho, que a prática espontânea e reiterada do empregador desemboca, mesmo que este sem disso tenha consciência, em uma vinculação e uma fonte de obrigações para o próprio empregador”, conforme acentua aquele autor (38/39).

Assim, a relevância atribuída pela lei laboral aos usos advém da circunstância de se valorar uma autovinculação do empregador, assumida através duma prática espontânea mas reiterada, que, por efeitos do princípio da confiança, gera no trabalhador a convicção de que o empregador a prosseguirá no futuro.

E é a partir do momento em que tal prática se consolidou e passou a constituir um uso laboral relevante como fonte de direito do trabalho que o objecto deste uso passou a incorporar directa e imediatamente os contratos de trabalho dos trabalhadores ao serviço da empresa, conforme decidiu o já citado acórdão de 5/7/2007, proferido no Recurso n.º 2576/06 - 4.ª Secção (Mário Pereira).

Quanto ao período de tempo necessário para tal consolidação, acrescenta Júlio Gomes que (pgª 16 do estudo acima identificado) que “os ordenamentos que dão relevância aos usos não estabelecem quanto tempo é que tem de decorrer para que nasça um uso – essa é uma questão que cabe aos Tribunais decidir…”

Aqui chegados, temos de reverter ao caso presente para determinarmos se é possível concluir da prática da empresa o nascimento de um uso que legitime a pretensão do Autor. 

3.2---

Conforme resulta da matéria de facto apurada pelas instâncias, desde 1994 e até ao ano de 2013 (inclusive), a ré sempre concedeu o gozo da terça-feira de Carnaval a todos os seus trabalhadores, independentemente da sua sindicalização, permitindo-lhes assim não terem que trabalhar nestes dias, sem que fossem prejudicados na retribuição.

É certo que o nº 2 da cláusula 75ª da convenção colectiva de trabalho celebrada entre a AIMMAT, Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e afins de Portugal, de que a R é associada, e a FIQUIMETAL, Federação Intersindical da Metalurgia, Metalomecânica, Minas, Química, Farmacêutica, Petróleo e Gás e outros, de que o A era uma associação sindical filiada, publicada no dia 22 de Março de 2002, e que vigorou entre 2002 e 17/2/2009, consagrava este direito para os trabalhadores por ela abrangidos.

No entanto, tendo aquele instrumento de regulamentação colectiva caducado nesta data (17/2/2009), constatamos que a prática da ré de conceder aos seus trabalhadores o gozo da terça-feira de Carnaval vigorou muito além do mero cumprimento da convenção colectiva de trabalho supramencionada.

Efectivamente, tal gozo foi concedido pela ré durante toda a antiguidade de cada um dos seus trabalhadores, sindicalizados ou não no sindicato autor, e abrangendo quer os que foram admitidos directamente ao seu serviço, quer os que transitaram das anteriores sociedades comerciais, detendo alguns deles uma antiguidade superior a trinta anos.

Assim sendo, temos de concluir que o direito ao gozo da terça-feira de Carnaval e que a R retirou aos seus trabalhadores a partir de 2014 não teve fundamento legal, conforme concluiu a Relação.

Na verdade, tratando-se duma prática que vigorou desde 1994 e até 2013, temos de concluir que estamos perante uma prática espontânea da empresa, pois a regulamentação colectiva de trabalho que vigorou no período de 2002 a 2009 abrangeu apenas os trabalhadores filiados no sindicato outorgante.

Por outro lado, tratou-se duma prática constante, uniforme e pacífica, sendo por isso merecedora da tutela da confiança dos trabalhadores na sua continuidade, pois face aos anos em que a mesma vigorou, criou nestes a convicção de que o empregador a prosseguiria no futuro

Quebrando-a unilateralmente, foi abalada esta confiança na sua continuidade, pois tratando-se duma prática reiterada, assumiu por isso a natureza dum “uso” relevante à luz dos artigos 12º, nº 1 da LCT, e dos artigos 1º do CT/2003 e do CT/2009, pois abarcou o período de vigência de todas estas normas.

Consideramos por isso ilegítimo que a R tenha retirado, unilateralmente, o gozo da terça-feira de carnaval, a partir de 2014, tal como fez, pois esta prática tornou-se vinculativa.

E improcedendo as conclusões da recorrente, só nos resta confirmar o acórdão recorrido.

4----

Termos em que se acorda nesta Secção Social em negar a revista com custas pela R.

           

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 17 de Novembro de 2016.

Gonçalves Rocha - Relator

Leones Dantas

Ana Luísa Geraldes

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[1] Teoria Geral do Direito Civil, pª. 33
[2] Direito do Trabalho, Parte I – Dogmática Geral, Almedina, 2012, 3ª edição, p. 241 e 242.