Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | PAULA SÁ FERNANDES | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA CULPA DO SINISTRADO | ||
Data do Acordão: | 10/13/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
Sumário : | I- Ocorre descaracterização do acidente de trabalho com o fundamento estabelecido na segunda parte da alínea a), do n.º 1, do art.º 14.º, da LAT, se o acidente provier de ato ou omissão da vítima, se ela tiver violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal. II- Assim, não basta a mera violação das regras de segurança para que o acidente seja descaraterizado. É necessário que essa infração ocorra por culpa grave do trabalhador e que este tenha consciência da violação. III- Na situação dos autos, apurou-se que, imediatamente antes da ocorrência do acidente, o Autor retirou o arnês do qual fazia uso, porquanto pretendia descer pela plataforma de acesso à cobertura, a fim de se deslocar à casa de banho, só não o tendo feito porque ao ver o seu colega a transportar um painel, foi auxiliá-lo na sua colocação, altura em que escorregou e caiu para o solo, a cerca de 5 metros de altura. IV- A matéria de facto apurada não permite concluir que o Autor tenha atuado com culpa de tal modo grave ou de modo injustificado, como, se exige na segunda parte, da al. a), do nº 1, do art.º 14º, da LAT, a fim de se poder falar da descaracterização do acidente cuja prova incumbia à Seguradora. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 3574/17.3T8LRA.C1.S1 Recurso de revista Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório AA intentou a presente ação especial de acidente de trabalho contra a AGEAS PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pedindo a condenação desta na reparação do acidente de trabalho de que foi vítima no dia 21 de janeiro de 2017, quando trabalhava sob a autoridade e direção da sociedade Gobra – Soluções Técnicas de Engenharia, Lda. A Ré/seguradora contestou. Alegou que o acidente a que os autos se reportam não dá direito a reparação na medida em que ocorreu por violação, sem causa justificativa, das condições de segurança previstas na lei e estabelecidas pelo empregador, por parte do sinistrado. Invocou, ainda, e subsidiariamente, que houve incumprimento das normas de segurança por parte da entidade empregadora, não aceitando, por isso, qualquer responsabilidade pela reparação do sinistro. Requereu a intervenção da entidade empregadora do sinistrado. Deferida a intervenção da entidade patronal do sinistrado, GOBRA – SOLUÇÕES TÉCNICAS DE ENGENHARIA, LDA., a qual apresentou o respetivo articulado nele rejeitando a violação de qualquer regra de segurança e saúde no trabalho e, consequentemente, qualquer responsabilidade pela eclosão do acidente de trabalho em apreço, pugnando, a final, pela sua absolvição. Após julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «…decide-se julgar totalmente procedente a presente ação para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho intentada pelo Autor, AA, contra a Ré “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.”, e improcedente em relação à Interveniente, “Gobra – Soluções Técnicas de Engenharia, Lda.”, bem como parcialmente procedente o pedido de reembolso de prestações da Segurança Social deduzido nestes autos contra a Ré, e, em consequência: a) Declara-se que o Autor, AA, se encontra, em virtude do acidente de trabalho objeto deste processo, afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 80%, com Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual, desde 14/12/2017; b) Condena-se a Ré “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, AA, uma pensão anual e vitalícia de € 6.916,40 (seis mil novecentos e dezasseis euros e quarenta cêntimos), devida desde 14/12/2017, a ser paga na proporção de 1/14 até ao 3.º dia cada mês, sendo os subsídios de férias e de Natal, na mesma proporção, pagos em Junho e em Novembro; c) Condena-se a Ré “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, AA, um subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, no montante de € 5.227,72 (cinco mil duzentos e vinte e sete euros e setenta e dois cêntimos); d) Condena-se a Ré “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, AA, a quantia de € 347,59 (trezentos e quarenta e sete euros e cinquenta e oito cêntimos) a título de prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, a pagar 14 meses por ano; e) Condena-se a Ré “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, AA, um subsídio destinado ao pagamento de despesas com a readaptação da habitação do Autor, na quantia de € 5.561,42 (cinco mil quinhentos e sessenta e um euros e quarenta e dois cêntimos); f) Condena-se a Ré “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, AA, a título de despesas com deslocações obrigatórias a este Juízo do Trabalho ….. e ao Gabinete Médico-Legal, a quantia de € 80,00 (oitenta euros); g) Condena-se a Ré “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, AA, o montante gasto pelo Autor em medicamentos, despesas hospitalares, fisioterapia, material de apoio e apoio prestado pelo Centro Social e Paroquial…………….., no total de € 904,03 (novecentos e quatro euros e três cêntimos); h) Condena-se a Ré “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor, AA, juros de mora sobre as prestações pecuniárias supra atribuídas e em atraso, vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento; i) Condena-se a Ré, “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.” a fornecer ao Autor, AA, ajudas técnicas complementares e material de apoio, designadamente almofada anti-escara de alvéolos, cadeira de banho sanitária de rodas propulsoras traseiras, cama elétrica de casal (tripartida, com grades e pendural de apoio), cadeira de rodas elétrica, colchão anti-escara individual tripartido, standing-frame, barras de apoio para a sanita e sonda vesical; j) Condena-se a Ré, “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.” a fornecer ao Autor, AA, tratamentos regulares de fisioterapia; k) Condena-se a Ré, “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.” a prestar ao Autor, AA, consultas de acompanhamento, nomeadamente das especialidades de neurologia, urologia, psiquiatria e fisiatria, com a regularidade considerada necessária pelos especialistas; l) Condena-se a Ré, “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.” a fornecer ao Autor, AA, medicação de apoio, designadamente a que seja considerada necessária nas consultas de acompanhamento, nomeadamente de neurologia, psiquiatria e fisiatria; m) Condena-se a Ré, “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Distrital ….. a quantia de € 3.432,30 (três mil quatrocentos e trinta e dois euros e trinta cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal sobre essa quantia, vencidos e vincendos desde a data da notificação do respetivo pedido de reembolso de prestações da Segurança Social à Ré; n) Absolve-se a Interveniente, “Gobra – Soluções Técnicas de Engenharia, Lda.”, da totalidade do pedido.” A Ré/seguradora, inconformada, interpôs recurso de apelação, que o Tribunal da Relação ……., por acórdão datado de 21 de fevereiro de 2020 e com um voto de vencido, julgou totalmente procedente por considerar o acidente descaracterizado, absolvendo a Ré de todos os pedidos formulados pelo Autor. O Autor, inconformado, interpôs o presente recurso de revista, tendo para o efeito elaborado as seguintes Conclusões: 1. Atenta a matéria de facto dada como provada em 1.ª instância e que foi mantida pelo Tribunal a quo, considera o Recorrente que o acidente dos autos não se encontra descaracterizado, concretamente, por violação do disposto no artigo 14.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009. 2. Não estão, por conseguinte, preenchidos os requisitos legais para que o acidente se considere descaracterizado, previstos no artigo 14.º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 98/2009, de 04.09 e não se verificando, no caso, a situação prevista no n.º 2 da citada norma. 3. Ao decidir de outro modo, o Tribunal a quo violou as referidas normas, impondo-se assim a revogação do acórdão recorrido, em conformidade com o que foi de resto decidido em primeira instância. 4. Efetivamente, resultou demonstrado que, no momento do acidente, o sinistrado encontrava-se em execução de trabalhos em altura. 5. Resultou igualmente provado que para proteção dos seus trabalhadores contra quedas em altura, a entidade patronal havia implementado um sistema de linhas de vida, disponível para todos aquando da realização daquele tipo de trabalhos, com arneses igualmente disponíveis que os trabalhadores estavam obrigados a utilizar. 6. Os trabalhadores foram sensibilizados para a necessidade, com carácter de obrigatoriedade de utilização do equipamento de segurança em causa, tendo tido formação nesse sentido, incluindo o sinistrado. 7. No momento do acidente, o sinistrado não utilizava o arnês, tendo caído o telhado do armazém para o interior do mesmo – para o vazio. 8. Não está provado que caso tivesse utilizado o aludido equipamento, em caso de queda, teria ficado suspenso e o acidente não teria ocorrido. 9. O seu comportamento omissivo, não colocação do arnês que estava disponível para o efeito, não consubstancia a prática da conduta violadora das regras de segurança decorrentes da lei e determinadas pela empregadora, estando justificada face ao intuito de auxílio imediato que lhe foi cometido face ao Colega que sozinho transportava também em altura uma placa de telhado (tendo o sinistrado acorrido em seu auxílio para a transportar). 10. Não estava instalada uma rede de proteção nem se apurou se em concreto tal era exigível ou exequível em obra – pelo que, além de não se ter provado que aquele arnês em concreto ligado a linha de vida seria suficiente para evitar o sinistro, não está provado que a obra reunia todas as condições de segurança exigíveis legal e factualmente. 11. Pelo que a violação das regras de segurança, se deve considerar como tendo tido causa justificativa e, portanto, não se encontram, assim, verificados, no caso, todos os requisitos legais, cumulativos para afastar a reparação do acidente, previstos no artigo 14.º, n.º 1, al. a) da LAT. 12. A descaracterização do acidente de trabalho com fundamento na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 14.º da LAT depende da verificação cumulativa dos seguintes elementos: 1º) existência de condições ou regras de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou pela lei; 2º) existência de ato ou omissão do sinistrado que viole essas condições ou regras; 3) que tal ato ou omissão seja voluntário e sem causa justificativa; e 4º) existência de nexo causal entre esse ato ou omissão e o acidente. 13. Em suma, face ao supra exposto, entendemos que desde logo não se verifica a primeira condição – não estão concretamente apuradas se as condições de segurança e as regras de segurança estabelecidas pela entidade empregadora seriam as legal e factualmente adequadas a evitar a produção deste sinistro – mormente a falta de rede de segurança – reitera-se, tal prova cabia a Ré/Recorrida Seguradora. 14. Verificou-se causa justificativa para a omissão da colocação do arnês – a negligência grosseira a que alude a alínea b) do artigo 14.º da Lei nº 98/2009 de 4 de setembro, consubstancia um comportamento do sinistrado, por ação ou omissão, perigoso, temerário, indesculpável e inútil, inaceitável à luz de um elementar juízo de prudência e cautela causador, em exclusivo, do acidente de trabalho 15. O sinistrado apenas agiu para poder auxiliar momentaneamente um colega – usando sempre os equipamentos de segurança e não o fazendo ali pela urgência nesse auxílio e tal não nos merece alguma censura ou juízo de reprovação. 16. E cumpre à Seguradora a prova da negligência grosseira – o que também não o fez, não se tendo apurado as circunstâncias concretas em que o colega transportava a placa, porque o fazia sozinho e o sinistrado apenas o auxiliou sem que tal se demonstrasse ser manifestamente irrelevante ou desnecessário (fato é que o sinistrado o refutou como necessário naquele instante). 17. Não estão provados factos que permitam concluir pela descaracterização do acidente como sendo acidente de trabalho. 18. Devendo, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido, mantendo-se a decisão de primeira instância quanto à caracterização do acidente como sendo acidente de trabalho com as cominações legais vertidas em tal douta sentença e na condenação integral da Ré Seguradora nos seus termos, assim se fazendo justiça. Neste Tribunal, o Exmo. Procurador‑Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência da revista por considerar não descaracterizado o acidente dos autos. II. Fundamentação Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões do recurso interposto, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, a questão em causa na presente revista é saber se o acidente dos autos deve ser descaracterizado, por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro. Fundamentos de facto Foram dados como provados os seguintes factos: 1) O Autor, AA, no dia 21 de janeiro de 2017, e em …. -….., trabalhava, sob ordens, direção e fiscalização da sociedade “Gobra – Soluções Técnicas de Engenharia, Lda.”, com a categoria profissional de encarregado e auferia a remuneração de € 650,00 x 14 meses, acrescida de € 5,70 x 22 dias x 11 meses de subsídio de alimentação, perfazendo um total anual ilíquido de € 10.479,40. 2) Na data referida em 1, o Autor encontrava-se em cima de uma cobertura de um armazém quando, ao transportar um painel com a ajuda de um colega, escorregou e caiu para o solo, a cerca de 5 metros de altura. 3) O trabalho desenvolvido pelo Autor por ocasião do acidente consistia na aplicação de caleiras e painéis «sandwich» sobre a estrutura metálica para assentamento da cobertura de uma nave industrial. 4) Atividade que já exercia há vários anos e da qual detinha larga experiência. 5) Os trabalhadores, incluindo o Autor, para aceder ao local de empalme, eram obrigados a deslocar-se sobre os painéis que já haviam sido montados e aproximar-se do vazio, onde a Entidade empregadora tinha instalada uma linha de vida. 6) Imediatamente antes da ocorrência do acidente, nas circunstâncias descritas em 2, o Autor retirou o arnês do qual fazia uso, porquanto pretendia descer pela plataforma de acesso à cobertura, a fim de se deslocar à casa de banho, apenas não o tendo feito uma vez que ao ver o seu colega a transportar um painel foi auxiliá-lo na sua colocação. 7) Em consequência do facto mencionado em 2, o Autor sofreu traumatismo da coluna cervical e dorsal com paraplegia imediata, fratura dos arcos costais e fratura de C3, fratura instável de D7 e D8 sujeito a tratamento conservador a nível da cervical e cirúrgico a nível dorsal. 8) Apresentando, a nível da ráquis, paraplegia sem controlo de esfíncteres nível D7. 9) O Autor, na sequência do acidente, esteve numa situação de Incapacidade Temporária Absoluta de 22/01/2017 a 13/12/2017, tendo-se consolidado as suas lesões em 13/12/2017, após o que se encontra afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 80%, com Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual, necessitando de consultas de acompanhamento, nomeadamente das especialidades de neurologia, urologia, psiquiatria e fisiatria, com a regularidade tida por necessária. 10) A entidade empregadora do Autor havia ministrado a este formação sobre a identificação dos perigos para trabalhos em altura e procedimentos para a sua prevenção, que o Autor frequentou com aproveitamento. 11) A obra dispunha de Plano de Segurança e Saúde, elaborado e fiscalizado por entidade externa denominada N……… – Segurança e Higiene no Trabalho, Lda. 12) Para a execução do trabalho o Autor dispunha dos equipamentos de proteção individual, nomeadamente o arnês, que lhe havia sido distribuído pela Entidade empregadora. 13) A Entidade Empregadora do Autor não providenciou pela instalação de uma rede de retenção sob o local onde os trabalhos se desenrolavam. 14) O Autor gastou, em deslocações obrigatórias no âmbito deste processo a esta 1ª Secção do Trabalho ….. e ao Gabinete Médico-Legal, a quantia de € 80,00. 15) Ainda em consequência do acidente descrito, o Autor despendeu as seguintes quantias: - € 100,00 pelo apoio prestado pelo Centro Social e Paroquial……………….; - € 180,18 com despesas em fisioterapia; - € 339,65 com medicamentos; - € 83,20 com despesas hospitalares; - € 201,00 com a aquisição de um patim para cadeira de rodas. 16) O Autor carece do apoio prestado por terceira pessoa a tempo parcial, no mínimo de 6 horas diárias, na realização das tarefas domésticas e pessoais básicas como alimentação, higiene, transferências, deslocações a médicos e fisioterapia. 17) O Autor carece de tratamentos regulares de fisioterapia. 18) O Autor carece do fornecimento de material de apoio, como almofada anti-escara de alvéolos, cadeira de banho sanitária de rodas propulsoras traseiras, cama elétrica de casal (tripartida, com grades e pendural de apoio), cadeira de rodas elétrica, colchão anti-escara individual tripartido, standing frame, barras de apoio para a sanita e sonda vesical. 19) E carece de medicação de apoio, designadamente a que seja considerada necessária nas consultas de acompanhamento, nomeadamente de neurologia, psiquiatria e fisiatria. 20) O Autor necessita de obras de adaptação do seu domicílio, por forma a permitir a sua mobilidade, segurança e higiene, que comportam a colocação de rampas de acesso, alargamento das portas interiores e sua substituição, colocação de aros e portas interiores novas, a execução de casa de banho adaptada com remoção das louças sanitárias existentes na casa de banho e colocação de novas louças sanitárias, a realização de nova canalização e esgotos na casa de banho, colocação de ladrilhos e azulejos novos na casa de banho e a pintura do teto da casa de banho e das paredes onde houver remates, e cujo custo ascende a € 10.200,00. 21) Na data referida em 1, a sociedade “Gobra – Soluções Técnicas de Engenharia, Lda.” tinha transferido, por contrato de seguro titulado pela Apólice n.º .........286 e em vigor na data referida em A), para a Ré “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.”, a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho do Autor, pela totalidade do salário auferido. 22) O Autor recebeu da Ré “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.”, a título de indemnização por incapacidades temporárias, o montante de € 3.838,61. 23) O Instituto de Segurança Social, I.P., em que o Autor AA, está inscrito e por tal lhe ter sido requerido pelo Autor, pagou a este o montante de € 6.868,90 referente a subsídio de doença, correspondente ao período compreendido entre 21.01.2017 e 27.09.2018. 24) O Autor nasceu em 15/11/1964. Fundamentos de direito A única questão que importa apreciar, como se referiu, é saber se, face à factualidade apurada, o acidente dos autos se deve considerar descaracterizado por culpa do trabalhador/sinistrado. O Tribunal da Relação …… considerou descaracterizado o acidente que vitimou o sinistrado, com fundamento na alínea a) do artigo 14.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, com base na seguinte argumentação: «A questão é a de saber se o sinistrado observou as normas sobre segurança previstas na lei na execução do trabalho que estava a executar. Sabemos que o trabalho que o sinistrado estava a efetuar consistia na colocação de caleiras e painéis “sandwich” sobre estrutura metálica para assentamento da cobertura de uma nave industrial e que na execução deste trabalho o sinistrado utilizava um arnês com ponto de ancoragem na linha de vida (-) que a empregadora havia montado junto do “vazio” (facto 5). A colocação desta linha de vida só faz sentido ou tem utilidade como instrumento ao qual é acoplado o arnês através do mosquetão. O sinistrado tinha conhecimento que na execução dos trabalhos que estava a executar tinha que utilizar o arnês que lhe havia sido fornecido pela empregadora, a qual lhe havia ministrado formação sobre a identificação dos perigos dos trabalhos em altura e sobre os procedimentos para a sua prevenção, que o sinistrado frequentou com aproveitamento. Ou seja, o sinistrado sabia, ou pelo menos não podia desconhecer, que para executar os trabalhos no cimo da estrutura metálica tinha de andar equipado como arnês ancorado à linha de vida. É verdade que o sinistrado, para se deslocar à casa de banho tinha de retirar o arnês do qual estava a fazer uso. Contudo, exigia-se-lhe que o tivesse colocado quando, de modo voluntário, decidiu auxiliar um dos seus colegas na colocação de um painel, operação durante a qual ocorreu a queda em altura. Ora, entendemos que o auxílio na colocação do painel não pode valer como causa justificativa para a não utilização do meio de proteção individual que lhe estava distribuído – arnês. Com efeito, como acima ficou dito, a imprudência, o impulso instintivo ou mesmo altruísta (como foi o caso), não constituem causas justificativas para a violação das regras de segurança pelo sinistrado. Por outro lado, também se verifica o nexo de causalidade entre a inobservância das regras de segurança e o acidente na medida em que a utilização do arnês, como meio de retenção, evitaria que o sinistrado (por ficar suspenso) se estatelasse no solo, ou seja, se o sinistrado tivesse utilizado o arnês o acidente não se teria verificado. O acidente encontra-se, assim, descaracterizado, não dando lugar à reparação.» Apreciando O acidente a que os autos se reportam ocorreu em 21 de janeiro de 2017, sendo aplicável a Lei n. º98/2009, de 04 de setembro [doravante LAT – Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais]. O artigo 8.º, n.º 1, da LAT, define acidente de trabalho como sendo aquele que se verifica no local e no tempo de trabalho e produz direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte. Por sua vez, o artigo 10.º, n.º 1, da mesma lei, quanto à prova da origem da lesão, estabelece uma presunção de causalidade ao dispor que «a lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho». Trata-se de uma presunção “juris tantum”, sendo, por isso, ilidível por prova em contrário: Se a lesão for observada no local e no tempo de trabalho considera-se ou presume-se consequência de acidente de trabalho, se a lesão não tiver manifestação a seguir ao acidente compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele. No entanto, o artigo 14.º da LAT veio estatuir a possibilidade da descaracterização do acidente, nos seguintes termos: Decorre da factualidade provada que, no dia 21 de janeiro de 2017, o sinistrado trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade Gobra – Soluções Técnicas de Engenharia, Lda., categoria profissional de encarregado (facto provado n.º 1). O trabalho desenvolvido pelo Autor por ocasião do acidente consistia na aplicação de caleiras e painéis «sandwich» sobre a estrutura metálica para assentamento da cobertura de uma nave industrial, atividade que já exercia há vários anos e da qual detinha larga experiência, sendo que, para acederem ao local de empalme, os trabalhadores, incluindo o Autor, eram obrigados a deslocar-se sobre os painéis que já haviam sido montados e aproximar-se do vazio, onde a entidade patronal tinha instalada uma linha de vida (factos provados n.ºs 3, 4 e 5). O acidente ocorreu quando o Autor, encontrando-se em cima da cobertura do armazém, ao transportar um painel com a ajuda de um colega, escorregou e caiu para o solo, a cerca de 5 metros de altura (facto provado n.º 2). No entanto, imediatamente antes da ocorrência do acidente, o Autor retirou o arnês do qual fazia uso, porquanto pretendia descer pela plataforma de acesso à cobertura, a fim de se deslocar à casa de banho, apenas não o tendo feito uma vez que ao ver o seu colega a transportar um painel foi auxiliá-lo na sua colocação. (facto provado n.º 10). Em consequência, o Autor sofreu traumatismo e fraturas várias, e ficou afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 80%, com Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual, necessitando de consultas de acompanhamento, nomeadamente das especialidades de neurologia, urologia, psiquiatria e fisiatria, com a regularidade tida por necessária (factos provados n.ºs 7, 8 e 9). Ficou ainda assente que: - A entidade empregadora do Autor havia-lhe ministrado formação sobre a identificação dos perigos para trabalhos em altura e procedimentos para a sua prevenção, que o Autor frequentou com aproveitamento (facto provado n.º 10). Assim, encontrando-se definida a relação laboral entre o Autor e a sociedade Gobra – Soluções Técnicas de Engenharia, Lda., e tendo o acidente ocorrido no local e tempo de trabalho, produzindo lesões corporais naquele que lhe causaram uma redução na capacidade de trabalho há que o qualificar como um acidente de trabalho. Importa, porém, apreciar a invocada descaracterização do referido acidente, com o fundamento estabelecido na segunda parte da alínea a), do n.º 1, do art.º 14.º, da LAT, segundo a qual, se o acidente provier de ato ou omissão da vítima, se ela tiver violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal, o acidente não dá direito a reparação. Nesta situação, entende-se que foi a vítima, o trabalhador, que deu causa ao acidente, nomeadamente quando viola as condições de segurança – suas conhecidas e/ou estabelecidas pela sua empregadora. Todavia, no caso dos autos, apurou-se que imediatamente antes da ocorrência do acidente, o Autor retirou o arnês do qual fazia uso, porquanto pretendia descer pela plataforma de acesso à cobertura, a fim de se deslocar à casa de banho, só não o tendo feito porque ao ver o seu colega a transportar um painel foi auxiliá-lo na sua colocação, altura em que escorregou e caiu para o solo, a cerca de 5 metros de altura. Resultou assim demonstrada a existência de nexo causal entre o desrespeito de uma regra de segurança concreta – o uso de arnês durante a execução dos trabalhos de colocação dos painéis na cobertura do armazém - e o acidente que vitimou o sinistrado. Com efeito, se o Autor tivesse voltado a colocar o arnês de segurança e tivesse ligado o mesmo à linha de vida que a sua entidade empregadora havia instalado, em caso de desequilíbrio esse sistema faria a retenção de queda e o mesmo teria ficado suspenso na linha de vida. No entanto, se atentarmos à factualidade dada como provada, verifica-se que a mesma não esclarece quais foram as razões ou motivos que levaram o sinistrado a não recolocar o arnês de segurança antes de ir em auxílio do seu colega, designadamente, se se tratou se uma atuação consciente e voluntária, ou, ao invés, se se tratou de uma distração, ou de um esquecimento, ou de um mero impulso irrefletido e intuitivo de quem, sem pensar duas vezes, correu em auxílio de um colega que crê necessitar de ajuda. Na verdade, não basta a mera violação das regras de segurança para que o acidente seja descaraterizado, sendo ainda necessário essa infração ocorra por culpa grave do trabalhador e que este tenha consciência da violação. Neste sentido, vide o acórdão deste Tribunal, proferido em 12.12.2017, no processo n.º2763/15.0T8VFX.L1.S1, também disponível em www.dgsi.pt, «[a] descaracterização do acidente de trabalho com fundamento na 2.ª parte da alínea a), do nº 1, do art.º 12º, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro - violação das condições de segurança previstas na lei - exige que o trabalhador atue com culpa grave, que tenha consciência da violação, não relevando os casos de culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distração ou ao esquecimento. No caso, não podemos afirmar que o Autor atuou voluntaria e conscientemente, pois provou-se, apenas, que o Autor agiu para poder auxiliar momentaneamente um colega – pois usava sempre os equipamentos de segurança - só não o fazendo naquele momento pela eventual urgência nesse auxílio o que não pode merecer um juízo de reprovação, na medida em que não se apuraram as circunstâncias concretas em que o colega transportava a placa, porque o fazia sozinho e se o sinistrado apenas o auxiliou sem que se demonstrasse que tal seria manifestamente irrelevante ou desnecessário. Como se refere no acórdão deste Tribunal, proferido em 19.11.2014, no processo n.º 177/10.7TTBJA.E.S1: «Havendo condições de segurança pré-estabelecidas que se mostrem violadas, é mister averiguar, por um lado, da sua adequação causal (o acidente tem de resultar, numa relação de causa-efeito, de ato ou omissão do sinistrado que configure afronta das condições de segurança existentes); por outro, há que indagar se o desrespeito das ditas condições de segurança assenta numa qualquer razão ou motivo que, no contexto, o possa justificar. A violação, por ação ou omissão, há-de constituir-se numa atuação voluntária, subjetivamente grave, relativamente à qual a eventual existência de causa justificativa, mais ou menos relevante segundo as circunstâncias, sempre poderá constituir atenuação atendível, se não mesmo desculpar a violação». Deste modo, a matéria de facto apurada não permite concluir que o Autor tenha atuado com culpa de tal modo grave ou de modo injustificado, como se exige na segunda parte, da al. a), do nº 1, do art.º 14º, da LAT, a fim de se entender pela descaracterização do acidente e cuja prova incumbiria à Recorrida/Seguradora. Cabe à entidade responsável o ónus da prova dos factos descaracterizadores do acidente, porque constituem factos impeditivos do direito invocado pelo sinistrado – vide, acórdão deste Tribunal, proferido em 06.07.2017 no processo n.º 1637/14.6T8VFX.L1.S1, em que se afirma :«Prova essa que competia quer à empregadora quer à seguradora, como entidades responsáveis pela reparação do acidente, por serem factos conducentes à sua descaracterização, e, por isso, impeditivos do direito invocado pelos beneficiários legais do falecido sinistrado (artigo 342º, n.º 2, do Código Civil)». O Tribunal da Relação não se pronunciou sobre esta concreta questão, por entender que a sua apreciação se mostrava prejudicada pelo facto de se ter julgado o acidente dos autos descaracterizado. Assim sendo e estando excluída do julgamento de revista a “regra da substituição do tribunal recorrido” consagrada no art.º 665.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, por força do disposto no art.º 679.º, do mesmo diploma, o processo terá de baixar ao Tribunal da Relação, para conhecimento desta questão.
III. Decisão Face ao exposto acorda-se em julgar procedente o recurso de revista interposto pelo Recorrente/Autor e revoga-se o acórdão recorrido, repristinando-se a sentença da 1.ª instância, designadamente, as alíneas a) a i) da sua decisão. Determina-se ainda, a devolução do processo ao Tribunal da Relação para conhecimento e decisão da questão relativa às quantias peticionadas pelo Instituto da Segurança Social. Custas pela Recorrida/Seguradora.
STJ, 13 de outubro de 2021
Maria Paula Sá Fernandes (Relatora) Leonor Cruz Rodrigues Júlio Vieira Gomes
|