Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2903/13.3TBLRA.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DANO CAUSADO POR COISAS OU ACTIVIDADES
DANO CAUSADO POR COISAS OU ATIVIDADES
ACIDENTE DE TRABALHO
SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
DANO MORTE
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
NEXO DE CAUSALIDADE
DEVERES DE SEGURANÇA NO TRÁFEGO
Data do Acordão: 05/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR.
Doutrina:
- Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra, 2000, p. 103 e ss.;
- J. A. Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, p. 56;
- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 460-461.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 406.º, N.º 2, 493.º, N.º 1 E 798.º, N.º 1.
PRESCRIÇÕES MÍNIMAS DE SEGURANÇA E DE SAÚDE NA UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE TRABALHO, APROVADO PELO DL N.º 50/2005, DE 25-02: - ARTIGO 6.º, N.º 2.
PORTARIA N.º 256/2011, DE 05-06.
Referências Internacionais:
DIRECTIVA N.º 2001/45/CE, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 27-06.
Sumário :
I - Resultando dos factos provados ter ocorrido um acidente do qual resultou a morte de um trabalhador devido às lesões que lhe foram provocadas pela queda da estrutura da lança de uma autobomba cuja mangueira aquele se encontrava a manobrar, por os parafusos de amarração da lança à torre se terem partido, é sobre a sociedade à qual tal equipamento pertencia e que o usava no exercício da sua actividade que recai a responsabilidade pelos danos causados, posto que era à mesma que cabia o dever de vigiar o equipamento periodicamente e que ficou igualmente provado que tal empresa não fez o controlo do estado dos referidos parafusos quando efectuou a verificação do equipamento no mês anterior ao acidente (art. 493.º, n.º 1, do CC).

II - O facto de a empresa, proprietária do equipamento, ter contratado um terceiro para o vigiar e proceder às acções de manutenção e reparação que fossem necessárias não afasta o seu dever de verificar o estado do equipamento (dado que este radica na sua condição de proprietária), nem exclui a sua responsabilidade, podendo, quando muito, exigir do terceiro, na hipótese de vir a ser responsabilizada pelos danos resultantes do acidente, uma indemnização pelo prejuízo sofrido com o incumprimento do contrato (art. 798.º, n.º 1, do CC).

III - Os lesados com o acidente não têm o direito de exigir de tal terceiro a indemnização dos danos sofridos com fundamento no incumprimento do contrato de assistência do equipamento porque a regra é a de que os contratos apenas produzem efeitos em relação às partes (art. 406.º, n.º 2, do CC).

IV - O dever previsto no art. 6.º, n.º 2, do DL n.º 50/2005, de 25-02 (que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27-06) – dever de verificações periódicas dos instrumentos de trabalho – tem como destinatários os empregadores e como beneficiários os trabalhadores; sendo a finalidade da norma a protecção da segurança e da saúde destes.

V - Em consequência, restringindo-se o campo de aplicação da citada norma às relações entre os empregadores e os seus trabalhadores, não é a mesma aplicável às relações entre a sociedade proprietária do equipamento e a vítima de acidente de trabalho, uma vez que este não era seu trabalhador subordinado, sendo que o dever que recaía sobre aquela de verificar o estado do equipamento é independente da sua utilização como instrumento ocasional de trabalho por parte de um terceiro.

VI - Por essa razão, não estando a seguradora a ser demandada no âmbito de um contrato de seguro de acidente de trabalho ocorrido com um empregado da sua segurada, mas antes no âmbito de um contrato de seguro de responsabilidade civil por danos causados a terceiro – o acidentado laboral –, por força do exercício do direito de sub-rogação que assiste à seguradora que indemnizou a vítima de acidente de trabalho, não opera a cláusula de exclusão de responsabilidade invocada pela seguradora recorrente uma vez que para que tal sucedesse os danos cuja indemnização é reclamada teriam de ter sido causados pelo segurado em virtude da inobservação de regras de segurança impostas por lei ou por disposições administrativas, ou seja, teria de ser possível estabelecer uma relação de causalidade entre a inobservância dessas regras e o acidente – o que, no caso, não se verifica.

VII - Mesmo que a seguradora recorrente estivesse a ser demandada no âmbito de um contrato de seguro de acidentes de trabalho, estando-se perante seguro obrigatório, as cláusulas de exclusão da sua responsabilidade não seriam oponíveis ao lesado (cf. Apólice Uniforme de acidentes de trabalho, aprovada pela Portaria n.º 256/2011, de 05-06).

Decisão Texto Integral:
Revista nº 2903/13.3TBLRA.C1.S1

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Relatório



AA, BB e CC, todos com residência na rua da … n.º …, …, …, propuseram a presente acção declarativa contra:

DD, Lda, com sede em Estrada de …, …, …;

1. EE, Lda, com sede em Estrada de …, …, …;

2. Companhia de Seguros FF, Lda., com sede em Largo …, …, ….

Pediram:

I - A condenação das rés a reconhecer a responsabilidade no pagamento da indemnização pelos danos sofridos por GG e, bem assim, pelos autores, cônjuge e filhos daquele, descritos na petição;

II – A condenação solidária dos réus a pagar aos autores as seguintes quantias:

a) Cinquenta mil euros (€ 50 000,00), a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos por GG;

b) Quinze mil euros (€ 15 000,00) a cada um dos autores, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos por eles;

III – A condenação solidária dos réus no pagamento dos juros legais contados sobre as importâncias em que vierem a ser condenados, desde a data da citação até ao efectivo e integral pagamento.

Na origem da acção está um acidente de trabalho ocorrido em 4 de Dezembro de 2009. O acidente consistiu na queda da lança de uma autobomba de betão sobre GG, quando este manobrava a mangueira da lança, a fim de proceder à distribuição do betão pela laje de uma moradia em construção. Do acidente resultaram lesões que causaram a morte de GG. Os autores agem na qualidade de únicos e universais herdeiros de GG, a primeira por ser cônjuge e os segundos por serem filhos. A 1.ª ré é demandada por ser a proprietária da autobomba; a 2.ª é demandada por se ter vinculado perante a 1.ª ré a efectuar os trabalhos de manutenção técnica, conservação e reparação da autobomba, o que não fez. A 3.ª ré é demandada por, à data do acidente, na qualidade de seguradora da 1.ª e da 2.ª ré.

A 1.ª e a 2.ª ré contestaram, pedindo a sua absolvição. Na sua defesa alegaram, em síntese, que a responsabilidade pelo acidente coube em primeira linha à entidade patronal da vítima; que caso assim se não entendesse, o pagamento de qualquer indemnização deveria ser feito pela Companhia de Seguros FF, SA, dado que as rés tinham a sua responsabilidade civil transferida para ela.

A 3.ª ré contestou, pedindo a sua absolvição. Embora tenha reconhecido que celebrou com a 1.ª e a 2.ª contrato de seguro, alegou que a responsabilidade civil em que incorreram a 1.ª e a 2.ª estava excluída da cobertura do contrato.   

O processo prosseguiu os seus termos.

Depois ter sido designado dia para a audiência de discussão e julgamento, foi deferido o pedido de apensação, à presente acção, da acção proposta por HH Public Limited Company – Sucursal em Portugal, contra DD, Lda e contra a FF, Companhia de Seguros SA.

Nessa acção, a autora pediu:

1. A condenação das rés a pagar-lhe a quantia de € 25 545,37;

2. Os juros vincendos à taxa legal sobre a mencionada quantia, contados desde a data da citação até ao integral pagamento;

3. Se declarasse a obrigação das rés, ao abrigo do artigo 472.º do CPC, de reembolsarem a autora das quantias que esta viesse a pagar ao sinistrado GG, cuja provisão matemática era de 103 263,02, quer por força do contrato de seguro celebrado e da apólice Uniforme de Seguro de Acidentes de Trabalho por conta de outrem, aprovada pela Norma Regulamentar n.º 22/1995, e na exacta medida desse cumprimento quer no cumprimento da sentença proferida no processo n.º 92/08.4TTTVD que correu termos no Tribunal de Trabalho de … e na exacta medida desse cumprimento.

Com tal acção, a autora visava obter o reembolso da indemnização que pagou aos familiares da vítima do acidente de trabalho, na qualidade de seguradora do trabalho.  

A ré FF contestou, pedindo a sua absolvição dos pedidos.

A ré DD também contestou, pedindo também a sua absolvição dos pedidos.

Entretanto por despacho proferido em 14-11-2016, o tribunal declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, em relação às rés DD e EE, por tais sociedades terem sido declaradas em estado de insolvência. 

Depois deste despacho, HH Public Limited Company pediu a ampliação do pedido no sentido de a ré FF ser condenada no pagamento de mais € 41 331,91 em relação ao que pediu na petição inicial. O montante acrescido correspondia, segundo a autora, a pensões pagas a AA, BB e CC, desde a data da interposição da acção até à data do pedido de ampliação (17 de Maio de 2017), respectivamente: 17 666640,28; 11 931,77 e 11 759,86).

A ré FF respondeu, alegando que a HH Public Limited Company foi reembolsada de parte das quantias despendidas em pensões pelo que, a proceder o pedido dela, apenas teria direito a ser reembolsada de € 37 605,14.

O processo prosseguiu os seus termos. Após a realização da audiência final foi proferida sentença que decidiu:

1. Condenar a ré FF a pagar aos autores AA, BB e CC, a quantia de setenta mil (€ 70 000,00); à autora AA a quantia de dez mil euros (€ 10 000) e a cada um dos autores BB e CC a quantia de sete mil e quinhentos (€ 7 500), acrescidas de juros de mora desde a citação até integral pagamento;

2. Condenar a ré Fidelidade a pagar a HH Public Limited Company a quantia de sessenta e três mil cento e cinquenta euros e setenta e oito cêntimos (€ 63 150,78), a título de capital, acrescida de juros sobre o capital de vinte cinco mil quinhentos e quarenta e cinco euros e trinta e sete cêntimos (€ 25 545,37) desde a citação até ao integral pagamento, à taxa legal, bem como nas quantias que entretanto a HH Public Limited Company pagasse na sequência do cumprimento da sentença proferida no processo n.º 1036/09.1TTLRA.

A ré FF não se conformou com a sentença e interpôs recurso de apelação, pedindo se alterasse o julgamento da matéria de facto e se proferisse decisão a absolvê-la de todos os pedidos.

Apreciando a apelação o Tribunal da Relação de Coimbra, julgou o recurso parcialmente procedente e decidiu

Revogar a decisão que absolveu as sociedades EE e DD, declarando-se a sentença ineficaz nessa parte;

Reformar a decisão quanto a custas no seguinte sentido:

a)   “As custas da acção proposta por HH Public Limited Company são pagas pela autora e pela ré FF na proporção do respectivo decaimento por ambas terem ficado vencidas. Fixa-se o decaimento da autora e da ré na proporção de, respectivamente, 6% e 94%;

b)     Condena-se a ré FF no pagamento das custas da acção proposta por AA, BB e CC.  

Manter a parte restante da decisão.

Novamente inconformada com esta decisão, veio a R., FF interpor recurso de revista, tendo rematado as suas alegações com as seguintes



Conclusões:



a) «O acidente dos autos ocorreu por quebra dos parafusos que faziam a fixação da lança à torre, tendo aquela caído sobre o sinistrado.

b) A manutenção, conservação e reparação da auto bomba em causa, devendo ser feita em oficina certificada, era assegurada pela EE.

c) No mês anterior ao acidente, a EE efetuou a verificação desse equipamento, não tendo feito o controlo do estado desses parafusos de amarração da lança à torre. Assim,

d) Não foi praticado pela DD qualquer ato ou omissão, menos ainda culposo, que houvesse dado causa ao acidente dos autos, não havendo ainda qualquer nexo causal entre o comportamento daquela e os danos que vieram a verificar-se.

e) Ainda que se entendesse ter tal acontecido, haveria então que concluir-se ter a DD violado a norma do arte 6e, n9 2, do decreto-lei nº 50/2005, de 25 de fevereiro.

f) Norma que, quanto a uma obra que é realizada em conjugação de esforços por várias entidades, deve ser interpretada extensivamente no sentido de ser imposta a todas as entidades que colaboram na obra e não restritivamente e apenas quanto à entidade patronal dos trabalhadores sinistrados.

g) Com o que, a dever ter-se por violada essa norma, implica ter-se por excluído o sinistro do contrato de seguro celebrado entre a ora contestante e a DD por inobservância de regras de segurança impostas por lei.

h) A responsabilidade pela ocorrência do acidente é, assim, de imputar exclusivamente à EE que não fez o controlo do estado dos parafusos de amarração da lança à torre da máquina dos autos.

i) Omissão essa que é culposa e ilícita, que gerou danos e foi causal destes mesmos danos.

j) Com o que nunca poderia proceder a ação em que é A. a recorrida HH Public Limited Company que não demandou a EE, com o que faltaria sempre causa de pedir para a condenação da ora recorrente nesse processo.

k) De qualquer modo, ao assim agir, a EE violou medidas de segurança que lhe eram impostas pela natureza dos trabalhos objeto do contrato de seguro que aquela celebrou com a ora recorrente, as quais resultavam do manual de uso e manutenção de máquinas como a dos autos.

1) Com o que, por violação destas regras de segurança, o sinistro dos autos sempre teria também de se ter por excluído do contrato de seguro celebrado entre a EE e a ora recorrente.

m) Tais cláusulas de exclusão não são nulas, quer porque os contratos de seguro em causa não serem obrigatórios, com o que poderiam até nem existir, quer porque a aplicação das mesmas não esvazia de conteúdo os ditos contratos de seguro.

n) Foram violadas, ou não foram aplicadas, as normas dos arts. 9º,405º,483º e seguintes, 562º e seguintes, todos do C. Civil e o artº 6º, nº 2, do decreto-lei nº 50/2005, de 25 de fevereiro.

Termos em que deve ser revogado o Acórdão recorrido, proferindo-se Acórdão que julgue a ação improcedente por não provada quanto à ora recorrente, pelo menos na ação em que é A. a recorrida HH Public Limited Company, com o que se fará a habitual e esperada



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Responderam os recorridos, AA E FILHOS, pedindo a improcedência do recurso.

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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[1], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[2], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do  novo Cód. Proc. Civil).

Das conclusões acabadas de transcrever decorre que são duas as questões objecto do recurso:

Saber se a responsabilidade pelo acidente é imputável à primitiva ré EE;

Saber se a segurada da recorrente (a demandada DD) violou normas de segurança e, nessa medida, está excluída a responsabilidade da recorrente, por força das cláusulas de exclusão constantes do contrato.


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A recorrente pede ainda que se declare a validade dessas cláusulas de exclusão. Porém o acórdão recorrido afirmou essa validade e tal decisão não foi objecto de impugnação pela parte a quem podia prejudicar – os recorridos – pelo que transitou em julgado não sendo por isso susceptível de reapreciação.



Dos factos



Mostra-se consolidada a seguinte factualidade:


1.    No dia 4 de Dezembro de 2009, decorriam obras de construção de uma moradia unifamiliar situada na rua de …, …, …, …, levada a cabo, como empreiteiro, pela sociedade II, Lda.

2.   Nesse dia, pelas 8h30, GG, trabalhador da sociedade empreiteira, manobrava a mangueira da lança de uma autobomba de lançamento de betão, montada no veículo automóvel com a matrícula ...-...-BC, a fim de proceder à distribuição do betão pela laje da referida obra.

3.   O transporte e a bombagem de betão para o enchimento da laje da moradia haviam sido subcontratados pela JJ, S.A. à ré DD, a quem pertencia a autobomba.

4.    No decurso do trabalho de distribuição do betão pela laje da referida obra, a estrutura da lança da autobomba caiu sobre o referido GG, atingindo-o na zona dorsal do tronco e com o impacto este caiu sobre a laje, ficando preso entre esta e a lança. Foi transportado ao Hospital de …, em …, onde faleceu em resultado daquelas lesões.  

5.    A lança caiu sobre GG porque os parafusos de amarração da lança à torre partiram-se e originaram a queda da lança sobre o sinistrado.

6.    A ré EE, que se dedica à montagem, manutenção e reparação dos veículos/equipamentos, nomeadamente os da propriedade da DD, vinculou-se perante esta sociedade a efectuar os trabalhos de manutenção técnica, conservação e reparação do veículo automóvel com autobomba, com a matrícula ...-...-BC.

8.     No manual de uso e manutenção de bomba transportada por camião assinala-se em 5.5. no que diz respeito aos parafusos de fixação do cachimbo de rotação da lança:

a)     Que os parafusos de fixação do cachimbo devem ser sujeitos a controlos periódicos «em oficina autorizada mediante chave dinamométrica com pares de aperto estabelecidos»;

b)     Que os parafusos de conexão devem ser controlados «pelo menos uma vez por semestre ou no máximo após 1200 horas de trabalho»;

c)     Que «cada vez que se substitui o cachimbo ou cada 4 anos e cada 8000 horas de trabalho»;

d)     Que devem ser substituídos «todos os parafusos de conexão, recomeçando os controlos periódicos da mesma forma que se faria com uma máquina nova»;

e)     Que o controlo estrutural deste tipo de equipamentos necessita sempre da verificação da «integridade dos parafusos e do estado de aperto» dos mesmos;

f)      Que os parafusos cuja rotura deu origem ao acidente dos autos faziam a fixação do chamado «cachimbo da lança» ao chassis do grupo de bombagem acoplado ao veículo”;

g)      Que tal «cachimbo» é o órgão que permitia a fixação ou amarração e rotação da lança por onde era bombeado o betão.

9.      A ré DD não fez o controlo do estado dos parafusos de amarração do cachimbo da lança quando efectuou a verificação do equipamento no mês anterior ao do acidente dos autos.

10.    AA casou-se a ….12.1996 com GG, tendo adoptado nome “KK” deste. CC e BB são filhos de ambos, nascidos a … .   .2002 e … . … .1997 respectivamente.

11.    GG vivia em família unida e feliz com os AA., acompanhando os filhos, sendo lhes próximo. A A. AA sentiu-se desamparada, tomando medicação em consequência da morte. Todos sofreram e sofrem a ausência de marido e pai.

12.    No âmbito do processo 1036/09.1ttlra, foi homologado acordo em que a HH Public Limited Company Ltd., obrigou-se a pagar à viúva do sinistrado uma pensão anual e vitalícia de 3 177,94 euros com início a 5.12.2009, a cada um dos filhos uma pensão anual e temporária de 2 118,63 euros com início a 5.12.2009, a quantia de 5 400 euros de subsídio por morte, despesas de funeral de 1800 euros e 20,00 euros de despesas de deslocações. A HH Public Limited Company pagou a AA 7 220 euros a título de despesas com funeral, e outras despesas como transporte, bem como pagou até à instauração da acção pensões no valor de 7 805,85 euros, a BB 5 205,76 euros, e a CC 5 205,76 euros. Após a instauração da acção, a HH Public Limited Company pagou 16 116,95 euros a AA, 10 744,23 euros a BB e 10 744,23 euros a CC.

13.    Por escrito titulado pela apólice 00… II, Lda. declarou transferir para a HH Public Limited Company Ltd a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho que esta declarou aceitar com início em 1-01-2008. A R. DD declarou transferir para a R. FF o risco de responsabilidade civil emergente da actividade de transportes e bombagem de betão mediante apólice 8….8 que esta declarou aceitar por escrito, titulado pela apólice 8…6, do ramo ECG Exploração, com início em 4.03.2005, com estipulação de franquia por danos materiais, a cargo da R. DD, de 10% dos prejuízos indemnizáveis, no mínimo de 250 euros sendo de 250 000 o capital seguro por período seguro e sinistro. EE transferiu para a FF a obrigação de indemnização decorrente de responsabilidade civil no exercício da sua actividade de assistência técnica a equipamentos de betão mediante apólice 8….6.

14.    Do contrato de seguro celebrado com a DD estavam excluídos os «danos causados por inobservância das regras impostas por lei ou disposições administrativas», assim como os danos «decorrentes de actos ou omissões dolosas do segurado ou de pessoas por quem este seja responsável».

15.    Do contrato de seguro celebrado com a EE estavam excluídos os danos «decorrentes de não cumprimento de normas legais ou de medidas de segurança aconselháveis face à natureza dos trabalhos seguros», assim como os danos «decorrentes de actos ou omissões dolosas do segurado ou de pessoas por quem este seja responsável».

Alegações de facto julgadas não provados:

a)    Que os parafusos partiram-se uma vez que não resistiram à carga inerente à operação de betonagem;

b)   Que o equipamento foi fabricado em 1992, e desde a sua aquisição a DD, jamais efectuou controlo ou substituição dos parafusos de amarração do cachimbo de lança, e que não efectuava o controlo do estado dos parafusos de amarração do cachimbo de lança quando verificava o estado do equipamento;

c)     Que conformou-se com a ocorrência de acidente que pudesse ocorrer por deficiência que tais parafusos pudessem apresentar, apesar de saber da possibilidade de ocorrência de tal acidente.

d)      Que esta empresa jamais deu instruções aos seus trabalhadores para nunca se posicionarem debaixo da lança;

e)     Que foi o posicionamento do sinistrado debaixo da lança enquanto executava o seu trabalho que determinou a ocorrência do sinistro.

f)     Que aquando da assistência efectuada ao equipamento no dia 26.11.2009 não se verificava a necessidade de se proceder à substituição dos parafusos que se vieram a partir».


Do Direito


Como é do conhecimento geral este Supremo Tribunal, enquanto tribunal de revista apenas conhece de questões de direito (art.º 674º do CPC), salvo as excepções previstas na lei.

A recorrente pretende em primeira linha imputar à demandada EE, a responsabilidade pelo acidente. Acontece que dos factos dados como provados, acima transcritos e que não podem ser alterados por este Tribunal, não se vislumbra como pode a recorrente pugnar por tal pretensão uma vez que não há qualquer facto que permita imputar àquela empresa a responsabilidade pelo acidente. Na verdade o único facto dado como provado relativamente à demandada EE, para além da existência de um contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado com a R. FF, para cobertura dos riscos da sua actividade, é o constante do nº 6 dos factos provados e que reza assim:

«A ré EE, que se dedica à montagem, manutenção e reparação dos veículos/equipamentos, nomeadamente os da propriedade da DD, vinculou-se perante esta sociedade a efectuar os trabalhos de manutenção técnica, conservação e reparação do veículo automóvel com autobomba, com a matrícula ...-...-BC».

Daqui decorre que existia um contrato entre a R. DD e a R. EE, nos termos do qual esta assegurava os trabalhos os trabalhos de manutenção técnica, conservação e reparação do veículo automóvel com autobomba, com a matrícula ...-...-BC. Nada mais se provou, nem sequer que a demandada EE tenha deixado de cumprir tal contrato, em particular, que tenha deixado de fazer a manutenção ou verificação dos elementos que colapsaram no referido veículo e que determinaram a morte do Sr. GG. Mas ainda que se tivesse provado tal facto nem assim estaria excluída a responsabilidade da dona do veículo, nem da sua seguradora, a recorrente. Com efeito e como bem se observa no acórdão recorrido da existência do referido contrato de manutenção e da sua violação pela EE, nunca poderia resultar a desresponsabilização da R. DD nem a responsabilização directa daquela pelos danos ocorridos. Afinal aquela nem sequer já é parte no processo – relativamente a si foi extinta a instância por inutilidade da lide!

O acidente é, de imputar apenas à sociedade DD por aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil, que dispõe que “quem tiver em seu poder coisa móvel, com o dever de a vigiar, responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.

Com efeito, vem demonstrado que:

 « 4. No decurso do trabalho de distribuição do betão pela laje da referida obra, a estrutura da lança da autobomba caiu sobre o referido GG foram provocadas pela queda da estrutura da lança da autobomba, que é uma coisa móvel. Pode, assim, dizer-se que a estrutura da lança foi o instrumento causador das lesões corporais. Foi esta a conclusão a que chegou o perito que procedeu à autópsia, como o atesta o seguinte trecho do relatório pericial: “lesões traumáticas denotam ter sido produzidas por objecto contundente ou actuando como tal...” (fls. 72).

A “coisa” que causou os danos pertencia à sociedade DD e estava a ser usada, por ela, no exercício da sua actividade, o que faz presumir que era ela quem detinha o poder sobre a autobomba.

A autobomba era “coisa” que devia ser vigiada periodicamente, especialmente os parafusos de fixação do cachimbo de rotação da lança. Vigilância que recaía sobre sociedade DD pois era ela a dona do equipamento e quem o utilizava no exercício da sua actividade.

É certo que a dona contratou outra sociedade (EE) para assegurar a respectiva manutenção e reparação. Sucede que este contrato não extinguiu o dever de aquela verificar o estado do equipamento. E não extinguiu porque tal dever radicava na sua condição de proprietária, condição que não perdeu pelo facto de recorrer aos serviços de um terceiro para vigiar o estado do equipamento e proceder às acções de manutenção e reparação que fossem necessárias.

Sobre o recurso aos serviços deste terceiro importa dizer o seguinte.

Em primeiro lugar que, no caso de este terceiro não efectuar a revisão cuidadosa dos componentes do equipamento, não substituindo, por exemplo, peças que comprometiam a segurança dele, o dono do equipamento não podia livrar-se da sua responsabilidade, em caso de acidente originado pela ruptura de tais peças, com o incumprimento daquele a quem recorreu para manter o equipamento em condições de segurança.

Em segundo lugar que, na hipótese de vir a ser responsabilizado pelos danos resultantes do acidente, o direito que assistiria ao dono do equipamento era o de exigir, a tal terceiro, indemnização pelo prejuízo sofrido com o incumprimento do contrato, como prevê o n.º 1 do artigo 798.º do Código Civil.

Em terceiro lugar que os lesados com o acidente não tinham o direito de exigir a tal terceiro, com fundamento no incumprimento do contrato de assistência do equipamento, a indemnização dos danos sofridos. E não tinham esse direito porque o dever de assistência/manutenção tinha fonte contratual e a regra é a de que os contratos produzem efeitos apenas em relação às partes (n.º 2 do artigo 406.º do Código Civil).

Assim, no caso, os familiares de GG não podiam prevalecer-se do incumprimento do contrato de manutenção e assistência da autobomba para exigir à EE indemnização pelos danos resultantes do acidente.

Com os factos expostos, quem respondia pelos danos causados pela queda da estrutura da lança da autobomba era a sociedade DD. Esta sociedade só não responderia pelos danos causados por tal facto se, como se escreveu mais acima, provasse que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

Sucede que esta prova não foi feita» e portanto o facto ilícito e danoso é-lhe imputável a título culpa. Quanto ao nexo causal entre este e os danos provocados os factos não deixam margem para qualquer dúvida.

Vem provado que A R. DD declarou transferir para a R. FF o risco de responsabilidade civil emergente da actividade de transportes e bombagem de betão mediante apólice 8…8 que esta declarou aceitar por escrito, titulado pela apólice 8…6, do ramo ECG Exploração, com início em 4.03.2005, com estipulação de franquia por danos materiais, a cargo da R. DD, de 10% dos prejuízos indemnizáveis, no mínimo de 250 euros sendo de 250 000 o capital seguro por período seguro e sinistro».

A demanda da recorrente e a sua condenação nos presentes autos assentam neste contrato, uma vez que sendo a responsabilidade pelo acidente da R. DD, a recorrente responde por esta nos termos daquele contrato.


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Sustenta a recorrente que, apesar do contrato, não pode ser responsabilizada.

Entramos aqui na análise da segunda questão.

A recorrente pugna que o acidente se terá sido devido a inobservância de regras de segurança por parte da sua segurada, que terá violado a norma do artº 6º nº 2, do decreto-lei nº 50/2005, de 25 de fevereiro e neste caso a apólice excluiria a responsabilidade da recorrente. Também aqui não assiste qualquer razão à recorrente.

Como bem se observa no acórdão recorrido é verdade que «o acidente foi causado por inobservância de regras de segurança, concretamente por inobservância da regra que mandava controlar periodicamente o estado dos parafusos de amarração da lança à torre da autobomba, podendo dizer-se que provavelmente o acidente não teria acontecido se o estado dos parafusos tivesse sido verificado nos termos prescritos pelo fabricante.

Sucede que o dever de a sociedade DD efectuar esse controlo não procedia, no caso, do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro. E não procedia pelo seguinte.

O diploma citado transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho. Revogou o Decreto-Lei n.º 82/99, de 16 de Março.

O n.º 2 do artigo 6.º estabelece que “o empregador deve proceder a verificações periódicas e, se necessário, a ensaios periódicos dos equipamentos de trabalho sujeitos a influências que possam provocar deteriorações susceptíveis de causar riscos”.

Segue-se do exposto que o dever previsto na norma acabada de transcrever - dever de verificações periódicas dos instrumentos de trabalho - tem como destinatários os empregadores e como beneficiários os trabalhadores. A finalidade da norma é a protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores. O seu campo de aplicação é, pois, a relação entre empregadores e trabalhadores. Ora, não é esta a relação que intercede entre a sociedade DD e GG, vítima do acidente de trabalho.

Não se ignora que o acidente se deu quando GG estava a manobrar a mangueira da lança e que esta mangueira constituía para ele, na altura, instrumento de trabalho. Porém, esta relação ocasional de GG com o equipamento não o convertia em trabalhador subordinado da mencionada sociedade, nem era essa relação ocasional de GG com aquele equipamento que obrigava a dona dele a verificar o respectivo estado. O dever de efectuar tal verificação era independente da utilização dele como instrumento ocasional de trabalho por parte de um terceiro.

Em suma: a regra de segurança que não foi observada e que deu causa ao acidente não tinha a sua fonte no n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro. Assim, o acidente não foi causado pela infracção da citada norma. 

Como não foi causado pela inobservância do disposto no artigo 7.º do mesmo diploma; preceito que estabelece o dever de elaborar relatório sobre a verificação dos equipamentos de trabalho não compreende nenhuma regra de segurança.

Com efeito, como se escreveu acima, a actuação da cláusula de exclusão pressupõe que os danos cuja indemnização é reclamada à seguradora tenham sido causados pelo segurado com inobservância de regras de segurança impostas por lei ou disposições administrativas. Daqui decorre que é necessário que se possa estabelecer uma relação de causalidade entre a inobservância das regras de segurança e o acidente.

Interpretando a cláusula de exclusão com este sentido, é bom de ver que a violação do artigo 7.º não é abrangida por ela. É que, em primeiro lugar, o preceito não estabelece regras de segurança sobre utilização de equipamentos de trabalho; em segundo lugar, mesmo que se entendesse que afirmava uma regra de segurança, não existiria, em tal hipótese, qualquer relação de causalidade entre a inobservância dessa regra (consistente na não elaboração do relatório sobre a verificação do estado da autobomba) e o acidente de trabalho». Este entendimento não merece qualquer censura.

Na verdade a recorrente não está a ser demandada no âmbito de um contrato de seguro de acidente de trabalho, ocorrido com empregado da sua segurada, mas sim no âmbito de um contrato de seguro de responsabilidade civil por danos causados a terceiro – o acidentado laboral - e por força do exercício do direito de sub rogação que assiste à seguradora que indemnizou a vítima de acidente de trabalho de reclamar do lesante tudo o que tiver suportado. Mas se a recorrente estivesse a ser demandada no âmbito do contrato de seguro de acidentes de trabalho, também não lhe assistia qualquer razão porquanto ainda que tivesse havido violação das regras de segurança por parte da sua segurada, as claúsulas de exclusão da sua responsabilidade não eram oponíveis ao lesado, por se estar perante contrato de seguro obrigatório (cfr. Apócie uniforme de acidentes de trabalho, aprovada pela Portaria n.º 256/2011, de 5/06/2011).

  Pelo exposto improcede a alegação de que o contrato de seguro, referido supra não cobria a responsabilidade civil da segurada por o acidente ter sido causado por inobservância do disposto no artigo 6.º. n.º 2, e no artigo 7.º, ambos do Decreto-lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro.


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Concluindo




Pelo exposto, na improcedência da revista, confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Notifique.


Lisboa, em 30 de maio de 2019.


José Manuel Bernardo Domingos (Relator)

João Luís Marques Bernardo

António Abrantes Geraldes

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[1] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil antigo e 635º nº 2 do NCPC) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, hoje 636º nº 1 e 2 do NCPC). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.

[2] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.