Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B1072
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: RECURSO
ALEGAÇÕES
NOTIFICAÇÃO
CONTAGEM DOS PRAZOS
NULIDADE DA DECISÃO
NULIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: SJ200406240010727
Data do Acordão: 06/24/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 2860/03
Data: 10/14/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : I - O nº2º do art.698º CPC estabelece que o prazo para a apresentação da alegação se conta da notificação do despacho de recebimento do recurso, e não do termo de ulterior vicissitude que quem recorre entenda desencadear.
II - Não devem confundir-se as nulidades do processo, nomeadamente as nulidades processuais secundárias previstas no nº1º do art.201º, com as nulidades das decisões, a que aludem aos arts. 666º, nº3º, e 668º, nº1º, todos do CPC ; e nem também estas últimas, de ordem formal, são confundíveis com eventual, substancial, erro de julgamento.
III - O despacho de admissão do recurso só pode ser impugnado nos termos do art.687º, nº 4º, CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"A" moveu em 31/5/2002 a B e outra execução da sentença inglesa que alegadamente condenara ambos a pagar-lhe £ 50.000 de custas, com juros de 8% ao ano desde 27/4/2001 até à data do pagamento e de que pediu a declaração da executoriedade em Portugal, nos termos do art. 31º da Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial assinada em Bruxelas em 29/9/68 (alterada pela Convenção de Lugano de 16/9/88).

Essa acção, instruída com os documentos a que aludem os arts.46º e 47º daquela Convenção, foi distribuída à 1ª Secção da 1ª Vara Cível do Porto (idem, art.32º), onde, em vista do disposto no art.33º da mesma Convenção e dos arts.199º e 802º CPC, e considerado que a lei processual portuguesa não prevê que a execução principie por diligência destinada a declarar executória decisão proferida num Estado Contratante, se declarou sem efeito o pedido cumulado de notificação dos requeridos para pagarem a dívida, acrescida dos juros legais, ou nomearem bens à penhora.

De imediato julgada a outra demandada parte ilegítima, por não ter, na realidade, sido condena da, foi, por isso, absolvida da instância, nos termos dos arts. 26º e 288º, n.º 1, al.d), CPC.

Outrossim julgado não verificar-se nenhum dos motivos de não reconhecimento da decisão previstos nos arts.27º e 28º da Convenção aludida, o requerimento em apreciação foi então, em 26/6/ 2002, deferido sem audição da parte contrária, atento o disposto no art.34º dessa Convenção, tendo a decisão aludida sido declarada executória e mandado notificar o assim decidido, conforme art. 35º da mesma Convenção.

Pertencem ao CPC todas as disposições citadas ao diante sem outra indicação.

O requerido interpôs, em 17/10/2002 recurso dessa decisão, que disse de agravo e para que pediu a atribuição de efeito suspensivo, mas que, com referência aos arts.463º, nsº 3 e 4, e 792º, foi admitido, por despacho de 7/11/2002, como de apelação, com efeito devolutivo - fls.54 destes autos.

Reportando-se ao disposto no art.463º, nº 3, al.a), o requerido requereu então, em 22/11/2002, que se ordenasse a rectificação do requerimento de interposição do recurso no sentido de ser para o Supremo Tribunal de Justiça e com efeito suspensivo; ao que a contraparte se opôs com fundamento em inoportunidade em vista do disposto no art.687º, nº 4, e por não destinar-se o art.463º, nº 3, al.a), a permitir um recurso per saltum nas causas cujo valor ultrapasse a alçada da Relação, mas sim a possibilitar que nos processos especiais se possa ir até ao Supremo, verificada que esteja essa condição, como assim não tendo acolhimento legal a pretensão deduzida pelo recorrente.

A pretendida rectificação do requerimento de interposição do recurso foi indeferida por despacho de 16/12/2002, fundado em que só os lapsos manifestos podem dar lugar a rectificação, pelo contrário se estando, antes, como pelo próprio recorrente reconhecido, perante um erro na classificação do recurso - fls.59.

O falado recurso foi depois julgado deserto, por falta de alegação, por despacho de 23/1/2003 , referido ao disposto nos arts.291º, ns.º 2º e 4º, e 690º, nº 3 - fls.23, sempre destes autos.

O recorrente arguiu então nulidade que consistiria na não concessão do prazo fixado na lei para a apresentação da alegação em falta (artigo 11º dessa reclamação - v. fls.103 dos autos).

Ouvida a parte contrária, pronunciou-se no sentido do indeferimento dessa reclamação.

A sobredita reclamação da nulidade foi indeferida por despacho de 13/2/2003 que considerou inadmissível essa arguição, dando para tanto a razão que segue:

"Salvo os casos previstos no art.668º do CPC, a arguição da nulidade só é admissível quando a prática de um acto que a lei não admita ou a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva não tem por detrás um despacho judicial, porque, neste caso, o meio para reagir não é a arguição da nulidade, mas sim a interposição de recurso (Alberto dos Reis, "Comentário ao Código de Processo Civil", Vol. II, pág.507)".

Aditou-se ainda, nesse despacho de 13/2/2003:

"Salienta-se, no entanto, que o prazo para alegar conta-se da notificação do despacho de recebimento do recurso (cfr. art.698º, nº 2, do CPC), não se compreendendo, pois, a posição defendida pelo requerido." - fls.24.

Este interpôs recurso desse despacho, admitido como de agravo, com subida imediata, em separado, e com efeito meramente devolutivo.

A Relação, lançando mão do disposto nos arts.713º, nº 5, e 749º, negou provimento a esse recurso.

É dessa decisão que vem interposto e admitido este agravo, de que, em vista do art.758º, se alterou oportunamente o efeito, de suspensivo para devolutivo.
Deduzidas na alegação oferecida no agravo interposto na 1ª instância 6 conclusões, o agravante apresenta, agora, no agravo interposto na 2ª instância, 15 (mais do dobro), que, preenchendo cerca de 4 páginas, estão longe de ser as proposições sintéticas que o nº 1 do art.690º impõe.

Notado referir-se o nº 2 do art.659º (cfr. também arts.713º, nº 2, 749º, e 762º, nº 1) a "questões" e não a "conclusões", as ora oferecidas reduzem-se, em termos úteis, às afirmações e teses que seguem:

- O ora agravante não veio arguir a nulidade do despacho, a fls.23 destes autos, que julgou deserto o recurso de apelação admitido consoante fls.54 dos mesmos (fls.91 e 68 dos autos principais, respectivamente), que não pretendeu pôr em cheque, uma vez que a nulidade invocada não é consequência clara e explícita do mesmo, nem ele se pronunciou sobre essa nulidade explícita ou implicitamente - razão porque a reclamação pode e deve ser considerada como meio próprio (v. 13 primeiras conclusões da alegação do agravante).

- O fundamento da nulidade arguida é, com base no despacho de 16/12/2002 a fls.59 destes autos que indeferiu o requerimento de rectificação do requerimento de interposição do recurso, que quando foi proferido o despacho que julgou deserto o recurso de apelação ainda estaria a decorrer o prazo para a apresentação da alegação respectiva (parte da conclusão 7ª).

- Uma vez que, interposto de despacho que julgara a reclamação meio inadequado, o objecto do agravo era somente saber se ao reclamar nulidade do despacho que julgou deserto o recurso o agravante usara do meio próprio. Esse, apenas, o ponto sub judice, o acórdão recorrido conheceu de matéria de que não podia tomar conhecimento - arts.668º, nº 1, al.d), 716º, nº 1, e 752º, nº 3 (conclusões 14ª e 15ª).

Aplicável, ex vi do nº 1 do art.716º e do art.749º, o disposto no nº 4 do art.668º, manda expressamente o nº 2 do mesmo art.716º que a arguição de nulidade seja decidida em conferência - como, aliás, natural, visto que reclamado vício de decisão colectiva.

Só o relator, porém, sobre tal se pronunciou, a fls.106.

Deste modo desrespeitado o predito nº 2 do art.716º, não houve de tal reclamação (cfr. nº 3 do art.700º) (1).

Não houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

A matéria de facto a ter em conta é a já adiantada na 1ª parte deste acórdão, que seria, agora, ocioso, reproduzir.

Diga-se, a abrir, ser fito óbvio do recorrente, que litiga com benefício de apoio judiciário, evitar por meio de sucessivos recursos a execução da sentença do Supremo Tribunal de Inglaterra e Escócia de que a requerente obteve a pretendida declaração de executoriedade.

O fim dilatório desses recursos resulta flagrante do facto de que, como expressamente notado no despacho impugnado, o nº 2 do art.698º estabelece que o prazo para a apresentação da alegação se conta da notificação do despacho de recebimento do recurso - e não do termo de ulterior vicissitude que quem recorre haja por bem desencadear.

Consistindo a nulidade arguida na não concessão do prazo fixado na lei para a apresentação da alegação do então apelante, absurdo seria conceder-se prazo que a própria lei determina, tanto mais assim que a notificação dessa concessão teria de ser feita, a parte obrigatoriamente representado por advogado, conforme art.32º, nº 1, als.a) e c), como prescrito no nº 1 do art.253º, na pessoa de mandatário forense, que sem dúvida conhecia bem aquele prazo.

Fixado o prazo na lei, não havia que concedê-lo, tanto mais assim que a parte, regularmente patrocinada, necessariamente o conhecia (cfr. também art.6º C.Civ.). E nem, aliás, diz o recorrente, afinal, sequer, quando é que devia ter sido feita a concessão do prazo fixado na lei.

Outra vem, enfim, a ser a tese que, efectivamente, sustenta: se bem se entende, a de que o prazo ab initio fixado na lei, que o manda contar da notificação do despacho de admissão do recurso, devia, neste caso, ter sido contado - concedido, hoc sensu - outra vez na sequência do indeferimento do requerimento de rectificação do requerimento de interposição desse recurso.

Atribuir relevância, para esse efeito, a tão desasado expediente seria, porém, a todas as luzes, equivalente a, por assim dizer, conferir prémio ou medalha à improcedência manifesta do mesmo.

Nessa ordem de ideias, seria fácil obter ou alcançar, com um qualquer requerimento, a prorrogação ou, até, a renovação de prazo entretanto esgotado.

Assim não entendido, estar-se-ia, afinal, perante erro de julgamento, por inadequada interpretação e aplicação da lei processual, e não perante nulidade, seja processual, seja da decisão. Erro esse situado, se não no despacho que indeferiu o requerimento de rectificação do requerimento de interposição do recurso - de que se não fez constar dever iniciar-se então novo prazo para a apresentação da alegação do recorrente, então no despacho que julgou o recurso deserto, por considerar já esgotado o prazo legal para esse efeito. E, assim sendo, era, realmente, o recurso, e não a reclamação de nulidade processual (ou, sequer, desse despacho), o meio próprio para impugnar essa decisão.

Convirá contrariar, ainda, outra proposição do recorrente: a máxima "dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se" não comporta, se bem se crê, excepções nenhumas.

Não devem confundir-se as nulidades do processo, nomeadamente as nulidades processuais secundárias previstas no nº 1 do art.201º, com as nulidades das decisões, a que aludem aos arts. 666º, nº 3, e 668º, nº 1 (2) (e nem também estas últimas, de ordem formal, são confundíveis com eventual, substancial, erro de julgamento).

Na hipótese versada em Ac.STJ de 4/12/53, BMJ 40/344, que o agravante invoca, estava em causa nulidade processual - falta de audiência prévia - que afectava a validade de determinado despacho (subsequente).

Nenhum juízo explícito constando, ou, na tese do recorrente, implícito subjazendo, ao despacho que julgou deserto o recurso (3), a nulidade arguida teria, então, de ser imputada ao despacho que indeferiu o requerimento de rectificação do requerimento de interposição do recurso, pois logo então, de facto, se podia ter julgado o mesmo deserto, por falta de oportuna alegação - ou concedi do o peregrinamente pretendido novo prazo para apresentação da mesma.

Repetidamente referido o trânsito do despacho que admitiu o recurso, importa lembrar, ainda, que o despacho de admissão do recurso, como bem assim sabido, (só) pode ser impugnado nos termos do art.687º, nº 4.

Quando à terceira das considerações do recorrente atrás alinhadas, basta notar, pois é tal que aparentemente esquece, que, diferentemente da hipótese versada na resposta a consulta que invoca, publicada na RLJ 87º/ 25-3, nestes autos, o juiz de 1ª instância não se limitou a arredar a reclamação, antes conheceu mesmo da questão nela colocada, considerando - nos termos transcritos e objecto, mesmo, de destaque (em itálico) na 1ª parte deste acórdão - indefensável a posição do ora recorrente. Como, sem dúvida alguma, é; também, pois, não tendo o acórdão sob recurso, de facto, incorrido no excesso de pronúncia arguido com referência ao art.668º, nº 1, al.d).

Dispensáveis mais desenvolvidas considerações, alcança-se a decisão que segue:

Nega-se provimento a este recurso.

Custas pelo recorrente (sem prejuízo, embora, do benefício aludido).


Lisboa, 24 de Junho de 2004
Oliveira Barros
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
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(1) Oportunamente notificada a então ordenada subida dos autos a este Tribunal, podia e devia ter sido então reclamada eventual falta de notificação da decisão do tribunal a quo determinada pelos preditos arts.668º, nº 4, e 716º, que, na falta dessa reclamação, ficou sanada - arts.153º, 201º, nº 1, 202º, 2ª parte, 203º, e 205º, nº 1.
(2) V, a este respeito, Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil" (1976), 175 (nº89.)
(3) Sobre julgamento implícito, v. o Ac.STJ de 20/4/76, BMJ 256/94 - I a III, citado pelo agravante. É certo que, segundo Alberto dos Reis, "Anotado", V, 67, "(...) o julgamento implícito não pode estender-se a questões que não foram postas, nem formuladas". É, no entanto, incontornável também que, julgado deserto o recurso, é pressuposto necessário desse despacho não haver lugar à concessão de novo prazo para alegação.