Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3419/14.6T8OER-A.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
CONCLUSÕES
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ÓNUS DO RECORRENTE DE ALEGAR E FORMULAR CONCLUSÕES.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, ed. 2013, 116.
- Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, 171.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 378.
- Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil - Reforma de 2007, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, 103 e 108.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, 10.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 6.º, N.º 2, 635.º, N.ºS 4 E 5, 639.º, N.ºS 1, 2 E 3, 641.º, N.º 2, AL. B).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 20.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 19-02-2008, P. N.º 08A194.
-DE 19-03-2009, P. N.º 08S3049.
-DE 18-10-2012, P. N.º 6777/09.0TBSTB.E1.S1.
-DE 17-11-2016, P. N.º 4622/09.6TTLSB.L1.S1.

-*-

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-Nº 259/02, N.º 488/03, DE 22-10-2003, N.º 536/2011, DE 15-11-2011, P. N.º 191/2011, DR - II, N.º 243, DE 21.12.2011, P. N.º 49538.
Sumário :
Nos termos do art. 641.º, n.º 2, al. b), do CPC, a falta de apresentação de conclusões das alegações no prazo peremptório para a dedução do recurso não pode ser suprida, designadamente na sequência de convite, antes determina o indeferimento do recurso. Tal norma, com essa interpretação, não viola os arts. 2.º e 20.º da Constituição.
Decisão Texto Integral:

Revista 3419/14.6T80ER-A.L1.S1

           

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

           

A executada, AA, em 9-06-2016, interpôs contra a exequente, BANCO BB, apelação da sentença de 5-05-2016, sem formular quaisquer conclusões.

Na sequência de convite formulado pelo Sr. Juiz da 1ª instância, a apelante apresentou as conclusões em falta.

Todavia, remetidos os autos à Relação de …, esse Tribunal considerou que o referido vício (falta de conclusões) não é passível de correcção/aperfeiçoamento, pelo que decidiu não conhecer da apelação.

Inconformada, a executada interpôs recurso de revista desse acórdão, delimitando o seu objecto com as seguintes conclusões:

«I. No caso, a falta de Conclusões resultou de um manifesto lapso, que foi sanado de imediato, tanto mais que o advogado signatário exerce a profissão há mais de 46 anos.

II. O qual foi percepcionado pelo Mº Juiz “a quo”, que notificou a A. para aperfeiçoamento das Alegações com as Conclusões em falta, em consonância com o “Dever de gestão processual” consignado no citado artº 6.º, nº 2 do CPC.

III. O que foi prontamente cumprido pela A.

IV. Aliás, o próprio art.º 639, nº 3 do CPC dispõe que: “Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.”

V. Por conseguinte, a falta de Conclusões encontra-se sanada e as Alegações de recurso já subiram para o Tribunal da Relação de … com as Conclusões.

VI. Assim, salvo o devido respeito, o não conhecimento do recurso constitui uma errada interpretação do art.º 641 nº 2 do CPC, com manifesta violação do art.º 20º n.º 4 da Constituição.

VII. Sendo uma sanção desproporcionada relativamente a um direito fundamental e a uma garantia constitucional.

VIII. A norma que conduz ao indeferimento do recurso por falta de Conclusões não se mostra compatível, nem com a ideia geral da proporcionalidade ínsita no princípio do Estado de Direito, nem com a garantia constitucional do processo equitativo, consagrados no artigo 2º e no nº 4 do artigo 20º da Constituição, respectivamente.

IX. O acórdão ora recorrido, não só viola ostensivamente o artº 6º do novo CPC, como faz uma errada interpretação do art. 639º nº 3 do mesmo Código.

X. Sendo, ainda inconstitucional a interpretação que faz dos artºs 637º nº 2 e 639º nº 3 do CPC, por violação do art. 20º nº 4 da Constituição.

Termos em que deverá ser dado … conhecimento do objecto do recurso.».

*

Cumpre decidir, para o que releva a factualidade que se retira do antecedentemente relatado.

Como se viu, a recorrente defendeu que o não conhecimento da apelação foi fruto de uma errada interpretação pela Relação dos arts. 641º nº 2, 639º nº 3 e 637º nº 2 do CPC, com ostensiva violação dos arts. 6º do mesmo código e 2º e 20º nº 4 da CRP.

Porém, contrariamente ao pretendido, a norma do invocado art. 641º nº 2 dispõe, claramente, que o requerimento de recurso é indeferido quando a alegação do recorrente não tenha conclusões, diferentemente do que estatui o também evocado art. 639º nº 3 para as hipóteses de as formuladas conclusões serem deficientes, obscuras, complexas ou de nelas se não ter procedido às especificações aludidas no número anterior do mesmo preceito, perante as quais deve o relator «convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada».

Ora, sem as conclusões da respectiva alegação, o recurso fica sem objecto cognoscível pelo tribunal superior porque, como é sabido, o mesmo é delimitado por tais «proposições sintéticas» «contendo todo um raciocínio lógico-jurídico a contrariar as razões adoptadas» na decisão posta em crise, não podendo «consistir na mera afirmação da procedência» da pretensão da recursiva, nos termos conjugados dos artigos 635º, nºs 4 e 5, e 639º, nºs 1 e 2 do CPC ([1]): sendo as conclusões que definem o objecto do recurso e, por isso, o âmbito do conhecimento do tribunal, a respectiva omissão torna o recurso sem objecto.

No caso que nos ocupa, não é sustentável que essa falta deva ou possa ser suprida após prévio despacho aperfeiçoador a que se refere o invocado art. 639º nº 3 da lei processual, norma que, obviamente, não abarca tal falta: não se trata de qualquer deficiência das conclusões, mas da omissão da sua formulação, a qual conduz à rejeição do recurso uma vez que só a sua deficiência consentiria o aperfeiçoamento.

Como se viu, o claro teor da norma invocada (art. 641º nº 2), em si mesmo e no confronto com o disposto no citado art. 639º nº 3, torna inconcebível a proposta interpretativa sustentada pela recorrente, que redundaria, na prática, na sua derrogação e na subsequente aplicação da norma contida neste segundo artigo, afinal, prevista para situações patentemente diferentes da falta aqui em causa.

O cotejo entre o disposto nos arts. 639º, nº 3, e 641º, nº 2, al. b), do NCPC ([2]), com o que preceituava o art. 690º nº 3 do CPC de 1939 ([3]) torna evidente a intenção do legislador: com a reforma dos recursos operada pelo DL 303/2007 de 24/08, o legislador optou, iniludivelmente, por eliminar o poder-dever de formulação do convite tendente à supressão da falta de conclusões de recurso, como estava previsto anteriormente, substituindo-o, explicitamente, pelo dever processual de indeferimento do recurso, perante tal falta.

E nem se diga, como é ventilado no recurso, que a esse dever processual de indeferimento se sobreporia a obrigação de formular convite à apresentação das conclusões em falta, em cumprimento do “dever de gestão processual” consignado no art. 6º, nº 2, do CPC.

O exercício deste último dever não dispõe de contornos de tal modo fluidos que o autorizem a colidir, quer com o princípio da legalidade e da tipicidade que comanda toda a tramitação processual – na qual, por isso, não podem deixar de ser observadas as formalidades expressamente regulamentadas –, quer com outros princípios fundamentais do nosso processo civil, entre os quais se salientam o da auto-responsabilidade das partes – resultando deste, directamente conexionado com o princípio basilar do dispositivo, que redunda inevitavelmente em prejuízo das mesmas a sua negligência ou inépcia na condução do processo, a seu próprio risco ([4]) – e o da preclusão – importando que, ao longo do processo, as partes estão sujeitas, entre outros ónus, ao de praticar os actos dentro de determinados prazos peremptórios.

Sublinhe-se que a apresentação de conclusões em falta, na sequência de convite a “aperfeiçoamento” das alegações, consubstanciaria, não apenas a violação da tipicidade processual e dos demais salientados princípios, mas também a ilegal validação de um acto praticado depois de extinto o respectivo prazo peremptório.

Realmente, a aceitação da proposta interpretativa formulada neste recurso desrespeitaria as regras impostas pelos arts. 9º e 10º do CC, porque, por um lado, não colheria na letra da lei um mínimo de correspondência verbal e contornaria os aspectos de ordem sistemática, histórica e racional envolvidos, afrontando, estrondosamente, o pensamento legislativo, e, ainda, porque, por outro lado, ao sugerir a regulação da falta de conclusões segundo uma norma aplicável a casos, supostamente, análogos, teria de pressupor tratar-se dum caso omisso, ou não previsto na lei, o que, evidentemente, não ocorre. Pelo contrário, a falta de conclusões é expressamente cominada com o indeferimento do recurso.

Como já se disse no Acórdão deste STJ de 18/10/2012 ([5]), «De acordo com a versão resultante das alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, (…) a falta de conclusões das alegações impede irremediavelmente o conhecimento do recurso, que não deve ser admitido (nº 1 e nº 2, b) do artigo 685º-C do Código de Processo Civil)» ([6]).

Perante a apontada razão de ser do citado preceito, com o sentido que o respectivo teor literal imediatamente inculca, também não se acompanha a invocação de inconstitucionalidade da opção legislativa nele plasmada, feita no recurso a pretexto da sua suposta susceptibilidade de pôr em causa o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva: com a opção aqui questionada, o legislador ordinário limitou-se a regulamentar o direito ao recurso, não a impedir o seu exercício, emergindo a mencionada cominação, nele estabelecida, como inteiramente justificada, claramente razoável e proporcionada, face ao propalado princípio da auto-responsabilidade das partes, as quais, nos recursos, dispõem, necessariamente, de assessoria técnica altamente especializada. «Ao analisar os vários preceitos legais que consagram ónus processuais, tem o Tribunal Constitucional procurado averiguar se, por um lado, a consagração desses ónus se reveste de alguma utilidade, não redundando em mero formalismo, e se, por outro lado, o cumprimento de tais ónus se não reveste de excessiva dificuldade para as partes. Estando verificadas as duas condições, não resultaria violado o direito de acesso aos tribunais ou o princípio da proporcionalidade.». É o que o próprio TC reconheceu no seu Acórdão nº 259/02. E, com tais parâmetros, no posterior Acórdão nº 488/03, de 22-10-2003, a propósito dos ónus previstos no art. 690º do CPC então vigente, o mesmo Tribunal concluiu que «o cumprimento de tal ónus não implica excessiva dificuldade para o recorrente, dotado de patrocínio especializado».

Acresce que, ao pronunciar-se especificamente sobre a norma equivalente à aqui questionada [o artigo 685º-C, nº 2, b), na redacção conferida pelo DL 303/2007] – ao que sabemos, a única vez em que o fez – o TC, no seu AC nº 536/2011, de 15-11-2011 ([7]), depois de salientar «a inexistência, no âmbito do processo civil, de um genérico direito ao aperfeiçoamento», afirmou – embora com o voto de vencido em que a recorrente, exclusivamente, procura arrimo – que, «admitido um razoável grau de liberdade de conformação do legislador na matéria, encontram-se preenchidas duas condições – utilidade do ónus imposto e cumprimento não excessivamente oneroso para as partes – para que se possa concluir não estar violado nem o direito de acesso aos tribunais nem o princípio da proporcionalidade, não se justificando um qualquer juízo de inconstitucionalidade».

Com o que concordamos, como acima dissemos. Na verdade, a pretensão à admissibilidade ilimitada dos recursos – designadamente, à margem do princípio da tipicidade e da legalidade processual, com a consequente obrigatoriedade de o tribunal de recurso conhecer de todas as questões que as partes queiram, desregradamente, suscitar – não encontra sustento no texto da Constituição. Além disso, a jurisprudência do Tribunal Constitucional vem assumindo que, no nosso ordenamento jurídico, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, particularmente em matéria cível, não é infindo, apenas estando vedado ao legislador ordinário o estabelecimento do conteúdo do genérico direito ao recurso de actos jurisdicionais com uma redução intolerável ou arbitrária.

Porém, uma tal arbitrariedade não afecta, manifestamente, a limitação decorrente da apresentação, no prazo normal de recurso, de conclusões conexionadas «com a correspondente aptidão para exercerem a sua função delimitadora e sinalizadora do campo de actuação interventiva do tribunal de recurso (…), segundo o critério de um destinatário que, sendo embora especialmente qualificado, não tem que suprir erros grosseiros ou indesculpáveis omissões» [Acórdão deste Tribunal de 19-03-2009 (P. 08S3049 - Sousa Grandão)]. Como lembrou, igualmente, o citado AC do TC nº 536/2011, evocando o acórdão nº 715/96 do mesmo Tribunal, com a exigência das conclusões, «a lei impõe uma colaboração do recorrente na melhor formulação do problema jurídico, assegurando, em última instância, a defesa de direitos e a objectividade da sua realização».

Improcede, pois, o recurso.

*

Síntese conclusiva:

Nos termos do art. 641º, nº 2, al. b), do CPC, a falta de apresentação de conclusões das alegações no prazo peremptório para a dedução do recurso não pode ser suprida, designadamente na sequência de convite, antes determina o indeferimento do recurso. Tal norma, com essa interpretação, não viola os artigos 2º e 20º da Constituição.

*

Decisão:

Pelo exposto, negando a revista, acorda-se em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 19/9/2017

Alexandre Reis - Relator

Pedro Lima Gonçalves

Cabral Tavares

_______________________________________________________

[1] Cf., neste sentido, o Acórdão desta Secção de 19-02-2008 (P. 08A194 - Sebastião Póvoas).

[2] Com uma redacção equivalente à conferida pelo DL 303/2007 de 24/08 aos arts. 685º-A nº3 e 685º-C, nº 2, b), respectivamente.

[3] Ou ao nº 4, na redacção do DL 329-A/95.

[4] Cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 378.

[5] P. 6777/09.0TBSTB.E1.S1 - Prazeres Beleza.

[6] Como vimos, tal normativo tem uma redacção correspondente à do art. 641º nº1 e 2 b) do NCPC. Nessa mesma linha seguiu o recente Acórdão deste Tribunal de 17/11/2016 (P. 4622/09.6TTLSB.L1.S1-Ribeiro Cardoso), tal como o fez a doutrina. Assim, v.: Ribeiro Mendes (in Recursos em Processo Civil - Reforma de 2007, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 103 e 108: «a falta de alegação ou de conclusões constitui fundamento de rejeição do recurso… Anteriormente, a falta de conclusões podia ser suprida, após convite ao recorrente» – embora admitindo que essa opção mais drástica do legislador viesse a suscitar questões de inconstitucionalidade nesta matéria); Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, p. 171, aplaudindo a opção do legislador e concluindo não compreender a prevenção de Ribeiro Mendes quanto à questão da constitucionalidade); ou Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, ed. 2013, p. 116]). Este último expende, além do mais: «(…) as alegações destituídas em absoluto de conclusões são “ineptas”, determinando a rejeição do recurso (art.641º, nº 2, al. b), sem que se justifique a prolação de qualquer despacho de convite à sua apresentação. O art. 639º, nº 3, em conjugação com o art. 641º, nº 2, al. b), não deixa margem para dúvidas, devendo o indeferimento do recurso ser assumido logo no tribunal a quo, sem embargo de oportuna intervenção de tribunal ad quem (arts. 652º, nº 1, al. a) e 655º, nº 1).».

[7] P. 191/2011 - Gil Galvão), im DR - II, Nº 243, de 21.12.2011, P. 49538.