Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A3322
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
REQUISITOS
MÁ FÉ
MATÉRIA DE FACTO
PROVA POR PRESUNÇÃO
AUSÊNCIA DE MÁ FÉ DOS SUBADQUIRENTES
CONSEQUÊNCIAS
Nº do Documento: SJ200811110033226
Data do Acordão: 11/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
I) - As presunções retiradas dos factos provados constituem, também elas, matéria de facto, pelo que são insindicáveis pelo Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista.

II) - Para a procedência da acção de impugnação pauliana, importa que exista, em comum, a consciência dos protagonistas do negócio oneroso, in casu, um contrato de compra e venda de um imóvel que, ao assim actuarem, o fazem com consciência de prejudicar o credor.

III) - Se apenas se provou a existência de má-fé, nos termos definidos no art. 612º, nº2, do Código Civil, no negócio celebrado entre o devedor alienante e os compradores, e não já na venda que estes fizeram a terceiros subadquirentes, a acção improcede; o demandante apenas poderá exigir do réu primeiro alienante, o valor do bem vendido, com fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual, e não ao abrigo da acção de impugnação pauliana.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA, intentou em 7.6.1999, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira de Azeméis – 3º Juízo – acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra:

- BB e mulher CC.

- DD,

- EE, casado com FF,

- GG, casado com HH,

Invocando os seguintes fundamentos, aqui em síntese:

Por o primeiro Réu e um tal II se terem desinteressado de um negócio pelo qual o Autor entraria como sócio para uma sociedade da qual aqueles eram sócios, a “A. C. G... C..., Ldª”, estes assumiram a obrigação de restituir ao Autor a quantia de 27.500.000$00 que por ele fora disponibilizada a favor da sociedade como condição daquela entrada.

No cumprimento parcial dessa obrigação, em 20.10.1997, o primeiro Réu entregou ao Autor um cheque titulando o valor de 10.000.000$00, como sendo esta a quantia de que o dito Réu tinha beneficiado e feito sua, daqueles 27.500.000$00.

Até ao momento e apesar das várias interpelações judiciais e extrajudiciais, os 1°s. R.R. não procederam ao pagamento da quantia em dívida.

Em 20 de Maio de 1998, os primeiros declararam em escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial de S. João da Madeira, vender e o 2° Réu (filho dos 1°s RR.) comprar a fracção autónoma que constitui casa de morada de família daqueles, pelo valor de 9.000.000$00.

E, em 25 de Maio do mesmo ano, os 1°s. R.R. declararam vender e o 2° R. comprar todo o mobiliário, recheio, equipamentos, maquinarias e adornos existentes na sua mencionada residência e que descreveram em documento escrito.

Os 3°s e 4°s RR., filhos, nora e genro dos 1°s RR., deram o consentimento ao negócio de compra e venda da fracção, mas todos os RR. conheciam o crédito do Autor e participaram no plano engendrado, em conluio, de modo a evitar que o Autor obtivesse legalmente a satisfação plena do seu crédito e com tais actos prejudicaram-no deliberadamente, sabendo da inexistência de outros bens susceptíveis de penhora.

Os dois 1°s R.R. colocaram-se numa situação de impossibilidade de satisfazer o crédito do Autor, com o fim manifesto de impedir essa satisfação.

Conclui o Autor que se verificam todos os requisitos legais da impugnação pauliana.

É de presumir que os proventos obtidos em tais actos foram aplicados em proveito comum do casal, já que o 1° Réu marido é comerciante, a dívida em causa foi contraída no exercício do seu comércio e a Ré mulher é doméstica, sendo o regime de casamento o da comunhão geral de bens.

E terminou formulando o pedido de procedência da acção, decretando-se nos seguintes termos:

“I – A ineficácia das referidas alienações, isto é, do bem imóvel identificado no art. 22º desta petição inicial e dos bens móveis também identificados no art. 26º da mesma.
Tendo o Autor direito:
II – À restituição dos bens objecto das referidas alienações, na medida do seu interesse que se cifra em 12.301.370$00 acrescido dos juros de mora vincendos à taxa legal em vigor.
- A poder executar tais bens no património do 2° Réu, e praticar todos os actos de conservação de garantia patrimonial autorizados por lei.
IV – A haver do Réu adquirente desses bens o valor dos que porventura tenha entretanto alienado.”

Os primeiros RR. e os demandados seus filhos contestaram conjuntamente a acção negando o crédito do Autor;

- os montantes respeitam a uma firma que tem entidade jurídica autónoma e o cheque serviu de simples forma de garantia, tendo sido abusivamente utilizado;

- o objectivo da venda do imóvel foi o de os primeiros réus darem satisfação a obrigações vencidas e inadiáveis e à sua sobrevivência;

- o segundo réu limitou-se a comprar o imóvel que os pais – primeiros réus – tiveram de vender para satisfazer compromissos, servindo-se para concretizar tal negócio de um financiamento com bonificação obtido na banca;

- os terceiros e quartos réus deram a sua anuência a uma venda que seria a única saída para a situação dos pais.

Concluíram pela improcedência da acção.

Requerida a intervenção principal provocada de JJ e mulher, LL, foram os mesmos admitidos a intervir (cfr. despacho de fls. 102) e contestaram a acção impugnando a generalidade dos factos alegados, designadamente que, além de terem comprado a fracção em causa, deram-na de hipoteca à Caixa Geral de Depósitos, para garantia do empréstimo contraído para a respectiva aquisição;

- são alheios às relações entre o Autor e os 1°, 2°, 3° e 4° RR. e as eventuais obrigações ou dívidas destes para com aquele;

- tomaram conhecimento dos processos de execução com a citação da presente acção; e compraram a fracção autónoma com a única intenção e finalidade de nela instalarem a sua habitação e da sua família, ocupando-a efectivamente e nela fazendo obras, adaptando-a ao seu gosto pessoal, no que gastaram centenas de contos, sendo seus verdadeiros donos (invocam a usucapião).

Concluíram pedindo pela absolvição do pedido.

Deduzido incidente de intervenção provocada da Caixa Geral de Depósitos, foi esta intervenção admitida e esta interveniente alegou desconhecer as relações jurídicas que precederam a constituição do seu crédito e da garantia hipotecária sobre a fracção autónoma; não tem, nem nunca teve, a consciência de qualquer eventual prejuízo que a venda financiada tenha causado seja a quem for, concluindo pela improcedência da acção.

Por despacho de fls. 413, foi ordenada a suspensão da instância “até que seja proferida decisão com trânsito em julgado nos autos de embargo de executado opostos à Execução Ordinária nº 118/98 a correr termos em Arouca”.

Tendo falecido a Ré CC, foram habilitados os seus herdeiros BB, DD, HH e GG.

Foi junta certidão de sentença proferida na Execução Ordinária nº 118/98 de Arouca, com nota de trânsito, após confirmação na Relação e no Supremo Tribunal de Justiça.

Elaborado despacho saneador e seleccionados os factos assentes e os da base instrutória, realizou-se julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Desta sentença interpôs recurso o Autor que veio a ser decidido no Tribunal da Relação do Porto, que anulou o julgamento e determinou a sua repetição.
***

Procedeu-se a novo julgamento e, proferida nova sentença, veio o Tribunal a quo a julgar a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os R.R. e os Intervenientes de todos os pedidos contra eles deduzidos.
***

Inconformado, o Autor recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão de 27.3.2008 – fls. 1559 a 1600 – negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
***

De novo inconformado recorreu o Autor para este Supremo Tribunal e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

A) Entende o ora recorrente que, salvo sempre o devido respeito por melhor opinião e diferente entendimento, não terá sido efectuada uma correcta aplicação do Direito.

B) Como bem se anota na sentença de 1ª instância, o crédito do recorrente é anterior ao acto de alienação e os bens alienados constituíam a única garantia do crédito do ora recorrente, pelo que resulta da transmissão da sua propriedade a impossibilidade do Autor obter a satisfação do seu crédito.

C) Entende o ora recorrente que houve má fé dos devedores e do 3° adquirente, DD, nos actos (escritura pública, datada de 20 de Maio de 1998, da alegada compra e venda da fracção autónoma e a compra e venda de todo o mobiliário, recheio, equipamentos e adornos existentes nesta fracção e que descreveram em documento escrito datado de 25 de Maio de 1998), porém, tal requisito só é exigido para os actos onerosos, como estabelece a 2ª parte do n°1 do art. 612º do Código de Processo Civil.

D) O negócio dos autos, apesar do seu nomen iuris de “compra e venda” tratou-se de um negócio gratuito porque celebrado com animus donandi ou beneficiandi, não existindo qualquer nexo de correspectividade jurídica entre o preço declarado e a transferência do imóvel para o Réu DD.

E) Numa análise atenta e pormenorizada, constata-se que houve uma tese habilmente engendrada por todos os RR., a do alegado distanciamento dos filhos em relação aos pais, para assim tentarem justificar o injustificável, que como familiares directos que eram alegadamente não tinham conhecimento efectivo da situação económica dos 1. °s RR.
Nem os 1°s RR. alegadamente falavam nem os restantes RR. alegadamente perguntavam.

F) Não é crível tal situação, por muito distante que estes filhos estivessem dos pais, o que não se concede, pois, o distanciamento mais não é do que a forma que os RR. arranjaram de responderem a perguntas que são do seu conhecimento pessoal e assim impedir o A. de produzir prova por confissão dos factos que alega.

G) A tese do 1ª Réu e do 2.° Réu é que mesmo vivendo na mesma casa com a partilha do quotidiano e de tudo o que isso implica em termos de relações interpessoais, funcionavam como verdadeiros estranhos relativamente aos negócios do 1º Réu, o que, de forma alguma, se aceita. Não é curial que assim seja, como efectivamente não foi, o 2° Réu tinha perfeito conhecimento das dívidas do seu pai em geral, e da dívida do seu pai para com o recorrente, em particular, por isso, aceitou figurar como adquirente do apartamento dos seus pais.

H) Os restantes RR. já dão uma versão ligeiramente diferente. A justificação que invocam para o alegado desconhecimento é o facto de terem casado e fazerem uma vida separada dos seus pais desconhecendo, por isso, as dificuldades económicas concretas do 1º Réu o que também não se aceita, uma vez que à luz da experiência comum, o facto de terem casado não impede ou afasta o relacionamento paternal, ainda mais que os RR. vivem todos perto uns dos outros.

I) A demonstração dos requisitos da impugnação pauliana e da simulação dos negócios jurídicos outorgados pode fazer-se mediante qualquer meio de prova admissível em Direito, através de factos que, segundo a experiência comum, são considerados indícios seguros do respectivo acto ou contrato. Ac. RL. De 22.03.1968: JR, 14 - 268.

J) É vox populi e resulta das regras da experiência comum que quer familiares quer amigos de pessoas contra quem impendem cobranças de créditos sujeitam-se a ser “testas de ferro” para, assim, ajudarem os seus familiares e amigos a manterem o seu património, evitando assim a sua dissipação forçada, ainda que ordenada legalmente.

K) A escritura de compra e venda outorgada entre os l°s e o 2° Réu foi, assim, outorgada com o único objectivo de impedir a cobrança do crédito do Autor/Recorrente. E,

L) Quando constataram que a presente acção podia perigar o estratagema montado, trataram de transmitir formalmente o apartamento para 3°s para, assim, dificultar a cobrança do crédito do Autor.
É o próprio 1° Réu que o diz.

M) Pelo exposto, foi fraudulentamente declarado a compra e venda do aludido apartamento, em ambas as escrituras, quando estas não passaram de meras transmissões formais, tudo isto em conluio com todos os RR. e Chamados, em data muito posterior à existência do crédito, de forma a evitar que o ora Recorrente obtivesse a satisfação do mesmo.

N) As escrituras de compra e venda efectuadas trataram-se de actos conscientes e gratuitos, consequentemente, impossibilitando o Recorrente de obter a satisfação do seu crédito.

O) Sem prescindir e por mera cautela, mesmo que não seja considerado que houve má fé do 2° Réu e dos Chamados na outorga da aludida escritura de compra e venda.

P) Provando-se a má fé de todos os RR. na escritura de compra e venda dos 1°s RR para o 2° Réu.

Q) O 2° Réu não sendo dono do aludido apartamento não o podia vender aos chamados, sendo inválida, também por isso, esta escritura, como todas as consequências legais daí advenientes.

R) Sendo que a dívida continua a existir e o 1° Réu não tem bens, nem agora nem na altura da outorga das ditas escrituras, para a satisfação da aludida dívida.

S) Em face do alegado supra, dúvidas não subsistem que o 1° Réu se colocou numa situação de impossibilidade de satisfazer o crédito do Autor com o fim manifesto de impedir essa satisfação e, para isso, contou com a ajuda e cumplicidade dos restantes RR.

T) Encontrando-se, assim, verificados todos os requisitos legais para a impugnação pauliana.

U) Afigura-se seriamente ao recorrente que todos os RR. agiram coligados aquando da outorga das escrituras e agiram coligados nos depoimentos de parte, instrumentalizando os mesmos por forma a dar a entender em Tribunal que nada sabiam da dívida do 1º Réu para com o A./recorrente e, assim, afastarem o conluio e a má fé.

V) Ao contrário do que aduzem os Venerandos Desembargadores, estão provados factos — para além da existência do crédito do recorrente e de do acto resultar a impossibilidade de satisfação do seu crédito – dos quais resulta a consciência do prejuízo causado ao recorrente (consciência essa que, tratando-se de um processo interno, dificilmente pode ser afastado por testemunhas).

W) Está provado o grau de parentesco entre o devedor e o terceiro adquirente (pai e filho).

X) Da matéria de facto apurada resulta evidenciada a existência de má fé, porquanto não é crível que alguém numa situação semelhante não tenha representado, em algum momento, a possibilidade de com as vendas prejudicar os interesses do ora recorrente.

Y) Ainda que, por absurdo, se admita que não houve essa representação do prejuízo causado ao ora recorrente, deverá seguir-se, até por critérios de Justiça material, a posição de Vaz Serra que sustenta que: “se o devedor ou o terceiro, por negligência, não prevêem o dano do credor, parece razoável que se admita terem procedido de má fé.” (in Responsabilidade Patrimonial).

Z) O comportamento do recorrido GG não prejudica a procedência da acção, outrossim, na visão do Prof. Meneses Cordeiro que sustenta que: “As pessoas sujeitam-se à pauliana porque, constituindo-se partes num negócio que prejudique credores, incorrem num juízo de censura. A própria expressão “consciência do prejuízo”, constante da lei, dá conta da presença, no instituto, de um nível axiológico-normativo relevante. (...) a acção pauliana visa proteger a garantia patrimonial dos credores de actos que, sendo censuráveis, a prejudiquem. Permite-se, deste modo, analisar a consciência do prejuízo no seu conhecimento ou no seu desconhecimento negligente, o todo complementado por uma censurabilidade.” (in “Boa Fé no Direito Civil”, Vol. I, pág. 496).

AA) Neste particular, a Lei fala apenas em consciência do prejuízo, mas ao conceito de má fé não pode faltar um juízo de censura ético.

BB) Ressalvando sempre o devido respeito por melhor opinião e diferente entendimento, o Douto Acórdão recorrido violou, nomeadamente, o disposto nos arts 610.° e 612.° do Código Civil, os quais deveriam ter sido interpretados, nos termos acima propugnados pelo recorrente.

Deve ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, deve o Douto Acórdão recorrido ser revogado e substituído por Douto Acórdão que, nos termos supra expostos:

a) declare ineficazes as referidas alienações, isto é, do bem imóvel identificado no art.22° da p.i. e dos bens móveis também identificados no art. 26.° da mesma p.i;
b) À restituição dos bens objecto das referidas alienações, na medida do seu interesse, que se cifra em 12.301.370$00, acrescido dos juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor, a contar da data da citação dos RR. para a acção;
c) A poder executar tais bens no património do 2° Réu, DD, e praticar todos os actos de conservação de garantia patrimonial autorizados por Lei;
d) A haver do Réu adquirente desses bens o valor dos que porventura tenha, entretanto, alienado.

Não houve contra-alegações.
***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provada a seguinte matéria de facto:

1) - O 1° Réu entregou, em 20/10/1997, o cheque n°.... no valor de 10.000.000$00 sacado sobre o Banco Totta e Açores, agência de Cucujães;

2) - Entregaram, em 30/09/97 o cheque n°.... sacado pela dita empresa sobre o Banco Melo – agência de São João da Madeira, no valor de 7.637.395$00;

3) - E entregaram o cheque n°....., datado de 2/03/1998 emitido pelo II no valor de esc.8.500.000$00 e sacado sobre o Banco Espírito Santo, agência de Albergaria-a-Velha;

4) - Corre termos no Tribunal Judicial de Arouca a execução ordinária n°115/98 para cobrança do cheque n°....... entre o Autor (Exequente) e a sociedade “A. C. G... e C... Ldª” (Executada) conforme certidão de fls. 219 e ss.;

5) - Corre termos no Tribunal Judicial de Arouca a execução ordinária n°117/98 para cobrança do cheque n°....... entre o Autor (Exequente) e II (Executado) conforme certidão de fls. 295 e ss.;

6) - Corre termos no Tribunal Judicial de Arouca a execução ordinária n°118/98 para cobrança do cheque n°...... entre o Autor (Exequente) e o 1º Réu BB (Executado) conforme certidão de fls. 350 e ss.;

7) - Por apenso aos processos mencionados nos itens 4° a 6°, cada um dos executados, na qualidade de embargante, veio opor-se à respectiva execução mediante embargos de executado, com fundamentos essencialmente idênticos, e nessa medida, por via do despacho de fls. 131 a 133 proferido nos autos de embargos de executado a correrem por apenso à execução ordinária n°117/98 ordenou-se a apensação dos três autos de embargos de executado;

8) - Os ditos embargos vieram a ser julgados improcedentes por não provados, nos termos constantes da decisão Judicial de fls. 511 e ss, cujo teor se dá aqui por reproduzida e já transitada em julgado, conforme decorre do teor da certidão constante de fls. 509;

9) - No âmbito desta execução o Autor veio a nomear à penhora entre outros bens móveis penhoráveis que se encontrassem em casa dos executados, aqui 1°s Réus e um imóvel propriedade dos 1°s Réus que se passa a descrever:

- Fracção autónoma designada pela letra “D”, destinada a habitação, correspondente ao 1° andar esquerdo, sita na Rua do ......., freguesia e concelho de Oliveira de Azeméis, com a área de 136 m2, composta de habitação com hall, sala comum, cozinha, marquise, despensa, quatro quartos, quarto de banho e sanitário, varanda no alçado posterior, duas varandas no alçado principal, terraço posterior com 106 m2, lugar de estacionamento de um automóvel na cave, com o n°1, inscrita na matriz urbana da freguesia de Oliveira de Azeméis sob o art. 2404-D, com o valor patrimonial de 1.174.773$00 e descrita na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n°......;

10) - Em 20 de Maio de 1998, os 1ºs Réus, por via da escritura de compra e venda declararam vender a fracção aí identificada ao 2º Réu e este declarou comprar a aludida fracção pelo valor de 9.000.000$00 (nove milhões de escudos), conforme decorre do teor do doc. 20 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido;

11) - Os 3ºs e 4ºs Réus declararam dar o seu consentimento para a declaração de venda do dito prédio ao 2º Réu;

12) - O 2º, 3ºs e 4ºs Réus são, respectivamente, filhos do 1º, nora e genro dos 1ºs Réus;

13) - Também, em 25 de Maio de 1998, os 1ºs. RR. declararam vender e o 2º Réu comprar todo o mobiliário, recheio, equipamentos, maquinarias e adornos existentes na sua mencionada residência, sita na Rua da Cruzeiro, 1° andar esquerdo, 183, pelo valor de 1.850.000$00 (um milhão, oitocentos e cinquenta mil escudos), conforme fotocópia extraída do auto de diligência para penhora, nos autos de execução n°118/98, do Tribunal Judicial de Arouca, em Precatória ao Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, que se junta como doc. 21 com a PI, mobiliário que se passa a descrever da forma como consta do contrato:
Três quartos completos, um estilo Luís XV, compostos de cama, mesinhas de cabeceira, cómoda, guarda-fatos, tendo um, duas cadeiras, e os outros maples tipo senhorinha; Sala de Jantar – mobília composta de mesa, oito cadeiras forradas a sola, e um móvel e cristaleira, um bar em fórmica, uma montra vitrina, uma mesinha baixa com pedra mármore e dois sofás pequenos; No hall de entrada – um móvel credencia com espelho em cristal, uma credencia pequena com espelho separado e um bar onde está um aquário;
Na sala de estar – uma estante em fórmica com três secções, um sofá grande e uma mesa de centro com tampo com palhinha e vidro;
Na cozinha – móveis de cozinha em madeira com mármore, uma mesa em vidro e seis cadeiras em napa; um fogão marca Siul; frigorífico Philco; máquina de lavar roupa Balay; uma arca Ocean; microondas Moulinex e uma TV Sanyo pequena; Na casa de banho – móvel de lavatório e armário;
Em diversas zonas da casa: Uma TV Sanyo 51 cm, um vídeo Sharp, um aparelho com rádio e televisão marca Sanyo, conjunto de som composto de três elementos com duas colunas, marca Riviera, uma máquina de costura Pfaf; nove candeeiros sendo dois de cristal, um em louça e os demais em vidro; Louças – três serviços completos de jantar, dois serviços de copos em cristal, um jogo de copos em cristal Boémia, uma saladeira com seis taças em cristal e um faqueiro completo; ornamentos – diversas peças de adorno destacando-se algumas de louça uma carroça com dois idosos, uma bandeja em louça (porcelana) com cinco adornos, três carpetes e diversas roupas nomeadamente jogos de cama com lençóis e colchas, edredões, conjuntos de banho, etc;

14) - Como decorre do auto de diligência para penhora realizado em 7/04/1999 constante do doc. 22 junto com a petição inicial, à ordem do 1° Juízo Cível deste Tribunal, o 2° Réu declarou que os bens, objecto de penhora, são de sua pertença e que os executados (seus pais e aqui 1°s Réus) não possuem quaisquer bens susceptíveis de penhora;

15) - Os 1°s Réus foram casados um com o outro sob o regime da comunhão geral de bens, até ao falecimento da Ré CC, em 13/7/2003;

16) - Por escritura pública de compra e venda de 16/07/1999 lavrada a fls. 136 do livro 80-F do Cartório Notarial de Oliveira de Azeméis, os intervenientes principais provocados passivos LL e marido, JJ, declararam comprar e o 2º Réu DD declarou vender o imóvel identificado sob o item 9°;

17) - Declararam, igualmente, dar de hipoteca o mencionado imóvel à Caixa Geral de Depósitos, S.A. para garantia do empréstimo para aquisição do mencionado imóvel;

18) - Após a celebração da escritura os intervenientes requereram o averbamento do prédio em seu nome na Repartição das Finanças e a isenção da contribuição autárquica;

19) - A Caixa Geral de Depósitos, S.A. concedeu aos intervenientes LL e marido o crédito no montante mencionado na escritura aludida no item 16° para aquisição da fracção aí mencionada;

20) - Previamente à concessão do crédito, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. analisou a capacidade financeira dos ora intervenientes, mormente, avaliando a sua taxa de esforço para fazer face ao pagamento da prestação mensal decorrente do empréstimo pretendido...

21) - Procedeu à avaliação do imóvel em compra enquanto futuro objecto de garantia real a prestar a seu favor;

22) - Averiguou a situação jurídica do imóvel por confronto com a respectiva certidão predial donde não constavam quaisquer ónus e encargos.

23) - Por volta do 1° semestre de 1996, o 1° Réu, na qualidade de representante e sócio gerente da empresa “A.C.G.... C..., Ldª”, juntamente com II, que se apresentou também como representante dessa mesma sociedade, convidaram o Autor para ele fazer parte, como sócio, da mesma empresa;

24) - No caso do Autor aceitar o convite, a sua filha passaria a trabalhar na administração da dita sociedade;

25) -Na ocasião referida nos itens 23° e 24°, a filha andava à procura de emprego;

26) - Na ocasião mencionada nos itens 23° e 24°, os alegados representantes da dita empresa disseram, ainda, ao Autor que para ele entrar como sócio teria de disponibilizar a quantia de 27.500.000$00...

27) - e justificaram-se com o facto de “a empresa estar numa fase de grande expansão, sendo rentável aumentar o investimento visto a indústria do calçado se encontrar numa época de prosperidade e por isso iria proporcionar lucros”...

28) - ao que lhes foi dito pelo Autor que não poderia aceitar a proposta na medida que apenas dispunha de cerca de 7.500.000$00.

29) - Por acordo entre o Autor, o 1° Réu e o II, aquele contraiu um empréstimo de esc.20.000.000$00 à Banca, comprometendo-se os últimos a avalizarem tal empréstimo juntamente com as suas esposas, para assim perfazer a quantia de 27.500.000$00;

30) - ... o que foi aceite pelo Autor,

31) -...o qual contraiu o dito empréstimo...

32) - que o 1° Réu e o II e as respectivas mulheres avalizaram;

33) - Após o que o Autor entregou a quantia de 27.500.000$00 ao sócio daquela empresa BB e ao II;

34) - E a filha do Autor começou logo a trabalhar no escritório da dita sociedade;

35) - Posteriormente, o Réu BB e II acordaram com o Autor a saída da filha dele daquela sociedade;

36) - Por força da factualidade atrás referida, o sócio BB e II comprometeram-se a restituir a quantia de 27.500.000$00 ao Autor e em relação à qual o 1 ° Réu tinha beneficiado e feito sua a quantia de 10.000.000$00;

37) - ...tendo, em virtude do acordado sob o item 35°, o 1 ° Réu e II procedido nos termos expostos nos itens 1° a 3°;

38) - Os 1°s RR. Daniel e esposa actuaram nos termos constantes dos itens 9° e 10°, sabendo que impediam o Autor de obter pagamento da quantia atrás mencionada, ou seja, a quantia em discussão nos presentes autos, e do prejuízo que a sua actuação causaria ao demandante;

39) - Após a factualidade constante dos itens 9º e 10º, os 1ºs Réus (pais) e o 2º Réu (filho) continuaram a morar na mesa casa, objecto da alienação, desfrutando de todo o recheio da mesma, sendo que os primeiros (pais) ainda por vários meses;

40) - A primeira Ré mulher era doméstica, não auferindo rendimentos e dependendo exclusivamente dos proventos obtidos pela primeira actividade do marido Réu, até à data do falecimento dela;

41) - O rendimento do casal (1°s Réus) era proveniente da actividade do 1 ° Réu nessa sociedade até ao ano de 1997...

42) - ...à custa do qual asseguravam os meios para a sobrevivência do casal...

43) - No ano de 1997 alguns clientes da sociedade “A. C. G... & C..., Ldª” deviam-lhe diversas quantias a título de preço de diversas mercadorias fornecidas;

44) -e a dita sociedade deixou de ter fundo de maneio e crédito bancário que lhe permitisse fazer face às suas dificuldades económico-financeiras existentes;

45) - ... levando a que a dita sociedade não se pudesse manter em laboração;

46) - Em consequência da cessação da actividade da sociedade, o 1° Réu marido passou, em finais de 1997, a uma situação de desemprego e sem dispor de quaisquer outras fontes de rendimento;

47) - Nessa mesma altura, os 1°s RR. viram-se obrigados a enfrentar e a tentar resolver diversas situações, pagando dívidas, designadamente à Banca;

48) - Tendo em vista resolver as situações atrás mencionadas no item 46°, o Autor procurou conseguir emprego na zona de São João da Madeira e Oliveira de Azeméis...

50) - E em virtude das dívidas que tinham os 1°s Réus (GG e esposa) tomaram a decisão de vender a casa;

51) - Nessa mesma ocasião, o DD (filho) pensava comprar habitação para organizar a sua vida;

52) - tendo-lhe sido deferido um financiamento com bonificação com esse objectivo...

53) -…e tendo os Réus, em virtude disso, decidido proceder nos termos expostos nos itens 9° e 10°;

54) - Com o dinheiro da venda, os 1 °s RR. pagaram algumas dívidas pessoais, designadamente à Banca;

55) -... e passaram a suportar algumas despesas do seu dia-a-dia das suas vidas;

56) - Cerca de oito dias após a factualidade mencionada sob o itens 16° e 17°, os ora intervenientes LL e marido JJ mudaram-se para o identificado imóvel e instalaram-se aí com a sua família onde passaram a comer, dormir e a fazer toda a sua vida doméstica e familiar;

57) - ... pagando telefone, água e electricidade desde Julho de 1999...

58) - ... e procederam, de sua conta, a obras de construção civil de reparação e conservação geral, de remodelação e reconstrução do interior da casa e do exterior ...

59) - ... pagando o respectivo preço;

60) - Os actos mencionados nos itens 43° e 44° continuaram a ser praticados pelos ora intervenientes JJ e mulher, LL, em seu nome, até à presente data;

61) -...e ininterruptamente...

62) -...reclamando-se e apresentando-se publicamente como seus verdadeiros donos.

63) - ...e sendo publicamente tratados e reconhecidos como os seus verdadeiros donos;

64) - Por ocasião da ida para o identificado imóvel, os ora intervenientes LL e marido, JJ, entregaram ao senhorio a casa de habitação anteriormente habitada por eles.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso, afora as questões de conhecimento oficioso, importa saber se se verificam os requisitos de que depende a procedência da acção (impugnação pauliana).

Na 1ª Instância a acção foi julgada improcedente por se ter considerado que a matéria de facto apurada não permitia concluir pela existência dos requisitos legais – art. 610º do Código Civil.

O Autor recorreu para o Tribunal da Relação visando, unicamente, a alteração da matéria de facto, pugnando para que os quesitos 18º, 19º, 21º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º e 48º deveriam ter sido dados como provados. No quesito 18) perguntava-se – “Na ocasião mencionada nas als. i) e j) dos Factos Assentes, era do conhecimento dos 2°, 3°s e 4°s Réus a factualidade constante dos pontos 1) a 17) da Base instrutória...?” e teve como resposta – não provado.
No quesito 19) perguntava-se – “... os quais juntamente com os 1°s Réus actuaram nos termos constantes das alíneas i) e j), bem sabendo que impediriam o Autor de obter o pagamento da quantia atrás mencionada (ou seja, a quantia, em discussão, nos presentes autos) e do prejuízo que a sua actuação causaria ao Autor?” e teve como resposta – “provado apenas que os 1.°s RR. GG e esposa actuaram nos termos constantes das als. i) e j), sabendo que impediam o Autor de obter o pagamento da quantia atrás mencionada, ou seja, a quantia em discussão nos presentes autos, e do prejuízo que a sua actuação causaria ao demandante”.
No quesito 21) perguntava-se – “Após a factualidade constante das als. i) e j), os 1°s RR. (pais) e o 2° Réu (filho) continuaram a morar na mesma casa, objecto de alienação, desfrutando de todo o recheio da mesma?” e teve como resposta – “provado apenas que, após a factualidade constante das als. i) e j), os 1°s Réus (pais) e o 2° Réu (filho) continuaram a morar na mesma casa, objecto da alienação, desfrutando de todo o recheio da mesma, sendo que os primeiros (pais) ainda por vários meses.”
No quesito 42) perguntava-se – “Os Réus e os ora intervenientes LL e marido JJ eram e são pessoas amigas?” e teve como resposta – não provado.
No quesito 43) perguntava-se – “Por essa razão, após tomarem conhecimento da presente acção, os Réus diligenciaram junto dos ora intervenientes LL e marido JJ a sua colaboração no sentido de ficarem com a identificada fracção...?” e teve como resposta – não provado.
No quesito 44) perguntava-se – “...com vista a impedir a satisfação do crédito do Autor?” e teve como resposta – não provado.
No quesito 45) perguntava-se – “Os ora intervenientes LL e marido JJ, aceitaram ajudar os Réus...?"e teve como resposta – não provado.
No quesito 46) perguntava-se – “...bem sabendo da dívida dos 1°s Réus para com o Autor e da situação que envolvia a identificada fracção?” e teve como resposta – não provado.
No quesito 47) perguntava-se – “Por ocasião da celebração da escritura pública, os ora intervenientes não tiveram a intenção e a vontade de comprar a identificada fracção...?” e teve como resposta – não provado.
No quesito 48) perguntava-se – “...nem o 2° Réu teve a intenção e vontade de vender a identificada fracção?" e teve como resposta – não provado.”

Ora, a Relação manteve integralmente a matéria de facto que vinha da 1ª Instância que apreciou pormenorizadamente, concluindo assim: – “Nesta conformidade, improcedem na totalidade as conclusões de recurso devendo ser mantida a matéria de facto dada como provada e não provada, sem alterações.
E porque a decisão de direito tinha como pressuposto de modificação, exclusivamente, a alteração da matéria de facto, a manutenção desta mantém, também, sem alteração a decisão de direito que assim se confirma”.

Não obstante, o recorrente, que antes considerava imprescindível a alteração da matéria de facto para que a acção procedesse, agora, conformado com a imodificação desses factos, sustenta que este Tribunal deve considerar provados os requisitos com base na matéria de facto que, na apelação, pretendia ver alterada em sentido radicalmente diverso…

Vejamos:

Antes de mais importa esclarecer, ante a velada alusão do recorrente, que este Supremo Tribunal, como tribunal de revista, tem por competência o julgamento de direito e só excepcionalmente pode conhecer da matéria de facto – arts. 722º, nº2, e 729º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Como ensina Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil” – pág. 217:

“Tanto na apreciação do recurso de revista como no de agravo, o STJ só conhece de questões de direito (art. 26° da LOFTJ).
Não controla a matéria de facto nem revoga por erro no seu apuramento; compete-lhe antes fiscalizar a aplicação do direito aos factos seleccionados pelos tribunais de primeira e segunda instâncias (arts. 722°, nº2, 729°, nºs l e 2, e 755°, nº2).
Daí dizer-se que o STJ é um tribunal de revista e não um tribunal de 3ª instância (art. 210°, nº5 da C.R.P.)”.

Assim, é manifesto que, quanto ao erro na apreciação das provas e na fixação dos factos, não pode este Supremo Tribunal – que só decide, em regra, questões de direito – apreciar tal matéria, por não poder ser objecto do recurso de revista.

Não é, também, caso de aplicação do regime excepcional previsto no art. 722º, nº2, do Código de Processo Civil – que legitima a alteração da matéria de facto no contexto do recurso de revista, apenas quando exista ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Fazemos esta prevenção, porquanto o recorrente parece acenar com a possibilidade deste Tribunal, por presunção, considerar provados factos que integram requisitos da impugnação pauliana, do ponto em que alude ao facto de tendo o 1º Réu vendido o imóvel aos 2ºs RR., seu filho e nora e vivendo estes após tal venda, em casa deles durante algum tempo, não poder considerar-se que ignoravam a situação económica do vendedor seu familiar, sendo de concluir que fizeram tal negócio para defraudar a garantia patrimonial do Autor.

A prova por presunção – art. 349º o Código Civil – é um meio de prova comummente usado, quando a prova efectiva dos factos é difícil e, por contraposição, as inferências extraídas de factos provados conduzem com segurança à prova de outros factos que, em termos de regras da experiência comum, se podem deduzir com segurança por corresponderem à normalidadePresunção, já se escreveu (…), é “a prova por indução ou inferência (prova conjectural) a partir dum facto provado por outra forma”. Chama-se presunção a própria inferência; ou ainda (menos propriamente), o facto que lhe serve de base – facto que mais rigorosamente se designará por base da presunção (Vermutungsbasis)”. As presunções “resultam da experiência (das máximas de experiência), do curso ou andamento natural das coisas, da normalidade dos factos (regra da vida: “quod plerumque accidit”), sendo livremente apreciadas pelo juiz” – Ac. deste Supremo Tribunal de 25.3.2004 – Proc. 03B4354 in www.dgsi.pt.
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“A base da presunção é constituída pelo facto ou factos conhecidos, ou seja, provados através de outros meios de prova; a actividade lógico-experiencial de indução que os tem por objecto; e o facto ou factos presumidos mediante estas operações intelectuais”. – Acórdão de 25.3.2004, infra citado.

Este Supremo Tribunal tem decidido, de modo constante, que as chamadas presunções naturais, judiciais ou de facto constituem meios de prova mediata, cuja força probatória é apreciada livremente pelas instâncias.

O Tribunal da Relação pode lançar mão de presunções tirando conclusões da matéria de facto, desde que tais conclusões se limitem a desenvolvê-la, não a contrariando, o que in casu não ocorreu.

As presunções retiradas dos factos provados constituem, também elas, matéria de facto, pelo que são insindicáveis pelo Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista.

Dito isto, arredada está a possibilidade da matéria de facto poder ser alterada por este Tribunal.

Cingindo-nos à questão substantiva.

É regra consabida que o património do devedor é responsável pelo cumprimento das suas obrigações – art. 601º do Código Civil – daí, que ao credor seja dada a possibilidade de se precaver, com garantias reais ou pessoais, ou ambas, que exige do devedor, para assegurar a satisfação dos seus créditos.

A lei prevê meios de conservação da garantia patrimonial, como a declaração de nulidade, a sub-rogação do credor ao devedor, o arresto e a impugnação pauliana.

O art. 610º do Código Civil, define os requisitos gerais da impugnação pauliana nos seguintes termos:

Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:

a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;

b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.”

A acção de impugnação pauliana consiste na faculdade concedida por lei ao credor, de atacar os actos do seu devedor que realizados, dolosamente, façam perigar a satisfação do seu crédito.

Ao contrário do regime legal que vigorava no Código de Seabra em que tal acção era considerada uma “acção rescisória” ou “anulatória”, já que o art. 1404º estipulava que:

“Rescindido o acto ou contrato, revertem os bens ao cúmulo dos bens do devedor, em benefício dos seus credores”.

A lei actual, diversamente, estabelece no art. 616º, nº1, do Código Civil:

“Que julgada procedente a impugnação o credor tem o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei”.

Os actos gratuitos, ou onerosos, praticados em desfavor do credor são intrinsecamente válidos; todavia, o credor impugnante tem direito à restituição dos que forem necessários à satisfação do seu crédito, podendo directamente agredir o património de quem estiver obrigado à restituição.

Vaz Serra, in “Responsabilidade Patrimonial”, estudo publicado no BMJ-75 escreveu:

A acção pauliana é dada aos credores para obterem, contra um terceiro, que procedeu de má-fé ou se locupletou, a eliminação do prejuízo que sofreram com o acto impugnado.
Daqui resulta o seu carácter pessoal ou obrigacional.
O autor na acção exerce o crédito de eliminação daquele prejuízo...O efeito da acção deve ser uma simples consequência da sua razão de ser e, por isso, parece dever limitar-se à eliminação do prejuízo sofrido pelo credor, deixando o acto, quanto ao resto, tal como foi feito” – obra citada pág.287.

Tanto assim é que, nos termos do art. 616º, nº4, do Código Civil, os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido.

Não se está, assim, perante uma declaração de nulidade com a inerente repristinação do “statuo quo ante” que permitiria a todos os credores do devedor executar o património deste – cfr. neste sentido Ac. do STJ, de 28.3.96, in CJSTJ, 1996, I, 159 – “A impugnação pauliana reveste um carácter pessoal, já que os seus efeitos aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido”.

Também os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, 4ª edição, pág.634, nota 5, acentuam o carácter pessoal da acção de impugnação pauliana a partir do preceituado no art. 616º, nº4, daquele código.

Mas o que é agir de má-fé nos termos do art. 612º do Código Civil?

Nos termos do art. 612º, nº1, sendo o acto de alienação de cariz oneroso está sujeito a impugnação se o devedor e o terceiro, ao concretizarem-no, tiverem actuado de má-fé; sendo o acto gratuito, mesmo que os sujeitos do negócio tenham agido de boa-fé, a impugnação procede.

Para o efeito do nº2 deste normativo, agir de má-fé é ter “consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”.

“I – A impugnação pauliana, enquanto garantia das obrigações, tem como requisitos, tratando-se de acto oneroso, a anterioridade do (s) crédito (s) do autor em relação a tal acto, o facto de este causar a impossibilidade ou o agravamento da impossibilidade de satisfação integral daquele (s) e a circunstância de todos os intervenientes no negócio questionado se encontrarem de má fé.
II – A má fé, enquanto requisito subjectivo da impugnação pauliana, significa a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor, e não já a intenção de prejudicar este último.
III – A má fé, neste sentido, abrange a própria negligência consciente – já que o agente tem consciência de que o acto pode prejudicar o credor, ainda que confie que tal resultado não venha a verificar-se.
IV – A intenção de prejudicar só constitui requisito da impugnação pauliana se o acto a impugnar for anterior à constituição do crédito (...)” Ac. deste STJ, de 11.12.1996, in BMJ, 462-421.

“... A má fé inserta no nº2 do art. 612º do Código Civil não se reconduz à má fé subjectiva em sentido psicológico.
A boa fé subjectiva é um estado de consciência do agente, a boa fé objectiva é uma regra de conduta, aparecendo como critério normativo da actuação das partes. A consciência do prejuízo causado ao credor não exige, para ter verificação, que se queira causar esse prejuízo. Basta, para a procedência da impugnação pauliana, o conhecimento negligente do prejuízo causado à garantia patrimonial do credor...” – Ac. deste STJ, de 15.2.2000, CJSTJ, 2000, I, 91.

Nos termos o art. 611º do Código Civil, compete ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto objecto da impugnação pauliana, a prova de que o obrigado “possui bens penhoráveis de igual ou maior valor”.

Como ensinam Antunes Varela e Pires de Lima, in “Código Civil Anotado”, vol., I, pág. 627, tal preceito exprime “em alguma medida” afastamento em relação às regras do ónus da prova, colocando a cargo do devedor e também de terceiro (adquirente) a prova de que aquele possui bens penhoráveis de valor igual ou superior ao da dívida.

É inquestionável que o Autor detém sobre o 1º Réu um crédito já vencido de 10.000.000$00. titulado por um cheque, datado de 2.10.1997 que não foi pago.

Em 20.5.1998 o 1º Réu celebrou com o 2º Réu José Miguel, seu filho, um contrato de compra e venda do seu apartamento e, em 25.5. seguinte, vendeu-lhe o recheio da casa.

Tendo sido provada a anterioridade de crédito do Autor e não se tendo provado que apesar de tal venda, o património do 1º Réu tinha meios para solver a dívida, provado está que o Autor ficou impossibilitado de obter a satisfação integral do seu crédito sobre o 1º Réu seu devedor e, com isso, provado está requisito do art. 610º, b) do Código Civil.

Mas tratando-se de negócio oneroso – arts.874º e 879º do Código Civil – para a procedência da impugnação pauliana importava provar a má fé psicológica de compradores e vendedores, má fé que comporta a negligência consciente.

Inquestionavelmente, que se provou a má-fé (entendido o conceito nos termos do nº2 do art. 612º do Código Civil) do 1º Réu, mas as instâncias não deram como provado que os 2ªs RR. compradores, tiveram consciência do prejuízo que o acto de compra causava ao credor.

Já vimos que não se exige a má-fé dos intervenientes no negócio que frustra a garantia patrimonial do credor, mas antes que o acto oneroso que agrava ou impossibilita essa garantia, tem de ter em comum a consciência dos protagonistas do negócio que, ao assim actuarem, o fazem com consciência de prejudicar o credor.

Ora, quanto à compra e venda efectuada em 20.5.1998, consta – item dos factos provados:

Os 1ºs RR. BB e esposa actuaram nos termos constantes dos itens 9º e 10º, sabendo que impediam o Autor de obter pagamento da quantia atrás mencionada, ou seja, a quantia em discussão nos presentes autos, e do prejuízo que a sua actuação causaria ao demandante”.

Ao invés do sustentado pela sentença da 1ª Instância – fls.1354 – não se trata de exigir a má fé bilateral – como aí se escreveu, para que o requisito do art. 612º do Código Civil ocorra, basta a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor – nº2 do citado normativo.

É manifesto que daquele facto se tem de concluir que os 1ºs RR. tiveram consciência que ao comprarem o imóvel ao 1º Réu, seu pai e sogro, prejudicavam o Autor (credor).

Como se acha provado (item 16 dos factos provados):

Por escritura pública de compra e venda de 16/07/1999 lavrada a fls. 136 do livro 80-F do Cartório Notarial de Oliveira de Azeméis, os intervenientes principais provocados passivos LL e marido, JJ, declararam comprar e o 2º Réu DD declarou vender o imóvel identificado sob o item 9º”.

Ora, relativamente a este negócio, e nas relações compradores/vendedores no confronto com a pretensão do Autor, foram formulados os seguintes quesitos:

No quesito 45) perguntava-se:

“Os ora intervenientes LL e marido JJ, aceitaram ajudar os Réus...?" e teve como resposta – não provado.

No quesito 46) perguntava-se:

- “...bem sabendo da dívida dos 1°s Réus para com o Autor e da situação que envolvia a identificada fracção?” e teve como resposta – não provado.

No quesito 47) perguntava-se:

- “Por ocasião da celebração da escritura pública, os ora intervenientes não tiveram a intenção e a vontade de comprar a identificada fracção...?” e teve como resposta – não provado.

No quesito 48) perguntava-se:

- “...nem o 2° Réu teve a intenção e vontade de vender a identificada fracção?" e teve como resposta – não provado.

Resulta, assim, quanto a esta segunda alienação do imóvel, que não se provou que os compradores subadquirentes (os chamados) tivessem consciência de que estavam prejudicar o Autor.

Mas sendo, como é ineficaz em relação ao Autor a compra e venda do imóvel por contrato celebrado entre o 1º e os 2ºs RR., importa saber quais as consequências da alienação que fizeram do imóvel aos chamados, não se tendo provado que estavam de má fé – art. 612º do Código Civil?

Estamos no campo de aplicação do art. 613º do Código Civil - (Transmissões posteriores ou constituição posterior de direitos):

“l. Para que a impugnação proceda contra tais transmissões posteriores, é necessário:
a) Que, relativamente à primeira transmissão, se verifiquem os requisitos da impugnabilidade referidos nos artigos anteriores;
b) Que haja má fé tanto do alienante como do posterior adquirente, no caso de a nova transmissão ser a título oneroso.
2. O disposto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, à constituição de direitos sobre os bens transmitidos em benefício de terceiro”.

Ora, não estando os chamados, compradores aos 1ºs RR. de má-fé, quanto a eles não procede a impugnação pauliana, por não se verificarem os requisitos as als. a) e b) do nº1 do normativo citado.

Como se ponderou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 15.1.2004 – Proc. 033116 – in www.dgsi.pt:

Por um lado, o consabido carácter pessoal da pauliana e os efeitos meramente obrigacionais que da sua procedência decorrem, levam a concluir que a sentença a julgar a acção procedente possui mera eficácia inter partes, não afectando os eventuais subadquirentes ou os terceiros titulares de direitos sobre os bens transmitidos, em relação aos quais o credor só pode exercer o direito de restituição em acção contra eles intentada dentro do condicionalismo do art. 613º do Código Civil, se este se verificar.
E, por outro lado, nos termos do nº2 do art. 616º do Código Civil, o adquirente de má fé é responsável pelo valor dos bens que tenha alienado, o que significa que:
- se, alienada a coisa pelo adquirente a terceiro, este subadquirente estiver sujeito à impugnação pauliana, o facto de poder o credor demandá-lo não exclui a responsabilidade do adquirente imediato, fundada na má fé deste.
O que vale dizer que o credor pode não accionar o subadquirente e exigir apenas do adquirente imediato a indemnização (Prof. Vaz Serra, em anotação ao Ac. STJ de 13.10.77, na RLJ 111º Ano, pág. 157, nota (2).); ou seja, pode "optar entre a solução de agir contra o alienante pelo valor dos bens alienados, nos termos do nº2 do art. 616º, ou agir contra o subadquirente nos termos do art. 613º (P. Lima/A. Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 1967, pág. 449/450.).
- se, relativamente ao subadquirente (que se diz quanto aos subadquirentes vale também, com as necessárias adaptações, para a constituição de direitos sobre os bens transmitidos - v.g., hipoteca - em benefício de terceiros (art. 613º/2 do Código Civil)) não se verificarem os requisitos da pauliana – v.g., por em relação a ele não se verificar o requisito da má fé [cf. art. 613º/1.b)] – o credor não pode demandá-lo, não tendo outro meio de assegurar o seu direito que não seja de exigir do adquirente imediato o valor dos bens alienados”. “Afastada a possibilidade da impugnação pauliana pelo facto de o adquirente (de má fé) de um bem do devedor o ter vendido a terceiro (de boa fé) — art. 613.°, nºl, al b), do Código Civil — pode o credor demandar aquele adquirente, com fundamento na responsabilidade civil extracontratual, para dele haver o valor do bem alienado” – Acórdão da Relação do Porto, de 11. 11.1993, in CJ, 1993, V-206. (destaque e sublinhado nossos).

Assim, pese embora se verificarem os requisitos da impugnação pauliana no contrato de compra e venda do imóvel, celebrado, em 20.5.1998, entre o 1º e os 2º RR. - que agiram com intenção de prejudicar o Autor - uma vez que a segunda venda do imóvel, por contrato de 16.7.1999, feita pelos 2ºs RR. aos intervenientes principais provocados LL e marido, JJ, estes, enquanto compradores, não agiram de má fé, ou seja, com intenção de prejudicar o Autor (não foi feita essa prova), o demandante apenas poderá exigir do 1º Réu o valor do bem alienado, com fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual, e não ao abrigo da acção de impugnação pauliana.

Em relação ao contrato de compra e venda dos móveis, celebrado em 25.5.1998, não se provou a má fé dos compradores 2ºs RR., pelo que, também nessa parte, a impugnação pauliana não procede.


Decisão:

Nestes termos, posto que com fundamentação diversa da do Acórdão recorrido, nega-se a revista.

Custas pelo Autor/recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 11 Novembro de 2008

Fonseca Ramos (Relator)
Cardoso Albuquerque
Azevedo Ramos