Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S2911
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: BRAVO SERRA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
ADVOGADO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: SJ200711270029114
Data do Acordão: 11/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - Para que um negócio jurídico bilateral seja perspectivável como um contrato de trabalho, necessário é que exista um acordo negocial mediante o qual uma pessoa assuma a obrigação de prestar a sua actividade a outrem - seja ela de natureza manual ou intelectual -, que esse outrem assuma a obrigação de retribuir tal prestação, o que inculca uma relação de subordinação económica do primeiro ao segundo, e que o prestador da actividade, na respectiva execução, obedeça ou esteja sujeito às ordens, direcção e fiscalização daquele a quem presta a actividade.
II - Não se descortinando elementos fácticos nítidos de onde resulte a subordinação jurídica, deverá lançar-se mão de indícios negociais, como sejam o próprio nomen conferido ao contrato, a indicação do local de exercício da actividade, a existência de um horário de trabalho fixo, o fornecimento, pelo donatário da actividade, dos bens ou utensílios necessários ao seu desencadeamento, a prestação da contrapartida da actividade em função do tempo de prestação, a fixação do direito a férias, o pagamento dos subsídios de férias e de Natal, a aceitação, pelo donatário, do risco da execução da actividade, a inserção do prestador na organização produtiva ou na estrutura do donatário, o controlo, por este, da execução, lugar e modo da actividade prestada, e se o prestador dela a exerce por si, não se podendo socorrer de outrem.
III - É de qualificar como contrato de trabalho a actividade de advogado prestada pelo autor no âmbito do acordo negocial firmado com o réu, à qual pertenciam os instrumentos de trabalho utilizados pelo autor, que era levada a efeito nas instalações do destinatário dessa actividade, não se socorrendo o autor de alguém que não trabalhadores do réu, o qual controlava, não só o horário do autor, como até o modo como a sua actividade se processava, dando-lhe, inclusivamente, instruções sobre a forma como ela deveria ser efectivada, fixava o período de férias do autor, o qual percebia subsídio de férias, proporcionais e subsídio de Natal, sendo que a retribuição do autor era efectuada em função do tempo de trabalho por ele desempenhado, constatando-se ainda que o eventual labor desenvolvido pelo autor no exercício de advocacia no seu escritório foi consentido pelo falado acordo e estava sujeito a determinados condicionalismos impostos pelo réu.
IV - No circunstancialismo descrito, justifica-se uma indemnização ao autor de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais, que, com 54 anos de idade, ficou profundamente abalado pela cessação (ilícita) da relação negocial que o vinculava ao réu, cessação que surgiu na decorrência de uma proposta feita ao autor pelo réu no sentido de, com a reestruturação dos serviços de contencioso do sindicato/réu, o primeiro vir a celebrar um contrato de prestação de serviços com uma contrapartida remuneratória diferente da retribuição prosseguida até aí, tendo a relação de trabalho perdurado por mais de 11 anos e auferindo o autor ao serviço do réu a retribuição mensal de € 1.969,25.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I

1. Pelo Tribunal do Trabalho de Coimbra intentou o Licº AA contra o Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública da Zona Centro acção de processo comum, reclamando que fosse reconhecida a ilicitude do despedimento de que o autor foi alvo, a condenação do réu a reintegrar o autor no seu posto de trabalho, ou a indemnizá-lo pela quantia de € 35.446,44 se ele optasse pela não reintegração, a pagar-lhe as retribuições vencidas desde os trinta dias anteriores à propositura da acção, a quantia de € 4.433,20 referente a férias e subsídio de férias relativos a 2003, os proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal relativos a 2004, o quantitativo de € 5.000 a título de indemnização por danos não patrimoniais e juros.

Para tanto, em súmula, sustentou: –
– que ele, autor, foi admitido ao serviço do réu no início de Outubro de 1992, para, sob a autoridade, direcção e fiscalização deste, exercer a actividade de advogado do réu, que lhe fornecia as instalações, instrumentos, meios e utensílios necessários àquela actividade, dando-lhe ordens e instruções, controlando a sua assiduidade, fazendo o autor parte da estrutura organizativa do réu, sendo que chamou logo a atenção deste para o facto de, primitivamente, o autor ter emitido recibos com a indicação de que se tratava de uma «avença», recebendo do mesmo a resposta que essa circunstância se devia apenas a questões contabilísticas;
– que, tendo o réu convocado o autor, em 2 de Dezembro de 2003, transmitindo-lhe que tinha sido decidido propor-lhe a celebração de um contrato de prestação de serviços, a isso se opôs ele, inclusive por escrito, vindo o réu a comunicar-lhe, por carta datada de 16 desse mês, que rescindia o «contrato de avença»;
– que, porque de um real contrato de trabalho se tratava, a actuação do réu consubstancia um despedimento sem justa causa, o que, para o autor, com cinquenta e três anos de idade, constituiu um facto doloroso e grave, porque praticado por uma associação que tem como objectivos fundamentais prosseguir a defesa de todos os trabalhadores.

Prosseguindo os autos seus termos, veio, em 5 de Setembro de 2006, a ser proferida sentença, que entendeu serem devidos ao autor pelo réu: –
– € 4.430,81 relativos a créditos deste último, “independentemente do despedimento e da sua invalidade”;
– € 10.736,49 a título de compensação relativa às retribuições que foram deixadas de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, continuando elas a vencer-se à razão diária de € 5,02;
– € 27.356,26 a título de indemnização por antiguidade, que se continuava a vencer à razão diária de € 5,47;
– € 5.000 a título de indemnização por danos não patrimoniais;
– juros desde a citação sobre as quantias relativas a férias, subsídios e proporcionais, e juros sobre o quantitativo atribuído por indemnização de danos não patrimoniais, estes contados desde a sentença.

Na parte final da sentença foi decidido condenar a ré a pagar ao autor o montante total de € 47.523,46, acrescido de juros de mora legais desde a citação sobre a quantia de € 9.430,81, no primeiro incluída, continuando a vencer-se, até ao trânsito em julgado, o quantitativo diário de € 5,02 a título de compensação e de € 5,47 a título de indemnização por antiguidade.

Do assim decidido apelou o réu para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 31 de Maio de 2007, negou provimento à apelação, tendo, no que concerne à questão da qualificação do contrato e da reparação pelos danos não patrimoniais, feito, nos termos do nº 5 do artº 713º do Código de Processo Civil, remissão para o que, a esse propósito, constava da sentença impugnada.

2. Continuando irresignado, pediu o réu revista, rematando a sua alegação com o seguinte acervo conclusivo: –

1 – O A. que é pessoa esclarecida, perito, advogado, consta[ ] dos autos que acordou desde o início da relação contratual um Contrato de Prestação de Serviços e prestou serviço ao abrigo de uma avença, com autonomia, independência, isenção de fiscalização e/ou direcção por banda da Recorrente,
2 – [ ] Não é de trabalho o contrato pelo qual o autor exercia as suas funções nas instalações da Ré, a qual lhe fornecia os meios indispensáveis ao exercício da sua prestação laboral e no início de cada ano fixava ao autor um horário de trabalho certo e uma remuneração certa, paga mensalmente, mas gozando o autor de autonomia na organização e execução concreta das suas funções, embora cumprindo o conteúdo programático fixado.
3 – Ao trabalhador que invoca a existência de um contrato de trabalho, compete a prova da subordinação jurídica, como facto constitutivo do direito que se arroga, sendo certo que no caso concreto não existe qualquer subordinação jurídica porquanto nada comprova que o Recorrente fiscalizava o serviço do Autor, muito menos lhe dava ordens directas e precisas, antes estava interessada apenas no resultado do seu serviço;
4 – Não obstante um contrato não valer pela denominação que as partes lhe atribuem, há que não ignorar as declarações apostas no mesmo, sempre que se evidencie que as mesmas resultam de uma negociação detalhada, ponderada e reflectida, sendo certo que o Contrato de Avença foi publicitado nos seus critérios, regalias e objectivos;
5 – [ ] No contrato de prestação de serviços, trabalho autónomo, inexiste a subordinação jurídica, o que não implica total ausência ou falta de controle por parte do contratante a quem os serviços são prestados, beneficiário dos resultados destes.
6 – Não se desenha como elemento com peso decisivo na qualificação do contrato de trabalho a estipulação de um período semanal de comparência do A., nas instalações da Recorrente, o gozo de férias unilateralmente decididas pelo A., sujeita a alterações deste, que denomina o rendimento que aufere de honorários e compatibiliza o seu período de permanência na sede da Ré com a sua actividade privada.
7 – Não descaracteriza a autonomia com que o Autor exercia a sua actividade o facto de em casos excepcionais e de urgência, prestar informações escritas sobre questões jurídicas pendentes ou sobre assuntos afectos a sua tarefa contenciosa, ou de ser consultado para pronúncia por escrito ou em reuniões uma vez que tais informações e consultas se inscrevem no âmbito das funções próprias do Contrato de Prestação de Serviços.
8 – Se é certo que o nomem juris não vincula as partes e muito menos o Tribunal e que é o conteúdo real das relações contratuais, tal como se mostra assumido pelas partes, que importa apurar em última análise, não é menos verdade que não se pode retirar toda a relevância à qualificação atribuída aos contratos que as partes celebram, principalmente quando são pessoas esclarecidas sendo o Autor Advogado.
9 – Assim, face os elementos indiciários apurados o A. exercia a actividade decorrente da Avença nas instalações da Recorrente, em sua casa, no seu Escritório e em férias; exercia uma plataforma de 30h semanais sem paralelo com qualquer outro trabalhador, estipulava o seu próprio horário conforme as suas necessidades e afazeres profissionais, elaborava petições, minutas, recursos, acções judicias, reclamações, pareceres, etc, com total independência, autonomia técnico-jurídica e discricionária, ou melhor, sem orientações, ordens, instruções, ou fiscalização, ou seja como profissional liberal;
10 – De facto, é incomp[a]t[í]vel o exercício da profissão liberal de Advogado sob Contrato Individual de Trabalho;
11 – Inexiste qualquer Contrato de Trabalho nos autos, encontra-se devidamente comprovado pelos documentos anexos, os mais relevantes exarados pelo punho do Autor, antes um Contrato de Prestação de Serviços.
12 – Ainda que se considere existir um Contrato de Trabalho, que não se admite, é manifesto que o A. não logrou provar a existência de danos morais, muito menos de tão avultado montante, já que intentou a acção judicial no limiar da prescrição do direito de acção, após (poucos) meses auferia uma avença de idêntico valor àquela que detinha com a Recorrente, e nunca se soube, nestes autos, quanto auferia na sua actividade privada. Pelo que não lhe são devidos os danos morais.

Respondeu o autor à alegação do réu sustentando a improcedência do recurso, apresentando as seguintes «conclusões»: –

A) Ao pretender no presente recurso de revista, uma nova análise da prova feita nos autos, o recorrente demonstra profundo (e lamentável) desconhecimento dos poderes de cognição do venerando Supremo Tribunal de Justiça.
B) De igual modo, o recorrente parece ignorar em absoluto o conteúdo do artigo 690.º do Código de Processo Civil, pois apesar de ‘atirar’ in fine com as normas que considera violadas pelo acórdão recorrido, não concretiza: quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e porquê, b) por[que] motivo as normas invocadas foram violadas e, c) o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
C) Resulta da matéria apurada, até à exaustão, a existência dos três elementos essenciais do contrato de trabalho: a prestação de actividade, remuneração e subordinação jurídica.
D) Não existe qualquer alicerce legal para a tese de que ‘é incompatível o exercício da profissão liberal de advogado sob Contrato Individual de Trabalho’, a qual, aliás, o recorrente nem se dá ao trabalho de justificar e que contraria o disposto no artigo 112.º do código do trabalho, norma aliás, com tradição no sistema laboral português (cfr. artigo 5.º da LCT).
E) Perante a matéria provada nos pontos 50 a 53 e 56 a 58 e no ponto 59 é manifestamente despropositado afirmar que o recorrido não logrou provar a existência de ‘danos morais’, pelo que, também nessa matéria, deve ser mantida o douto acórdão recorrido.
F) A fixação da compensação por danos não patrimoniais não merece qualquer reparo.

O Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Supremo exarou «parecer» no qual propugnou no sentido de dever improceder a revista.

Notificado tal «parecer» às «partes», não vieram estas, sobre o mesmo, efectuar qualquer pronúncia.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

II

1. Não se postando aqui qualquer das situações a que se reporta o nº 2 do artº 722º do Código de Processo Civil, terá este Supremo de aceitar a a seguir enunciada matéria de facto, que foi dada por assente pelo acórdão impugnado: –
– 1) o autor foi admitido ao serviço do réu no início do mês de Outubro de 1992, passando a exercer, em benefício deste e, por via deste, igualmente [em benefício] dos seus associados, a actividade de advogado;
– 2) recebendo uma prestação mensal certa, calculada em função do tempo de trabalho, além de subsídio de alimentação;
– 3) a actividade era exercida nas instalações do réu, concretamente no seu Gabinete Jurídico;
– 4) antes da ocasião referida em 1), o autor exercia a sua actividade profissional na União dos Sindicatos de Coimbra, tendo sido foi abordado pelos dirigentes do réu com a finalidade de o contratarem para trabalhar no Sindicato, depois de obtido o acordo daquela União dos Sindicatos de Coimbra;
– 5) logo nas conversações iniciais, envolvendo a aludida União de Sindicatos, os dirigentes do réu e o autor, ficou acordado que este passaria a exercer a sua actividade com um horário semanal de trinta horas, distribuído de segunda-feira a sexta-feira, e aplicando-se o regime remuneratório que vigorasse na Função Pública, nomeadamente quanto aos aumentos salariais;
– 6) o autor teria direito ao pagamento de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
– 7) igualmente foi acordado com o réu que o autor poderia continuar a exercer a advocacia através do seu escritório;
– 8) devendo compensar ao réu o tempo despendido nessa actividade;
– 9) actividade que deveria restringir àquela que não colidisse com os interesses prosseguidos pelo réu, nomeadamente não patrocinando qualquer causa contra o Sindicato ou seus associados;
– 10) em conformidade, logo no início da relação contratual, foi estabelecido o horário semanal com a duração de trinta horas, escalonado nas manhãs e tardes de segunda-feira a quarta-feira, nas manhãs e tardes de sexta-feira e nas tardes de quinta-feira;
– 11) horário que o autor apenas não cumpria em razão de algumas intervenções em tribunal surgidas no âmbito da actividade que continuou a desenvolver no escritório;
– 12) mas dando prévio conhecimento ao réu;
– 13) e compensando posteriormente essas horas utilizadas nas suas intervenções forenses;
– 14) para isso exercendo a actividade contratada pelo réu antes do início do horário estipulado ou em horas posteriores a este;
– 15) algumas vezes, o réu descontou na remuneração acordada as horas correspondentes ao não integral cumprimento do horário;
– 16) o autor esteve sujeito ao controle de assiduidade e pontualidade;
– 17) «picando» o cartão de ponto ou «passando» o cartão de banda magnética (consoante os sistemas que foram sendo utilizados) como os demais trabalhadores;
– 18) no exercício da sua actividade, o autor prestava assistência jurídica aos associados e à Direcção do réu e patrocinava a defesa dos interesses de uns e outra em tribunal;
– 19) procedendo ao atendimento pessoal dos associados e dirigentes nas instalações do réu;
– 20) informando-os ou aconselhando-os juridicamente acerca das questões colocadas;
– 21) o autor igualmente elaborava requerimentos, exposições, reclamações e recursos;
– 22) minutava petições de recursos contenciosos de anulação e alegações, e elaborava petições iniciais, contestações e alegações no âmbito do direito do trabalho;
– 23) exercendo a sua actividade predominantemente no âmbito do direito administrativo e do direito do trabalho;
– 24) os atendimentos aos sócios do Sindicato obedeciam a uma fixação pelo réu, que previamente determinava o número de pessoas a atender e concretizava aqueles que deviam sê-lo;
– 25) fixação e determinação essas que o réu ordenava por comunicação à chefe de serviços ou à funcionária que directamente apoiava o autor;
– 26) num caso concreto, em que o autor efectuou o levantamento da situação respeitante a uma associada trabalhadora de uma IPSS de Verride, vindo ele a receber o Presidente da mesma Instituição – depois daquela associada lho ter solicitado, no sentido de ao mesmo ser dada uma oportunidade de acordo antes da eventual proposição da acção –, foi proibido pelo réu de o voltar a receber ou contactar;
– 27) o autor era interpelado frequentemente acerca dos processos dos sócios e chegou a ser-lhe fixado um prazo para se pronunciar ou adoptar determinadas diligências;
– 28) durante os anos de 1995 a 2001 o autor deslocava-se mensalmente às delegações do réu de Viseu e da Guarda, a fim de aí atender os associados;
– 29) sendo as marcações determinadas pelo réu;
– 30) réu que, igualmente, alterava os dias ou a periodicidade da deslocação às delegações de acordo com as suas planificações;
– 31) o autor, por decisão do réu e a partir de 2002, deixou de se deslocar às delegações das áreas de Viseu e da Guarda;
– 32) o autor indicava ao réu os períodos em que pretendia gozar férias;
– 33) as quais, uma vez autorizadas, passavam a constar de mapa afixado no réu;
– 34) os instrumentos próprios da actividade desenvolvida pelo autor, como Códigos, Colectâneas, Revistas Jurídicas, Diários da República e outros, eram propriedade do réu;
– 35) tal como eram propriedade do réu as esferográficas, lápis, papel, marcadores, agenda, fax e telefone, utilizados pelo autor;
– 36) todos os textos elaborados pelo autor eram manuscritos e depois encaminhados para os serviços de processamento de texto do réu;
– 37) ultimamente, o autor auferia o valor mensal de € 1.969,25€ acrescido de € 74 a título de subsídio de alimentação;
– 38) ao longo da relação estabelecida entre autor e réu, o primeiro chamou a atenção de alguns dirigentes do segundo para o facto de, não obstante estar a emitir recibos de vencimento com indicação de «avença», considerar que não se estava perante uma relação de «avença»;
– 39) pois que ele, autor, entendia que a relação em causa era uma relação de trabalho subordinado;
– 40) em Dezembro de 2003 o autor foi convocado para uma reunião com dirigentes do réu, na qual lhe foi comunicada a decisão de reestruturação dos serviços do contencioso do Sindicato;
– 41) sendo-lhe proposta a celebração de um contrato de prestação de serviços com uma contrapartida remuneratória diferente da referida em 37) [ao que tudo leva a crer, houve manifesto lapso de escrita no acórdão recorrido ao se remeter para um determinado número enunciativo da factualidade, já que a ínsita nesse mesmo número não corresponde à contrapartida remuneratória a que, neste passo da factualidade, se faz alusão];
– 42) o autor não aceitou tal proposta;
– 43) o que transmitiu ao réu, escrevendo no documento, cuja cópia consta de fls. 86, que “tal proposta implica a eliminação da relação de trabalho que mantenho com o Sindicato desde 1992”;
– 44) por carta registada com aviso de recepção, datada de 16 de Dezembro de 2003, o réu comunicou ao autor, além do mais, que considerava “rescindido o Contrato de Avença existente, de acordo com a recusa de aceitação da proposta apresentada, com efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 2004”;
– 45) o réu não moveu ao autor qualquer procedimento disciplinar;
– 46) o réu é uma associação sindical que tem como objectivos estatutários a defesa dos trabalhadores nele filiados e dos trabalhadores em geral;
– 47) uma das finalidades que, pelo réu, tem sido prosseguida, consiste na exigência de não serem utilizados mecanismos de contratação precária ou inadequados às reais situações de prestação de trabalho;
– 48) o réu não pagou ao autor qualquer quantia relativa a férias e subsídio de férias respeitantes ao ano de 2003, nem qualquer quantia a título de proporcionais do ano de cessação do contrato;
– 49) o autor sentiu-se profundamente abalado com a cessação do contrato, pois desde 1975 que trabalhava para o movimento sindical, comungando dos ideais de acção e solidariedade que animam esse movimento;
– 50) sentindo particularmente a cessação da relação estabelecida com o réu por considerar que este estava a fazer o que tanto criticava;
– 51) aos cinquenta e quatro anos, o autor viu-se privado da sua principal fonte de rendimentos;
– 52) antes da data de cessação do contrato invocada nestes autos, o autor já recebia (desde 2000 e 2002, respectivamente) as quantias mensais de € 800 e de € 308,79 do Sindicato dos Enfermeiros e do Sindicato das Telecomunicações (SINTTAV), situação que se manteve até Agosto de 2004 e Dezembro de 2004, respectivamente;
– 53) em Setembro de 2004, o autor passou a receber a quantia mensal de € 1.950 do Sindicato dos Enfermeiros, valor que passou a ser de € 2.549 a partir de Dezembro de 2005;
– 54) em Janeiro de 2005 o autor passou a auferir o valor mensal de € 400 do SINTTAV;
– 55) valor que se manteve.
– 56) o autor instaurou a presente acção em 26 de Janeiro de 2005 e nela optou expressamente pela não reintegração, no pressuposto da sua procedência;
– 57) enquanto foi mantida a relação contratual entre autor e réu, o primeiro foi emitindo recibos dos vencimentos por meio de apelidados «recibos verdes», ponderados depois na declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares como [resultantes de] trabalho independente;
– 58) alguns desses recibos foram emitidos abrangendo um período temporal superior ao mês;
– 59) o autor é advogado, nunca se tendo inscrito na Segurança Social, nem nunca o réu o tendo inscrito;
– 60) o réu declarou à competente Repartição de Finanças as quantias pagas ao autor como de trabalho independente se tratasse;
– 61) a contratação do autor surgiu na sequência de uma deliberação do réu tomada em reunião da Direcção de 27 de Julho de 1992, na qual foi dado conta que o Dr. Silva ia deixar de prestar serviço no Sindicato;
– 62) [em reunião da Direcção do réu – ocorrida em 27 de Julho de 1992] foi decidido “aceitar a cessação da avença” e aguardar próxima reunião, de Setembro, para aprofundar a discussão sobre a admissão de um licenciado e ver também as vantagens de o advogado se deslocar às distritais.
– 63) em data próxima à antes referida, o réu estabeleceu critérios preferenciais para a contratação de advogado nos termos que constam do documento cuja cópia de encontra junta a fls. 185 dos autos e em que, por entre o mais, se escreveu que “Estas funções serão exercidas em regime de prestação de serviços, desenvolvendo-se por cinco dias semanais”.

2. Como deflui das «conclusões» formuladas na alegação do recorrente, as questões que cumpre decidir prendem-se em saber: –

- se o acordo que foi formado entre o autor e o réu deve ser entendido como consubstanciando um contrato de trabalho ou, pelo contrário, um contrato de prestação de serviços;
– se, a ser alcançada a conclusão de que se trata de um contrato de trabalho, é devida qualquer indemnização por danos não patrimoniais.

Comecemos, pois, pela primeira questão.

Conforme prescreve o artº 1152º do Código Civil, e cujo teor veio a ser repetido no artº 1º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho anexo ao Decreto-Lei nº 49.408, de 14 de Novembro de 1969 (Regime este aplicável à situação em presença, já que o acordo firmado entre autor e réu ocorreu no início do mês de Outubro de 1992, consequentemente antes da entrada em vigor do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, de 2003 – cfr. artº 3º, nº 1, desta Lei), contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.

Perante essa prescrição, para que um negócio jurídico bilateral seja perspectivável como um contrato de trabalho, necessário é que exista um acordo negocial mediante o qual uma pessoa assuma a obrigação de prestar a sua actividade a outrem – seja ela de natureza manual ou intelectual –, que esse outrem assuma a obrigação de retribuir tal prestação, o que inculca uma relação de subordinação económica do primeiro ao segundo, e que o prestador da actividade, na respectiva execução, obedeça ou esteja sujeito às ordens, direcção e fiscalização daquele a quem presta a actividade.

Já, por outro lado, o contrato de prestação de serviços, consoante se extrai do artigo 1154º do Código Civil, é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

São nítidas, assim, as características de um e de outro dos assinalados negócios.

Neste último, não é a execução da actividade de uma das partes o objecto principal do negócio, mas sim o resultado dessa actividade adveniente do trabalho intelectual ou manual de uma das partes. Por outro lado, a contrapartida desse resultado pode, ou não, ser objecto de retribuição por banda do donatário de tal resultado. Ainda por outro lado, no contrato de prestação de serviços não se surpreende a exigência de o exercício da actividade que conduz ao resultado objecto do negócio ser desencadeada de harmonia com a subordinação jurídica do respectivo prestador à parte a quem o resultado vai aproveitar.

Porém, nos casos em que um acordo negocial é firmado com estipulação retributiva – que não deixa de traduzir uma subordinação económica – e em que, designadamente, está em causa uma actividade de natureza intelectual (pois que aqui se desvanece mais acentuadamente a característica de uma dação de «força de trabalho» por banda do prestador de actividade), torna-se, as mais das vezes, difícil saber se se está perante um ou outro dos contratos a que vimos fazendo alusão.

Em situações desse jaez, o topos a que, primordialmente, se terá de lançar mão para a caracterização jurídica do acordo bilateral como contrato de trabalho, residirá, justamente, na pesquisa da ocorrência do elemento de subordinação ou dependência jurídica do prestador da actividade, ou seja, a sua submissão, na respectiva execução, à autoridade e direcção da outra parte que, assim, para além de lhe transmitir ordens sobre a forma como tal actividade se deve processar e sobre o que espera dela – ordens essas que o prestador tem de acatar – ainda tem o direito de exercer disciplina sobre o indicado prestador, no âmbito da actividade.

Mas, para uma tal pesquisa, nem sempre é fácil descortinarem-se elementos fácticos nítidos de onde resulte aquela subordinação jurídica.

Por isso, quer a doutrina, quer a jurisprudência, admitem a necessidade de lançar mão de indícios negociais, comummente designados como indícios negociais internos e indícios negociais externos, dos quais se possa inferir a existência de um contrato de trabalho.

Entre os primeiros, contam-se, verbi gratia, o próprio nomem conferido ao contrato, a indicação do local de exercício da actividade, a existência de um horário de trabalho fixo, o fornecimento, pelo donatário da actividade, dos bens ou utensílios necessários ao seu desencadeamento, a prestação da contrapartida da actividade em função do tempo de prestação, a fixação do direito a férias, o pagamento dos subsídios de férias e de Natal, a aceitação, pelo donatário, do risco da execução da actividade (cfr., porém, sobre os defeitos deste conceito teleológico, Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, volume I, 119 e seguintes), a inserção do prestador na organização produtiva ou na estrutura do donatário, o controlo, por este, da execução, lugar e modo da actividade prestada, e se o prestador dela a exerce por si, não se podendo socorrer de outrem.

De entre os segundos, são dados exemplos tais como o prestador de serviços não exercer a sua actividade para diferentes utilizadores ou beneficiários dela – não se indiciando, desta sorte uma independência daquele não compatível com uma relação de subordinação –, a inscrição dele nos serviços fiscais como trabalhador dependente e a integração desse prestador nos serviços de Segurança Social por parte do donatário da actividade (cfr. sobre os indiciação a que vimos fazendo alusão, Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13ª edição, 142 e seguintes, Pedro Romano Martinez, in Manual do Direito do Trabalho, 306 a 311, e Contrato de Trabalho, 3ª edição, 308 e seguintes e, sobre as dificuldades de delimitação, Júlio Manuel Vieira Gomes, obra e volume citados, 145 e seguintes).

2.1. Ora, recorrendo, quer aos métodos tipológicos, quer aos métodos indiciários– para se usarem as expressões de Pedro Romano Martinez (cfr. segunda das citadas obras deste Professor), ponderando a factualidade assente, temos que convir em que, por um lado: –

– foi estabelecido um negócio jurídico entre autor e réu, por via do qual o primeiro passava a exercer as suas funções de advogado em benefício do segundo e, por via deste, também em benefício dos associados do réu, percebendo o autor, por tal exercício, uma prestação mensal certa, a que acrescia o subsídio de alimentação;
– foi estipulado que o autor poderia continuar a exercer a advocacia no seu escritório;
– o réu emitia os recibos da remuneração devida ao autor com a indicação de «avença»;
– o réu convocou o autor, mais de dez anos passados entre o início da relação negocial estabelecida entre ambos, para lhe propor a celebração de um contrato de prestação de serviços, com uma contrapartida remuneratória diversa da seguida até então;
– o autor emitia ao réu recibos, apelidados de «recibos verdes», os quais eram depois ponderados na declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares como resultantes de trabalho independente, abrangendo alguns deles um período temporal superior a um mês;
– o autor nunca se inscreveu nos Serviços de Segurança Social e o réu também nunca procedeu a uma tal inscrição reportadamente à pessoa do autor;
– o réu, tocantemente às quantias pagas ao autor, declarava aos Serviços de Finanças que elas se referiam a trabalho independente.

Tendo em atenção somente esta factualidade, não seria, de todo, descabido concluir-se que da mesma se extraíam indícios de base suficientemente forte no sentido de se postar uma relação negocial caracterizável como um contrato de prestação de serviços.

Mas, por outro lado, vem também demonstrado que: –
– a actividade desenvolvida pelo autor se processava nas instalações do réu – no seu Gabinete Jurídico –, a este pertencendo os bens e utensílios necessários ao desenvolvimento daquela actividade, tais como códigos, colectâneas, revistas jurídicas e outras publicações, papel, instrumentos de escrita, agendas, fax e telefone;
– desde as conversações iniciais havidas entre autor e réu ficou acordado que ele exerceria a sua actividade com um horário semanal de trinta horas semanais, aplicando-se o regime remuneratório fixado para a função pública, designadamente quanto aos aumentos salariais;
– a retribuição do autor era feita com reporte ao número de horas de trabalho e não com referência ao respectivo resultado da sua actividade;
– o autor teria direito a férias, cujo período era autorizado pelo réu, passando a constar do «mapa de férias», recebendo aquele subsídio de férias e de Natal;
– quando o autor exercesse advocacia no seu escritório, devia compensar o réu pelo tempo gasto nessa específica actividade, o que o autor fez de modo a efectuar tal compensação, quer antes, quer depois, do horário acordado entre ele e o réu;
– a actividade de advocacia do autor desenvolvida no seu escritório devia restringir-se à que não colidisse com os interesses do réu ou dos seus associados;
– o autor, quando impossibilitado de cumprir o horário estabelecido em razão de actividades desenvolvidas ao abrigo da permissão de exercício de advocacia no seu escritório, para além da compensação acima aludida, tinha de dar conhecimento dessa impossibilidade ao réu;
– o autor estava sujeito a controlo de assiduidade e pontualidade, «picando» o ponto ou passando o cartão de banda magnética, à semelhança dos trabalhadores do réu;
– no patrocínio da defesa dos interesses do réu e seus associados, o atendimento destes últimos obedecia a uma fixação pelo réu, que comunicava a uma chefe de serviços ou a uma sua funcionária, que coadjuvada o autor;
– este, ao menos num caso, instruiu o autor sobre a forma como devia tratar, em sede de actuação preliminar a uma intervenção contenciosa, uma dada situação;
– o réu interpelava o autor sobre os processos dos seus associados e chegou a fixar-lhe prazo para se pronunciar ou adoptar determinadas diligências;
– a marcação das deslocações do autor às delegações do réu noutras cidades, que não aquela em que este tem a sua sede, era efectuada pelo mesmo réu, que as planificava e alterava;
– os textos elaborados pelo autor eram manuscritos, vindo a sua mecanografia a ser processada nos serviços do réu;
– o autor, ao longo da relação negocial mantida com o réu, chamou a atenção dos dirigentes deste para o facto de estar a emitir os recibos da sua remuneração com a indicação de «avença», já que entendia que tal relação era de trabalho subordinado;
– o autor não anuiu à proposta de celebração de um contrato de prestação de serviços formulada pelo réu.

Toda esta corte fáctica aponta, no entender deste Supremo, para que a actividade prestada pelo autor no âmbito do acordo negocial firmado com o réu se desenvolvia no âmbito de uma estrutura organizativa do réu, à qual pertenciam os instrumentos de trabalho utilizados pelo autor; era levada a efeito nas instalações do destinatário dessa actividade, não se socorrendo o autor de alguém que não trabalhadores do réu; este controlava, não só o horário do autor, como até o modo como a sua actividade se processava, dando-lhe, inclusivamente, instruções sobre a forma como ela deveria ser efectivada; o eventual labor desempenhado pelo réu no exercício de advocacia no seu escritório foi consentido pelo falado acordo, mas estava sujeito a determinados condicionalismos impostos pelo réu; era o réu que fixava o período de férias do autor, o qual percebia subsídio de férias, proporcionais e subsídio de Natal; a retribuição do autor era efectuada em função do tempo de trabalho por ele desempenhado.

Nesta conformidade, não se poderá sustentar que, no caso sub iudicio, não esteja vincado um poder determinativo e conformativo do réu sobre a actividade prestada pelo autor, que esse poder acatava, o que, correspectivamente, minimiza qualquer poder de autonomia deste último.

Ademais, o autor, que é jurista, desde o início da relação negocial estabelecida com o autor – e, por isso, muito antes da ocorrência da conflitualidade que deu origem à cessação dessa relação – que vinha pugnando pela circunstância de não dever emitir os recibos remuneratórios com a indicação de que se tratava de uma «avença», o que também indicia, ao menos de um ponto de vista subjectivo capacitante de iluminar a intenção contratual de uma das partes celebrantes do negócio jurídico em apreço, que era se desiderato não subscrever um contrato de prestação de serviços.

2.2. Aduz o recorrente que o autor, que anteriormente exercia a sua actividade profissional na União de Sindicatos de Coimbra mediante contrato individual de trabalho, se candidatou à «proposta de avença» publicitada pelo réu, proposta essa que enunciava claramente determinados objectivos que permitiam concluir-se de um «contrato de avença», vindo a ser o mesmo autor quem escolheu o concreto horário a cumprir, sendo ele que «picava o ponto» para seu próprio controlo e escolhia o período de férias.

Uma tal argumentação, todavia, não tem o mínimo suporte na matéria de facto tida por apurada (cfr., neste particular, o que consta nos items 4, 5, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 33, 61, 62 e 63 de II 1.).

De outra banda, acoberta-se também o impugnante, se bem entendemos o que se quis significar na «conclusão» 10 da alegação que produziu neste recurso, na consideração de que é incompatível o exercício da profissão liberal de advogado com a actividade de advocacia desenvolvida ao abrigo de um contrato individual de trabalho.

Não se pode sufragar uma tal postura.

Na verdade, desde logo não se divisa no Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, com as alterações subsequentes, vigente ao tempo dos factos e entretanto revogado e substituído pela Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro), nenhum normativo do qual se extraia que seja vedado o exercício de actividade atinente àquela profissão no âmbito de um contrato individual de trabalho.

Depois, também neste campo de actividade, consoante a realidade hodierna mostra, é patente e frequente verificar-se o exercício de actividades que são típicas das profissões liberais, mas que são desenvolvidas também num enquadramento de trabalho subordinado (cfr. o que é dito escrito por Maria do Rosário Palma Ramalho em Direito do Trabalho, Parte II, 2006, 55, em que chama a atenção, nestes casos, com a finalidade de se realçar, como decisivo, o critério da posição de autonomia ou de subordinação do prestador de trabalho, se dever atender, sobretudo, aos “indícios de subordinação que revelem a integração dos trabalhadores na organização do credor e a sua sujeição às correspondentes regras disciplinares”).

Neste contexto, e ponderando o que ficou acima explanado sob o ponto 2.1. do vertente aresto, conquanto se reconheça a existência de matéria fáctica que, tomada por si só, poderia apontar no sentido de nos postarmos perante um contrato de prestação de serviços, o que é certo é que os indícios de subordinação jurídica e económica do autor ao réu sobrelevam aqueloutros indícios para que, em princípio, apontaria aquela matéria.

Conclui-se, desta arte, que o acordo negocial firmado entre autor e réu se deve caracterizar juridicamente como um contrato de trabalho, o que leva à improcedência das «conclusões» 1 a 11 da alegação do recorrente.

3. Aqui chegados, resta enfrentar a segunda questão que é, precisamente, a que se reporta à indemnização por danos não patrimoniais conferida ao autor.

Na óptica do recorrente, a concluir-se ter existido uma relação laboral entre autor e réu, não logrou aquele provar a existência de danos morais, e muito menos de acentuada gravidade, justificativos de compensação.

Da factualidade demonstrada resulta, no que ora releva: –
– que o autor, com 54 anos de idade, ficou profundamente abalado pela cessação da relação negocial que o vinculava ao réu, já que, trabalhando desde 1975 para o movimento sindical, de cujos ideais de acção e solidariedade comungava, sentiu particularmente aquela cessação por considerar que o réu estava a prosseguir uma acção que condenava, quando idêntica situação se passava em relação aos trabalhadores;
– que tal cessação surgiu na decorrência de uma proposta feita ao autor pelo réu no sentido de, com a reestruturação dos serviços de contencioso do sindicato, o primeiro vir a celebrar um contrato de prestação de serviços com uma contrapartida remuneratória diferente da retribuição prosseguida até aí, sendo certo que, desde o início da relação negocial existente entre ambos, o autor vinha brandindo com o facto de não dever ela ser havida como um contrato de prestação de serviços, como decorria dos recibos que eram passados e em que se fazia menção a «avença».

Sendo certo que a cessação ilícita da relação laboral (por qualquer das causas previstas no artº 429º do Código do Trabalho – não se olvide, neste ponto, a data em que ocorreu a cessação do contrato que ligava o autor ao réu e o disposto nas disposições ínsitas no artigo 3º, nº 1, e 8º, nº 1, da Lei nº 99/2003, que aquele corpo de leis aprovou), impõe à entidade empregadora a condenação na indemnização ao trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados [artº 436º, nº 1, alínea a)], ponto é que, no que tange aos danos patrimoniais, que estes assumam, pela sua gravidade, a tutela do direito (cfr. artº 496º do Código Civil).

É sabido que, não sendo os incómodos morais mensuráveis a nível patrimonial, dada até a sua heterogeneidade e não reflexo patrimonial, a indemnização pela sua ocorrência visa atenuar, pela atribuição pecuniária indemnizatória, as «dores morais» sofridas, actuando, desta arte, como uma compensação hipotética, pois permitirá, com o respectivo desfrute, o alcance de alegrias e prazeres que minimizem o estado de abalo sofrido em consequência de tais danos.

Como refere Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Volume I, 2ª edição, 485), não “há, de facto, a intenção de pagar ou indemnizar o dano, muito menos o intuito de facultar o comércio com valores de ordem moral; há apenas o intuito de atenuar um mal consumado, sabendo-se que a composição pecuniária pode servir para satisfação das mais variadas necessidades, desde as mais grosseiras e elementares às de mais elevada espiritualidade, tudo dependendo, nesse aspecto, da utilização que dela se faça”.

É patente que a cessação ilícita de uma relação laboral causa, naturalmente, um abalo na personalidade moral do trabalhador.

E se, como no caso acontece, a relação perdurou por mais de onze anos, sendo invocado apenas que a futura actividade a prestar a quem tomou a iniciativa de cessar tal relação se processaria em moldes não contemplados pela legislação laboral, mais se vinca, num prisma de normalidade, o sentimento negativo do trabalhador.

Esse vincar, numa situação como a sub specie, não pode ser minimizado em termos de ser perspectivado como não merecedor da tutela do direito.

O quantum indemnizatório conferido ao autor – € 5.000 – que, bem vistas as coisas, é cerca de duas vezes e meia o montante da remuneração que auferia, tendo em conta a matéria fáctica tratada neste ponto, afigura-se, como uma quantia adequada a compensar o abalo sentido por ele.

Improcede, pelo que ficou dito, a «conclusão» 12 da alegação do recorrente.

III
Em face do que se deixa exposto, nega-se a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 27 de Novembro de 2007

Bravo Serra (Relator)
Mário Pereira
Sousa Peixoto