Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6112/15.9T8VIS.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PERDA DE CHANCE
INCUMPRIMENTO
ERRO
ILICITUDE
LEGES ARTIS
DEVER DE DILIGÊNCIA
DEVER ACESSÓRIO
BOA FÉ
PROTEÇÃO DA SAÚDE
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
Data do Acordão: 06/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I – Na responsabilidade médica, assume importância o conteúdo das leges artis que regulam o respectivo exercício; no caso, haverá que indagar se o atraso na comunicação do diagnóstico à paciente importou violação das leges artis do exercício da medicina.

II – A responsabilidade da clínica e do seu colaborador médico não prescinde da conclusão que decorre da norma do art.º 800.º n.º 1 CCiv, quanto à responsabilidade do devedor perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para cumprimento da obrigação; assim,  a obrigação da clínica e do médico que realizou a cirurgia era, perante a paciente/credora, uma obrigação de resultado, que se concretizava em comunicar ao paciente, em devido tempo, as conclusões de um exame anátomo-patológico.

III – O que o dano de perda de chance permite é a antecipação da localização do dano, posto que o nexo de causalidade não se estabelece entre a conduta ilícita e culposa e o dano final sofrido, mas antes entre a referida conduta e a perda de uma possibilidade - existe nexo causal na hipótese de um dano intermédio, diferente do dano final.

IV - A extensão das lesões geradas pelo tratamento tardio, com causa no atraso no diagnóstico, constitui um dano indemnizável.

V - Não sendo possível fixar a probabilidade da chance, o tribunal deve julgar com recurso à equidade, em conformidade com o disposto no art.º 566.º n.º 3 CCiv.

VI - O tratamento de uma neoplasia maligna, que ocasionou um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos, acrescendo um dano estético permanente, fixável no grau 5, numa escala de 7, e um dano permanente na actividade sexual (prejuízo sexual), fixável no grau 5, numa escala de 7, e incluindo uma perturbação de stress pós-traumático, revela um dano global, melhor caracterizado como dano biológico, resultante de um facto lesivo para a saúde “de per se” e constituindo uma categoria autónoma, não apenas por referência à esfera produtiva, mas também por referência à esfera espiritual, cultural, afectiva, social e de qualquer outro âmbito e modo em que o sujeito envolva a respectiva personalidade, cuja avaliação se permite, nos termos do art.º 566.º n.º 3 CCiv, com fundamento na equidade.

VII – No caso dos autos, o valor de € 50 000, atribuído ao dano de perda de chance, por via de um diagnóstico de histopatologia, cuja comunicação à paciente foi atrasada por mais de 4 meses, mostra-se equilibrado e não ofende os padrões habituais da jurisprudência.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


                  

Referências

AA propôs a presente acção, com processo declarativo comum, contra a Clínica ..., Lda., BB e mulher CC.

Pediu que os RR. fossem solidariamente condenados a pagarem-lhe:

a) A quantia de € 243.657,37, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais já apurados e liquidados;

b) A quantia que se vier a liquidar a título dos lucros cessantes referidos nos artigos 169.° e 170.° da petição, atenta a incapacidade permanente parcial que a autora sofre a determinar após o exame pericial e a liquidar em execução de sentença;

c) A indemnização a que se vier a liquidar posteriormente quanto aos danos que futuramente virá a sofrer, designadamente os decorrentes da assistência médica e medicamentosa, tratamentos médicos ou cirúrgicos, tratamentos terapêuticos, eventuais intervenções cirúrgicas a que se tenha de submeter, nomeadamente as referidas nos artigos 70.º a 75.º desta petição inicial e demais danos patrimoniais e morais a liquidar em execução de sentença,

d) E, em relação às peticionadas quantias indemnizatórias, os juros legais de mora, desde a citação e até integral pagamento.

Alegou que, em Janeiro de 2013, foi consultada em ..., na Clínica ... – Cirurgia Plástica, Ld.ª, pelo Dr. BB, respectivo diretor clínico, e após exames complementares, foi decidido que a A. iria ser submetida a uma mamoplastia, e concomitantemente, à exérese (extracção) de um nódulo da mama direita, tendo assim sido submetida em 14.02.2013 a cirurgia estética bilateral da mama, e na mesma altura excisado um nódulo da mama direita para posterior análise e diagnóstico histopatológico, levado a cabo pelo aludido cirurgião, que fez o acompanhamento pós-operatório.

O nódulo ficou na posse da Clínica ..., e do respetivo diretor clínico que se obrigaram a remetê-lo para o laboratório que entendessem adequado e vinculando-se a dar de imediato conhecimento à A. do respetivo resultado.

Em conformidade o nódulo foi entregue pela R. Clínica a Dr. DD, Laboratório de Anatomia Patológica, S.A.

Após a cirurgia e internamento a A. deslocou-se 3 vezes à Clínica, num período de mês e meio, para consultas de revisão pós-operatória, nos dias 26.02 e 17.03, procurando obter informações acerca do resultado da análise, sendo-lhe transmitido que ainda não tinham conhecimento do mesmo.

Face à demora, o marido da A. enviou uma comunicação em 18.07.2013 para a Clínica, dirigida ao Dr. BB, solicitando a indicação de quais os nódulos retirados e o resultado da respetiva análise, tendo no dia 22.07, aquele sido contactado telefonicamente por uma senhora, identificando-se como trabalhadora da R. Clínica, transmitindo que o resultado do exame tinha revelado um carcinoma invasivo, tendo a solicitação do mesmo sido envidado o documento que atestava tal diagnóstico.

Dada a gravidade da situação tornou-se imperioso adotar as medidas e procedimentos terapêuticos urgentes, tendo a A. obtido a resposta mais rápida pela F..., onde foi submetida a consulta de oncologia e exames auxiliares de diagnóstico, despendendo 519,50€, realizando múltiplos exames no dia 26.07.2013 e no dia 29.07, nomeadamente a biópsia das lesões mamárias que revelaram tratar-se de um carcinoma invasivo, localmente avançado, iniciando quimioterapia, com intervalos de quinze dias, entre Julho e Novembro, despendendo 9.253,63€, suportando ainda mais gastos nos vários exames e consultas realizados entre as sessões.

Em 5.12.2016, de acordo com o estado da arte, a A. foi submetida a mastectomia direita, esvaziamento axilar, histerectomia total, anexectomia bilateral, voltando ao bloco por ter ocorrido hemorragia interna, verificando-se a progressão da doença entre o final da quimioterapia e a cirurgia.

Em Dezembro de 2013 a A. realizou diversos exames e análises, e devido aos fatores de mau prognóstico foi proposta a realização de quatro ciclos adicionais de quimioterapia, de 7.01.2014 a 10.03.2014, nos quais despendeu 2.978,57€. No período de 7 a 24.04.2014, realizou radioterapia adjuvante, gastando 3.500,00€.

Segundo a orientação médica a A, deve manter vigilância médica regular com a periodicidade de 3 meses e até aos três anos após a intervenção.

O processo de reconstrução mamária desenrolou-se em quatro sessões, a primeira em 21.04.2015, no valor de 2.276,99€, a segunda em 22.09.2015, estando previstas a terceira para abril de 2016 e a quarta e, agosto de 2016, dependendo do estado da saúde da A. e da não rejeição dos enxertos.

Em 23.04.2015 foram-lhe prescritas 12 sessões de fisioterapia, tendo realizado vários exames e consultas.

Face à importância do exame histopatológico, a análise da peça cirúrgica deve ser imediata e quando existe suspeita ou confirmação de malignidade deve ser de logo comunicado ao paciente, pelo que a boa prática médica e o dever objetivo do cuidado não foram observados pela R. Clínica e pelo R. Dr. BB, com manifesto prejuízo para a saúde e para a protecção da integridade física da A.

Por carta registada com aviso de recepção, em 25.07.2013, a A. solicitou à R. Clínica a informação relativamente à data em que foi enviado o material para a análise e a data em que foi remetido o resultado, respondendo aquela que o nódulo mamário fora levantado no dia 20.02.2013 e que tomaram conhecimento do resultado em 11.07.2013, na sequência de pedido formulado. Na mesma data mandou também ao Laboratório uma carta no mesmo sentido, que foi devolvida e remetida nova comunicação em 8.09.2013, que indicou a recepção em 22.02.2013 e o resultado do exame enviado, via CTT, ao G.…, que, por sua vez, indicou que tendo recebido o resultado em 5.03.2013, o entregou de imediato na Clínica R.

O diagnóstico da peça cirúrgica revelou tratar-se de um carcinoma mamário invasor com grau histológico G3, significando e indicando que o tumor é pouco diferenciado e, por isso, com agressividade muito maior, e, segundo a prática clínica, entre as mulheres mais jovens, com menos de 35 anos, como era a A., que tinha 33, possui uma evolução clínica pior do que nas mulheres mais velhas, sendo um factor preditivo e significativo de recorrência e morte.

O lapso de tempo que mediou entre a extração do nódulo, o envio do mesmo e o acesso ao conhecimento do resultado histológico para posterior decisão terapêutica, atrasou o início desta, com evidentes prejuízos para a saúde da A., causando-lhe danos irreversíveis.

A R. Clínica e o R. BB, médico cirurgião, enquanto agentes e técnicos de saúde qualificados, conhecedores dos riscos de um carcinoma mamário invasor, podiam e deviam ter procedido e providenciado pela comunicação célere e imediata do relatório, impondo-se ao R. BB um especial dever técnico, enquanto médico especialista da cirurgia plástica, violando assim o dever objetivo de cuidado, preterindo as regras da boa praxis médica, além de que tais Réus se obrigaram perante a A. a comunicar prontamente o resultado do exame.

Após o conhecimento do resultado da análise, a vida da A. passou a ser um tumulto de emoções, medos, tristeza, angústia e ansiedade, não deixando de pensar que se tivesse conhecimento do resultado alguns meses antes e na data em que foi comunicado à R. Clínica, as consequências seriam inevitavelmente diferentes.

A A. teve que recorrer aos serviços da medicina particular, despendendo avultadas importâncias em dinheiro, assim conseguindo resposta imediata para o seu quadro clínico.

Na sequência da progressão da doença, e de cada uma das sessões de quimioterapia, a A. sofreu efeitos secundários, tais como fortes dores por todo o corpo, sobretudo na cabeça, cansaço, vómitos e náuseas frequentes, permanecendo acamada e em letargia nos cinco dias seguintes a cada uma sessão de quimioterapia. Os tratamentos provocam um estado de menopausa precoce, com mau estar e afrontamentos, não conseguindo dormir e descansar convenientemente, tomando tranquilizantes e antidepressivos que a deixam numa apatia constante.

Sofreu também tristeza e desgosto profundo por não poder tratar do filho do casal, com 18 meses de idade, logo que iniciou os tratamentos, nem o marido o pôde fazer porque teve de a acompanhar, pois moram em ..., tendo que deslocar-se a ... em viatura própria e permanecer em hotéis, suportando despesas várias.

A A. sofreu uma incapacidade total para o trabalho desde 26.07.2013 a Abril de 2014, e a partir dessa data padece de incapacidade parcial permanente.

Os prejuízos do não exercício da sua actividade no ramo da comercialização de vestuário e calçado acarretaram-lhe prejuízos não inferiores a 2.500,00€ e, no período de incapacidade absoluta, de 22.500,00€.

Nas despesas indicadas teve comparticipação da Associação ..., suportando, na sua parte, 13.786,73€.

Entre a A. e o marido deixou de haver sexualidade, abalando profundamente a relação, sofrendo a A, um fortíssimo dano na autoestima, tendo-lhe sido retirada a mama direita, e em seu lugar existem extensas cicatrizes, caiu-lhe o cabelo, e nos tratamentos de reconstrução, sofreu intensas dores, com hematomas dolorosos que passaram muitos dias a desaparecer.

Os danos morais são bastante elevados, computando a indemnização a tal título em 200.000,00€

A R. mulher é também responsável pelas quantias reclamadas, pois, com a atividade de cirurgião, o R. concorre para as despesas do seu agregado familiar.

A A. pagou à R. Clínica a quantia de 12.700,00€.

Em Contestação, os RR. invocaram a ilegitimidade da R. mulher e impugnaram o factualismo aduzido, nomeadamente que o R. Dr. BB não podia ter a menor suspeita de que a A. tinha um tumor maligno, tendo enviado o nódulo para o exame por ser sua prática comum, de mera precaução, e não porque tivesse qualquer preocupação em particular. Por sua vez o laboratório não informou o médico como é habitual sempre que a análise indicia qualquer problema de saúde, só tendo conhecimento do resultado da mesma em 22.07.2013.

Mais invocaram que inexiste nexo de causalidade entre o atraso de conhecimento do diagnóstico e os danos que a A. diz ter sofrido, pois o tempo que mediou não foi causa dos tratamentos que teve que fazer que seriam os mesmos ou similares ainda que a doença tivesse sido detetada imediatamente após a cirurgia.

O 2.º R. veio requerer a intervenção acessória provocada de Axa Portugal, Companhia de Seguros, SA., porquanto celebrou com a mesma um seguro de responsabilidade profissional, intervenção que veio a ser admitida, por despacho de 11.10.2016.

A Interveniente, agora Ageas Portugal – Companhia de Seguros, apresentou contestação.

No despacho saneador proferido, foi julgada procedente a excepção da ilegitimidade da R. CC, tendo a mesma sido absolvida da instância.


As Decisões Judiciais

Em 1.ª instância, realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedentes os pedidos, dos mesmos absolvendo os RR.

Recorrida a sentença de apelação, no Tribunal da Relação foi o recurso julgado parcialmente procedente e, em conformidade, revogada a sentença e condenados os Recorridos a pagar à Recorrente a quantia de 50.000,00€ (cinquenta mil euros).

Inconformados, os RR. Clínica e BB apresentaram o respectivo recurso de revista independente.

A Autora recorre subordinadamente.

Conclusões da Revista Independente dos Réus:

1. O acórdão recorrido, ao condenar os RR., errou na aplicação do direito porque não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, geradores da obrigação de indemnizar.

2. Os factos estabilizados pelas instâncias não permitem concluir pela violação pelos RR de qualquer dever, nomeadamente o dever acessório de informação, pelo que não se encontra preenchido o requisito de ilicitude.

3. O dever de informação dos RR., configurando-se como um dever acessório da obrigação principal assumida, que foi a realização de uma cirurgia estética à mama, está limitado aos esclarecimentos diretamente relacionados com a cirurgia estética em si, não podendo ter a amplitude de abarcar outras vertentes da medicina, como pretende o tribunal a quo, porque, como resulta dos factos provados, os RR. não assumiram, em momento algum, qualquer obrigação de diagnóstico ou tratamento do tumor de Autora.

4. Ainda que assim não fosse, e como bem decidiu o tribunal de 1.ª instância, não ficou demonstrado que os RR tivessem tido conhecimento do resultado da análise em data anterior à data em que deram conhecimento à Autora do resultado, pelo que não existiu violação do dever de informação.

5. Por outro lado, não existiam razões que justificassem uma obrigação dos RR terem diligenciado ativamente pela obtenção do resultado: por não haver qualquer suspeita de malignidade do nódulo; por não ter existido qualquer aviso dos laboratórios os RR. sobre a malignidade do nódulo, como ficou provado que seria a conduta usual dos laboratórios nesse caso; por os RR saberem que a Autora se encontrava a ser acompanhada por um outro médico na especialidade de mama e ginecologia, que foi quem, aliás, sugeriu a extração do nódulo para exame; e, finalmente pelo desinteresse da própria autora na obtenção do resultado que foi quem teve a iniciativa e decisão de extração do nódulo, a conselho de outro médico que não os RR.

6. Ademais, a extração do nódulo e envio para o laboratório constituiu uma liberalidade dos RR a favor da Autora, o que decorre do facto de o preço já pré-estabelecido para a cirurgia não ter sido aumentado com o aditamento da prestação de extração do nódulo e seu envio para análise. Assim, tratando-se de uma liberalidade, não poderiam os RR. ser responsáveis pelos danos decorrentes dos vícios de tal prestação.

7. Subsidiariamente, os factos provados afastam o nexo de causalidade entre o atraso no conhecimento do resultado do exame, a evolução da doença e a necessidade dos tratamentos a que a Autora teve que ser sujeita (o que é reconhecido pelo tribunal a quo), e não foi produzida qualquer prova do dano de perda de chance.

8. Assim, não poderia o tribunal concluir, apenas com recurso aos factos provados 75, 76, 77 e 78 e ao facto que considera decorrer das regras da experiência - que o diagnóstico precoce de um cancro constitui um prognóstico favorável ao seu tratamento - mas que não consta do elenco dos factos provados, que se Autora tivesse tido conhecimento do resultado do exame em data anterior a 22 de julho teria tido a oportunidade de exponenciar os tratamentos e diminuir o seu sofrimento.

9. Como o próprio acórdão aceita, o dano de perda de chance consubstancia-se numa frustração irremediável, por ato ou omissão de terceiro, da verificação da obtenção de uma vantagem, que de forma probabilística era altamente razoável que fosse atingida ou na verificação de uma desvantagem que razoavelmente seria de supor não ocorrer, caso não se verificasse essa omissão,

10. Sendo pressuposto do dano de perda de chance a demonstração da consistência e seriedade da perda de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, bem como um juízo de probabilidade, tido por suficiente, independentemente do resultado final frustrado, que deverá se aferido casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados.

11. Ora, no caso concreto, resulta evidente do elenco de factos provados (em especial, factos 75 a 78 e 158) e dos factos não provados (em especial, alínea k), que a Autora não fez prova do dano de perda de chance, pois não decorre desta factualidade a correlação entre diagnóstico precoce de cancro e prognóstico favorável ao tratamento.

12. E, ainda que se admitisse, por mera cautela de patrocínio, que aquele facto tido em consideração pelo acórdão, com base nas regras da experiência comum, não carecesse de integrar o elenco de factos provados, não ficaram provados, ou sequer foram identificados, os concretos danos resultantes do alegado atraso dos RR.

13. Pelo contrário, não ficou demonstrado que a Autora não sofreria os mesmos danos que sofreu, não fosse o atraso dos RR. É o que consta do facto não provado k).

14. E dos factos provados resulta que a Autora teria que ser submetida a tratamentos, nomeadamente, quimioterapia, ainda que a doença tivesse sido detetada, imediatamente, à data da cirurgia de 14.02.2013, sendo que esses tratamentos dependeriam do estádio evolutivo da doença, da localização, extensão e dimensão do tumor e das lesões existentes, o que se desconhece e já não é possível apurar, bem como dos protocolos terapêuticos vigentes à data (facto provado 158).

15. Não é assim possível estabelecer uma relação de causalidade entre o atraso do conhecimento do resultado do exame, por causa imputável aos RR., e a impossibilidade da Autora de obter um efeito mais favorável dos tratamentos.

16. Não foi, pois, feita prova da verificação de um dano de perda de chance – perda de uma oportunidade, traduzida, designadamente, em menor prejuízo para a respetiva saúde da Autora –, em resultado do atraso dos RR, nem de um nexo de causalidade entre a conduta dos RR e determinado dano, o que determina a impossibilidade dos RR serem condenados ao pagamento de uma indemnização à Autora com fundamento no dano de perda de chance.

17. Por fim, a admitir-se a verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar, o valor de indemnização, ainda que por recurso à equidade, sempre seria manifestamente excessivo tendo em conta que não existiu uma perda de chance definitiva, mas apenas um atraso do conhecimento da análise de 3 meses, sendo o valor da condenação muito superior ao que tem sido praticado para casos de dano mais grave pela jurisprudência dos tribunais superiores.


Conclusões da Revista Subordinada da Autora:

1) Entende a Autora que, face à extensão e gravidade dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, a indemnização atribuída pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no valor de € 50.000,00, não se mostra idónea a compensar adequadamente a gravidade e extensão dos danos não patrimoniais e patrimoniais sofridos pela Autora (e que continua a sofrer) bem como não atende devidamente à conduta censurável e desresponsabilizante dos Réus, que nos termos já supra alegados, persiste nestes autos;

2) Conforme vem sendo entendimento unânime da jurisprudência, a indemnização deve ser significativa, de forma a constituir uma efetiva possibilidade compensatória que de forma cabal atenue os danos sofridos pelo lesado;

3) A indemnização a fixar, através do montante arbitrado, deve ter um carácter de reprovação e punição da conduta do lesante;

4) Carácter punitivo este que deve ser reforçado nos casos de negligência médica, como forma de evitar erros futuros, porquanto a compensação atribuída não pode ser de tal forma baixa que compense a falta de zelo na prestação de cuidados médicos, sob pena de se colocar em risco a vida e a saúde dos pacientes;

5) No caso concreto este carácter punitivo deve também ser especialmente reforçado face à postura assumida pelos Réus não só durante a prestação dos cuidados como até este momento, na medida em que vêm desvalorizando a sua conduta, invocando argumentos aberrantes, como a suposta gratuitidade da prestação de cuidados médicos, para não cumprir com as suas obrigações;

6) Ao nível dos danos não patrimoniais, analisando a factualidade provada, verifica-se que a Autora sofreu avultados danos de natureza não patrimonial, nomeadamente danos psicológicos provocados pela angústia, tristeza, ansiedade e frustração que a situação lhe gerou, isolamento e afastamento da família e amigos, dores, incómodos e mal-estar físico, danos físicos com marcas e cicatrizes, menopausa precoce, destruição de projectos pessoais e evidente possibilidade de a sua saúde vir a ser afetada no futuro (pontos 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 103, 111, 113, 115, 116, 118, 119, 122, 123, 124 125, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 135 e 136 da factualidade provada).

7) Através da análise comparativa de situações semelhantes (exemplificativamente invocam-se os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 07/03/2017, no processo 6669/11.3TBVNG.S1, 26/06/2014, no processo 1333/11.6TVLSB.L1.S1, 04/03/2008, no processo 08A183 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/09/2007, no processo 1360/2007-7) verifica-se que a compensação atribuída à Autora é significativamente inferior ao que vem sendo a prática dos Tribunais superiores;

8) Face ao supra alegado, comparando a extensão dos danos provados com os danos de situações semelhantes, mesmo tendo em conta a natureza da compensação ao abrigo da perda de chance cremos que, o valor arbitrado de € 50.000,00 se deverá cingir à perda de chance de evitar a mastectomia e não a compensar a globalidade dos danos sofridos pela Autora como fez o Tribunal a quo;

9) Pelos demais danos elencados, deverão os Réus ser também condenados em indemnização, a somar àquela, no valor de € 30.000,00, num valor global de € 80.000,00 a título de danos não patrimoniais, por se afigurar ser o valor mínimo que possa traduzir uma compensação que permita à Autora, pelas utilidades da utilização do dinheiro, retirar uma putativa compensação e bem-estar que possam contribuir na mitigação dos elevados danos morais por si sofridos e que a continuam a afetar;

10) Da factualidade provada resulta que da conduta dos Réus também resultaram para a Autora danos patrimoniais presentes e futuros (previsíveis) que, por força do disposto no art. 564º do CC, devem ser atendidos na fixação do quantum indemnizatório;

11) Ao nível dos danos emergentes, dos pontos 103, 104, 106, 107, 110 e 121 da factualidade provada resulta provado que, devido aos tratamentos que a Autora teve que suportar, despendeu 3.084,40€ em estadias em ... para a realização de tratamentos e 13.786,70€ em despesas médicas, num total de 16.871,13€;

12) A estas despesas acrescem os custos com as 39 viagens entre ... e ... e o seu regresso, de cerca de 580Km, para a realização dos tratamentos (pontos 10, 13, 20, 23, 32, 34, 43, 50, 53, 56, 58 e 64 da factualidade provada), cujo valor não foi determinado, mas que deverão ser consideradas para a fixação da compensação através da equidade em, pelo menos, 80,00€ por cada uma, num total de 3.120,00€;

13) Dos pontos 98, 102, 111, 113, 115 e 116 da factualidade provada resultam danos patrimoniais futuros decorrentes da perda de ganho, porquanto tendo a Autora à data dos factos 34 anos (ponto A da factualidade provada), o curso de Marketing, Relações Públicas e Publicidade (ponto 98 da factualidade provada), tendo acabado de constituir uma sociedade comercial que tinha como objecto o comércio de vestuário e calçado para homem, mulher e criança e resultando da factualidade provada que, devido aos danos que sofreu passou a ter “um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos” e passou a sofrer de uma “perturbação ligeira da memória” e passou a ter “uma limitação funcional ligeira na utilização do membro superior direito, traduzida na dificuldade em fazer força com o mesmo, edema e desconforto a esse nível em alguns período”, de forma evidente está demonstrado que é provável que a Autora venha a ter uma perda de ganhos no futuro que devem ser considerados na fixação da compensação através da equidade;

14) Atendendo a situações semelhantes julgadas pelos Tribunais superiores (exemplificativamente indica-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/06/2001, no processo 244/15.0JAGRD-E.C1 e de 18/02/2020, no processo 2133/16.2T8CTB.C1, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2021, no processo 2545/18.7T8VNG.P1.S1 e de 07/04/2016, no processo 237/13.2TCGMR.G1.S1), deverá ser arbitrada à Autora uma perda de capacidade de ganho no valor de € 20.000,00;

15) Considerando os alegados danos emergentes e os danos decorrentes da perda geral da capacidade de ganho, a natureza da indemnização por perda de chance, e uma adequada ponderação dos factos em causa, entendemos que deverá ser atribuída à Autora uma indemnização de € 30.000,00 por danos patrimoniais;

16) Face ao supra alegado, conclui-se que ao ter condenado os Réus no pagamento de uma compensação global pela perda de chance no valor de apenas € 50.000,00, o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 496º, 564º e 566º do CC, devendo por isso o Acórdão recorrido ser substituído por outro que condene os Réus no pagamento dos danos alegados no montante global de € 110.000,00 (cento e dez mil euros).

Por contra-alegações, a Autora igualmente sustenta a negação da revista independente.

Factos Apurados

No Despacho de 23.05.2017:

A) A A. nasceu no dia .../.../1979;

B) Em 02.02.2008, a A. contraiu casamento civil, sem convenção antenupcial, com EE;

C) FF nasceu no dia .../.../2012 e é filho da A. e de EE;

D) Em Janeiro de 2013, a A. foi consultada em ..., na Clínica ..., Lda. (1.ª R.) pelo senhor Dr. BB (2.º R.), respetivo diretor clínico;

E) Após consulta e exames complementares, foi decidido que a A. iria ser submetida a uma mamoplastia e, concomitantemente, à exérese (extração) de um nódulo na mama direita;

F) No dia 14.02.2013, a A. foi submetida a cirurgia estética bilateral da mama (mamoplastia bilateral), tendo sido na altura excisado um nódulo da mama direita para posterior análise e diagnóstico histopatológico;

G) A cirurgia teve lugar na Clínica ..., sita na Rua ..., ..., em ..., tendo a A. permanecido internada durante o período de três dias (2 noites de internamento);

H) O 2.° R. foi o cirurgião que procedeu à mamoplastia bilateral, à exérese do nódulo e ao acompanhamento pós-operatório da A.;

I) Após a cirurgia e internamento, a A. deslocou-se três vezes à 1ª R., em 26.02.2013, 02.03.2013 e 17.03.2013, para ser submetida a consultas de revisão pós-operatória, superentendidas pelo 2.º R.;

J) No dia 18.07.2013, o marido da A. enviou uma comunicação via correio eletrónico para a 2ª R. (...), dirigida ao 2.º R., com o seguinte teor: «Dr. BB, Em 14 de Fevereiro deste ano a minha mulher AA foi submetida a uma mamoplastia pelos seus serviços. Na altura foi comunicado que seriam retirados os nódulos existentes e os mesmos enviados para análise clínica. Como até ao momento não nos foram comunicados esses dados gostaria de saber: quais os nódulos extraídos e o resultado da respectiva análise. A informação que pretendo com urgência deveria referir nomeadamente se foram ou não retirados os nódulos existentes na mama direita no UQ interior e no prolongamento axilar conforme indicados na mamografia então solicitada e então entregue. Melhores cumprimentos»;

K) Na mesma data, a 2ª R., remeteu ao marido da A. uma comunicação via correio eletrónico, assinada por GG, com o seguinte teor: «Compreendo a urgência no tema, mas só amanhã é que poderei dar resposta uma vez que o Dr. BB está ausente do país até final de Julho e hoje não tenho a enfermeira que esteve na cirurgia. Vou pedir para a enfermeira entrar em contacto»;

L) O marido da A. respondeu, pela mesma via, em 20.07.2013, pelas 16:49:06, nos seguintes termos: «Agradeço a maior urgência e espero que segunda feira tenha informação da enfermeira que estava na cirurgia»;

M) No dia 22.07.2013, o marido da A. foi contactado telefonicamente por uma senhora, que se identificou como sendo a enfermeira HH, trabalhadora da 1.ª R., que lhe comunicou que o resultado da análise histológica da peça cirúrgica da A. revelou tratar-se de um carcinoma invasivo;

N) À data, o marido da A. solicitou à referida enfermeira HH que lhe enviasse por correio eletrónico o documento que atestava tal diagnóstico;

O) No dia 22.07.2013, pelas 12:23:05, a 1ª R. remeteu para o endereço de correio eletrónico ..., o referido diagnóstico histológico;

P) O diagnóstico histológico revelou:

«MACROSCOPIA: Retalhos irregulares de parênquima mamário, o maior de 1 cm de dimensão, acastanhados e endurecidos ao corte.

MICROSCOPIA: Observa-se, a envolver o parênquima mamário, neoplasia maligna com características de carcinoma invasor com áreas de necrose Grau histológico: G3 (nesta amostragem)

CONCLUSÃO: Carcinoma mamário invasor.

Para caracterização definitiva da lesão é necessário o recurso a estudo imunohistoquímico (Recetores de estrogénios e progesterona, Ki-67 e Her2/neu), pelo que será necessário contatar o laboratório para se proceder à sua execução técnica»;

Q) O exame histopatológico é um ato médico que consiste em examinar ao microscópio um fragmento de tecido de um órgão qualquer do paciente com o fim de se firmar, confirmar ou afastar uma ou mais hipóteses diagnósticas;

R) Em geral, o médico que solicita ao anatomopatologista o exame histopatológico tem uma ou mais hipóteses diagnósticas e utiliza o exame para, confirmando o seu diagnóstico, estabelecer uma condução adequada do caso e uma ação terapêutica efetiva ou, então, não confirmando, redirecionar os seus esforços no estudo do caso;

S) Face à importância de tal exame histopatológico, a análise da peça cirúrgica deve ser imediata e quando existe suspeita ou confirmação de malignidade deve ser de imediato comunicada ao paciente;

T) A A. remeteu à 1.ª R. uma carta registada com aviso de receção, datada de 25/07/2013 e por ela recebida em 26/07/2013, solicitando informação relativamente à data em que foi enviado o material para análise e à data em que foi enviado o resultado para a clínica;

U) Em resposta, a 1ª R. remeteu à A. uma carta registada em com aviso de receção datada de 29/07/2013, informando a A. que o nódulo mamário foi levantado no dia 20/02/2013 na clínica por um funcionário do G.…, que o G.… envia as peças e nódulos mamários para análise para outro laboratório do mesmo grupo - L... (...), e que tomaram conhecimento do resultado da análise do referido nódulo no dia 22/07/2013, data em lhes foi enviado via e-mail pelo laboratório na sequência do seu pedido;

V) A 1.ª R. dedica-se à prestação de serviços médicos e cuidados de saúde em geral;

W) O 2.° R. é médico-cirurgião, especialista em cirurgia plástica;

X) Um exame como o referido na al. P) nunca demora mais de duas semanas desde a data da extração da peça cirúrgica, análise e conhecimento ao médico que o solicitou;

Y) No dia 26.06.2013, a A. constituiu uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada denominada “K..., Lda.”, tendo por objecto a comercialização de vestuário, calçado e acessórios para homem, mulher e criança, e na qual a A. detém uma quota correspondente a 25% do capital social e cuja gerência ficou a seu cargo e a cargo de outra sócio, conforme certidão da escritura pública outorgada no ... Cartório Notarial ..., a fls. 146 a 149 do Livro 307-D, cuja cópia consta de fls. 78 a 80, que se dá por reproduzida;

Z) No dia 17.01.2013, a A. remeteu à 1.ª R. uma comunicação eletrónica, com o seguinte teor, dirigida a GG: «Hoje fui ao médico por causa de um caroço que me apareceu na mama direita e ele diz que é um nódulo, nada de mau, mas que tem que se tirar. Amanhã pelas 15 horas vou tirar com anestesia local. Achas que a minha correção estética pode manter-se a data (14 Fevereiro)»;

AA) Nessa sequência, a referida GG remeteu, na mesma data, uma comunicação eletrónica à A., com o seguinte teor: «Não sei se não deverá aproveitar a cirurgia e o Dr. BB tira-lhe o nódulo e enviamos para análise. O que acha?»;

BB) No dia 18.01.2013, a A. remeteu à 1ª R. uma comunicação eletrónica, com o seguinte teor, dirigida a GG: «Conseguiu desmarcar a intervenção aqui. Mande o preço do Dr. BB para me tirar o nódulo»;

CC) Nessa sequência, a referida GG remeteu, na mesma data, uma comunicação eletrónica à A., com o seguinte teor: «O valor da remoção do sinal fica incluído a cirurgia»;

DD) O 2.° R. celebrou com a Axa Portugal - Companhia de Seguros, S.A., atual Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A., ao abrigo de um protocolo com a Ordem dos Médicos, um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice n.º ...32, com o capital seguro de € 600.000,00, limitado a 50% em cada sinistro, com uma franquia de 10% do valor dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de € 125,00, sujeito às condições particulares, especiais e gerais que constam de fls. 150v, 151 e 216 e que aqui se dão por integralmente reproduzidas, e que se mantém em vigor;

EE) O 2.° R. celebrou com a Axa Portugal - Companhia de Seguros, S.A., atual Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A., um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice n.° ...91, em que é tomadora do seguro a Ordem dos Médicos, com o capital seguro de € 15.000,00, sem franquia, sujeito às condições particulares, especiais e gerais que constam de fls. 152 a 156 e 218 a 224, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, nomeadamente, a cláusula 5.ª, n.º 1 das condições especiais;

Factos Enunciados nos Temas da Prova:

1. O nódulo retirado da mama direita da A. ficou na posse da 1.ª e do 2.º RR;

2. Os quais se obrigaram a remetê-lo para o laboratório, que habitualmente contratavam, para análise e diagnóstico histopatológico;

3. ...

4. O nódulo retirado da mama direita da A. foi entregue pela 1.ª R. a G....;

5. Pelo menos, nas consultas 26.02.2013 e de 17.03.2013 referidas na al. I), a A. procurou obter informações acerca do resultado da análise e do diagnóstico histopatológico do nódulo da mama direita;

6. Mas, foi-lhe sempre transmitido nessas consultas, pelo 1.° R., que a 2ª R. ainda não tinha conhecimento do resultado;

7. Na data referida na al. O) (22.07.2013), a A. e respetivo agregado familiar encontravam-se na respectiva morada de família, na cidade ...;

8. Dada a gravidade da situação, tornou-se imperioso adotar medidas e procedimentos terapêuticos urgentes;

9. A resposta mais rápida que a A. obteve foi da F.…, com sede na Av. ..., em ...;

10. No dia 26.07.2013, a A. foi submetida a consulta de oncologia e a exames auxiliares de diagnóstico analíticos e imagiológicos, na F.…;

11. Com o que despendeu € 519,50;

12. Nesse mesmo dia, a A. realizou todos os exames descritos no documento n.° 7 junto com a petição inicial (a fls. 29), nomeadamente TAC do tórax, do abdómen superior, pélvica com administração de contraste I.V., ecografia abdominal, ginecológica, ginecológica com sonda vaginal e análises ao sangue;

13. No dia 29.07.2013, a A. realizou, na F.…, cintigrafia óssea (corpo inteiro) e eletrocardiograma simples de 12 (doze) derivações com interpretação e relatório;

14. Com o que despendeu € 102,50;

15. A A. foi submetida a biópsia das lesões mamárias, que revelou tratar-se de um carcinoma invasivo, NST, com características de medular, G3, RE positivo fraco (3%), RP negativo, HER-IHC2+-FISH negativo, Ki67 100%;

16. Os exames de estadiamento, ou seja, a avaliação da extensão do tumor, revelaram a existência de uma lesão quística no ovário direito;

17. Após estes exames, assumiu-se o diagnóstico de carcinoma da mama localmente avançado;

18. A A. iniciou quimioterapia em contexto neoadjuvante com esquema ECx4 (4 ciclos) seguido de Paclitaxel x4 (4 ciclos - regime dose dense), tendo feito sete tratamentos de quimioterapia, na F.…, nos dias 31.07.2013, 13.08.2013, 12.09.2013, 26.09.2013, 10.10.2013, 24.10.2013 e 07.11.2013;

19. Com o que despendeu, respetivamente, os seguintes montantes: € 1.344,42, € 1.123,17, € 1.282,63, € 1.299,87, € 1.164,98, € 1.195,95 e € 1.220,61;

20. Nos períodos intercalares das sessões de quimioterapia, e para avaliação do respetivo estado clínico, a A. realizou os seguintes exames e consultas na F.…:

a) em 31/07/2013 realizou ressonância magnética (administração de contraste I.V.);

b) em 12/08/2013 compareceu a consulta de oncologia e realizou diversas análises clínicas;

c) em 12/08/2013 realizou exame histopatológico de peça cirúrgica complexa e revisão de diagnóstico;

d) em 28/08/2013 compareceu a consulta de oncologia e realizou diversas análises clínicas;

e) em 29/08/2013 foi-lhe introduzido um cateter i.v. com tunelização;

f) em 11/09/2013 compareceu a consulta de oncologia e realizou diversas análises clínicas;

g) em 11/10/2013 realizou análises à hemograma (eritrograma + leucócitos + fórmula leucocitária);

h) em 02/10/2013 realizou diversas análises clínicas;

i) em 26/09/2013 compareceu a consulta de oncologia;

j) em 26/09/2013 realizou um CA - 125;

k) em 23/10/2013 realizou diversas análises clínicas;

l) em 23/10/2013 compareceu a consulta de oncologia;

m) em 26/09/2013 realizou ecografia mamária, axilar, antigénio carcino - embrionário (CEA) e CA;

n) em 27/09/2013 realizou uma ressonância magnética (RM) do abdómen, pélvica com administração de contraste I.V.;

o) em 07/11/2013 realizou uma ressonância magnética (RM) mamária;

p) em 07/11/2013 fez administração de contraste I.V.

21. Com o que despendeu, respetivamente, os seguintes montantes:

a) € 60,00;

b) € 84,00;

c) € 170,00;

d) € 83,00;

e) € 480,00;

f) € 53,50;

g) € 4,00;

h) € 118,00;

i) € 40,00;

j) € 25,00;

k) € 30,00;

l) € 40,00;

m) € 136,00;

n) € 360,00;

o) € 150,00;

p) € 60,00;

22. A A. foi submetida a estudo genético - pesquisa de mutação BRCA1, cujo resultado foi negativo;

23. Em 05.12.2013, e de acordo com o estado da arte, a A. foi submetida, na Cruz Vermelha Portuguesa, a mastectomia direita, esvaziamento axilar, histerectomia total, anexectomia bilateral;

24. A A. esteve internada na Cruz Vermelha Portuguesa durante um período de tempo não apurado;

25. ...

26. ...

27. Entre o final da quimioterapia (QT) e a cirurgia, ocorreu progressão da doença na mama;

28. Após essa cirurgia, o estudo anátomo-patológico revelou: carcinoma residual de 60 mm, 17 gânglios negativos/5 com fibrose, triplo negativo, Ki67: 95% e teratoma benigno ovário direito e útero fibromatoso;

29. Em Dezembro de 2013, a A. realizou os seguintes exames e análises:

a) em 23/12/2013, imunohistoquimica por anticorpo;

b) em 26/12/2013 - ecografia abdominal;

c) em 26/12/2013 - análises clínicas;

30. Com o que despendeu, respetivamente, os seguintes montantes:

a) € 180,00;

b) € 39,00;

c) € 77,00;

31. Devido aos fatores de mau prognóstico, foi proposta à A., pela F.…, a realização de quatro ciclos adicionais de quimioterapia com docetaxel e carboplatino;

32. No dia 06.01.2014, a A. compareceu na consulta de radioterapia;

33. Com o que despendeu € 50,00;

34. Nessa sequência, a A.realizou a terapia referida no n.° 31, nos seguintes termos:

a) em 07.01.2014, a A. foi submetida ao primeiro ciclo;

b) em 28.01.2014, a A. foi submetida ao segundo ciclo e consulta;

c) em 18.02.2014, a A. foi submetida ao terceiro ciclo e consulta;

d) em 10.03.2014, a A. compareceu a nova consulta de radioterapia;

e) em 10.03.2014, a A. compareceu a consulta de oncologia e realizou análises;

f) em 17.03.2014, a A. foi submetida ao quarto ciclo;

35. Com o que despendeu, respetivamente, os seguintes montantes:

a) € 593,36;

b) € 661,46;

c) € 611,04;

d) € 40,00;

e) € 113,50;

f) € 613,21;

36. No período compreendido entre 7 a 24 de Abril de 2014, a A. realizou radioterapia adjuvante sobre a parede torácica e cadeias ganglionares;

37. Com o que despendeu € 3.500,00;

38. Em 22.04.2014, a A. realizou novas análises clínicas;

39. Com o que despendeu € 73,50;

40. Segundo as orientações médicas, a A. deve manter vigilância médica regular com a periodicidade de três meses e até aos três anos após a intervenção, da qual deve constar exame objetivo e avaliação analítica (com CA 15.3/CEA);

41. Depois dos três anos e até aos cinco anos, a A. deve proceder a tal avaliação de seis em seis meses;

42. A A. apresenta indicação para realizar avaliação imagiológica com periocidade anual (mamografia/ecografia mamária, ecografia abdominal, radiografia do tórax e cintigrafia óssea) ou de acordo com sintomatologia;

43. A A. realizou análises clínicas e em 23/07/2014 compareceu a consulta de Oncologia na F.…;

44. Com o que despendeu € 113,50;

45. Em 02/10/2014, a A. realizou os exames e análises;

46. Com o que despendeu € 424,50;

47. No dia 05.01.2015, a A. fez ecografia e análises ao sangue;

48. Com o que despendeu € 111,50;

49. Em Abril de 2015, a A. iniciou o processo de reconstrução mamária, por enxertos de gordura seriados;

50. Para tanto, em 14.04.2015, a A. foi submetida a consulta de cirurgia plástica e reconstrutiva e a exames e a análises clínicas;

51. Com o que despendeu € 169,00;

52. A A. realizou igualmente, na mesma data, RX tórax e eletrocardiograma simples de 12 derivações com interpretações e relatório;

53. No dia 15.04.2015, a A. foi submetida a consulta de oncologia;

54. Com o que despendeu € 40,00;

55. ...

56. No dia 21.04.015, a A. realizou a primeira sessão de reconstrução mamária, na F.…;

57. Com o que despendeu € 2.276,99;

58. A segunda sessão de reconstrução mamária ocorreu no dia 22.09.2015;

59. O custo da segunda sessão da reconstrução mamária foi orçamentado em € 1.519,47;

60. .

61. .

62. Em 23.04.2015 foram prescritas à A. doze sessões de fisioterapia do local mastectomizado (à direita), membro superior e abdómen;

63. Para tanto a A. despendeu, em 28.04.2015, a quantia de € 140,00;

64. No dia 10.07.2015, a A. foi submetida a nova consulta de oncologia na F.…;

65. Com o que despendeu € 40,00;

66. No dia anterior à consulta, a A. realizou análises clínicas;

67. Com o que despendeu € 83,50;

68. No dia 25/07/2013, a A. enviou uma carta registada com aviso de receção para L.…, solicitando informação relativamente à data em que foi enviado o material para análise e a data em que foi enviado o resultado para a 1.a R.;

69. Tal carta foi devolvida;

70. No dia 08/08/2013, a A. enviou nova comunicação de igual teor, que foi rececionada no dia 09/08/2013;

71. Nessa sequência, L.… informou a A. que: «a) Recebemos no L.… no dia 22 de Fevereiro de 2013 um produto de um nódulo da mama direita para analisar, proveniente do L.…, em nome de AA. b) No dia 25 de Fevereiro de 2013, após o processamento técnico, as lâminas foram vistas pela Dra. HH, Anatomopatologista, e foi elaborado um relatório preliminar. c) No dia 04 de Março de 2013, as lâminas foram revistas pelo Dr. DD, Anatomopatologista e Diretor Clínico, no âmbito do nosso controlo de qualidade, e foi então redigido e relatório final. d) No dia 05 de Março de 2013 o exame foi enviado via CTT para o L.…»;

72. No dia 06/08/2013, a A. dirigiu uma comunicação registada com aviso de receção a G... (laboratório de análises), recebida em 09/08/2013, solicitando informação relativamente à data em que foi levantado o material para análise e à data em que foi enviado o resultado para a 1.a R. ou para os L.…;

73. Tal laboratório respondeu à A. por carta datada de 08/09/2013, referindo que a 1.ª R. lhes solicitou para recolher a referida peça no dia 20.02.2013 para análise no L.… e no dia 05.03.2013 o Laboratório de Anatomia Patológica L.… emitiu o resultado da análise, tendo este sido entregue de imediato na 1.ª R., como habitualmente;

74. ...

75. Um carcinoma mamário invasor com grau histológico G3 significa e indica que o tumor é pouco diferenciado e, por isso, com agressividade muito maior;

76. Segundo a prática clínica, geralmente as mulheres mais jovens, com menos de 35 anos de idade, possuem uma evolução clínica pior do que as mulheres mais velhas, apresentando tumores com características prognósticas mais reservadas, como o grau histológico 3 (G3);

77. De acordo com alguns estudos, a idade jovem pode ser um fator de prognóstico mais reservado, o que, também, depende do tipo de tumor;

78. O lapso de tempo que mediou entre, por um lado, a extração do nódulo e o envio do mesmo para análise e, por outro lado, o acesso ao conhecimento do resultado histológico para posterior decisão terapêutica, atrasou o início desta e o acompanhamento clínico da A.;

79. ...

80. Após o conhecimento do resultado do exame referido na al. P), a vida da A. passou a ser um tumulto de emoções, medos, tristeza, angústia e ansiedade;

81. A A. não deixa de pensar que se tivesse tido conhecimento daquele resultado alguns meses antes, as consequências seriam inevitavelmente diferentes;

82. Na sequência da progressão da doença e de cada uma das sessões de quimioterapia, a A. sofreu os seus efeitos secundários, tais como fortes dores em todo o corpo, sobretudo na cabeça, cansaço, vómitos e náuseas frequentes;

83. Nos cinco dias subsequentes a cada uma das sessões de quimioterapia, a A. permanecia acamada num estado de completa letargia;

84. Após as sessões de radioterapia, a A. tinha sintomas idênticos, agravados com a perda de memória;

85. Os tratamentos a que a A. foi sujeita potenciam o estado de menopausa precoce, com mau estar geral e afrontamentos;

86. Devido às lesões de que padeceu e ao esgotamento nervoso que as mesmas originaram, a A. não conseguia sequer dormir e descansar conveniente;

87. A A. andava, permanentemente, esquecida, irritada e em estado de letargia completa;

88. Até data não apurada, a A. tomou tranquilizantes e antidepressivos, que obstavam à sua plena capacidade psicomotora e a deixavam numa apatia constante;

89. A A. sofreu dores, tristeza e desgostos profundos por não poder tratar do filho;

90. A A. vivia em constante pânico da recorrência da neoplasia e de continuar a ser dependente de tranquilizantes, antidepressivos e tratamentos consecutivos;

91. Durante mais de um ano de tratamentos, consultas, exames e cirurgias, a A. esteve impedida de tratar, cuidar e acompanhar, de forma plena, o crescimento do filho;

92.O que agravou ainda mais o estado de ansiedade e depressão da A.;

93. O marido da A. também ficou impedido de cuidar do filho de forma plena, pois era ele que a acompanhava e estava sempre ao seu lado para lhe dar toda assistência, apoio e cuidados que a mesma necessitava;

94. Dada a impossibilidade da A. tratar do filho, foi a avó materna que dele cuidou, durante período de tempo não concretamente apurado, tendo, para tanto, que vir viver temporariamente para a cidade ...;

95. A mãe da A. vive na cidade ..., em ..., onde tem o respetivo agregado familiar;

96. ...

97. ...

98. A A. tem o curso de Marketing, Relações Públicas e Publicidade;

99. O marido da A. é licenciado em Direito, trabalhando por conta da P..., S.A.;

100. O marido da A. é, também, consultor na área de gestão de recursos humanos e desenvolvimento organizacional;

101. A A. e respetivo agregado familiar, constituído pelo marido e filho, têm residência em Portugal, na cidade ...;

102. Mas deslocam-se com frequência para ..., ..., onde desenvolvem atividades complementares às respetivas atividades profissionais;

103. Durante cerca de dez meses, a A. teve que se deslocar da sua residência, em ..., para as consultas e tratamentos em ...;

104.E, por vezes, teve que permanecer em hotéis;

105. Nessas deslocações e estadias a A. era e tinha de ser sempre acompanhada por uma pessoa que, neste caso, era o marido;

106. Entre a residência da A. em ... e ... distam cerca de 290 Km;

107. A A. fez deslocou-se em veículo próprio para ir a consultas, exames médicos e sessões de quimioterapia;

108. A A. despendeu gasolina e suportou o desgaste normal do veículo próprio face a tais deslocações;

109. ...

110. Na sequência de todos os tratamentos e consultas, a A. e marido tiverem que pernoitar em hotéis nos seguintes dias e suportaram os seguintes dispêndios:

-noite de 25/07/2013 para 26/07/2013 no Hotel ..., fatura nr.° ...71 no montante de € 139,25;

-noite de 12/08/2013 para 13/08/2013 no Hotel ..., fatura nr.° ...3 no montante de € 90,00;

-noite de 28/08/2013 para 29/08/2013 no Hotel ..., fatura nr.° ...61 no montante de € 114,50;

-noite de 11/09/2013 para 12/09/2013 no Hotel ..., fatura nr.° ...28 no montante de € 119,00;

-noite de 26/09/2013 para 27/09/2013 no Hotel ..., fatura nr.° ...3 e ...3 no montante de € 4,50 e 175,00 respetivamente;

- noite de 02/10/2013 para 03/10/2013 no Hotel ..., fatura nr.° ...3 no montante de € 110,10;

-noite de 06/11/2013 para 07/11/2013 no Hotel ..., fatura nr.° ...07 no montante de € 83,30;

-noite de 04/12/2013 para 09/12/2013 no Hotel ..., fatura nr.° ...86 no montante de € 271,60;

- noite de 09/12/2013 para 18/12/2013 no Hotel ..., fatura nr.° ...01 e ...20 no montante de € 411,40 e de € 45,50 respetivamente;

- noite de 23/12/2013 para 24/12/2013 no Hotel ..., Nr.° de Reserva ...38 no montante de € 60,00;

- noite de 26/12/2013 para 28/12/2013 no Hotel ..., Nr.° de Reserva ...52 no montante de € 120,00;

- noite de 06/01/2014 para 07/01/2014 no Hotel ..., fatura nr.° ...45 no montante de € 85,50;

- noite de 07/01/2014 para 08/01/2014 no Hotel ..., fatura nr.° ...63 no montante de € 79,00;

- noite de 17/01/2014 para 18/01/2014 no Hotel ..., fatura nr.° ...4 no montante de € 76,00;

- noite de 27/01/2014 para 28/01/2014 no Hotel ..., fatura nr.° ...4 no montante de € 60,00;

- noite de 16/02/2014 para 17/02/2014 no ..., fatura nr.° ...04 no montante de € 73,00;

- noite de 10/03/2014 para 11/03/2014 no Hotel ..., fatura nr.° ...4 no montante de € 80,00;

- noite de 09/04/2014 para 11/04/2014 no Hotel ..., fatura nr.° ...4 no montante de € 150,00;

- noite de 14/04/2014 para 17/04/2014 no Hotel ..., Nr.° de Reserva ...43 no montante de € 207,00;

- noite de 27/04/2014 para 28/04/2014 no Hotel ..., fatura nr.° ...93 no montante de € 39,75;

- noite de 21/04/2014 para 23/04/2014 em Apartamento ..., Nr.° de Reserva ...86 no montante e de € 240,00;

- noite de 23/04/2014 para 24/04/2014 em Apartamento ..., Nr.° de ... no montante de € 90,00;

- noite de 22/07/2014 para 23/07/2014 em Apartamento ..., Nr.° de Reserva ...05 no montante de € 160,00;

111. A A. era uma mulher trabalhadora e em plena capacidade produtiva;

112. ...

113. A A. sofre de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos, resultante do processo de tratamento da neoplasia maligna da mama;

114. ...

115. Devido ao processo de tratamento da neoplasia maligna da mama, a A. sofre de uma perturbação ligeira da memória;

116. A A. apresenta uma limitação funcional ligeira na utilização do membro superior direito, traduzida na dificuldade em fazer força com o mesmo, edema e desconforto a esse nível em alguns períodos;

117. ...

118. Desde julho de 2013, a A. esteve impedida de pegar no filho ao colo em alguns períodos;

119. O que consta do n.º 116 são efeitos secundários do esvaziamento axilar cirúrgico e da radioterapia;

120. ...

121. Nas despesas referidas nos n.ºs 10 a 20 e 29 a 67, a A. teve a comparticipação da Associação ..., no montante total de € 11.809,15, só tendo suportado o montante de € 13.786,73;

122. A A. sofreu e sofre dores intensas, incómodos e um desgosto profundo em virtude da transformação que a sua vida levou;

123. A A. era uma mulher alegre, divertida, bem-disposta, muito apegada à vida, e gostava de conviver com os amigos e familiares;

124. E, desde 26.07.2013 e até data não apurada, deixou de o fazer, porque a sua debilidade física e anímica (psíquica) não lho permitia;

125. Quando regressava a casa dos tratamentos e consultas, a A. casa fechava-se no quarto, não querendo conviver com ninguém;

127. Durante um período de tempo não apurado, a A. não recebeu amigos e familiares em casa;

128. Durante um período de tempo não apurado, a A. não ia a quaisquer eventos para os quais era convidada e não saía para tomar um café ou conviver com os amigos;

129. A A. e marido previam e desejavam ter e criar outros filhos;

130. O que ficou completamente afastado em face da situação da A. supra descrita;

131. Entre a A. e o seu marido deixou de haver sexualidade, o que abalou profundamente a relação de ambos;

132. A A. sofreu um fortíssimo abalo na sua autoestima;

133 e 134. A A. ficou com as cicatrizes melhores descritas no relatório pericial de fls. 525 e verso dos autos, que aqui se dá por reproduzido;

135. Tais cicatrizes muito marcam a A. do ponto de vista psicológico e estético e trazem-lhe amargura;

136. Durante os tratamentos supra descritos, caiu todo o cabelo da A.;

137. ...

138. ...

139. Pelos serviços referidos nas als. D) a I) a A. pagou à 1.° R. a quantia de € 10.515,00;

140. .

141. ...

142. Quando a A. consultou o 2.º R., pela primeira vez, em 15.01.2013, a A. não disse que tinha um nódulo mamário;

143. O objetivo dessa consulta foi, tão-somente, a preparação de uma cirurgia estética à mama - mamoplastia de aumento - com vista a melhorar o seu aspeto estético;

144. Nessa altura, a A. não apresentou ao 2.º R. quaisquer indícios clínicos ou queixas sobre a possibilidade de existência de um tumor maligno;

145. O 2.º R. solicitou à A. a realização de alguns exames clínicos, nomeadamente, eletrocardiograma, mamografia, ecografia mamária, análises ao sangue e urina;

146. Antes da cirurgia de 14.02.2013, a A. exibiu ao 2.º R. o eletrocardiograma e as análises ao sangue realizadas em 31.01.2013, bem como a ecografia mamária realizada em 10.01.2013 e a mamografia realizada em 01.02.2013;

147. A ecografia mamária de 10.01.2013 apontava para a benignidade do nódulo detetado, sendo que a mamografia de 01.02.2013 apontava para a benignidade dos nódulos detetados, mas alertava para a necessidade de investigação (biópsia) do nódulo da axila direita, pela sua localização e dimensão;

148. ...

149. A cirurgia de 14.02.2013 decorreu com normalidade, sem quaisquer problemas no antes e pós-operatório;

150. No dia 20.02.2013, o nódulo extraído da mama direita da A. foi enviado para análise ao G.…;

151. O que o 2.° R. fez por ser sua prática comum, de mera precaução, e não porque tivesse qualquer preocupação em particular sobre o assunto;

152. O 2.º R. pediu a análise ao nódulo por fazer parte da rotina, com o conhecimento e consentimento da A.;

153. ...

154. Os médicos Dr. HH, anatomopatologista, e Dr. DD, anatomopatologista e diretor clínico dos L.… não contactaram o 2.º R. ou qualquer funcionário da 1.ª R. para lhes dar conhecimento do resultado da análise ao tumor da A., como é habitual nestas situações;

155. O 2.º R. não foi informado da suspeita da presença de células neoplásicas, mesmo antes do diagnóstico anatomopatológico definitivo;

156. ...

158. A A. teria que ser submetida a tratamentos, nomeadamente, quimioterapia, ainda que a doença tivesse sido detetada, imediatamente, à data da cirurgia de 14.02.2013, sendo que esses tratamentos dependeriam do estádio evolutivo da doença, da localização, extensão e dimensão do tumor e das lesões existentes, o que se desconhece e já não é possível apurar, bem como dos protocolos terapêuticos vigentes à data;

159. ...

Factos Não Provados:

a) que os RR. se tenham obrigado a dar, de imediato, conhecimento à A. do resultado da análise e diagnóstico histopatológico ao nódulo retirado da mama direita da A.;

b) que o nódulo retirado da mama direita da A. tenha sido entregue pela 1.ª R. a Dr. DD, Laboratório de Anatomia Patológica, S.A.;

c) que na consulta de 02.03.2013 referida na al. I), a A. tenha procurado obter informações acerca do resultado da análise e do diagnóstico histopatológico do nódulo da mama direita;

d) que, após vinte e quatro horas de pós-operatório e durante esse internamento, por falências das veias periféricas, tenha sido necessária a colocação de novo cateter venoso central;

e) que, em virtude de ter ocorrido hemorragia interna, a A. tenha ido novamente ao bloco operatório nas quarenta e oito horas seguintes à intervenção;

f) que o processo de reconstrução mamária compreenda quatro sessões: a primeira e segunda sessões destinam-se a proceder a excertos de músculo e gordura; a terceira fase destina-se à colocação de gordura e silicone; a quarta fase destina-se à reconstrução da auréola e mamilo;

g) que a A. tenha sido submetida à terceira sessão de reconstrução mamária em Abril de 2016 e à quarta sessão em Agosto de 2016;

h) que a realização destas sessões e o sucesso da reconstrução mamária dependa do estado de saúde da A. e da não rejeição dos excertos;

i) que os 1.ª e 2.º RR. tivessem tido efetivo conhecimento do resultado da análise e diagnóstico histológico referido na al. P) em março de 2013.

j) que, para além do que consta do n.º 77, a idade jovem seja e permaneça como fator preditivo significativo de recorrência e morte;

k) que a progressão da doença e os danos sofridos pela A. não tivessem ocorrido, caso os RR. tivessem comunicado à A. o resultado do exame da análise histológica e respetivo diagnóstico, logo em março de 2013;

l) que devido ao estado clínico da A. e para minimizar qualquer risco de infeções que o seu filho poderia transportar para casa, o mesmo tivesse estado impedido de frequentar infantários e atividades desportivas, como natação, e tivesse de permanecer em casa com a avó, não tendo contacto com outras crianças;

m) que tal situação, por ter posto em causa o processo de socialização do filho, tivesse deixado a A. triste e apreensiva;

n) que a A. tenha feito, pelo menos, 9114 Km em veículo próprio para se deslocar para consultas, exames médicos e sessões de quimioterapia;

o) que, em portagens, a A. tenha despendido, pelo menos, € 1.005,20;

p) que a A. tenha sofrido incapacidade total para o trabalho desde o dia 26/07/2013 até abril de 2014;

q) que, a partir de abril de 2014, a A. tenha passado a sofrer de uma incapacidade parcial permanente;

r) que a A. se canse com muita facilidade;

s) que, para além do que consta do n.° 115, após os tratamentos, a memória da A. esteja profundamente afetada, tendo profundas alterações amnésicas;

t) que o braço direito da A. não possa suportar pesos de mais de um quilo, não possa ser picada, nem sequer medir a tensão arterial;

u) que, para além do que consta do n.º 118, a A. nunca tenha podido pegar no filho ao colo desde julho de 2013;

v) que, devido ao não exercício da sua atividade, no ramo da comercialização de vestuário e calçado, a A. tenha tido prejuízos;

w) e que esses prejuízos sejam em montante nunca inferior a € 2.500,00 mensais, desde 26.07.2013 e até abril de 2014;

x) que, no mês de dezembro de 2014, a A. não tenha comparecido a dois casamentos nos dias 16 e 20 na cidade ... em ..., devido ao estado em que se encontra;

y) que, para além do que consta do n.º 127, a A. nunca mais tenha recebido amigos e familiares em casa;

z) que, para além do que consta do n.º 128, a A. não vá a quaisquer eventos para os quais é convidada e que tenha deixado de sair para tomar um café ou conviver com os amigos;

aa) que, nos últimos tratamentos a que a A. foi submetida para a reconstrução mamária, a anestesia lhe tenha causado dores intensas nos sítios intervencionados, nomeadamente na barriga e nas pernas (partes interiores da coxa);

bb) que a A. tenha ficado com extensos hematomas dolorosos nas pernas e barriga, que ainda demoraram muitos dias a desaparecer;

cc) que, pelos serviços referidos nas als. D) a I), a A. tenha pago à 1.a R. a quantia de € 12.700,00, mas que só tenham sido enviados à A. recibos correspondentes à quantia de € 10.515,00;

dd) que os RR. tenham comunicado à A. o resultado do exame referido na al. P) no próprio dia em que dele tomaram conhecimento;

ee) que não decorresse dos demais exames qualquer doença ou sintoma da existência de um tumor maligno;

ff) que nas três consultas referidas na al. I) nunca tenha sido abordada a questão das análises ao nódulo, quer pelo 2.° R., quer pela A. e seu marido;

gg) que os RR só tenham tido conhecimento do resultado da análise ao nódulo da A. em 22.07.2013, data em que o laboratório o enviou para a 1ª R., via correio eletrónico, na sequência da solicitação da diretora clínica da 1ª R.;

hh) que a A. tenha solicitado aos RR. o resultado das análises, pela primeira vez, em 18.07.2013;

ii) que se o 2.º R. suspeitasse que a A. tinha um tumor maligno não tinha realizado à A. a mamoplastia, tendo enviado de imediato a A. para consulta num médico de especialidade oncológica.

Conhecendo:


I


A concreta facticidade dos presentes autos reconduz-se a um invocado “dano de perda de chance”, ocorrido na esfera jurídica da Autora, por força de um diagnóstico em atraso, por parte do médico e da clínica onde aquele prestava serviço.

O resultado de um determinado exame histológico, no sentido da existência de uma neoplasia da mama, foi comunicado à Autora num período superior a quatro meses, com relação ao tempo da respectiva extracção cirúrgica, quando deveriam mediar duas semanas como tempo máximo para o diagnóstico.

A primeira impugnação constante do recurso dos RR. prende-se com a inexistência de qualquer violação, a cargo dos RR., de um dever contratual, designadamente o dever acessório de informação – não se encontraria assim preenchido, no modo de ver dos Recorrentes, o requisito da ilicitude, quanto à responsabilidade médica.

Diversas razões para tal concorrem, na alegação dos RR.:

-a obrigação dos RR. era limitada aos esclarecimentos relativos à cirurgia estética em si; a extracção do nódulo e envio para o laboratório constituiu uma liberalidade dos RR., a favor da Autora;

- não ficou demonstrado que os RR. tivessem tido conhecimento do resultado da análise em data anterior à data em que deram conhecimento à Autora do resultado;

- não existiam razões que justificassem uma obrigação dos RR. de terem diligenciado activamente pela obtenção do resultado – não havia suspeita de malignidade e a conduta usual dos laboratórios é a de, em tais casos, avisar de imediato; a Ré era acompanhada na especialidade de mama e ginecologia, que foi quem teve a iniciativa de recomendar a extracção do nódulo; a Autora desinteressou-se do resultado.

Pois bem: na decorrência da norma do art.º 483.º n.º 2 CCiv, o acto ilícito vem a constituir a violação de um dever, o que implica a existência desse dever e a destinação do comando a seres inteligentes e livres que podem obedecer-lhe e também a prática voluntária de uma conduta diferente da devida – Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 1995, pg. 68.

A ilicitude envolve sempre um juízo de reprovação – não se fez, podendo fazer-se, aquilo que se devia ter feito (Pessoa Jorge, op. e loc. cits.).

A pronúncia sobre o requisito da ilicitude permitir-nos-á, eventualmente, afirmar um outro pressuposto da responsabilidade civil, a culpa, fundados na presunção estabelecida no art.º 799.º n.º 1 CCiv (cf. Vaz Serra, para os casos da responsabilidade do médico - ou do advogado, na responsabilidade contratual, Culpa do Devedor ou do Agente, Bol.68/82 e 83, e Sinde Monteiro, R.L.J., 132/93, nota 156).

No caso dos autos, estamos perante um invocado atraso na comunicação de um diagnóstico de patologia médica.

Não um erro na detecção de uma doença, mas uma falta de detecção, em tempo devido, de determinada doença.

Na responsabilidade médica, assume clara importância o conteúdo das leges artis que regulam o respectivo exercício e, portanto, haverá que indagar se o atraso na comunicação do diagnóstico à paciente importou violação das leges artis do exercício da medicina.

Ora, em primeiro lugar, a afirmação de que a extracção do nódulo estava fora do âmbito da prestação de serviços médicos dos RR., não se enquadra na factualidade demonstrada.

Como se pode extrair claramente dos factos Z) a CC), a cirurgia englobava a extracção do nódulo detectado por um médico terceiro, e que era já do conhecimento da Autora, razão pela qual a intervenção cirúrgica tanto englobava uma mamoplastia, como a exérese do nódulo (cf. directamente o facto E).

Neste contexto, “face à importância do exame histopatológico, a análise da peça cirúrgica deve ser imediata e, quando existe suspeita ou confirmação de malignidade, deve ser de imediato comunicada ao paciente” (facto S).

No caso dos autos, existia confirmação de malignidade (pese embora inexistisse forte suspeita prévia).

Esta confirmação de malignidade deveria ter desencadeado a iniciativa médica de comunicação à doente do resultado histológico, a fim de serem desencadeados, de imediato, determinados procedimentos de diagnóstico e tratamento.

Dizem os RR. que não ficou demonstrado que eles RR. tivessem tido conhecimento do resultado da análise em data anterior à data em que deram conhecimento à Autora do resultado e que não existiam razões que justificassem uma obrigação dos RR. de terem diligenciado activamente pela obtenção do resultado, pois não havia suspeita de malignidade e a Autora se desinteressou do resultado.

Quanto à diligência pela obtenção do resultado, ela sempre deve ser afirmada, no contexto dos autos – não a afirmar, seria contraditório com a conduta de remoção de peça cirúrgica por suspeita, ou simples possibilidade, de malignidade.

O desinteresse da Autora não é confirmado pelos factos apurados, que revelam que, nas consultas de Fevereiro e Março referidas em I), a Autora procurou obter informações sobre o resultado do exame.

Por outro lado, como atrás salientamos, este tipo de exame nunca demora mais de duas semanas até ao conhecimento do resultado pelo médico que o solicitou (facto X).

Acresce que (facto 75) “um carcinoma mamário invasor com grau histológico G3 significa e indica que o tumor é pouco diferenciado e, por isso, com agressividade muito maior, (76) “segundo a prática clínica, geralmente as mulheres mais jovens, com menos de 35 anos de idade, possuem uma evolução clínica pior do que as mulheres mais velhas, apresentando tumores com características prognósticas mais reservadas, como o grau histológico 3 (G3)” e que (78) “o lapso de tempo que mediou entre, por um lado, a extração do nódulo e o envio do mesmo para análise e, por outro lado, o acesso ao conhecimento do resultado histológico para posterior decisão terapêutica, atrasou o início desta e o acompanhamento clínico da Autora”.

O laboratório que colaborou com a 1.ª Ré informou que o resultado da análise foi entregue na 1.ª Ré em 5/3/2013 – os factos provados em 71 e 73 reportam-se às declarações dos laboratórios envolvidos, que não ao facto comprovado do conhecimento pela Autora do resultado do exame (tal comprovação é inexistente no processo).

Esta matéria, porém, não deve fazer desviar a atenção argumentativa da responsabilidade dos RR. clínica e médico.

Na verdade, a responsabilidade da clínica e do seu colaborador médico (a responsabilização de ambos, face à teia de relações relevantes que mantêm, é inequívoca) não prescinde da conclusão que decorre da norma do art.º 800.º n.º 1 CCiv, de que “o devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor”.

Nesse sentido, a obrigação da clínica e do médico que realizou a cirurgia era, perante a paciente/credora, uma obrigação de resultado, precisamente o de comunicar as conclusões do exame anátomo-patológico e de encaminhar a paciente para o tratamento respectivo, eventualmente perante outra especialidade.

E de, mesmo perante o possível atraso na comunicação do resultado, a cargo do colaborador, não deixar de indagar pelo resultado da análise, a fim de informar a paciente, não relevando, a este propósito, o facto de a paciente apontar para a benignidade do nódulo, antes da operação cirúrgica, ou mesmo pelo seu estado de espírito posterior, posto que não é o estado de espírito do paciente que determina as obrigações decorrentes da leges artis médica – pelo contrário, é o resultado da boa aplicação da leges artis que pode determinar o paciente a encarar com seriedade as patologias de que sofre e que incumbe ao médico decifrar.


II


Quanto ao dano de “perda de chance”, vem alegado que os factos provados afastam o nexo de causalidade entre o atraso no conhecimento do resultado do exame, a evolução da doença e a necessidade dos tratamentos a que a Autora teve que ser sujeita, e que não foi produzida qualquer prova do dano de perda de chance.

Ora, salvo o devido respeito, o que está em causa na “perda de chance” não é a prova de um dano real e efectivo, decorrente dessa perda de chance.

Ou, na inversa, não está em causa não se ter provado que o dano final não teria ocorrido, em todo o caso (al. k).

Existe uma perda demonstrada – a progressão da doença da mama foi evidente, no final da quimioterapia, mas até antes, sendo que “o prognóstico dos tumores malignos é afectado se existir atraso no início da terapêutica, sendo desejável que esta seja implementada o mais cedo possível após o conhecimento do disgnóstico” e que, “no caso presente, o tumor mostrou ser clinicamente agressivo, pois houve progressão clínica entre as duas fases do tratamento, quimioterápica e cirúrgica” (veja-se o relatório de medicina legal de 11/1/2018, constante dos autos).

Para além do mais, a matéria de facto provada espelha bem a intensividade do tratamento a que a Autora se submeteu, imediatamente após a confirmação, no mês de Julho de 2013, em consultas de oncologia, exames diversos e tratamento quimioterápico, que culminaram com mastectomia direita, no dia 5/12/2013.

É assim claro que, entre o final da quimioterapia e a cirurgia, ocorreu a progressão da doença oncológica (facto 27).

Mostram-se assim plenamente comprovados os dois componentes da “perda de chance” (cf. Vera Lúcia Raposo, O Dano da Perda de Chance em Especial na Responsabilidade Médica, RMP, 138/11, 16, 17, 18 e 38):

- a perda actual e efectiva;

- a possibilidade favorável, real e séria, de que o dano não tivesse assumido a extensão que evidenciou, e que obrigou, entre o mais, comprovadamente, à mastectomia.

Face à natureza comprovada da doença, pode afirmar-se a grande probabilidade de a oportunidade perdida ter contribuído para o agravamento das consequências da doença.

E assim, o que o invocado dano de perda de chance permite é a antecipação da localização do dano, posto que o nexo de causalidade não se estabelece entre a conduta ilícita e culposa e o dano final sofrido, mas antes entre a referida conduta e a perda de uma possibilidade.

O dano encontra-se assim nos casos intermédios, entre a certeza de que não existiu causalidade e a certeza jurídica da sua existência, sendo de afirmar que existe nexo causal na hipótese de um dano intermédio, diferente do dano final.

O que se indemniza não é uma realidade, mas uma possibilidade.

E dentro das possibilidades, uma probabilidade, não uma mera expectativa.

A extensão das lesões geradas pelo tratamento tardio, com causa no atraso no diagnóstico, constitui assim, no caso vertente, o dano indemnizável.

A jurisprudência acolhe o dano de perda de “chance”, como se demonstrou no AUJ de 5/7/2021, pº 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A, ainda que proferido no domínio do processo judicial: “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado a prova de tal consistência e seriedade”.


III

Este dano indemnizável, na perda de chance, virá assim a constituir, em tese, uma percentagem do dano final e definitivo.

Adaptando ao caso o que se escreveu no Ac.S.T.J. 15/11/2018 (rel. Maria Rosa Tching), p.º 296/16.6T8GRD.C1.S2, haveria que proceder a três operações:

-avaliar primeiro qual o valor económico da expectativa de tratamento da neoplasia, menos penalizador, em termos de consequências definitivas para a saúde ou para a integridade física;

- de seguida, a probabilidade que existiria de o alcançar, não fora a ocorrência do acto antijurídico;

- finalmente, este segundo valor, calculado numa percentagem – traduzindo a consistência e a seriedade das “chances” – aplicar-se-ia ao primeiro, para que se pudesse finalmente obter o valor pecuniário do dano da “perda de chance”.

Porém, não sendo possível fixar a probabilidade da chance, o tribunal deve julgar com recurso à equidade, em conformidade com o disposto no art.º 566.º n.º 3 CCiv.

Resultando a responsabilidade civil da violação de uma obrigação de resultado, o que está em causa é saber se existe realmente um dano patrimonial sofrido pelo lesado em resultado da perda de oportunidade de melhor e menos penalizador tratamento, havendo que apurar se esta perda se iria ou não traduzir em diversa situação patrimonial.

De salientar, igualmente, que, conforme doutrinou o Ac.S.T.J. 7/6/2011, p.º 3042/06.9TBPNF.P1.S1 (rel. Lopes do Rego), e é usualmente assumido neste S.T.J.: “Mais do que discutir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis (…)”.


IV

Ora, como salientou o acórdão recorrido – “a quantificação a fazer revela-se particularmente difícil, não se patenteando que seja viável o recurso a operações matemáticas na determinação do montante que deverá ressarcir a perda de chance, até porque também padeceria de dificuldade, ainda que menor a contabilização do quantum indemnizatório relativamente à globalidade dos prejuízos indicados e sofridos pela Apelante”.

Deste modo, recorreu o acórdão ao disposto no mencionado n.º 3, do art.º 566 CCiv, achando o montante devido “com recurso a critérios de equidade, atendendo ao quadro descrito vivenciado pela Apelante, com marcas indeléveis no corpo e no espírito, por um lado, e a conduta dos Recorridos em termos dos cuidados exigíveis, não descurando a situação económica, conhecida da Recorrente e presumível dos Apelados, entendendo-se assim como equilibrada, à luz dos valores e realidade atuais, o montante de 50.000,00€”.

De facto, a consequência indemnizatória não pode centrar-se ou sobrelevar o ressarcimento das despesas tidas com o tratamento do carcinoma, enquanto simples soma de despesas, considerando que o tratamento deveria sempre ocorrer, mesmo na hipótese de diagnóstico em tempo – deverá antes realçar a perda que, para a feminilidade e decorrente autoestima da Autora, constituiu a mastectomia que, em caso de tratamento no tempo em que a doença podia e devia ter sido detectada, teria possibilidade, ou probabilidade, de ser evitada.

O tratamento da neoplasia maligna ocasionou aliás na Autora um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos (facto 113) – acresce o dano estético permanente, fixável no grau 5, numa escala de 7, e o dano permanente na actividade sexual (prejuízo sexual), igualmente fixável no grau 5, numa escala de 7.

Por outro lado, a Autora padece de perturbação de stress pós-traumático, como decorre da avaliação médico-legal, com origem no processo de diagnóstico e tratamento da sua doença oncológica.

É esse dano global sofrido quiçá melhor caracterizado como dano biológico, resultante de um facto lesivo para a saúde “de per se” e constituindo uma categoria autónoma, não apenas por referência à esfera produtiva, mas também por referência à esfera espiritual, cultural, afectiva, social e de qualquer outro âmbito e modo em que o sujeito envolva a respectiva personalidade; como tal, em suma, em todas as actividades em que a pessoa humana se realize, um dano que pode ser enquadrado nos danos patrimoniais ou nos danos não patrimoniais sofridos, visto que a jurisprudência não se encontra ligada a conceitos estanques e que precisamente o art.º 566.º n.º 3 CCiv permite a avaliação do dano patrimonial com fundamento na equidade.

Relembrando também a noção de dano não patrimonial da doutrina: o dano “insusceptível de avaliação em dinheiro” (Pessoa Jorge, Lições, 75/76, pg. 487).

Trata-se assim de um dano ressarcível, mas integrado, seja numa componente do dano patrimonial, seja numa componente do dano não patrimonial (aqui por ponderação da respectiva gravidade – art.º 496.º n.º 1 CCiv), tudo dependendo das consequências do dano, respectiva relevância e, em termos jurídico-formais e práticos, da alegação das partes.

Nesse sentido, não se justifica o acréscimo, à compensação encontrada no acórdão recorrido, de uma indemnização por perda de capacidade aquisitiva ou ainda pelo dano não patrimonial decorrente de outros danos que não os danos evidentes provocados pelo agravamento do tratamento e suas consequências – e que se evidenciam sobre o mais na mastectomia realizada.

Pelo contrário, o valor encontrado (€ 50 000) e os parâmetros de que o acórdão recorrido se fez valer, pese a sua singeleza, mostram-se inteiramente justificados, à luz da lei aplicável, na sua conjugação com os factos provados, sendo certo que não se conhecem casos análogos na jurisprudência que possam fundamentar um dano de “perda de chance” com as consequências probabilísticas que o dano dos autos revela, designadamente na sua componente fáctica.


Concluindo:

I – Na responsabilidade médica, assume importância o conteúdo das leges artis que regulam o respectivo exercício; no caso, haverá que indagar se o atraso na comunicação do diagnóstico à paciente importou violação das leges artis do exercício da medicina.

II – A responsabilidade da clínica e do seu colaborador médico não prescinde da conclusão que decorre da norma do art.º 800.º n.º 1 CCiv, quanto à responsabilidade do devedor perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para cumprimento da obrigação; assim,  a obrigação da clínica e do médico que realizou a cirurgia era, perante a paciente/credora, uma obrigação de resultado, que se concretizava em comunicar ao paciente, em devido tempo, as conclusões de um exame anátomo-patológico.

III – O que o dano de perda de chance permite é a antecipação da localização do dano, posto que o nexo de causalidade não se estabelece entre a conduta ilícita e culposa e o dano final sofrido, mas antes entre a referida conduta e a perda de uma possibilidade - existe nexo causal na hipótese de um dano intermédio, diferente do dano final.

IV - A extensão das lesões geradas pelo tratamento tardio, com causa no atraso no diagnóstico, constitui um dano indemnizável.

V - Não sendo possível fixar a probabilidade da chance, o tribunal deve julgar com recurso à equidade, em conformidade com o disposto no art.º 566.º n.º 3 CCiv.

VI - O tratamento de uma neoplasia maligna, que ocasionou um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos, acrescendo um dano estético permanente, fixável no grau 5, numa escala de 7, e um dano permanente na actividade sexual (prejuízo sexual), fixável no grau 5, numa escala de 7, e incluindo uma perturbação de stress pós-traumático, revela um dano global, melhor caracterizado como dano biológico, resultante de um facto lesivo para a saúde “de per se” e constituindo uma categoria autónoma, não apenas por referência à esfera produtiva, mas também por referência à esfera espiritual, cultural, afectiva, social e de qualquer outro âmbito e modo em que o sujeito envolva a respectiva personalidade, cuja avaliação se permite, nos termos do art.º 566.º n.º 3 CCiv, com fundamento na equidade.

VII – No caso dos autos, o valor de € 50 000, atribuído ao dano de perda de chance, por via de um diagnóstico de histopatologia, cuja comunicação à paciente foi atrasada por mais de 4 meses, mostra-se equilibrado e não ofende os padrões habituais da jurisprudência.

Decisão:

Negam-se as revistas.

Custas pelos Recorrentes.


STJ, 23/6/2022


Vieira e Cunha (relator)

Ana Paula Lobo                                              

Manuel Tomé Soares Gomes