Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
20183/17.0T8LSB.L1.S2
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE COMUNICAÇÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
CONDUÇÃO DE MOTOCICLO
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – PARTE GERAL / RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º E SEGUINTES.
Sumário :

1. Estando provado que o segurador cumpriu o dever de comunicar as cláusulas do contrato, não se pode concluir que o dever de informar também foi cumprido;
2. O dever de informar insere-se no objectivo de permitir que a parte tome uma decisão informada e esclarecida;
3. Não tendo sido solicitados esclarecimentos sobre o teor de uma cláusula de exclusão, constando da proposta que o segurado se deslocava habitualmente de carro, e não tendo sido provado que o mediador conhecia da sua utilização de motos, não se considera que o segurador tivesse que esclarecer melhor o sentido da cláusula de exclusão de responsabilidade relativa à utilização de viatura de duas rodas.
4. Na determinação do risco assumido em seguro de acidentes pessoais facultativo ter-se-á de atender a todas as disposições contratuais, nomeadamente às relativas à exclusão de certos riscos ou à limitação de um determinado risco, não sendo de importar o regime dos seguros obrigatórios e exclusão da culpa do segurado na produção do resultado.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. AA, BB, CC e DD, vieram propor, em 15.9.2017, contra EE A. (actual EE, S.A.), acção declarativa com processo comum pedindo a condenação da Ré a pagar a quantia de € 100.000,00, respeitante ao capital seguro, acrescida de juros desde o óbito da pessoa segura.

Invocam, em síntese, que FF, marido da 1ª A. e pai dos demais AA., faleceu em -----, vítima de acidente de viação quando conduzia o motociclo de matrícula 00-00-00. Dizem que tal acidente foi causado por culpa exclusiva do condutor de um veículo terceiro que, seguindo na faixa de rodagem contrária, se despistou e invadiu a faixa de rodagem em que circulava o dito FF, aí lhe embatendo. Alegam que a sociedade GG, Lda., celebrara com a Ré um contrato de seguro que cobria os riscos profissionais e extraprofissionais do segurado ou pessoa segura, o referido FF, em caso de morte ou invalidez permanente, sendo beneficiários os ora AA. em caso de morte, e que tal contrato se encontrava em vigor à data do óbito. Dizem que a Ré recusa aos AA. o pagamento do capital respectivo com o argumento de que estaria excluído o acidente com veículo de duas rodas, mas que tal nunca foi explicado à tomadora do seguro, nem as condições gerais disponibilizadas, pois o falecido deslocava-se com frequência de moto e, caso fosse conhecida essa condição, o contrato não teria sido celebrado.

2. A Ré contestou, impugnando a factualidade alegada e sustentando que se encontra expressamente excluída da cobertura da apólice a utilização de veículos motorizados de duas rodas, cláusula que poderia ter sido derrogada mediante o pagamento de um sobre prémio. Mais defende que a tomadora do seguro recebeu o texto do contrato e conhecia as respectivas condições que lhe foram explicadas. Pede a improcedência da causa.

Responderam os AA., concluindo como na p.i..

3. Em audiência prévia, foi proferido despacho saneador que conferiu a validade formal da instância, procedeu à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova, fixando-se ainda o valor da causa em € 100.000,00.

4. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 7.6.2018, nos seguintes termos: “(...) decido julgar improcedente a presente acção e consequentemente, absolvo a ré do pedido formulado nos autos pelos AA.

Custas pelos AA. (…).”

5. Inconformados, recorreram os AA.

O recurso foi conhecido e julgado improcedente, culminando com o seguinte dispositivo:

“Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo, por consequência, a sentença recorrida.

Custas pelos apelantes.”

 6. Novamente inconformados os AA apresentaram recurso de revista excepcional, do qual constam as seguintes conclusões (transcrição):
1. Porque o contrato de seguro em causa nos presentes autos é, conforme sabido, sinalagmático e oneroso, ou seja, é um contrato de que emergem para ambas as partes obrigações recíprocas e interdependentes e em que ambas as partes realizam atribuições patrimoniais ligadas entre si por um nexo de correspectividade (cfr. Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3a ed., p. 402; M. Andrade, in Teoria Geral, II, p. 54),
2. Mais consubstanciando um contrato de adesão cujas cláusulas contratuais gerais foram por inteiro da responsabilidade da ré seguradora, que as formulou conoto bem quis, nos moldes que melhor lhe aprouve, sem que ao tomador tivesse sido dada a oportunidade de sobre elas se pronunciar.
3. Porque nessas circunstâncias é evidente, cristalinamente evidente, que estamos no campo de aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais, "(...) não se vislumbrando razão para afastar tal regime quando esteja em causa um contrato de seguro que também é coberto pelo regime jurídico do contrato de seguro, dado que o EJCS (regime jurídico do contrato de seguro), plasmado no Dec. Lei n°72/2008, de 16 de Abril, entrado em vigor em 01.01.2009, traduz-se num regime especial, mas sem o poder de afastar a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerias, também ele especial".
4. Porque tendo em vista a defesa da parte mais débil do contrato - o tomador - e uma vez que se trata de um contrato de adesão a lei determina que é a quem redige e impõe as cláusulas que melhor lhe aprouve que cabe o especial dever de com destaque e sem que possam passar despercebidas ao tomador, as dar a conhecer sem quaisquer duvida ou tergiversação,
5. Mas que tal não sucedeu neste caso que nos prende, uma vez que NÃO SE PROVOU - E ESSE ERA ÓNUS DA RÉ - QUE FORAM ENTREGUES AO TOMADOR AS CONDIÇÕES GERAIS E ESPECIAIS DA APÓLICE, E TAMBÉM NÃO SE PROVOU - E ESSE ERA TAMBÉM ÓNUS DA RÉ - QUE O FF FOI ELUCIDADO DO ÂMBITO DAS COBERTURAS E EXCLUSÕES,
6. Porque, ainda que se entenda, sem conceder, que se não aplica o regime das cláusulas contratuais gerias e a questão deva ser dirimida pela aplicação das normas do RJCS é de todo evidente que a ré não cumpriu os deveres de informação exigidos pelo dito regime, uma vez que o tomador se limitou a apor a sua assinatura na proposta,
7. e que conforme se salienta do douto Acórdão da Relação de Lisboa, de 23.10.2014, acessível na      íntegra em %2FjJ13, ...não se provando que, num contrato de seguro, a seguradora cumpriu, os deveres legais de comunicação e de informação relativo a determinadas cláusulas gerais contratuais, deverão as mesmas considerar-se excluídas do contrato, não sendo suficiente para obstar a tal exclusão o facto de a tomadora do seguro ter subscrito uma declaração de que foram postas à sua disposição as cláusulas do contrato com a advertência de que delas teve... conhecimento.
8. Além disso, e mesmo que assim se não entenda, consideram os recorrentes que outra razão se perfila conducente ao mesmo resultado.
9. Com efeito, conforme consta do ponto 12 da matéria de facto dada como provada o douto Acórdão em crise dá de barato que de acordo com a proposta - veja-se bem, da proposta e não das condições gerais que nem sequer se provou, aliás, terem sido entregues ao tomador, o contrato de seguro em causa nos autos não garante os acidentes decorrentes de ... utilização de veículos motorizados de duas rodas e triciclos.
10. Para as Instâncias tanto bastou para considerarem, associado ao facto que conforme vem dado como provado - embora mal, a nosso ver e sempre com o devido respeito - de as condições se encontrarem acessíveis ao tomador, que foi cumprido o dever de informação da seguradora aí se esgotando os deveres desta.
11. Todavia, basta olhar para a dita proposta para se perceber que ela própria é equívoca, confusa e enganadora e, portanto, nula em si mesmo.
12. Porque, repare-se nos diversos campos que a compõem: em todos eles existem quadrículas assinaladas consoante a informação a eles associada, mas quando se chega ao campo sob a epígrafe "EXCLUSÕES DAS CONDIÇÕES GERAIS DA APÓLICE" verifica-se que todas as quadrículas estão em branco.
13. Visto isso o que pensará qualquer destinatário normal? que tal como sucede com os campos anteriores só estarão excluídos do âmbito de cobertura do contrato as Exclusões assinaladas como tal e não o contrário.
14. E por isso a debilidade de tal informação fala por si e a sua formulação em termos dúbios sempre impediriam a sua prevalência com o alcance que o douto Acórdão determinou.
15. Com efeito, sabido como é que os regras constantes dos arts. 236.° a 238.° do CC constituem directrizes que visam vincular o intérprete a um dos sentidos propiciados pela actividade interpretativa, e o que basicamente se retira do art 236. ° é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratório {receptor); e que embora a lei não se baste com o sentido realmente compreendido pelo declaratório (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratório normal, típico, colocado na posição do real declaratório, depreenderia (sentido objectivo para o declaratório) -cfr. Acórdão do STJ, de 12.06.2012, in  (…)
16. Não há dúvida que a informação em causa não configura o cumprimento do ónus que incumbe à ré de entregar e explicar ao tomador as condições contratuais quer quanto à sua cobertura quer quanto às exclusões delas constantes.
17. Ao invés, o teor da proposta - mesmo a admitir-se com válida a exclusão invocada pela ré - dá claramente a entender que a exclusão para que aponta apenas se verifica se os acidentes decorrerem da utilização de veículos motorizados de duas rodas ou triciclos;
18. Isto é, os acidentes que tenham como origem a utilização desses veículos em termos de causalidade adequada; ou seja, acidentes que advenham e sejam atribuíveis à actuação de quem detiver a sua direcção efectiva, mas já não, como parece de todo evidente, aqueles acidentes em que, pese embora o tomador conduza um veículo de duas rodas, em nada contribua para o acidente em que se veja envolvido ou que dele seja uma simples vítima.
19. Ora, o que a esse respeito vem dado como provado nos autos é o constante dos pontos 7, 8 e 9 dos factos dados como provados na sentença.
20. À face dos quais é óbvia a conclusão segura e inequívoca de que o acidente que vitimou o malogrado FF se ficou a dever a culpa única e exclusiva de condutor de veículo terceiro que se despistou e foi embater no motociclo dentro da mão de trânsito deste.
21. Quer dizer, pois, que o único contributo da vítima para o acidente de que lhe adveio a morte foi o de estar no lugar errado à hora errada, sem que o facto de conduzir um motociclo seja tido ou achado para a ocorrência.

22. A sua actuação foi irrelevante em termos de responsabilidade,

23. E inócua também, em função dos dizeres constantes do ponto 12. da matéria de facto da sentença, para efeito de exclusão da responsabilidade invocada pela ré; que sendo, como vimos, a responsável por tais dizeres dúbios sempre deverá ser responsabilizada pela falta de clareza daqueles e pelas consequências daí advenientes em sede de responsabilização perante os autores.

24. Ao decidir de forma diversa o douto Acórdão da Relação, de fls., fez errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 236 e seguintes e 342°, do Código Civil, e o disposto nos Decretos Lei 446/85, de 25.10, e 72/2008, de 16.04,

Pelo que, face ao que se deixa dito, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, concedida a revista no tocante às conclusões que se deixaram expressas, como é de JUSTIÇA!

7. Não vem questionada a decisão do tribunal a quo que julgou improcedente a impugnação da matéria de facto, expressamente excluída do objecto do recurso.

8. Foram apresentadas contra-alegações.

9. A formação a que se reporta o art.º 672.º proferiu acórdão a admitir o recurso, ficando ultrapassada a questão da admissão da revista.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

                                                              
II. Fundamentação
10. Da 1ª instância vieram considerados provados os seguintes factos:
1) FFl faleceu no dia 20/07/2011, no estado de casado com a A. AA, sendo esta herdeira do falecido, bem como os demais AA. seus filhos – cf. certidão de óbito e procedimento simplificado de habilitação de herdeiros juntos a fls. 9v° a 11;
2) Da certidão de óbito resulta que a causa da morte de FF foi “traumatismo crânio meníngeo-encefálico e torácico” e como sendo devida a “acidente de viação”, acidente esse ocorrido a 20/07/2011;
3) A Sociedade “GG, Lda”, com data e início a 27/04/2010 e termo a 30/04 de cada ano, celebrou com a ré um contrato de seguro do ramo “acidentes pessoais” titulado pela Apólice nº 000000000000, figurando como pessoas seguras FF, e beneficiários em caso de morte os herdeiros legais, e os riscos profissionais e extra-profissionais, em caso de morte ou invalidez permanente com um capital de 100.000,00€ cada, nos termos constantes das condições particulares e gerais cuja cópia se encontra junta a fls. 39 a 54 e se dá por integralmente reproduzida;
4) Das condições gerais da apólice consta além do mais, no Capítulo III subordinado ao tema “exclusões”, no seu art° 7° n° 2 alínea d)([1]) que ficam excluídos a ocorrência de acidente pela utilização de veículos motorizados de duas rodas, triciclos e motoquatro;
5) Perante o falecimento de FF, a 1ª A., a 23 de Março de 2012, participou o sinistro à ré, pretendendo accionar as coberturas por morte constante da apólice referida – cf. fls. 23;
6) Por carta de 04/05/2012, a ré informou a sociedade tomadora do seguro – “GG, Lda” da recusa de qualquer responsabilidade “porquanto os acidentes ocorridos com a utilização de veículos motorizados de duas rodas, triciclos ou motoquatro se encontram excluídos nas condições gerais do presente contrato de seguro – cf. fls. 54 v°;
Da instrução:
7) No dia 20 de Julho de 2011, ao km 313,225 do itinerário principal 2, freguesia de ...... concelho de ...., ..., FF conduzia o motociclo matrícula 00-00-00 no sentido .../...;
8) Ao quilómetro referido e em sentido contrário – .../..., circulava o veículo ligeiro de matrícula 00-00-00 o qual se despistou e invadiu a faixa de rodagem onde FF seguia embatendo no mesmo;
9) Dos ferimentos decorrentes do acidente FF veio a falecer nesse mesmo dia;
10) FF participava em concentrações de motares, e no dia do acidente, deslocava-se para a concentração que iria ocorrer em Faro;
11) A sociedade referida havia celebrado um contrato de seguros de acidente pessoas com a Seguradora II com o n° de apólice 000000, e sob proposta do mediador de seguros “HH Lda” tal seguro foi transferido para a ré nos termos constantes da proposta junta a fls. 55 e 55 v° cujo teor se reproduz, assinada pela gerência da sociedade “GG, Lda” ora 1ª A.;
12) De tal proposta consta além do mais, a pessoa segura, os riscos pretendidos, as coberturas, e ainda a indicação de “Exclusões das Condições Gerais da Apólice (que poderão ser derrogadas mediante o pagamento de sobreprémio)” não se encontrando nenhuma delas com a aposição de uma cruz ou indicação no quadrado respectivo, e sendo estas a: “prática de desportos como amador, incluindo as provas e competições desportivas integradas em campeonatos e respectivos treinos”, “Prática de caça a animais ferozes”; “Prática de desportos de invernos”, “Prática de karaté e outras artes marciais”, “Prática de Pára-quedismo”, “ Utilização de aeronaves para além das consideradas nas Condições Gerais”, “Actos de guerra, terrorismo e perturbações de ordem pública”; “utilização de veículos motorizados de duas rodas e triciclos”, “Outras. Quais?”;
13) Da mesma proposta e em termos de “Questionário” está assinalado no item “Onde trabalha?” – armazém, fábrica e exterior - bem como “desloca-se com frequência”, e indica-se em concreto como meio de transporte habitual “camião”, constando da mesma proposta que o risco esteve coberto noutra seguradora, indicando-se a II tendo a apólice sido anulada e o motivo transcrito é “transferência de carteira”;
14) A proposta foi subscrita pela gerência da tomadora do seguro, figurando na mesma como nota “Importante” que “O tomador do seguro ao assinar esta proposta garante a exactidão das declarações, nada tendo omitido que possa induzir em erro a Seguradora na apreciação dos riscos cujos seguros propõe, ainda que esta tenha sido preenchida por terceiros e por si apenas assinada. Mais declara que lhe foram dadas a conhecer as Condições Contratuais que regulam estes seguros”, e ainda sob a epígrafe “Atenção” – “Confira se respondeu a todos os quesitos. Se tiver sido outra pessoa a preencher este formulário, não assine sem confirmar que todas as respostas são exactas”, seguida desde logo da assinatura;
15) O mediador de seguros da sociedade tomadora de seguro referida elaborava e preparava para a mesma os elementos contabilísticos, sendo que as condições gerais e particulares estavam acessíveis para a sociedade “GG, Lda” sem que esta tenha suscitado alguma dúvida no âmbito do seguro celebrado e em causa nos autos.

11. Foram considerados não provados os factos:
a) Que caso o falecido ou a esposa tivessem sido informados que o seguro em causa excluía a utilização e veículos de duas rodas não teriam subscrito tal contrato;
b) Que o mediador de seguros que propôs tal seguro tinha conhecimento que o falecido era motard e participava em concentrações realizadas em todos o país.                                                
12. Considerando que são as conclusões do recurso que delimitam o seu âmbito, sem prejuízo do conhecimento de questões que sejam de conhecimento oficioso, as questões a tratar no presente recurso são as seguintes: validade da cláusula de exclusão prevista no art.º 7.º, n.º 3, alínea d), das condições gerais da apólice, e sua aplicação ao sinistro dos autos, questões que correspondem, em grande medida, ao objecto do recurso de apelação.

13. Para análise das questões suscitadas, comecemos que indicar como foi tomada a decisão pelo tribunal recorrido.
O tribunal recorrido, depois de fixada a matéria de facto, passou a aplicar o direito ao caso concreto. Nessa aplicação do Direito analisou, em 1º lugar, o cumprimento os deveres de informação por parte da Ré seguradora, sempre com base nos factos provados, tendo resultado provado que a Ré recebeu o texto do contrato e das respectivas condições, nas quais figurava a cláusula de exclusão respeitante ao uso de veículo motorizado. Ao assim proceder o tribunal distinguiu o dever de comunicar as cláusulas do contrato – considerado como cumprido na íntegra – do dever de informar sobre o teor das cláusulas integrantes do mesmo contrato.
No que concerne a este dever de informação a estratégia e posição do tribunal foi a seguinte:
1. Qualificar o contrato dos autos como contrato de adesão, sujeitando-o ao regime das CCG, além do regime próprio do contrato de seguro[2];
2. Aplicar o regime do dever de informação decorrente das regras sobre CCG[3];
3. Contrapor o dever de comunicar ao de informar[4];
4. Enquadrar o dever de informar[5];
5. Relacionar os deveres de comunicar e informar com a diligência que se exige do outro contraente[6];
6. Concluir que o dever de informar só existe na medida em que sejam colocadas dúvidas sobre o sentido das estipulações contratuais, atento o contexto – fáctico – que envolveu o desenrolar do processo negocial que culminou com a celebração do contrato[7];
7. Tomar posição sobre a solução jurídica mais adequada em função dos factos apurados e dos argumentos dos recorrentes[8];
8. Reforçar a conclusão retirada, com análise de outra argumentação/contra-argumentação[9];
9. Análise da contra-argumentação dos recorrentes – como interpretar a cláusula de exclusão, à luz dos critérios legais da interpretação dos contractos[10];
10. Tomar posição sobre a possível falta de clareza da proposta ou de falta de informação sobre o sentido da cláusula de exclusão, com vista à sua eliminação do contrato[11];
11. Interpretar a cláusula segundo o regime legal – declaratário normal colocado na posição de declaratário real[12];
12. Tomar uma posição jurídica final, com análise conjugada dos raciocínios e conclusões apurados[13];
13. Afirmar da validade da cláusula de exclusão[14];
14.  Indicar o argumento dos recorrentes sobre a não aplicação da cláusula de exclusão à situação concreta dos autos[15];
15. Analisar o argumento[16].

14. Tendo em conta o exposto, vejamos agora o posicionamento dos recorrentes.
14.1 Em primeiro lugar, os recorrentes invocam que o dever de informação não foi cumprido. E não o foi por dois motivos:
1) Não se pode aceitar que se diga que porque as condições gerais e particulares pelas quais se regia o contrato estavam acessíveis para a sociedade tomadora se considera cumprido o dever da seguradora de informar o tomador dos riscos que assume e das exclusões que o contrato contém;
2) A proposta contratual que serviu de base ao contrato é equívoca, confusa e enganosa em si mesma
Para sustentar estes dois motivos, diz o recorrente o seguinte:
NAO SE PROVOU - E ESSE ERA ÓNUS DA RE - QUE FORAM ENTREGUES AO TOMADOR AS CONDIÇÕES GERAIS E ESPECIAIS DA APÓLICE.
E TAMBÉM NÃO SE PROVOU - E ESSE ERA TAMBÉM ÓNUS DA RÉ -QUE O TOMADOR FOI ELUCIDADO DO ÂMBITO DAS COBERTURAS E EXCLUSÕES.”
Apoia-se em decisões judiciais anteriores das quais entende poder retirar argumentação aplicável ao caso e em sentido contrário à decisão recorrida, cujos sumário transcreve: Acórdão da Relação de Lisboa, de 23.10.2014; Acórdão da Relação do Porto, de 29-05-2014.

14.2. Analisando.
Quanto à comunicação das condições do contrato: os recorrentes argumentam que não foram disponibilizadas à tomadora do seguro as condições contratuais gerais nem foi explicada a cláusula de exclusão, pois o falecido deslocava-se com frequência de moto e, caso fosse conhecida essa cláusula, o contrato não teria sido celebrado.
Não se acompanha a ideia veiculada: os factos considerados provados – no que respeita à disponibilização das condições contratuais gerais – são de molde a não considerar procedente o primeiro argumento, já que veio a ser provado que a tomadora do seguro teve acesso às condições contratuais – facto 15.
Ainda que não sendo objecto deste recurso, afigura-se relevante salientar que na apelação os ora recorrentes haviam impugnado a matéria de facto, nomeadamente na parte em que se havia considerado provado que as condições contratuais foram entregues ao tomador do seguro. A referida impugnação foi julgada improcedente, tendo-se justificado a decisão – no que agora interessa – assim: “… é razoável concluir que as condições gerais e particulares do contrato dos autos ficaram acessíveis à sociedade “GG, Lda”, sem que esta tenha suscitado alguma dúvida no âmbito do seguro contratado. É de manter o ponto 15, na íntegra.
Esse ponto 15 diz: O mediador de seguros da sociedade tomadora de seguro referida elaborava e preparava para a mesma os elementos contabilísticos, sendo que as condições gerais e particulares estavam acessíveis para a sociedade “GG, Lda.” sem que esta tenha suscitado alguma dúvida no âmbito do seguro celebrado e em causa nos autos.
Improcede o argumento apresentado e correspondente questão suscitada.

Quanto ao dever de informação sobre as cláusulas comunicadas, entendem os recorrentes que a Ré tinha obrigação de informação – parece que detalhada e sem limites – sobre toda e qualquer cláusula do contrato, por mais simples ou inequívoca que a mesma fosse, impendendo sobre ela o ónus de provar o integral e completo cumprimento do dever de informação, bastando que além indique não ter sido esclarecido – ou suficientemente esclarecido – mesmo depois de celebrado o contrato para que os tribunais tivessem de lhe dar razão.
Contudo este entendimento não se afigura correcto: não tem suporte legal, não é um entendimento corrente dos tribunais, nem sequer é o que esteve na base dos acórdãos indicados. Além do mais seria ainda um entendimento desresponsabilizante e causador dos maiores entraves ao exercício das actividades económicas que se socorrem de modelo contratuais padronizados.
Já se afigura correcto o entendimento veiculado no acórdão recorrido que fez uma ponderação dos elementos fácticos que rodearam a celebração do contrato e sua conclusão, com o teor do texto contratual e as correspondentes disposições legais, v.g., as do regime das CCG.
Como se indicou já supra o tribunal recorrido contextualizou os termos da celebração do contrato, a intervenção do mediador, do tomador, o que vinha inserido no teor da proposta em termos literais, tendo concluído que, face às circunstâncias concretas, não havia forma de o mediador por sua iniciativa saber que para o tomador poderia ser relevante detalhar a informação da cláusula de exclusão reportada à utilização de veículo motorizado. Para esta conclusão relevou certamente o facto alegado de que o mediador saber da actividade de motar da vítima, facto que os AA. não conseguiram provar; terá relevado ainda a indicação de que a vítima se deslocava habitualmente de camião.
Como se justificou na decisão recorrida o dever de informação do segurador não é absoluto e ilimitado, com os argumentos ali indicados, que aqui se consideram também como fundamentadores da decisão.

Adicionalmente: uma leitura atenta dos acórdãos indicados pelos recorrentes permite concluir que as situações analisadas nos respectivos processos nada de paralelo têm com a situação dos autos, que pudesse justificar a “importação” da solução, não tendo o recorrente efectuado um esforço de comparação e/ou demonstração de paralelismos, limitando-se a colar os sumários decisórios. Não poderia, por estes motivos, obter adesão aos argumentos que utiliza.

15. Os recorrentes também argumentam que o tribunal decidiu mal por se ter baseado na proposta de contrato e não nas condições do mesmo, mas do argumento não extrai quaisquer consequências, insistindo na sua utilização nos exactos moldes em que já o fizera na apelação, também aí sem suscitar uma verdadeira questão.

16. Ainda sobre a proposta de seguro, dizem os recorrentes que a mesma é equívoca, confusa e enganadora e, portanto, nula em si mesmo. Na sua opinião o seu carácter equívoco, confuso e enganador resulta do confronto dos diversos campos que a compõem: em todos eles existem quadrículas assinaladas consoante a informação a eles associada, mas quando se chega ao campo sob a epígrafe "EXCLUSÕES DAS CONDIÇÕES GERAIS DA APÓLICE" verifica-se que todas as quadrículas estão em branco.
Que dizer?
A pretensa nulidade da proposta resultante do seu carácter equívoco, confuso e enganador foi questão analisada na apelação para efeitos de interpretação da cláusula de exclusão e sua validade.
Deixamos aqui recordado o que se disse no acórdão analisando:
…  Embora a lógica do preenchimento seja ali distinta, basta ler o título completo do campo e o elenco das atividades descritas para perceber que se encontram enunciadas as exclusões da cobertura que, todavia, podem vir a ser especialmente cobertas, a pedido do tomador, com o pagamento de um prémio superior. Ou seja, o elenco dos casos referidos corresponde às exclusões previstas e as assinaladas com uma cruz às derrogações pretendidas. Só estas competiria ao tomador de seguro indicar.”
A posição do tribunal recorrido não merece qualquer censura por parte deste STJ, nem se justifica uma análise mais detalhada já que os argumentos dos recorrentes foram suficientemente rebatidos na apelação, nada tendo sido acrescentado na revista.

17. Finalmente, os recorrentes também pretendem que este tribunal diga se têm razão quando afirmam que, mesmo que a cláusula da exclusão fosse válida e tivesse sido devidamente informada aos AA., nunca a mesma se aplicaria ao caso dos autos porquanto a cláusula só poderia ser interpretada como excluindo a responsabilidade da seguradora se o condutor da motorizada tivesse tido responsabilidade no acidente.
O mesmo argumento fora já apresentado no recurso de apelação, tendo o tribunal explicitado a diferença entre um seguro obrigatório e um seguro facultativo, uma cláusula de exclusão absoluta e de exclusão relativa e o que, à luz dos elementos contratuais apresentados, se deve considerar que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, deveria retirar por interpretação da cláusula, de acordo com o regime legal aplicável – art.º 236.º e ss do CC.
Tendo sido apresentadas como justificações para, in casu, se decidir no sentido do acórdão recorrido – e porque a motivação e decisão são de acolher -, fazemos aqui também nossas as considerações expendidas no acórdão recorrido:
Cremos que a referida cláusula não consente tal interpretação, à luz dos arts. 236 e ss. do C.C..O que está em causa é a apreciação de um contrato de seguro de acidentes pessoais, meramente facultativo, que nada tem que ver com o seguro, obrigatório, de responsabilidade civil automóvel. Não se trata, por isso, de discutir, quanto a esta condição de exclusão, a responsabilidade do segurado na produção do sinistro. Como resulta da leitura integral do referido art. 7 das Condições Gerais, o contrato prevê um elenco de situações de risco acrescido que implicam a exclusão da cobertura do seguro. Essa exclusão será absoluta nos casos previstos nos nºs 1 e 2 do dito art. 7 – como sejam os “actos dolosos ou negligência grave da pessoa segura” (art. 7, nº 1, al. a)), ou especiais condições físicas, como o “ataque cardíaco não causado por traumatismo físico externo” (art. 7, nº 2, al. d)) – e será relativa, dado as exclusões serem negociáveis/derrogáveis, nos casos previstos no nº 3 do mesmo art. 7. Em todas as referidas situações está um risco especialmente elevado que o seguro não cobre. Assim, como se provou, “o contrato não garante, mesmo que se tenha verificado acidente, lesões corporais resultantes de: (…) utilização de veículos motorizados de duas rodas (…)”. O que se encontra excluído é o risco inerente à utilização de veículos motorizados de duas rodas[17]. Donde, se o segurado utilizar um tal veículo e, ao fazê-lo, vier a sofrer (mesmo que não se verifique acidente) lesões corporais que lhe causem morte ou invalidez permanente, é irrelevante apurar se teve ou não culpa nesse desenlace. É suficiente, para efeitos do contrato, a mera utilização de veículos motorizados de duas rodas para excluir a cobertura do seguro.”
Ao que acrescentaríamos: mediante o pagamento de prémio acrescido teria sido possível incluir o indicado risco no contrato, faculdade que resulta inequívoca da documentação subscrita.
Não se afigura razoável – ante a possibilidade indicada de incluir esse risco – impor ao segurador que cubra o risco de utilização de veículo motorizado de duas rodas apenas pela circunstância do segurado ter sofrido o acidente quando utilizava a motorizada nas mesmas circunstâncias em que o podia ter sofrido se se deslocasse a pé, já que a simples utilização de uma motorizada envolve um risco acrescido que, a ser coberto, deve ter a correspondente contrapartida no prémio cobrado. A utilização de motorizada de duas rodas é paralela às demais situações excluídas como, por exemplo, praticar um desporto como ski, que está excluído pela referência à prática de desportos de invernos.
Este afigura-se ser o sentido mais razoável – para um declaratário normal colocado na posição de declaratário real (art.º 236.º e ss do CC) – a retirar da cláusula de exclusão quando inclui, em paralelismo, as seguintes situações: “prática de desportos como amador, incluindo as provas e competições desportivas integradas em campeonatos e respectivos treinos”, “Prática de caça a animais ferozes”; “Prática de desportos de invernos”, “Prática de karaté e outras artes marciais”, “Prática de Pára-quedismo”, “ Utilização de aeronaves para além das consideradas nas Condições Gerais”, “Actos de guerra, terrorismo e perturbações de ordem pública”; “utilização de veículos motorizados de duas rodas e triciclos”, “Outras”.
O teor do corpo do n.º3 da cláusula reforça o sentido interpretativo ao dizer: #Salvo convenção expressa nas condições particulares, o contrato não garante, mesmo que se tenha verificado acidente, lesões corporais resultantes de (…) utilização de veículos motorizados de duas rodas…”.

III. Decisão
Pelos motivos acima indicados, é negada a revista dos AA., confirmando-se a decisão recorrida.
As custas do recurso são da responsabilidade dos AA., por não terem logrado vencimento.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2019

Fátima Gomes (Relatora)

Acácio Neves

Fernando Samões

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[1] Há aqui um manifesto lapso material, pois a cláusula em questão é a constante do art. 7, nº 3, alínea d) (cfr. condições particulares e gerais a fls. 39 a 54).
[2] “…Estamos (…) perante um contrato de adesão e que deve ser tido em conta o regime previsto no DL nº 446/85, de 25.10 (…).
[3] Dispõe (…) o art. 6 do mesmo Diploma, sob a epígrafe “Dever de informação”, que: “1. O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique. 2. Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.”
[4] “distintos o de comunicar e o de informar”.
[5]Já o dever de informação corresponderá à explicação desse conteúdo quando não seja de esperar o seu conhecimento efetivo, com esclarecimento à outra parte, e de acordo com as circunstâncias, dos aspetos das cláusulas que exijam aclaração, sem prejuízo da prestação de todos os esclarecimentos razoáveis que sejam solicitados pelo aderente.”
[6]Trata-se, no entanto, de facultar ao aderente a possibilidade desse efetivo conhecimento, o que não o dispensa do dever de diligência na outorga do contrato.”.
[7]Do que deixamos dito resulta, por conseguinte, que o cumprimento dos deveres de comunicação e de informação não implica uma explicação detalhada de cada uma das cláusulas do contrato ou uma “leitura acompanhada” do seu teor, sendo suficiente a efetiva disponibilização do respetivo texto ao aderente quando não se imponham explicações complementares à luz do mencionado art. 6”
[8]Revertendo para o caso em análise, apurou-se que HH Lda, mediador de seguros da sociedade tomadora de seguro, GG, Lda, elaborava e preparava para esta (também) os elementos contabilísticos, sendo que as condições gerais e particulares estavam acessíveis para a referida GG, Lda, sem que a mesma tenha suscitado alguma dúvida no âmbito do seguro celebrado e em causa nos autos. Neste enquadramento, cremos que pode ter-se como observada, de forma suficiente, a comunicação a que alude o art. 5 do DL nº 446/85, no sentido de que foi viabilizada à tomadora do seguro o conhecimento completo e efetivo do contrato.”
[9]Mas se tal não bastasse, cumpre ainda atentar, como bem se observou na sentença, na subscrição da proposta de seguro pela 1ª A., AA, enquanto gerente da referida GG, Lda. Esta sociedade celebrara inicialmente um contrato de seguros de acidente pessoais com a Seguradora II e, sob proposta do mediador de seguros HH, Lda, foi tal seguro transferido para a Ré nos termos constantes da proposta junta a fls. 55 e 55v, assinada pela 1ª A. enquanto gerente da GG, Lda (ponto 11 supra). Dessa proposta consta além do mais, a pessoa segura, os riscos pretendidos, as coberturas, e ainda a indicação de “Exclusões das Condições Gerais da Apólice (que poderão ser derrogadas mediante o pagamento de sobreprémio)” não se encontrando nenhuma delas com a aposição de uma cruz ou indicação no quadrado respetivo, e sendo estas a: “prática de desportos como amador, incluindo as provas e competições desportivas integradas em campeonatos e respectivos treinos”, “Prática de caça a animais ferozes”; “Prática de desportos de invernos”, “Prática de karaté e outras artes marciais”, “Prática de Pára-quedismo”, “Utilização de aeronaves para além das consideradas nas Condições Gerais”, “Actos de guerra, terrorismo e perturbações de ordem pública”; “utilização de veículos motorizados de duas rodas e triciclos”, “Outras. Quais?” (ponto 12 supra). Da mesma proposta e em termos de “Questionário” está assinalado no item “Onde trabalha?” – armazém, fábrica e exterior – bem como “desloca-se com frequência”, e indica-se em concreto como meio de transporte habitual “camião”, constando da mesma proposta que o risco esteve coberto noutra seguradora, indicando-se a II tendo a apólice sido anulada e o motivo transcrito é “transferência de carteira” (ponto 13 supra). Mais se verifica que a proposta foi subscrita pela gerência da tomadora do seguro, figurando na mesma como nota “Importante” que “O tomador do seguro ao assinar esta proposta garante a exactidão das declarações, nada tendo omitido que possa induzir em erro a Seguradora na apreciação dos riscos cujos seguros propõe, ainda que esta tenha sido preenchida por terceiros e por si apenas assinada. Mais declara que lhe foram dadas a conhecer as Condições Contratuais que regulam estes seguros”, e ainda sob a epígrafe “Atenção” – “Confira se respondeu a todos os quesitos. Se tiver sido outra pessoa a preencher este formulário, não assine sem confirmar que todas as respostas são exactas”, seguida desde logo da assinatura (ponto 14 supra). Ressalta, por conseguinte, do rosto da mencionada proposta (fls. 55), como acima já observámos e sem prejuízo do que adiante diremos, um campo com a indicação “Exclusões das Condições Gerais da Apólice (que poderão ser derrogadas mediante o pagamento de sobreprémio)”, onde não é assinalada qualquer salvaguarda/derrogação, e em cujo elenco se refere, entre outras, a “utilização de veículos motorizados de duas rodas e triciclos”. Trata-se, no que aqui interessa, do que se encontra concretamente detalhado (e acrescentado) no art. 7, nº 3, al. d), do Capítulo III, com o título “Exclusões”, das Condições Gerais do contrato, “exclusões gerais” essas por sua vez aplicáveis “a todas as coberturas concedidas por esta apólice”. De acordo com o referido art. 7, nº 3, al. d): “Salvo convenção expressa em contrário nas condições particulares, o contrato não garante, mesmo que se tenha verificado acidente, lesões corporais resultantes de: (…) utilização de veículos motorizados de duas rodas, triciclos e motoquatro”. Por conseguinte, se na proposta não é referido que o segurado utilize motociclos (indica-se apenas que o meio de transporte habitual é o “camião”, sem menção de qualquer outro), consta expressamente da proposta, de duas páginas, assinada no final pela 1ª A. em representação da tomadora do seguro, a exclusão da cobertura de danos decorrentes da utilização de veículos motorizados de duas rodas.”
[10]Argumentam os apelantes que não tendo sido assinaladas, no campo das “Exclusões”, cruzes nas quadrículas à frente de cada uma delas, ao contrário dos outros campos (com quadrículas assinaladas), deve considerar-se que não haveria, afinal, qualquer exclusão, pois, para um destinatário normal, só estariam excluídos do âmbito de cobertura as exclusões assinaladas como tal.”
[11] “Cremos que não lhes assiste razão, considerando precisamente que se trata do campo da proposta com o título “Exclusões das Condições Gerais da Apólice (que poderão ser derrogadas mediante o pagamento de sobreprémio)”.
[12]Cremos que não lhes assiste razão, considerando precisamente que se trata do campo da proposta com o título “Exclusões das Condições Gerais da Apólice (que poderão ser derrogadas mediante o pagamento de sobreprémio)”.  Embora a lógica do preenchimento seja ali distinta, basta ler o título completo do campo e o elenco das atividades descritas para perceber que se encontram enunciadas as exclusões da cobertura que, todavia, podem vir a ser especialmente cobertas, a pedido do tomador, com o pagamento de um prémio superior. Ou seja, o elenco dos casos referidos corresponde às exclusões previstas e as assinaladas com uma cruz às derrogações pretendidas. Só estas competiria ao tomador de seguro indicar. Como se afigura medianamente evidente, é a seguradora que estabelece as concretas exclusões da cobertura do seguro, e não o aderente, e a este caberá, se o entender, requerer para aquelas, excluídas à partida, uma cobertura adicional, pagando um preço acrescido. Só esse pode ser o critério do preenchimento do campo respetivo. Já a correspondente cláusula das Condições Gerais – art. 7, nº 3, al. d), do Capítulo III, com o título “Exclusões” – não suscita dúvidas: “Salvo convenção expressa em contrário nas condições particulares, o contrato não garante, mesmo que se tenha verificado acidente, lesões corporais resultantes de: (…) utilização de veículos motorizados de duas rodas, triciclos e motoquatro” (…). Não surpreendemos, de facto, na referida cláusula particular complexidade, ambiguidade ou obscuridade a exigir esclarecimento particular. Temos, assim, uma linear cláusula de exclusão a que é dado o devido realce na proposta de seguro assinada pela aderente, chamando-se já nesta a atenção para a sua existência.”
[13] Da conjugação do referido art. 7, nº 3, al. d), das Condições Gerais, e da menção constante da proposta resulta, por isso, inequívoca a cláusula de exclusão relativa à utilização de veículos motorizados de duas rodas. Acresce que, se a mencionada cláusula não suscita dificuldades objetivas de interpretação, também não se afigura que a A. AA, gerente da empresa tomadora do seguro que subscreveu a proposta, pudesse ter especial dificuldade ou impreparação na compreensão respetiva, a justificar um esclarecimento particular sobre o seu conteúdo. A proposta, uma vez lida com a atenção devida, não pode suscitar dúvidas, e o art. 7, nº 3, al. d), das Condições Gerais, é de teor claro e simples, sendo o seu sentido facilmente compreendido por uma pessoa de diligência média, como será a A. AA, gerente da GG, Lda, habituada a contratar os vários seguros da empresa, como resultou da prova produzida em audiência. Assim, e na linha do entendimento seguido no citado Ac. do STJ de 24.3.2011, cremos que a disponibilização das condições do contrato à GG, Lda, e a subscrição da proposta pela gerência desta, permitem concluir que lhe foi dado a conhecer o integral conteúdo do clausulado, em termos que lhe permitiam uma cabal compreensão e alcance do mesmo. Em suma, a Ré cumpriu os deveres de comunicação e informação a que estava obrigada nos termos dos arts. 5 e 6 do DL nº 446/85
[14] Tem, deste modo, plena validade o art. 7, nº 3, al. d), do Capítulo III, com o título “Exclusões”, das Condições Gerais do contrato – “exclusões gerais” essas por sua vez aplicáveis “a todas as coberturas concedidas por esta apólice” – de acordo com o qual: “Salvo convenção expressa em contrário nas condições particulares, o contrato não garante, mesmo que se tenha verificado acidente, lesões corporais resultantes de: (…) utilização de veículos motorizados de duas rodas, triciclos e motoquatro”.
[15] Defendem, ainda, os apelantes que, mesmo julgando-se válida a referida cláusula de exclusão, a mesma não teria aplicação ao caso visto que o segurado nenhuma culpa teve na produção do sinistro, conforme se provou. Sustentam que não pode deixar de considerar-se a utilização de tais veículos motorizados de duas rodas em termos de causalidade adequada, em acidentes imputáveis à atuação do segurado e não quando, embora este conduza um veículo de duas rodas, em nada contribua para o acidente em que se veja envolvido ou que dele seja uma simples vítima.
[16]Cremos que a referida cláusula não consente tal interpretação, à luz dos arts. 236 e ss. do C.C..O que está em causa é a apreciação de um contrato de seguro de acidentes pessoais, meramente facultativo, que nada tem que ver com o seguro, obrigatório, de responsabilidade civil automóvel. Não se trata, por isso, de discutir, quanto a esta condição de exclusão, a responsabilidade do segurado na produção do sinistro. Como resulta da leitura integral do referido art. 7 das Condições Gerais, o contrato prevê um elenco de situações de risco acrescido que implicam a exclusão da cobertura do seguro. Essa exclusão será absoluta nos casos previstos nos nºs 1 e 2 do dito art. 7 – como sejam os “actos dolosos ou negligência grave da pessoa segura” (art. 7, nº 1, al. a)), ou especiais condições físicas, como o “ataque cardíaco não causado por traumatismo físico externo” (art. 7, nº 2, al. d)) – e será relativa, dado as exclusões serem negociáveis/derrogáveis, nos casos previstos no nº 3 do mesmo art. 7. Em todas as referidas situações está um risco especialmente elevado que o seguro não cobre. Assim, como se provou, “o contrato não garante, mesmo que se tenha verificado acidente, lesões corporais resultantes de: (…) utilização de veículos motorizados de duas rodas (…)”. O que se encontra excluído é o risco inerente à utilização de veículos motorizados de duas rodas. Donde, se o segurado utilizar um tal veículo e, ao fazê-lo, vier a sofrer (mesmo que não se verifique acidente) lesões corporais que lhe causem morte ou invalidez permanente, é irrelevante apurar se teve ou não culpa nesse desenlace. É suficiente, para efeitos do contrato, a mera utilização de veículos motorizados de duas rodas para excluir a cobertura do seguro.”
[17]Sublinhadonosso.