Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4406/11.1TBVFX.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: FREITAS NETO
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
EXPROPRIAÇÃO
DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
PDM
PUBLICAÇÃO
QUESTÃO RELEVANTE
DETERMINAÇÃO DO VALOR
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
RECURSO DE REVISTA
Data do Acordão: 05/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Nos termos do art.º 66, nº 5, do Código das Expropriações, em princípio, não há recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que fixa a indemnização devida.

Excepcionam-se desta regra as situações em que o recurso é sempre admissível, e que são as referidas nas várias alíneas do nº 2 do art.º 629 do CPC.

Configura contradição essencial e decisiva para o efeito da al.ª d) do dito nº 2 do art.º 629 do CPC aquela que se manifesta quando, perante solo classificado como apto para outros fins, um acórdão da Relação considera que uma determinada circunstância  (potencialidade edificativa conferia em PDM já aprovado mas ainda não publicado à data da DUP) deve ser relevada nos termos do nº 3 art.º 27 do CE e outro afirma frontalmente a sua irrelevância no cálculo do valor do solo com tal classificação.

O facto de o n° 1 do art.º 148 do DL 380/1999, de 22-9, estatuir que a eficácia dos instrumentos de gestão territorial depende da respectiva publicação no DR., não obsta a que as virtualidades decorrentes de um PDM, aprovado mas ainda não publicado à data da DUP, possam e devam ser atendidas como “circunstância relevante” susceptível de influir no cálculo do valor do solo apto para outros fins, nos termos e para os efeitos do nº 3 do art.º 27 do CE.

 A justa indemnização do bem expropriado a que se reporta o art.º 62, nº 2, da CRP afere-se não apenas na perspectiva da equitativa compensação patrimonial relativamente àqueles não expropriados que se encontravam em idêntica situação, como também ao nível da universalidade dos critérios de avaliação, que deverão procurar validar o mesmo resultado para a expropriação de bens de igual natureza.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(1ª SECÇÃO)



I – RELATÓRIO


Nos autos de expropriação por utilidade pública, em que é Expropriante Brisa – Concessão Rodoviária, S.A., e são Expropriados, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL, e expropriados habilitados, MM, NN, OO, PP, QQ e RR, vieram estes últimos e FF, por um lado, e GG, KK, JJ, II, HH, AA, DD, EE, BB e LL, por outro lado, interpor recurso da decisão arbitral de 19.04.2011, que fixou a indemnização devida àqueles em € 119.178,00, pela expropriação da parcela 21, com a área de 19.863 m2, a destacar do prédio rústico, denominado “...”, sito na freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...66 e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...º, seção .. da referida freguesia - bem como invocar a caducidade da declaração de utilidade pública expropriativa.

Foi também interposto recurso do despacho de adjudicação proferido em 18.08.2011.

Por despacho nº ...09, de 27.07., do Exmo. Sr. Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações, publicado no Diário da República, II Série, nº 148, de 03.08.2009, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação da parcela acima identificada.

No dia 10.03.2010 foi efectuada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, cujo auto consta de fls. 138 e ss., tendo sido complementado a fls. 197 e ss.

Procedeu-se à arbitragem, de que foi apresentado o relatório consta de fls. 310 e segs., tendo aí os Srs. Árbitros fixado o valor da indemnização pela expropriação da parcela em causa em € 119.178,00, mediante a aplicação de um valor unitário médio ponderado de € 6,00 por m2.

Como fundamento do recurso da decisão arbitral foi alegado:

- Pelos Expropriados habilitados e pela Expropriada FF dever ser a parcela classificada como “solo apto para construção” e não como “solo para outros fins” como considerado pelos Srs. Árbitros, em virtude de antes da emissão da declaração de utilidade pública encontrar-se já aprovado o PDM actualmente em vigor, aprovado por Deliberação da Assembleia Municipal de 14.07.2009, publicado no D.R., 2ª Série, nº 224, em 18.11., e que enquadra a parcela em “Solos cuja urbanização seja possível programar Espaços para Multiusos e na Unidade Operativa de Planeamento e Gestão U1 Expansão da Plataforma Logística”, devendo em consequência o valor real da parcela aferir-se em função dos índices urbanísticos constantes do actual PDM e dos quais resulta o valor indemnizatório de € 100,37 por m2, num total de € 1.993.805,30;

- Pelos demais Expropriados recorrentes foi defendida a aplicabilidade do PDM anteriormente referido (questão que suscitaram como prévia) e a classificação da parcela como “solo apto para construção” em virtude dessa aplicabilidade e do conjunto das infra-estruturas urbanísticas de que a parcela dispõe, bem como da zona envolvente, concluindo pela ponderação de critérios daí advenientes dos quais referem resultar o valor indemnizatório de € 120,00 por m2, num total de € 2.383.560,00, ao qual referiram dever ainda acrescer indemnização pela desvalorização da área sobrante do prédio de onde é destacada a parcela expropriada.

A Expropriante respondeu a fls. 648 e segs. e 655 e segs., pugnando pela improcedência de caducidade suscitada caso não se conclua pela incompetência dos Tribunais comuns para a sua apreciação e pela manutenção da decisão arbitral.

Por despacho de 28.12.2012 foi decidido dever ser aplicável no caso o PDM publicado no D.R., 2ª Série, nº 64, de 13.03.1993, e não o PDM publicado no D.R., 2ª Série, nº 224, em 18.11.2009, porquanto, apesar de este se encontrar já aprovado à data da declaração de utilidade pública, não se encontrava ainda em vigor.

Foram admitidos ambos os recursos da decisão arbitral e por despacho proferido em 14.10.2013 foi ordenada a realização da avaliação em conformidade com o disposto no artº 61º do Código das Expropriações.

Realizada a avaliação, foi o respectivo relatório junto aos autos a fls. 1015 e ss., tendo o perito indicado pelos Expropriados recorrentes discordado do parecer dos demais peritos nos termos constantes desse relatório.

As partes foram notificadas para apresentarem alegações, vindo, no essencial, manter o por si alegado nos respectivos requerimentos de interposição de recurso da decisão arbitral e de resposta ao mesmo, tendo os Expropriados habilitados e a Expropriada FF concluído agora por uma indemnização no valor de € 88,23 por m2, num total mínimo de € 1.752.662,18 (cfr. fls. 1153 e segs.); os demais expropriados recorrentes por uma indemnização no valor de € 67,46 por m2, por ser o valor de mercado da parcela expropriada correspondendo ao valor pelo qual o prédio contíguo foi transaccionado em 2008; ou de € 60,00 dado ser esse o valor pelo qual acordaram com a Câmara Municipal a expropriação amigável de várias parcelas expropriadas para o mesmo projecto; ou ainda, caso assim se não entenda, de € 47,64 m2 nos termos calculados pelo perito por si indicado no relatório pericial (cfr. fls. 1177 e segs.).

A Expropriante pugnou pela manutenção do laudo pericial maioritário (cfr. fls. 1360 e segs.).

Por despacho de 25.10.2016 foi determinado que se oficiasse às Finanças nos termos e para os efeitos do disposto no artº 27º, nºs 1 e 2 do C.E., vindo a ser juntas pela Direcção de Serviços do IMT as listas de transacções fiscais de fls. 1631 e segs. e de fls. 1714 e segs.

Notificados de tais listas os Srs. Peritos vieram pronunciar-se nos termos constantes de fls. 1958 e segs. e 2018 e segs.

Por ter sido requerido admitiram-se alegações complementares pelas partes o que as mesmas vieram fazer a fls. 2031 e segs. e 2034 e segs.

Por despacho de 18.03.2019 foi determinado que os Srs. Peritos viessem proceder nos termos do artº 29º, nº 1 do C.E. ou justificar circunstanciadamente a não avaliação da parte não expropriada mediante os respectivos pressupostos previstos no nº 4 do artº 29º do C.E.

Os Srs. Peritos justificaram a não avaliação da parte sobrante nos termos constantes de fls. 2068 e segs.

Na sequência do determinado por despacho de 19.06.2019 vieram os Expropriados GG e outros juntar, a fls. 2077 e segs., certidão da sentença proferida no processo nº 4584/11.... deste Juízo que versou sobre a indemnização pela expropriação das parcelas 15, 15.1 e 15.2 a destacar de prédio contíguo à parcela 21 objecto dos presentes autos, e do Acórdão da Relação ... entretanto aí proferido que a revogou parcialmente, com menção do respectivo trânsito em julgado.

Saneado tabelarmente o processo foi proferida sentença com dispositivo do seguinte teor:

“V - Decisão

Pelo exposto, tudo visto e ponderado, julgo parcialmente procedente os recursos interpostos pelos recorrentes expropriados e fixo em € 1.350.684,00 (um milhão trezentos e cinquenta mil seiscentos e oitenta e quatro euros) a indemnização a atribuir pela expropriante aos expropriados, valor a ser atualizado nos termos do artº 24º, nºs 1 e 2 do C.E. até à data da notificação do despacho que autorizou o levantamento do montante depositado pela expropriante nos autos, incidindo a atualização, a partir de então e até à decisão final, sobre a diferença entre o montante atualizado até essa data e o montante depositado.”

Inconformada, recorreu a Expropriante para a Relação, a qual, por acórdão de 05.11.2020, julgou o recurso procedente e, em consequência revogou parcialmente a sentença decorrida e fixou em 186 712,20€ (cento e oitenta e seis mil setecentos e doze mil euros e vinte cêntimos) a indemnização a atribuir pela expropriante aos expropriados, valor a ser actualizado nos termos do artº 24º nºs 1 e 2 do CE até à data da notificação do despacho que autorizou o levantamento do montante depositado pela expropriante nos autos, incidindo a actualização, a partir de então e até à decisão final sobre a diferença entre o montante actualizado até essa data e o montante depositado.

Inconformados, os Expropriados FF e outros, interpuseram recurso de revista do aludido acórdão de 05/11/2020, invocando fazê-lo ao abrigo do art.º 629º nº 2 al. d) do CPC, indicando como acórdão fundamento o acórdão desta Relação de 09/03/2017, proferido no processo 4584/11…, junto e certificado nos autos.

No termo da respectiva alegação formulam as seguintes conclusões:

a) O presente recurso de revista tem vem interposto do Acórdão da Relação ..., de 6 de Novembro de 2020, no qual se decide revogar parcialmente a sentença então recorrida e fixar novo montante indemnizatório a atribuir aos ora Recorrentes/Expropriados pela ablação do seu direito de propriedade.

b) O Acórdão recorrido padece de várias insanáveis nulidades, conforme indicado pelos co-expropriados em requerimento 24/11/2020, junto ao autos, e que desde já se subscrevem integralmente, como, tão ou mais grave, e acima de tudo, o mesmo se encontra em profunda contradição com aresto do mesmo Tribunal da Relação ..., justificando, por isso, que se traga à colação o regime disposto no art.º 629, n.º 2, alínea d) do CPC, e se lance mão desta forma de recurso de revista.

c) Para além de outro aspecto, fundamenta o Acórdão recorrido a sua decisão de revogar parcialmente a sentença, e impor um novo valor indemnizatório, na impossibilidade de ter em consideração, para efeitos de determinação desse valor, qualquer outro aspecto que não seja a classificação urbanística do solo à data da emissão da DUP, que, no caso, seria a que decorria do PDM ..., que estava suspenso, e, nessa medida, sendo a parcela 27 em causa integrada em RAN, o regime jurídico que determina a forma de alcançar o valor da indemnização deve ser o que decorre da conjugação dos art.º 23 n.º 1, 24º n.º 1 e 27º n. 3, todos do CE, remetendo-se para os “rendimentos agrícolas” da referida parcela, dado não ser possível a aplicação do n.º 1 e 2 do art.º 27º.

d) Por sua vez, o Acórdão fundamento é um Acórdão da Relação ..., de 9 de Março de 2016, proferido no processo n.º 4584/11…, transitado em julgado em 18.4.2017, em que figuraram como recorridos e recorrentes as mesmas partes que aqui figuram no presente recurso, e a parcela a expropriar uma parcela a destacar do mesmo prédio de onde se destaca a parcela objecto desta expropriação.

e) O Acórdão ora recorrido, no ponto 2. da sua Fundamentação (matéria de facto fixada pela 1ª instância) e Ponto 3.1., dá por assente que a parcela 15.2 é contigua à parcela 21, a primeira uma das que estava em causa no Acórdão Fundamento, a segunda a que está em causa no Acórdão recorrido.

f) Do sumário do Acórdão fundamento, percebe-se com toda a clareza que a ratio que esteve presente na determinação do direito aplicável ao caso, ao contrário do aresto recorrido, foi uma e apenas, a saber: alcançar o valor real de mercado do bem e consubstanciar o conceito constitucional e legal de justa indemnização.

g) Ditou Acórdão fundamento que, sem prejuízo da classificação da parcela a expropriar como “solo apto para outros fins”, resultando evidentes, da realidade urbanística então existente e processo expropriatório, circunstâncias e factos que podem ter relevância a nível da determinação valor da mesma, é lícito, se não mesmo obrigatório, recorrer a tais circunstância e elemento se tal se mostrar imprescindível a determinar o valor real de mercado do bem a expropriar conforme decorre dos art.ºs 23º, n.º 1 e 5 do C.E, de forma que seja possível encontrar verdadeira e efectivamente uma ” justa indemnização”.

h) Se que tais “circunstâncias objectivas”, como diz a lei, que podem ser de vária ordem, passaram, no caso, por se considerarem as soluções urbanísticas desenhadas por um PDM já aprovado, mas ainda não publicado (PDM 2009), ao invés das que decorrem de um PDM (1993), em revisão e suspenso, por ser evidente que as primeiras já estavam a exercer influência no valor de mercado da dita parcela mesmo antes da publicação desse PDM, e muito antes da emissão da DUP, então é lícito trazê-las “para dentro do processo” de expropriação.

i) São, pois, três os vectores essenciais da decisão: o primeiro a reafirmação de que o critério a ter em conta na determinação da indemnização é sempre e necessariamente, por imposição legal, o que permita obter o valor real de mercado; o segundo, o de que mesmo estando em causa “solos aptos a outros fins” é perfeitamente lícito a aferição de outras circunstâncias objectivas que possam influir nesse valor, sem que tal altere essa classificação, conforme o legislador do art.º 27º, n.º 3 do C.E. impõe; o terceiro que o objectivo último é sempre o de encontrar a “justa indemnização”.

j) Confrontado esta decisão fundamento com a decisão recorrida há que reconhecer é difícil encontrar um caso em que seja tão evidente a existência de uma identidade da questão de direito; em que seja tão explicita a identidade quanto ao quadro normativo em que se move a questão; em que seja tão evidente a frontal contradição entre Acórdãos: há, pois, identidade de questão jurídica; há frontal oposição ou contrariedade; há igual quadro normativo.

k) O Acórdão fundamento, sem colocar em causa a classificação – formal – da parcela à data da DUP, e, nessa medida, não deixando de a classificar como “solo apto a outros fins”, socorre-se do disposto nos art.º 23 n.º 5, e parte final do artigo 27º, n.º 3, do Código das Expropriações, de forma a aplicar o único critério que deve estar sempre presente na determinação do valor indemnizatório e que decorre art.º 23º, n.º 1 e 5, e, dessa forma, fazer coincidir os conceito formal e material de “justa indemnização”, tal qual ele decorre do art.º 62º da Lei Fundamental.

l) O Acórdão recorrido, percorre-se uma parte deste caminho, aquele que vai até à classificação formal da parcela contigua à parcela objecto do Acórdão fundamento, mas, depois, ignorando todas circunstâncias objectivas referentes ao planeamento urbanístico que já determinava a realidade e os elementos fácticos existentes no processo, em tudo idênticos aos existentes no caso que deu origem ao Acórdão fundamento, abandona o critério que o legislador considera como sendo o único critério para aferição do valor do bem a expropriar, ou seja, o do valor real de mercado, conforme decorre do art.º 23º, n.º 1 e 5, do C.E., e desconsiderando-o e bem assim como a parte final da norma constante do art. 27º, n.º 3, do C.E, afastando-a de forma absolutamente incompreensível e insustentável.

m) Olvida por completo a decisão recorrida que, como refere o Acórdão fundamento, “ainda que à data da DUP o novo PDM não tivesse eficácia, porque ainda não publicado, o mesmo já fora aprovado, e, antes disso, tivera lugar, repete-se, todo o percurso conducente a que aquelas potencialidades fossem praticamente uma realidade” e por isso mesmo, “havia um expectativa firma e segura com laivos de certeza iminente de a parcela estar inserida em espaço classificado como “ Espaço para Multiusos”, deixando de estar afecta à RAN..”, e, nessa medida, o valor real de mercado (art.º 23º, n.º 1 e 5 do C.E.), aquilo que no mercado a parcela valeria para qualquer comum mortal, tinha necessária e obrigatoriamente a influência dessas “condicionantes objectivas”.

n) O Acórdão recorrido, ao contrário do Acórdão fundamento, desconsidera totalmente o critério do valor real do mercado, decidindo que não pode haver lugar a outra forma de determinação do valor indemnizatório que não seja a que remete para os “rendimentos agrícolas” da parcela expropriada dada a sua classificação como “solo apto a outros fins” à data da DUP.

o) Olvidam-se todas as demais condições objectivas e todos os elementos carreados para o processo, que obrigavam a decisão jurídica diversa, o mesmo é dizer, mutatis mutandis, a decisão idêntica à do Acórdão fundamento, mas agora a incidir na parcela

p) Salvo o devido respeito, o Acórdão recorrido chega a uma solução sem sequer aferir se a mesma colide ou não com o direito a uma “justa indemnização”, tal qual ele se encontra desenhado no art.º 23º, n.º 1 e 5 do C.E., e art.º 62º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e se, do mesmo passo, se fere ou não o princípio da igualdade as legitimas expectativas dos expropriados e, portanto, o princípio da confiança.

q) Como bem demonstra o Acórdão fundamento, e devia ter acolhido o Acórdão recorrido, “o encadeamento das circunstâncias relativas à classificação das parcelas (…) oferece alguma singularidade”, e, por isso, era obrigatório, para quem quisesse encontrar o valor real do bem no mercado, tomá-las em consideração, dando assim cumprimento ao princípio da igualdade e ao da justa indemnização, que foi aliás, o que fez o Acórdão fundamento.

r) Arredar da discussão sobre a forma de determinação do valor indemnizatório de “solos aptos a outros fins” as circunstâncias objectivas que evidentemente bulem com o valor de mercado dos terrenos em causa, é, em primeiro lugar, desconsiderar o disposto no art.º 23º, n.º 1 e 5, do C.E., e, em segundo, e por arrasto, fazer tábua rasa do princípio da igualdade como princípio orientador de todo o processo expropriativo, uma leitura dessas normas que permita o repúdio dessas circunstâncias objectivas, a ser aceite, tem de se ter por inconstitucional, por violação dos art.º 62º e 13º, da Lei Fundamental, o que desde já se deixa arguido.

s) A circunstância de uma parcela, por inserida em REN ou RAN, ser classificada como “solo apto a outros fins” em nada bule com a obrigatoriedade de encontrar o valor real e de mercado da mesma no âmbito de um processo expropriatório.

t) Conforme o Acórdão fundamento se permitiu dizer, mas não foi seguido pelo Acórdão recorrido, “o valor dos bens deverá ser calculado de acordo com os critérios

referenciais constantes dos art.º 26º e seguintes do Código das Expropriações, devendo responder a valor real de corrente dos mesmos numa situação normal de mercado, podendo o tribunal atender a outros critérios na avaliação para alcançar o dito valor” (n.º 5 do art. 23).

u) A ideia chave que está no Acórdão fundamento e que é contrariada pelo Acórdão recorrido parece ser esta: a lei impõe que de forma a atribuir uma justa indemnização que se encontre o valor de mercado do bem; se para alcançar esse valor for necessário ter em conta outras circunstâncias objectivas para além das que resultam da natural classificação urbanística do solo, o legislador permite, e o princípio da igualdade e da justa indemnização impõem, 31 que se tenham em consideração tais circunstâncias, sem que isso altere a classificação urbanística do solo ou sem que esta obstaculize a tal desiderato.

v) E essencialmente neste peculiar aspecto que reside a discordância e a profunda contrariedade entre os arestos, ou seja, na circunstância de ambos, com base numa factualidade idêntica, para não dizer igual, e um mesmo quadro jus-normativo, serem frontalmente contraditórios quanto à norma/regime jurídico aplicável, chegando a resultados dialetalmente opostos quando à forma de determinar a justa indemnização.

w) Independentemente da óbvia ligação entre os valores de mercado praticados à data da DUP, e as directrizes urbanísticas decorrentes do PDM de 2009, e a obrigatoriedade legal das ter em consideração, por via do disposto nos art.ºs 23, n.º 1 e 5, e art.º 27º, n.º 3, in fine, todos do C.E., a verdade é que existindo no processo, como existiam, elementos mais que suficientes para determinar o valor de mercado da parcela expropriada, impunha-se dar cumprimento ao disposto no art.º 23, n.º 1 e 5 do C.E, como o fez o Tribunal da Relação ..., no douto Acórdão fundamento, pois, em última análise, é esse e sempre esse o parâmetro indemnizatório em caso de expropriações.

x) O Acórdão recorrido limita-se a fazer uma “colagem”, acrítica, a um relatório de avaliação, o qual se limita a fazer um raciocínio linear e puramente formal, desligado de toda a factualidade existente, e, portanto, o que se encontra é uma errada determinação do regime jurídico a aplicar para efeitos de aferição do justo valor indemnizatório.

y) O Acórdão recorrido limita-se a aplicar sem mais o PDM de 1993, – ainda que dê por provada a sua suspensão à data da DUP - remetendo para o art.º 27 n.º 3 do C.E., ao contrário do que se faz, e bem, no Acórdão fundamento, desconsiderar o único regime jurídico-urbanístico efectivamente capaz de fixar a justa indemnização nos termos do disposto no art.º 23º, n.º 1 e n.º 5, do Código das Expropriações.

z) Ao não ter em consideração todas as circunstâncias (de facto e de direito) que condicionavam a decisão final, o Acórdão recorrido incorreu, salvo o devido respeito, em flagrante erro, e em frontal oposição com o Acórdão fundamento, propondo uma solução jurídica contraditória com a solução por este avançada, que é, em rigor salvo o devido respeito, a única juridicamente possível e em consonância com a lei e a Constituição, nesta matéria.

aa) A solução encontrada pelo Acórdão recorrido, que é diametralmente oposta à que é preconizada pelo douto Acórdão recorrido, e que olvida por completo aquele que é o critério legal ao nível da determinação da justa indemnização, bule inaceitavelmente com o princípio da igualdade dos cidadãos perante encargos públicos e com o da confiança.

bb) Só há uma leitura jus-dogmática possível para um caso como este, a saber: aquela que é feita pelo Acórdão fundamento e que é frontalmente contraditória com a que é feita pelo Acórdão recorrido.

cc) A leitura feita pelo Acórdão recorrido do regime legal aplicável desemboca no num insustentável valor indemnizatório muito distante do que seria uma “justa indemnização”.

dd) Só o valor m2 encontrado pelo Acórdão fundamento, ou outro decorrente dos elementos juntos ao processo pelos Expropriados e pelo seu perito, através da metodologia por ele utilizada, pode valer como “justa indemnização”, e o Acórdão recorrido devia ter seguido “par e passo” essa mesma metodologia, de forma a chegar a um mesmo resultado jurídico, ou seja, a uma “justa indemnização” conforme é exigência legal e constitucional.


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Igualmente inconformados, os Expropriados DD e outros, interpuseram recurso de revista do mesmo acórdão de 05/11/2020, ao abrigo do artº 629º nº 2, als. a) e d) do CPC, invocando violação de caso julgado e oposição de acórdão da mesma Relação, indicando como acórdão fundamento o já aludido acórdão desta Relação de 09/03/2016, proferido no mencionado processo 4584/11.....

Rematam a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª O Acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, d), do CPC, na medida em que conheceu questões que não foram invocadas pela Expropriante/Recorrente no seu recurso;

2ª O Acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, d), do CPC, na medida em que, pretendendo fixar a indemnização de acordo com a metodologia/critérios adotados, ignorou todas as questões jurídicas que se discutiam no processo a propósito dessa metodologia e critério, bem como os factos assentes e os documentos juntos aos autos;

3ª O Acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, d), do CPC, na medida em que ignorou a questão jurídica fundamental em discussão nos presentes autos: o valor de mercado da parcela expropriada demonstrado por várias escrituras públicas de compra e venda/expropriação amigável e por diferentes decisões judiciais;

4ª O Acórdão recorrido viola a autoridade de caso julgado do Acórdão do Tribunal da Relação ... de 09.03.2017, proferido sobre a mesma situação de facto e sobre as mesmas questões de direito que se discutem nos presentes autos, onde se decidiu que a justa indemnização deve ser fixada de acordo com o valor de mercado do terreno expropriado e fixou o valor de mercado deste tipo de terrenos nesta zona em € 68/m2 (art. 629º, nº 1, a., do CPC);

5ª O Acórdão recorrido viola o caso julgado formado na Sentença da 1ª Instância quanto à atendibilidade do valor unitário fixado para a parcela contígua e idêntica 15.2 (€ 68/m2) por força do princípio da igualdade e por ter suporte na avaliação pericial minoritária apresentada nos autos;

6ª O Acórdão recorrido está em oposição com o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação ... de 09.03.2017 quanto ao critério e metodologia indemnizatória a atender na expropriação por utilidade pública de solos – art. 629º, nº 2, d), do CPC;

7ª O Acórdão recorrido está em oposição com o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação ... de 09.03.2017 quanto às “circunstâncias objetivas suscetíveis de influir no respetivo cálculo” a que se deve atender nos termos e para os efeitos do art. 27º, nº 3, do Código das Expropriações – art. 629º, nº 2, d), do CPC.

8ª A interpretação do art. 23º do Código das Expropriações no sentido de não serem considerados como relevantes para efeitos indemnizatórios os efeitos económicos e materiais que as soluções urbanísticas de um plano diretor municipal já aprovado ao tempo da declaração de utilidade pública (embora ainda não publicado nessa data) produzia no valor de mercado dos solos expropriados, é inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito, do direito fundamental a uma justa indemnização e do princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos (arts. 62º e 13º da Constituição).


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A Expropriante e recorrida BRISA AUTO ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A., respondeu, pugnando pela inadmissibilidade das revistas; assim não se entendendo, pela inexistência de nulidades ou erro de julgamento no acórdão recorrido, o qual deve ser mantido.


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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

São os seguintes os factos que vêm fixados pelas instâncias:

1– Pelo despacho nº ...09, de 27.07., do Exmo. Sr. Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações, publicado no Diário da República, II Série, nº 148, de 03.08.2009, foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, da expropriação da parcela nº 21, com a área de 19.863 m2, a destacar do prédio rústico, denominado “...”, sito na freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...66 e inscrito na respetiva matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...º, seção ...

2 – No dia 10.03.2010 foi efetuada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, pelo perito permanente, conforme auto junto a fls. 138 e ss., complementado a fls. 197 e ss., cujo teor se dá aqui por reproduzido.

3 – Em 15.04.2010, a Brisa Auto Estradas de Portugal, S.A., entrou na posse administrativa da parcela em questão, conforme auto de fls. 203-205.

4 – Não tendo existido acordo das partes quanto à fixação da indemnização devida pela expropriação, foi realizada arbitragem, cujo relatório se encontra junto a fls. 310 e ss.

5 – Os árbitros deliberaram, por unanimidade, atribuir a título de indemnização aos expropriados a quantia de € 119.178,00 (cento e dezanove mil cento e setenta e oito euros).6 – A área da parcela nº 21 expropriada é de 19.863 m2 e o prédio de onde a mesma é destacada tem a área de 74.400 m2.

7 – A parcela nº 21 confronta a norte e sul com o restante do prédio, a nascente com P.…, S.A., e a Poente com a Estrada ....

8 – A parcela nº 21 tem um comprimento de cerca de 300 m e largura máxima de 90 m, desenvolvendo-se no sentido Nascente/Poente, com uma forma alongada, estando à data referida em 2) ocupada por herbáceos.

9 – A superfície do solo da parcela nº 21 é sensivelmente plana, sendo o solo de natureza aluvial.

10 – No extremo poente da parcela nº 21 existe arruamento asfaltado, rede de águas, rede elétrica, rede telefónica e rede de gás, existindo ainda redes de esgotos a cerca de 120m da extrema Norte da parcela.

11 – À data referida em 1) a parcela nº 21 estava enquadrada na “Área Agrícola ...”, estando inserida na RAN e na REN, de acordo com o PDM ... aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 16/93, publicada no DR n.º 64, I Série B, de 17.03.1993.

12 – O PDM anteriormente referido havia sido suspenso quanto à zona em que se insere a parcela nº 21 por Deliberação da Assembleia Municipal ..., ratificada por Resolução do Conselho de Ministros 13/2007, publicada no D.R. nº 17/2007, Série I, de 24.01., pelo prazo de 2 anos, a fim de serem tomadas medidas preventivas com o objetivo de instalação da Plataforma Logística ..., prevendo-se em tal diploma que a revisão do PDM que se encontrava em curso contemplaria a requalificação da área em causa como espaço multiusos, permitindo acolher as transformações do uso do solo referidas na fundamentação do município para a suspensão parcial do PDM em vigor.

13 – O PDM referido em 11) foi, entretanto, objeto de revisão aprovada por deliberação de 14.07.2009 da Assembleia Municipal ..., a qual foi ratificada pelo Conselho de Ministros pela Resolução 84-A/2009 e pela Retificação 69/2009 sob a forma de Aviso nº ...09 publicado no D.R. nº 224, Série II, de 18.11., prevendo a sua entrada em vigor no dia 19.11. e passando a integrar a parcela nº 21 no perímetro urbano que envolve os núcleos do ... e da ... e a classificá-la como “Solos cuja urbanização é possível programar – Espaços para Multiusos”, os quais se destinam a atividades económicas, nomeadamente comerciais, serviços, logística, armazém, estabelecimentos dos tipos 2 e 3 e infra-estruturas e atividades complementares, equipamentos de utilização coletiva e espaços verdes, e estabelecimentos hoteleiros.

14 – A poente da parcela nº 21, a uma distância de cerca de 220 m, existe um edifício de grandes dimensões, sito em zona industrial já consolidada, do outro lado da A.…, e estando integrado pelo PDM referido em 11) em “áreas destinadas a novas indústrias e atividades”

15 – A parcela nº 21 localiza-se a cerca de 1 km em linha reta do nó do .../..., usufruindo de todas as acessibilidades permitidas por essas autoestradas.

16 – Após destaque da parcela nº 21 o acesso à parte sobrante do prédio referido em 1) continua a ser feito pela via pública, a poente, mantendo tal parte sobrante dimensão idêntica ou superior à de vários artigos rústicos vizinhos.

17 – Sob o nº 4584/11.... deste Juízo, J.…, correu termos entre a expropriante e expropriados um processo de expropriação que teve por objeto a parcela nº 15, englobando as subparcelas 15.1 e 15.2, com a área total de 5.141 m 2, a destacar do prédio rústico denominado “...”, com a área de 38.720 m 2, sito na freguesia ..., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial a favor dos expropriados sob o nº ...64 e inscrito na matriz sob o artº ...2º, secção ..., a qual foi objeto da DUP referida em 1).

18 - Por Acordão da R... de 09.03.2016, transitado em julgado em 18.04.2017, foi revogada parcialmente a sentença proferida no processo anterior e decidido que a subparcela 15.2 tinha potencialidades edificativas, diversamente das restantes, já que ainda que o PDM referido em 13) ainda não tivesse eficácia, por ainda não ter sido publicado, já havia sido aprovado, e havia todo um percurso que criava uma expetativa firme e segura de que tal subparcela estaria inserida como “Espaço para Multiusos”, deixando de se encontrar afeta à RAN, considerando tal circunstancialismo ao abrigo do artº 27º, nº 3 do C.E. e aderindo ao laudo maioritário dos peritos que, atendendo a tal potencialidade edificativa, concluíram dever situar-se o respetivo valor em € 68,00 m2.

19 – A subparcela 15.2 anteriormente referida é contígua à parcela nº 21 referida em 1, e, de acordo com o provado e decidido no processo referido em 17), tem a área de 2.127 m2, é composta por terreno ocupado por herbáceos e é plana, com solo de natureza aluvial, tendo forma triangular e dispondo das seguintes infra-estruturas: arruamento asfaltado, rede de águas, rede elétrica, rede telefónica e rede de gás, em zona habitacional.


***


III – O DIREITO.

A admissibilidade das revistas.

Os recursos de revista interpostos pelos Expropriados inserem-se num processo de expropriação instaurado pela Expropriante, ao qual é aplicável o Código das Expropriações em vigor, aprovado pela Lei nº 168/99 de 18 de Setembro, com as alterações entretanto introduzidas.

Sobre o regime dos recursos que podem ser interpostos para o STJ neste tipo de processos, a norma a ter em atenção é a do art.º 66, nº 5, onde se dispõe:

“Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida”.

O segmento inicial atinente aos “casos em que a revista é sempre admissível” reporta-se claramente às situações de revista “normal” especialmente tipificadas ou previstas nas várias alíneas do nº 2 do art.º 629 do CPC.

Pelos Expropriados/recorrentes DD e outros vem invocada como um dos fundamentos de revista a ofensa de caso julgado pelo acórdão recorrido, fundamento previsto na parte final al.ª a) do nº 2 do art.º 629 do CPC.

Tratar-se-ia da autoridade do caso julgado produzido pelo Acórdão da Relação ... de 09.03.2016, proferido no P. nº 4584/11.... que incidiu sobre a indemnização a atribuir pela expropriação das parcelas 15, 15.1 e 15.2, sendo esta contígua à parcela 21 que é objecto dos presentes autos (cfr. o facto provado em 19).

Dado que o acórdão recorrido tomou expressa posição sobre a não ofensa do caso julgado proveniente deste aresto, afirmando a não violação da autoridade desse caso julgado (ofensa explícita), não há dúvida de que o recurso estribado na existência dessa violação/ofensa entronca na parte final da al.ª a) do nº 1 do art.º 629 do CPC, devendo, por essa razão ser admitido.

Mas para a revista dos aludidos Expropriados, assim como para a dos Expropriados/recorrentes FF e outros, é invocado ainda o fundamento tipificado na al.ª d) do nº 2 do art.º 629 do CPC, um vez que por eles vem igualmente alegada a contradição com o acórdão da Relação de 09.03.2016 aí identificado, pela circunstância de este ter sido proferido no domínio da mesma legislação (quadro normativo) e de se constatar que a contradição incide sobre a mesma questão fundamental de direito, encontrando-se já junta aos autos certidão do referido acórdão fundamento.

Não obstante se afigurar algo contraditória a invocação conjunta de ofensa de caso julgado e de contradição com outro acórdão da Relação que precisamente teria contribuído para a formação desse mesmo caso julgado material, vejamos se se verificam os pressupostos de cada um dos fundamentos mencionados.

A ofensa do caso julgado.

Confrontado com esta excepção, o acórdão recorrido abordou-a do seguinte modo:

“ (… ) O caso julgado pode produzir efeitos num processo distinto daquele em que foi proferida a decisão transitada. E produz efeitos diferentes consoante a relação entre o objecto da decisão transitada e o objecto do processo posterior.

Se essa relação for de identidade, ou seja, se o objecto da decisão transitada, delimitado por pedido e causa de pedir, for idêntico ao processo subsequente, isto é, se ambas as acções tiverem a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, o caso julgado vale no processo posterior como excepção de caso julgado.

Se a relação for de prejudicialidade entre os objectos processuais – que se verifica quando a apreciação de um objecto, que é o prejudicial, constitui pressuposto ou condição de julgamento de outro objecto, que é o dependente – então, a decisão proferida sobre o objecto prejudicial vale como autoridade de caso julgado em que é apreciado o objecto dependente. Nesta hipótese, o tribunal da acção dependente está vinculado à decisão proferida na causa prejudicial (Teixeira de Sousa, Estudos…cit., pág. 575).

A relação de concurso objectivo verifica-se quando vários objectos processuais se referem ao mesmo efeito jurídico.

Quanto à relevância do caso julgado no concurso objectivo importa distinguir as situações em que os vários objectos concorrentes se referem aos mesmos factos e aqueles em que os objectos, apesar de concorrentes, se referem a factos diversos.

Assim, quando se baseiem nos mesmos factos essenciais e o objecto apreciado for susceptível de comportar várias qualificações, jurídicas, o caso julgado ainda que referido a uma dessas qualificações abrange-as a todas. Opera a excepção de caso julgado.

Se os factos forem distintos, isto é, se as causas de pedir se referirem a factos diversos, a excepção de caso julgado não pode operar; mas isso não garante, só por si, que a segunda acção seja viável. Há que distinguir entre as hipóteses em que a improcedência da acção obstou a que se tenha produzido o efeito pretendido pelo autor (caso julgado negativo), daquelas situações em que a procedência da acção concedeu o efeito pretendido (caso julgado positivo). No primeiro caso, se a acção relativa ao objecto concorrente tenha sido improcedente, não existe, em princípio, obstáculo á admissibilidade de uma segunda acção. Na segunda situação, quando na acção se produziu o efeito jurídico pretendido, em tal caso, em princípio, o autor já não tem interesse processual em nova acção ainda que baseada em factos distintos. (Cf. Teixeira de Sousa, Estudos…cit., pág. 576 e seg.).

Pode dar-se a chamada autoridade de caso julgado, ou seja, serem considerados efeitos secundários, indirectos ou excludentes que derivam da decisão transitada para outra sentença

que, estando numa relação de causalidade ou em relação de prejudicialidade com a primeira disponha do mesmo bem jurídico ou de bens jurídicos conexos. (Rui Pinto, Caso julgado e autoridade de caso julgado. Breves notas sobre a distinção em razão do sentido decisório, in Novos Estudos de Processo Civil, 1, 2017, Petrony, pág. 126) (…)”.

Concluindo o acórdão recorrido que o acórdão fundamento, não obstante ter por finalidade o apuramento da indemnização a atribuir pela expropriação das parcelas 15, 15.1 e 15.2 respeitantes ao mesmo prédio-mãe, versou sobre factos diversos (e não sobre meros efeitos ou qualificações diversas a partir dos mesmos factos essenciais) dado que diversas eram as causas de pedir num e noutro processo.

Não podemos deixar de subscrever o ponto de vista de que a autoridade do caso julgado com base no concurso de vários objectos processuais não pode operar a partir de outros factos essenciais ou causas de pedir perfeitamente distintas.

No caso, não só os factos essenciais e as causas de pedir são diversos, como não se divisa onde esteja um eventual concurso no plano dos efeitos jurídicos.

Na verdade, perante parcelas perfeitamente distintas, ainda que pertencentes ao mesmo prédio, e mesmo sendo uma delas contígua à expropriada nos presentes autos, há que considerar que, nos presentes autos, o quadro decisório contempla factos essenciais diferenciados, sem qualquer concurso ou intersecção entre decisões proferidas e a proferir relativamente à indemnização devida pela expropriação de outras parcelas. O que, como é evidente, nada tem que ver o paralelismo ou mesmo coincidência dos elementos de facto e de direito que num e noutro processo condicionam o cálculo da indemnização.

Não ocorre, portanto, qualquer efeito de autoridade de caso julgado material formado a partir do acórdão supramencionado. Em função disso, não foi cometida pelo acórdão recorrido a imputada ofensa do caso julgado, pelo que não é admitida a revista dos Expropriados com esse fundamento.

 

No que concerne ao fundamento da alínea d) do nº 2 do art.º 629 do CPC.

De acordo com o nº 2 do art.º 629 do CPC, é sempre admissível recurso:

a) (…)

b) (…)

c) (…)

d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

Importa agora dizer se se verificam ou não os diversos requisitos que são exigidos na alínea em questão.

Desde logo, é de dar como adquirido que não existe jurisprudência uniformizada sobre a matéria da questão fundamental.

Assim como não pode haver qualquer dúvida de que o motivo que impede o recurso de revista em termos gerais do acórdão ora recorrido é estranho à alçada do tribunal (art.º 66, nº 5, do CE).

No que toca ao quadro normativo aplicável há que convergir em ambas as decisões ele é substancialmente o mesmo, quer no que respeita ao Código das Expropriações, quer quanto à situação do PDM de ... em vigor à data da DUP (PDM de 1993, com a evolução até aí ocorrida, encontrando-se já aprovado mas não publicado o PDM de 2009).

Já se reveste de algum melindre a averiguação do requisito respeitante à contradição sobre a mesma questão fundamental de direito.

Impõe-se atentar o que neste plano substantivo se diz a certa altura no acórdão recorrido:

“ (…) Por uma questão de certeza e segurança jurídica: a fixação de um termo único, data da DUP, permite uma apreciação objectiva das características do solo relevantes para o cálculo da indemnização. Afastam-se, assim, subjectivismos e incertezas quanto ao momento relevante para a classificação dos solos e determinação da justa indemnização.

E, como igualmente vimos, à data de tal declaração, a parcela tinha natureza de terreno agrícola, de resto integrado na RAN. A potencialidade edificativa, face à inclusão na RAN, era inexequível àquela data. A realidade normativa resultante da proibição genérica de edificação que incidia sobre aqueles terrenos à data da declaração da utilidade pública, não permite que se considerem como tendo capacidade ou potencialidade edificativa para efeitos do cálculo da justa indemnização. Se assim fosse isso significaria que se estariam a considerar características que o solo não possuía à data da DUP e que poderia, eventualmente, vir a ter daí por uns tempos. O legislador não pretendeu essa interpretação.

Quando no artº 27º nº 3 da CE se menciona que devem ser atendidas “outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo”, está a referir-se às circunstâncias objectivas efectivamente existentes à data da DUP e não a circunstâncias ou características que o solo poderá vir a ter em momento posterior.

Aliás, esse é o erro, salvo o devido respeito, da avaliação feita pelo Sr. Perito dos expropriados: calcula a indemnização pressupondo capacidade edificativa à parcela quando, juridicamente, ela era desprovida dessa capacidade. (…)”.

Por seu turno, em total colisão com este entendimento sobre o alcance do nº 3 do art.º 27 do CE, vemos que a tal propósito se escreve no acórdão fundamento:

“(…) No momento da DUP a parcela 15.2 correspondia a "solo apto para outros fins". Todavia, todo um anterior percurso conduzira a que nos termos resultantes do PDM já aprovado, mas ainda não publicado, aquela parcela passasse a estar inserida em espaço classificado como "Espaço para Multiusos".

Determinando o n° 3 do art. 27 do Código das Expropriações que no cálculo do valor do solo para outros fins sejam ponderadas, para além das ali concretamente discriminadas - como a natureza do solo e do subsolo, rendimento efectivo ou possível, culturas predominantes e clima da região - outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir naquele cálculo.

Entendendo José Osvaldo Gomes (15) que as circunstâncias objectivas susceptíveis de influírem no valor dos terrenos e que têm necessariamente de ser consideradas se repercutem directamente no valor real de mercado, somente a sua consideração podendo conduzir à compensação plena dos prejuízos sofridos; havendo que atender às potencialidades edificativas ou construtivas do solo para   outros fins porque se trata de circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no valor do bem expropriado.

E referindo Ana Isabel Pacheco e Luís Alvarez Barbosa (16) que no cálculo da indemnização deve ser tida em conta, designadamente, a proximidade do bem expropriado relativamente aos centros urbanos, e, consequentemente, a previsível revisão dos instrumentos de gestão territorial, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da justa indemnização, uma vez que os não expropriados, devido ao fenómeno da expansão urbanística, num futuro próximo acabam por ver os seus terrenos integrados na malha urbana, o que jamais acontecerá com o expropriado a quem os mesmos lhes foram definitivamente retirados.

No caso dos autos as potencialidades edificativas da parcela eram evidentes: ainda que à data da DUP o novo PDM não tivesse eficácia, porque ainda não publicado, o mesmo já fora aprovado e, antes disso, tivera lugar, repete-se, todo o percurso conducente a que aquelas potencialidades fossem praticamente uma realidade. Havia uma expectativa firme e segura com laivos de certeza iminente de a parcela estar inserida em espaço classificado como "Espaço para Multiusos", deixando de se encontrar afecta à RAN (como o era enquanto «Área Agrícola ...»)

O valor de mercado da parcela era obviamente influenciado por essas circunstâncias; se no mercado livre o vendedor (ou o comprador) eventualmente preferisse esperar pela publicação, os expropriados não o puderam fazer, porque essa hipótese lhes foi retirada com a expropriação em causa.

Assim, o n° 3 do art. 27 do Código das Expropriações permite a consideração dessas circunstâncias sem as quais não atingiríamos a "justa indemnização ".

Acresce que a parcela 15.2 dispunha de infra-estruturas - um arruamento asfaltado, rede de águas, rede eléctrica e rede telefónica e rede de gás, em zona habitacional.

Além de que aquela parcela é destacada de um prédio parcialmente integrado em núcleo urbano à data da publicação da DUP, localiza-se na área ... ("entre as povoações de ..., ... e ...") dista em linha reta cerca de 26,6 km de ..., 4,2 km de ..., 560 m de ... 1,6 km do ... e 200 m do núcleo urbano da ..., dispõe de boas acessibilidades rodoviárias à ..., a ... e ao ..., os núcleos urbanos mais próximos dispõem de vários equipamentos/serviços em diversas áreas (saúde, equipamento escolar, cultural, empresarial, transportes, comércio e serviços vários) e uma grande parte da zona adjacente àAl, entre as parcelas e ... é constituída por núcleos e construções empresariais com negócios de prestação de serviços a empresas.

Tudo isto conformando circunstâncias a atender, algumas delas tendentes a aproximarmo-nos do que para efeitos de classificação de "solos aptos para construção" dispõem as alíneas a), b) e c) do n° 2 do art. 25 do Código das Expropriações (várias infra estruturas, situação próxima do núcleo urbano da ..., instrumento de gestão territorial que veio entretanto a entrar em vigor).

Justifica-se, pois, em nosso entender, que a avaliação ocorra nos termos em que foi feita pela maioria dos peritos, atendendo às potencialidades urbanísticas da parcela. Adere-se, assim, aos termos daquela avaliação que conclui dever situar-se o valor respectivo em 68 €/m2. (…)”.

Flui com suficiente vigor da comparação dos excertos fundamentativos de um e outro acórdão que, enquanto o acórdão ora recorrido afastou categoricamente a possibilidade de avaliação da parcela expropriada segundo a potencialidade de uso que advinha do PDM já aprovado mas não publicado à data da DUP, por considerar que ela não era passível de ser enquadrada nas “outras circunstâncias objectivas” susceptíveis de influir no cálculo do respectivo valor, às quais se refere a parte final do nº 3 do art.º 27 do CE, o acórdão fundamento socorreu-se dessa mesma norma para justificar a atendibilidade dessa potencialidade, não obstante a parcela aí em causa (parcela 15.2) estar classificada como “solo apto para outros fins”.

E é precisamente a partir dessa manifesta e radical divergência interpretativa – e sua aplicação ao cálculo do valor indemnizatório do solo das respectivas parcelas – que um e outro alcançam valores muito díspares, obviamente por força do valor por metro quadrado que desse modo é determinado (€ 68,00 num caso e € 9,4 no outro).

Afigura-nos, pois, que sendo a contradição entre os acórdãos frontal, e apresentando-se ela com uma “natureza essencial para o resultado alcançado em ambos” (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos (…), Almedina, 6ª edição, p. 74), o requisito em apreço deve ter-se por cumprido ou verificado, impondo-se o conhecimento do objecto de ambas as revistas apenas com esse fundamento[1].  

De sorte que, em face do comando do art.º 66, nº 5, do CE, há que apreciar as questões suscitadas sobre o montante da indemnização fixada no acórdão recorrido.

A revista dos Expropriados DD e outros.

Embora estes recorrentes não especifiquem nas respectivas conclusões o montante da indemnização que têm por justo ou adequado, é de considerar que pretendem ver reposta a sentença da 1ª instância, sentença que fixou em € 1.350.684,00 (um milhão trezentos e cinquenta mil seiscentos e oitenta e quatro euros) a indemnização a atribuir pela expropriante aos expropriados, valor a ser atualizado nos termos do artº 24º, nºs 1 e 2 do C.E. até à data da notificação do despacho que autorizou o  levantamento do montante depositado pela expropriante nos autos, incidindo a atualização, a partir de então e até à decisão final, sobre a diferença entre o montante atualizado até essa data e o montante depositado.”

A revista dos Expropriados FF e outros.

Nesta revista os Expropriados/recorrentes levantam a questão atinente à justa indemnização da parcela expropriada, à luz do disposto nos art.º 23, nºs 1 e 5, 24, nº 1 e 27, nº 3, do CE, defendendo que, mesmo mantendo-se a classificação do solo da parcela como “Solo apto para outros fins”, nos termos da al.ª b) do nº 1 do art.º 25, estas normas vinculam o tribunal à atendibilidade da potencialidade edificativa de que a parcela já dispunha à data da DUP, potencialidade essa que, conforme ficou demonstrado no laudo do perito dos Expropriados, justificaria a atribuição do montante indemnizatório encontrado na decisão de 1ª instância.

Vejamos.

 

Sobre o conteúdo da indemnização devida pelo acto expropriativo dispõe-se no art.º 23 do CE:

 “1. A justa indemnização (…) visa ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo e possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.

(…)

5. Sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do presente artigo, o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos art.ºs 26 e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos numa situação normal de mercado (…).

(…)”.

Por seu turno, sobre o momento relevante para o cálculo da indemnização, estabelece o nº 1 do art.º 24 do mesmo CE:

“O montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública (…).

No que concerne ao tipo de solo a considerar para efeito de cálculo da indemnização o art.º 25 do CE classifica-os em solos aptos para construção e solos aptos para outros fins.

Nos presentes autos não vem posta em causa nas alegações de revista dos recorrentes que a parcela expropriada deva ser classificada (ou reclassificada) como solo apto para outros fins.

Daí que o cálculo do seu valor tenha necessariamente de ser feito segundo os ditames do art.º 27 do CE (e não do art.º 26, este regulando especificamente o cálculo do valor do solo apto para construção).

No referido art.º 27 são hierarquizados vários critérios, sendo o primeiro de natureza fiscal (nºs 1 e 2), e na falta deste, o do rendimento efectivo ou possível à data da declaração de utilidade pública, da natureza do solo e subsolo, configuração do terreno, condições de acesso, culturas predominantes, clima, frutos pendentes, e “outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo”.

O acórdão recorrido estribou-se no laudo maioritário dos peritos, tendo como axiomático que, estando a parcela inserida em terreno afecto à RAN e à REN, a sua potencialidade edificativa estaria necessariamente arredada do cálculo do respectivo valor.

Recordou tal acórdão a doutrina do AUJ nº 6/11[2] – também aduzido na sentença recorrida – para acentuar que a qualificação do solo como solo apto para construção se achava vedada pela integração da parcela expropriada em terrenos afectos à RAN e à REN.

Coordenando tal doutrina com a circunstância provada de que “em 03/08/2009, a parcela 21, em causa nos autos, estava enquadrada na “Área Agrícola ...”, estando inserida na RAN e na REN, de acordo com o PDM ... aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 16/93, publicada no DR n.º 64, I Série B, de 17.03.1993.” (ponto 11 dos factos provados).

Simplesmente, a parcela expropriada tem de ser classificada como solo apto para construção. E também não foi propugnada pelos Expropriados que a sua avaliação tivesse lugar segundo os critérios do art.º 26 do CE. Donde que, seguindo-se os critérios do art.º 27 do CE, não se possa afirmar o desrespeito da doutrina do mencionado AUJ (doutrina que inequivocamente veda uma tal classificação para a parcela em apreço à data da DUP em face da sua inserção em REN e RAN).

O acórdão recorrido exclui a relevância da potencialidade da parcela 21 porque Por uma questão de certeza e segurança jurídica: a fixação de um termo único, data da DUP, permite uma apreciação objectiva das características do solo relevantes para o cálculo da indemnização”.

Efectivamente, é à data da DUP que devem ser apreciadas as circunstâncias relevantes para o cálculo do valor da parcela.

Só que nessa data - 3 de Agosto de 2009 – as várias parcelas destacadas do prédio rústico denominado “...”, entre elas a dos presente autos, participavam todas ela da realidade “singular” que foi elucidativamente realçada no Acórdão da Relação ... de 09.03.2016 proferido no P. 4584/11.... no segmento supratranscrito).

Quanto à parcela agora expropriada é também de destacar que se acha demonstrado que:

No extremo poente da parcela nº 21 existe arruamento asfaltado, rede de águas, rede elétrica, rede telefónica e rede de gás, existindo ainda redes de esgotos a cerca de 120m da extrema Norte da parcela (facto provado em 10).

À data referida em 1 a parcela nº 21 estava enquadrada na “Área Agrícola ...”, estando inserida na RAN e na REN, de acordo com o PDM ... aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 16/93, publicada no DR n.º 64, I Série B, de 17.03.1993 (facto provado em 11).

O PDM anteriormente referido havia sido suspenso quanto à zona em que se insere a parcela nº 21 por Deliberação da Assembleia Municipal ..., ratificada por Resolução do Conselho de Ministros 13/2007, publicada no D.R. nº 17/2007, Série I, de 24.01., pelo prazo de 2 anos, a fim de serem tomadas medidas preventivas com o objetivo de instalação da Plataforma Logística ..., prevendo-se em tal diploma que a revisão do PDM que se encontrava em curso contemplaria a requalificação da área em causa como espaço multiusos, permitindo acolher as transformações do uso do solo referidas na fundamentação do município para a suspensão parcial do PDM em vigor (facto provado em 12).

O PDM referido em 11 foi entretanto objecto de revisão aprovada por deliberação de 14.07.2009 da Assembleia Municipal ..., a qual foi ratificada pelo Conselho de Ministros pela Resolução 84-A/2009 e pela Retificação 69/2009 sob a forma de Aviso nº ...09 publicado no D.R. nº 224, Série II, de 18.11., prevendo a sua entrada em vigor no dia 19.11. e passando a integrar a parcela nº 21 no perímetro urbano que envolve os núcleos do ... e da ... e a classificá-la como “Solos cuja urbanização é possível programar – Espaços para Multiusos”, os quais se destinam a actividades económicas, nomeadamente comerciais, serviços, logística, armazém, estabelecimentos dos tipos 2 e 3 e infra-estruturas e atividades complementares, equipamentos de utilização coletiva e espaços verdes, e estabelecimentos hoteleiros (facto provado em 13).

A parcela nº 21 localiza-se a cerca de 1 km em linha reta do nó do .../..., usufruindo de todas as acessibilidades permitidas por essas autoestradas (facto provado em 15).


Como se referiu no acórdão proferido no P. nº 4584/11.... a respeito da parcela 15.2 contígua à parcela 21, que é objecto da presente expropriação, “No caso dos autos as potencialidades edificativas da parcela eram evidentes: ainda que à data da DUP o novo PDM não tivesse eficácia, porque ainda não publicado, o mesmo já fora aprovado e, antes disso, tivera lugar, repete-se, todo o percurso conducente a que aquelas potencialidades fossem praticamente uma realidade. Havia uma expectativa firme e segura com laivos de certeza iminente de a parcela estar inserida em espaço classificado como "Espaço para Multiusos", deixando de se encontrar afecta à RAN (como o era enquanto «Área Agrícola ...»). O valor de mercado da parcela era obviamente influenciado por essas circunstâncias; se no mercado livre o vendedor (ou o comprador) eventualmente preferisse esperar pela publicação, os expropriados não o puderam fazer, porque essa hipótese lhes foi retirada com a expropriação em causa. Assim, o n° 3 do art. 27 do Código das Expropriações permite a consideração dessas circunstâncias sem as quais não atingiríamos a "justa indemnização ".

É certo que, de acordo com o n° 1 do art.º 148 do DL 380/1999, de 22-9, a eficácia dos instrumentos de gestão territorial depende da respectiva publicação no DR.

Porém, uma coisa é a possibilidade legal de construir segundo um PDM já aprovado, outra é a sólida e fundada expectativa do mercado de a muito breve trecho poder desencadear essa virtualidade construtiva, para isso dependendo apenas do acto formal da publicação do novo instrumento.

É esta circunstância relevantíssima que naturalmente não pode deixar de influir no cálculo do valor de um solo abrangido por um PDM já aprovado, pois é na sua ponderação que a procura e o mercado se movem, desprezando o acto formal de uma publicação a curto prazo.

Aliás, não é difícil admitir que através de uma oportuna declaração de utilidade pública localizada entre o momento da aprovação de um PDM que acarreta uma valorização muito significativa de um determinado solo e o momento em que deva ocorrer publicação, é sempre possível a qualquer expropriante evitar o pagamento de indemnizações de muito maior vulto[3].

Em bom rigor, a publicação serve apenas par conferir eficácia ao instrumento, que pré-existe desde a sua publicação.

A nossa Constituição (art.º 62, nº 2) proclama o direito à justa indemnização do expropriado por utilidade pública, não deixando de dizer que a mesma se produz com base na lei. É a objectividade dos critérios legais que deve permitir a colocação do expropriado "na precisa situação em que se encontram os seus concidadãos que, tendo bens idênticos, não foram atingidos" (cfr. Menezes Cordeiro e Teixeira de Sousa, Col. Jurisprudência, Ano XV, Tomo V, 25).

A igualdade de tratamento do expropriado afere-se, portanto, não apenas na perspectiva da equitativa compensação patrimonial relativamente àqueles não expropriados que se encontravam em idêntica situação, como também ao nível da universalidade dos critérios de avaliação, que deverão procurar validar o mesmo resultado para a expropriação de bens de igual natureza.

Se um expropriado vê o bem que lhe é retirado ser valorizado em função de uma potencialidade edificativa já reconhecida, ainda que não eficaz (eficácia meramente dependente da publicação do PDM já aprovado), não pode ser recusada a outro expropriado, proprietário de um bem contíguo nas mesmas circunstâncias objectivas, a valorização proveniente dessa mesma potencialidade.

Só o laudo do Sr. Perito dos Expropriados tomou em conta esta concreta potencialidade edificativa da parcela, face à sua inclusão na Plataforma Logística e Espaços Multiusos ..., com a já aprovada suspensão do PDM de 1993 (com reflexo na áreas da RAN e da REN abrangidas pelo projecto), propondo/calculando para a mesma, na base dessa iminente e não apenas previsível afectação no PDM aprovado em 14.07.2009, um valor de indemnização de € 946.319,65.

A sentença proferida em 1ª instância, por se considerar vinculada pela autoridade de caso julgado dimanada do acórdão da Relação de 09.03.2016, fixou a indemnização na base do valor do metro quadrado que decorrida da avaliação ali efectuada e aceite, isto é, € 68,00, encontrando o valor da indemnização pela simples multiplicação desse valor à área da parcela (19.863 m2).

Já nos pronunciamos sobre tal autoridade, repudiando-a.

Aderindo a referida sentença à possibilidade da determinação do valor da parcela como solo apto para outros fins (art.º 27 do CE), fazendo uso da potencialidade edificativa como circunstância elegível à luz do nº 3 do art.º 27 do CE, em consonância com a interpretação que desta norma foi sufragada pelo acórdão de 09.03.2016 prolatado no P. 4584/11...., com a qual se identificou, não se deveria ter afastado, como afastou, do quantum indemnizatório do laudo do perito que relevou a mencionada circunstância (€ 946.319,65), fixando-o antes em € 1.350.684,00.

Em face da fundamentação explanada, o único valor de indemnização que este Supremo deve adoptar é aquele que foi exaustivamente justificado no laudo do Sr. Perito dos Expropriados, sob pena de estes ficarem relativa e incompreensivelmente injustiçados.

Nesta conformidade, entendemos que o acórdão recorrido não pode ser mantido, devendo antes acolher-se o critério indemnizatório seguido no mencionado laudo minoritário, dado que ser aquele que toma em consideração a potencialidade edificativa da parcela expropriada à data da DUP, como circunstância objectiva relevante para o cálculo do respectivo valor, nos termos do nº 3 do art.º 27 do C. das Expropriações.


Pelo exposto, concedendo em parte as revistas, revogam o acórdão recorrido, e, em função disso, fixam em € 946. 319,65 (novecentos e quarenta e seis mil trezentos e dezanove euros e sessenta e cinco cêntimos) a indemnização a atribuir pela expropriante aos expropriados, valor a ser atualizado nos termos do artº 24º, nºs 1 e 2 do C.E. até à data da notificação do despacho que autorizou o levantamento do montante depositado pela expropriante nos autos, incidindo a atualização, a partir de então e até à decisão final, sobre a diferença entre o montante atualizado até essa data e o montante depositado.

Custas na proporção de 4/5 para a recorrida/Expropriante e 1/5 para os recorrentes Expropriados.


Lisboa, 24 de Maio de 2022

                                              

Freitas Neto (Relator)

Aguiar Pereira

Maria Clara Sottomayor

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[1] Cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 6ª Ed., p. 75, e o aí citado Ac. do STJ de 13.07.2017, proferido no P. 669/10, disponível em www. dgsi.pt..

[2] “Os terrenos integrados, seja em Reserva Agrícola Nacional (RAN), seja em Reserva Ecológica Nacional (REN), por força do regime legal a que estão sujeitos, não podem ser classificados como solos aptos para construção, nos termos do artigo 26º, nºs 1, al. a) e 2 do Código das Expropriações, aprovado pelo artigo da Lei 168/99, de 18 de Setembro, ainda que preencham os requisitos previstos naquele 2”.

[3] O perito dos Expropriados chama a atenção (cfr. fls.1026-1027) para o facto de ter sido precisamente a alteração do uso agrícola para urbanizável do solo destinado à construção da Plataforma Logística e Espaço Multiusos, um dos factores que determinou a urgência da prévia aprovação e publicação da DUP para a construção deste Nó de Acesso à ...