Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4311/10.9TBBRR.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
BENFEITORIAS NECESSÁRIAS
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DENÚNCIA
ABUSO DO DIREITO
PRAZO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 12/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CONTRATOS EM ESPECIAL / ARRENDAMENTO URBANO.
Doutrina:
- Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2005, p.114.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 216.º, N.º3, 334.º, 405.º, 406.º, 1039.º, 1098.º, N.ºS 2 E 3, 1273.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, N.º3, 607.º.
NOVO REGIME DE ARRENDAMENTO URBANO (NRAU) APROVADO PELA LEI 6/2006, DE 27.02: - ARTIGO 29.º.
Sumário :
I - Decorrendo da contestação e da invocação aí efectuada do disposto no art. 29.º do NRAU que os factos nela referidos se destinam a obter uma compensação por obras que o réu alega ter realizado no locado, cabe ao tribunal, em face do disposto no art. 5.º, n.º 3, e no art. 607.º, ambos do CPC, decidir se, com base neles, aquelas devem ser tidas como benfeitorias necessárias em face do disposto no art. 216.º, n.º 3, do CC.

II - Tendo o acórdão recorrido considerado, com base nos factos apurados, que as despesas referidas pelo réu deveriam ser consideradas como benfeitorias necessárias, tomou, implicitamente, posição sobre a alegada falta de elementos para as qualificar como tal, inexistindo, pois, omissão de pronúncia sobre essa questão.

III - Prevendo o contrato de arrendamento ajustado entre as partes o prazo de um ano para a vigência do mesmo antes de aquela poder ser exercida, pelo arrendatário, a sua denúncia e um período de pré-aviso para esse efeito, a conduta da autora que consistiu em exigir, ao abrigo dessa previsão contratual e do disposto no arts. 405.º, 406.º e 1039.º, todos do CC, o pagamento das rendas correspondentes ao prazo mínimo que se acham em falta não excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social desse direito (art. 334.º do CC).

IV - Posto que o período de pré-aviso se destina a facultar ao locador a possibilidade de arrendar novamente o locado em face da antevista cessação do anterior vínculo contratual, o facto de a autora ter arrendado o arrendado a terceiro logo no mês seguinte à entrega da chave daquele pelo réu evidencia a desnecessidade da concessão desse prazo – ou, dito de outra forma, constitui uma renúncia tácita a esse prazo –, pelo que fica prejudicado o pagamento das correspondentes rendas.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




Em 2010.12.30, no 3º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores do Barreiro, a sociedade AA - Restaurante Limitada intentou contra BB, a presente ação declarativa de condenação, com processo sumário.


Pediu

a condenação do réu no pagamento da quantia de 16.100,00 €, acrescida de juros de mora desde a citação.


Alegou

em resumo, que

- em 2010.05.01, celebrou, como senhoria e com o réu, um contrato de arrendamento de um “estabelecimento”;

- o contrato foi celebrado por um período de cinco anos, podendo o réu denuncia-lo apenas passado um ano e com a antecedência mínima de seis meses;

- passados quatro meses do início da sua vigência, o réu denunciou o contrato;

- ficaram, assim, em dívida, as rendas correspondentes ao período restante do contrato e do pré-aviso da denúncia.


Contestando

o réu alegou, também em resumo, que

- denunciou o contrato porque o espaço arrendado não tinha condições para atrair clientes;

- o contrato teve início, não na data em que a autora alega, mas antes em 2004.04.01;

- o contrato invocado pela autora não existiu, uma vez que corresponde apenas a uma alteração da renda fixada no único contrato existente, que era aquele;

- assim foi arrendatário do espaço entre Abril de 2004 e Setembro de 2010;

- tendo tempestivamente denunciado o contrato.



Reconvindo

pediu a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de 27.636,16 €, como indemnização pelas benfeitorias que realizou no arrendado, que discriminou.


Proferido despacho saneador, fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória, foi realizada audiência de discussão e julgamento.


Em 2013.11.17, foi proferida sentença que julgou procedente a ação e parcialmente procedente a reconvenção.


A autora e o réu, este subordinadamente, apelaram, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 2014.04.10, concedido parcial provimento à apelação da autora, condenando esta a pagar ao réu apenas a quantia de 6.749,91 € a título de indemnização por benfeitorias e concedendo total provimento à apelação subordinada do réu, absolvendo-o do pedido.


Novamente inconformada, a autora deduziu a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

Não houve contra alegações.



As questões


Tendo em conta que

- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;

- nos recursos se apreciam questões e não razões;

- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido

são os seguintes os temas das questões propostas para resolução:

A) - Benfeitorias

B) - Pagamento das rendas correspondentes ao período restante do contrato e de pré-aviso.



Os factos


São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:

l. A autora é dona do estabelecimento comercial sito no 1º andar do n.º … da Rua …, Barreiro, descrito na Conservatória do Registo Predial do Barreiro sob o n.º …, com a licença de utilização n.º …/1900, emitida pela Câmara Municipal do Barreiro em 7 de abril de 1999, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….

2. Em 1 de Abril de 2004, a autora cedeu ao réu o estabelecimento comercial referido sob 1, recebendo como contrapartida uma prestação mensal, que em 2010 era de € 1 360, convencionando-se a duração do acordo pelo período renovável de cinco anos.

3. Em Fevereiro de 2010, o réu comunicou à autora, antes do envio da carta referida em 4, a sua dificuldade no pagamento da prestação mensal de € 1 360 a que se vinculara.

4. Por carta registada com aviso de receção datada de 26 de fevereiro de 2010, o réu comunicou à autora: "Na qualidade de arrendatário do estabelecimento comercial sito na Rua …, …-1° andar, Barreira, de que V.Ex.ª" é proprietário, venho pela presente informar que pretendo pôr fim ao contrato de arrendamento celebrado em 1 de Abril de 2004, uma vez que a faturação do último ano e meio não faz face às despesas que tenho com o estabelecimento quer de renda, quer de multas, passadas quase todas as semanas, não tendo assim condições para trabalhar e no sentido de evitar a acumulação de dividas às quais não consigo fazer face é com desagrado, mas com consciência que tomo a decisão de denuncia do referido, Dado que o arrendamento foi efetuado pelo prazo inicial de cinco anos, que o mesmo já regista uma duração superior a (6) meses e que a minha intenção de denunciar é feita com uma antecedência mínima de 90 dias, a cessação do contrato ocorrerá no dia 31 de Maio de 2010."

5. Posteriormente ao envio da carta mencionada sob 4 carta, o sócio gerente da autora prometeu ao réu que reduziria o valor da renda e realizaria obras no estabelecimento.

6. Foi na sequência dessa comunicação que foi acertada a nova prestação mensal no valor de € 1150, aceitando o réu continuar a fruir o estabelecimento, tendo sido nesse enfoque que foi apresentado o acordo referido em 8, afirmando o sócio gerente da autora ser necessário assinar o novo acordo pelo motivo de ter reduzido a renda.

7. Para além do que consta sob 3,4 e 5, não ocorreu outra negociação para a formalização do acordo mencionado sob 8.

8. Em escrito datado de 1 de maio de 2010, a autora, como primeira outorgante e o réu como segundo outorgante, sob a epígrafe "Contrato de Arrendamento para o Comércio", declararam o seguinte:

a) A primeira outorgante é dona e legitima possuidora do estabelecimento comercial sito no 1º andar da Rua …, n.º …-A, Barreiro, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, com a licença de utilização n.º …/199, emitida, em 7 de abril de 1999, pela Câmara Municipal do Barreiro,

b) A primeira outorgante dá de arrendamento ao segundo outorgante o referido estabelecimento sito no imóvel descrito no primeiro considerando, destinando-se este à atividade de bar;

c) Este contrato tem a duração de cinco anos e o seu início no dia 1 de Maio de 2010 e o final em 30 de Abril de 2015, renovando-se automaticamente no fim do prazo por iguais períodos de tempo, exceto se a primeira contratante ou o segundo contratante se opuser a tal renovação, mediante carta registada com aviso de receção, com as antecedências mínimas previstas respetivamente nos artigos 1097°e 1098° do Código Civil;

d) O segundo outorgante poderá, após um ano de duração efetiva do contrato proceder à denúncia do mesmo a todo o tempo mediante comunicação por carta registada com aviso de receção â primeira contratante, com uma antecedência não inferior a seis meses relativamente ao termo pretendido do contrato, o qual produzirá efeitos no final do mês do calendário correspondente ao termo desse prazo;

e) A renda mensal é de € 1.150, a qual se vence no primeiro dia útil do mês anterior a que respeita;

f) O pagamento da renda convencionada será realizado mediante transferência bancária para a conta que a primeira outorgante possui junto da Caixa Geral de Depósitos, balcão da Quinta da Lomba, com o NIF …,

g) Com o presente contrato e para cumprimento do disposto na antecedente alínea a), o segundo outorgante entregará em pagamento à primeira outorgante o montante de 1.150,00 € correspondente ao primeiro mês de vigência do arrendamento;

h) o segundo contraente não poderá realizar no locado quaisquer obras sem o consentimento da primeira outorgante;

i) o segundo outorgante não poderá levantar quaisquer benfeitorias por si realizadas, pedir por elas indemnização ou invocar direito de retenção"

9. 0 réu enviou no dia 26 de Agosto de 2010 à autora a seguinte carta registada com aviso de receção sob a epigrafe "Termo do Contrato de Arrendamento":

"Serve a presente para formalizar a conversa já existente entre as partes interessadas, de pôr fim ao contrato existente renovado a 1 de Maio do corrente por imposição do proprietário, uma vez que a 28 de fevereiro deste ano quis pôr termo ao contrato anterior de 1 de abril de 2004 pelas mesmas causas que me levam hoje a escrever esta carta, posto isto vou referendar vários pontos que me levaram a esta atitude. Ao longo de quase sete anos tenho sido multado semanalmente, por não ter um horário que me permita trabalhar como bar, depois de várias tentativas junto das autoridades para obtê-lo, foi-me sempre indeferido uma vez que o estabelecimento não reúne condições para ter licença de recinto, o que me leva a trabalhar fora de horas para poder fazer face às despesas mensais. Dada a crise atual que o país atravessa, há uma grande redução de clientes, posto isto, fico em desvantagem em relação aos outros da mesma zona, que têm um horário normal de bar. Durante todo este tempo que fui arrendatário deste estabelecimento, mesmo com muitas dificuldades, nunca deixei de cumprir com as minhas obrigações perante o proprietário, como sei que não vou conseguir continuar a cumprir com as mesmas, sou obrigado a por fim ao contrato e entregar a chave do estabelecimento dia 1 de Outubro de 2010 {mês da caução incluído}.

10. A autora respondeu ao réu por carta de 1 de setembro de 2010: Temos presente a sua carta datada de 26 de Agosto último e que somente em 30 recebemos. Não nos deteremos sobre as afirmações que nela faz constar nos respetivos três primeiros paráramos, mas realçamos, desde já o nosso repúdio quanto ao afirmado a propósito do novo contrato que connosco livremente estabeleceu para vigorar a partir do dia 1 de Maio último. Quanto ao ponto central da v/comunicação, resta-nos recordar-lhe o que consta do ponto 2 da cláusula primeira do contrato vigente. De acordo com o ai estabelecido, desde já adiantamos o nosso propósito de exigir, se necessário em juízo, o integral cumprimento do ai previsto no tocante ao Pagamento das rendas que se vencerem após a entrega do estabelecimento até 1 de Novembro de 2011.

11. Em setembro de 2010, o sócio gerente da autora comunicou ao réu para entregar o estabelecimento para que fosse ocupado por inquilino que já tinha conseguido.

12. 0 réu entregou à autora a chave do estabelecimento no inicio do mês de outubro de 2010 e, após a entrega do estabelecimento pelo réu, a autora fez trabalhos de impermeabilização.

13. A autora, por um lado, e CC, por escrito datado de 31 de outubro de 2010, declararam dar a primeira de arrendamento à última, com inicio no dia 1 de novembro de 2010 e termo em 31 de outubro de 2015, o estabelecimento comercial sito na Rua …, nº …, rés-do- chão, Barreiro, pela renda mensal de € 1250,00.

14. 0 réu adquiriu e colocou no estabelecimento duas portas em madeira e colocou uma nova canalização na cozinha e WG, aplicou soalho flutuante no pavimento do palco, aumentou o balcão em madeira existente e colocou azulejos na parede atrás, demoliu as paredes em arco, despendendo nessas intervenções € 15850, suportou o encargo de € 120 na impermeabilização da chaminé, adquiriu um sistema de extração de fumos com o custo de € 3 540, gastou € 3 089, 91 num sistema de ar condicionado que instalou no estabelecimento, adquiriu para este estabelecimento um balcão e móvel de balcão pela soma de € 580,80, adquiriu um arrefecedor de garrafas, adquiriu para o estabelecimento uma máquina de lavar loiça, custeou a colocação no estabelecimento de nova instalação elétrica.

15. 0 réu apôs azulejos nas paredes e o pavimento no WG do estabelecimento e a autora custeou metade do valor de aquisição de um arrefecedor de garrafas,

16. 0 estabelecimento comercial referido em 1 funcionou Ininterruptamente desde abril de 2004 a setembro de 2010 como estabelecimento-bar, não se encontrando licenciado para o funcionamento com esse fim.



Os factos, o direito e o recurso


A) Benfeitorias


Na sentença proferida na 1ª instância, condenou-se a autora a pagar ao réu a quantia de 23.179,91 € como indemnização por despesas feitas por este no arrendado, que foram classificadas, umas como benfeitorias necessárias - a impermeabilização da chaminé, o sistema de extração de fumos e o sistema de ar condicionado - e as restantes como benfeitorias úteis.


No acórdão recorrido, entendeu-se que as benfeitorias tidas como úteis na sentença não podiam ser atendidas, mas confirmou-se o decidido quanto à existência de benfeitorias necessárias, fixando o valor da indemnização a pagar pela autora ao réu em 6.749,91 €.


A autora recorrente entende, em primeiro lugar, que foi cometida uma nulidade no acórdão recorrido na medida em que tendo levantado a questão sobre a falta de elementos para qualificar as benfeitorias, não houve pronúncia sobre a questão.

Não tem razão.

Na verdade e embora apenas implicitamente, no acórdão recorrido foi considerado que as despesas acima referidas feitas pelo réu tinham que ser classificadas com o necessárias, face à definição destas constante do nº3 do artigo 216º do Código Civil, citado no acórdão.

Logo, a conclusão que as despesas foram consideradas necessárias porque se enquadravam naquela definição.

Não ocorreu, assim, aquela nulidade.


Entende também a autora que o réu não articulou factos que permitissem classificar ou distinguir as benfeitorias como necessárias.

Também não tem razão.

Na verdade e embora a contestação peque por ser demasiado sintética, podemos, no entanto, dela extrair, até pela invocação do artigo 29º do Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU) aprovado pela Lei 6/2006, de 27.02, que os factos nela referidos se destinam a obtenção de uma compensação por obras que o réu alegou ter realizado no arrendado.

Face a esses factos, caberia ao tribunal decidir se com base neles e no que concerne à questão que nos ocupa, as obras ou algumas das obras realizadas pelo réu se podiam classificar como benfeitorias necessárias, atendendo à definição destas estabelecidas já citado nº3 do artigo 216º do Código Civil.

Foi o que se fez no acórdão recorrido, nele se concluindo pela afirmativa.


E podia e devia fazê-lo, face ao disposto no nº3 do artigo 5º e no artigo 607º, ambos do Código de Processo Civil.

A recorrente autora não alegou que a classificação de obras feitas pelo réu como benfeitorias necessárias não estava correta.

Alegou apenas que tal classificação era “insufragável”.

Mas é sufragável, como vimos.

Logo, não há motivos para alterar a decisão recorrida, no segmento em causa, atento ao disposto no nº1 do artigo 1273º do Código Civil e 29º, nº1, do NRAU, mantendo-se a condenação da autora a pagar o valor das benfeitorias necessárias feitas pelo réu.


B) Pagamento das rendas correspondentes ao período restante do contrato e de pré-aviso


Na sentença proferida na 1ª instância entendeu-se condenar o réu a pagar à autora a quantia de 16.500,00 € porque, tendo celebrado o contrato de arrendamento, o réu denunciou-o antes de decorrido o prazo mínimo de um ano, estabelecido contratualmente para sua vigência, sem respeitar o prazo de pré-aviso referido no nº2 do artigo 1098º do Código Civil, pelo que incorreu na “sanção pecuniária” prevista no nº3 desse artigo,


No acórdão entendeu-se que a exigência das rendas era abusiva na medida em que a autora arrendou o estabelecimento comercial a outrem, logo após a denúncia efetuada pelo réu, auferindo assim um “lucro injustificado e indevido”, na medida em que receberia “uma duplicação de rendimentos do vínculo jurídico de arrendamento”.


A recorrente autora entende que o seu comportamento não é abusivo, pois, para além de não estar provado que recebeu quaisquer rendas provenientes do novo contrato de arrendamento, limitou-se a proceder com a única interpretação que cabe no nº3 do artigo 1098º do Código Civil.

Vejamos.


Face ao disposto no nº3 do artigo 1098º do Código Civil, na redação introduzia pelo artigo 3º da Lei 6/2006, aplicável ao caso concreto em apreço, a inobservância da antecedência para o arrendatário fazer a comunicação da denúncia “não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento dessas rendas correspondente ao período de pré-aviso em falta.”


No caso concreto em apreço e conforme decorre do decidido pelas instância, está provado que a autora e o réu celebraram um contrato de arrendamento datado de 1 de Maio de 2010, com início em 1 de Maio desse ano, com a duração de cinco anos, fixando a renda em 1.150,00 € e estabelecendo-se que réu arrendatário “poderá, após um ano de duração efetiva do contrato, proceder à denúncia do mesmo a todo o tempo mediante comunicação por carta registada com aviso de receção à primeira contratante, com uma antecedência não inferior a seis meses relativamente ao termo pretendido do contrato, o qual produzirá efeitos no final do mês do calendário correspondente ao termo desse prazo”.


O réu arrendatário denunciou o contrato, por carta de 2010.08.26, para 1 de Outubro de 2010.

Em Setembro desse ano, a autora senhoria pediu ao réu para entregar o local arrendado, para que fosse ocupado por um outra inquilina, CC, que entretanto já tinha conseguido.

Em Outubro seguinte, o réu entregou a chave.

A autora e a CC celebraram um contrato de arrendamento do estabelecimento, com início em 2010.11.01, pela renda mensal de 1.250,00 €.


Perante estes factos, não vemos como considerar a conduta da autora como abusiva.

Não vemos em como a exigência do cumprimento do prazo de um ano para a vigência do contrato e do prazo de pré-aviso para a denúncia do mesmo, acordados livremente entre as partes, possa “exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”- art 334ºdo Código Civil – entendendo-se como tal “uma ofensa clamorosa ao sentimento jurídico socialmente dominante”, como é referido por Pires de Lima e Antunes Varela "in" Código Civil Anotado, em anotação ao referido artigo.


Mas se não houve manifesto abuso por parte da autora, entendemos, no entanto, que a exigência de que as partes devem proceder de boa-fé obriga a fazer uma distinção entre a exigência do cumprimento do prazo mínimo acordado para a vigência do contrato e a exigência do pré-aviso da denúncia.


Na verdade e quanto ao primeiro, parece não poder haver dúvidas que o réu locatário, em face do contrato de arrendamento que livremente celebrou com a autora e do disposto nos artigos 1039º do NRAU e 405º e 406º do Código Civil, se obrigou a pagar a renda convencionada durante, pelo menos, o prazo de um ano, ou seja, até 30 de Abril de 2011.

Como só pagou a rendas até Setembro de 2010, inclusive, concluímos que não pagou as rendas relativas aos meses de Outubro de 2010 a Abril de 2011, ou seja, as correspondentes a sete meses.

Logo, sendo a renda mensal de 1.150,00 €, o réu deve pagar à autora por esse facto a quantia de 8.050,00 €.


Já quanto ao à consideração do período de pré-aviso para a denúncia, entendemos não se justificar no caso concreto em apreço.

Esse período justifica-se, quanto ao locador, “para que possa tirar da coisa, sem grande perda de tempo, os rendimentos ou o uso que ela é capaz de lhe proporcionar” – Pires de Lima e Antunes Varela "in" obra citada, em anotação ao artigo 1055º, na redação primitiva.

Ou, em termos gerais, “a antecedência exigida para denúncia serve para que a parte destinatária dessa declaração se possa precaver quanto ao facto de o vínculo contratual se extinguir em breve” – Pedro Romano Martinez “in” Da Cessação do Contrato, 2005, página 114.


Ora, no caso concreto em apreço, a autora, conhecedora da intempestiva denúncia do contrato por parte do réu, arrendou logo no mês seguinte o “estabelecimento” a outra pessoa.

Sendo assim, a razão da existência do prazo de pré-aviso deixou, evidentemente, de existir.

Na verdade, se a autora já tinha “conseguido” arrendar o dito “estabelecimento”, passou a não se justificar, a não ser necessário, a concessão de um prazo para arrendá-lo.

Dito doutra forma, a autora, ao arrendar o “estabelecimento”, renunciou tacitamente a essa concessão.


Temos, pois, que no caso concreto em apreço, não se justificava a existência de um prazo de pré-aviso.

E não se justificando essa existência, obviamente que fica prejudicado o pagamento das rendas durante esse prazo.


Apenas uma nota final.

A autora alega que o facto de ter arrendado o “estabelecimento” a outra pessoa não significa que tenha obtido rendimentos desse contrato, porque a pessoa podia não pagar a renda.

Mas esse facto, a ser verdadeiro, situa-se a jusante da questão que nos ocupa, que é a de se saber se a autora necessitava de um prazo para arrendar o estabelecimento.

E não precisava, com se referiu.


Concluímos, pois, que o réu não tem que ser condenado a pagar as rendas relativas ao período de seis meses relativo ao pré-aviso.



A decisão


Nesta conformidade, acorda-se em conceder parcial provimento à revista, condenando-se o réu a pagar á autora a quantia de 8.050,00 € (oito mil e cinquenta euros), acrescida de juros de mora desde a citação, mantendo-se, no restante, a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente e recorrida, de acordo com o vencimento.


Lisboa, 11 de Dezembro de 2014


Oliveira Vasconcelos (Relator)

Serra Baptista

Fernando Conceição Bento