Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3610/18.6T8CSC.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: PATRIMÓNIO AUTÓNOMO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Data do Acordão: 09/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :

I- Um Fundo de Capital de Risco, património autónomo, sem personalidade jurídica, mas dotado de personalidade judiciária, detentor da maioria do capital social do empregador, não sendo uma sociedade comercial, não responde solidariamente com o empregador por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação vencido há mais de três meses, nos termos do art.º 334.º do Código do Trabalho.

II- Esta solução legal limitadora, no que concerne aos Fundos de Capital de Risco, patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica, mas dotados de personalidade judiciária, não cria uma situação de tratamento desigual, entre os trabalhadores cujos empregadores sejam detidos por sociedades comerciais e, os outros, que sejam detidos por Fundos de Capital de Risco, ao ponto de se poder considerar existir uma violação do princípio da igualdade, previsto no art.º 13º da CRP.

III- A natureza jurídica dos fundos de capitais de risco, entidades sem personalidade jurídica, é diferente da natureza jurídica das sociedades comerciais. Os Fundos de Capital de Risco, ao contrário das sociedades comerciais, não têm poder de decisão que possa interferir na gestão da sociedade em que detêm capital social, daí que o legislador não tenha estendido a estas entidades a responsabilidade solidária nos moldes previstos no art.º 334.º do Código do Trabalho.

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 3610/18.6T8CSC.L1. S1 (Revista) - 4ª Secção

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                           I

1. AA, BB, CC, DD, EE, FF, e GG intentaram ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra Até Ao Fim Do Mundo – Imagens e Comunicação, Lda., Semba Comunicação, Lda., e ERIGO VII – Fundo de Capital de Risco gerido por ERIGO, Sociedade de Capital de Risco, S.A., pedindo a condenação solidária destas a pagar-lhes a quantia global de € 361.260,68, proveniente de créditos laborais, que discriminam na petição em relação a cada um deles.

Para o efeito, alegaram, em síntese, que foram trabalhadores da Masemba, Lda., tendo resolvido os respetivos contratos com justa causa com fundamento na falta de pagamento de retribuições; que sendo a Masemba, Lda., objeto de um processo especial de revitalização as aqui rés respondem solidariamente pelos créditos salariais devidos por aquela, bem como pelo pagamento das indemnizações devidas a cada um dos autores por força da justa causa de resolução dos respetivos contratos de trabalho.

2. A 1.ª Ré Até Ao Fim Do Mundo – Imagens e Comunicação, Lda apresentou contestação na qual alegou, em síntese: que a Masemba, Lda., indicou como sede as suas instalações mas fê-lo apenas temporariamente, enquanto se realizavam as obras na sua sede e para efeitos de recebimento de correspondência; que em momento nenhum qualquer trabalhador da Masemba, Lda., prestou trabalho naquelas instalações e que inexiste qualquer fundamento para a sua responsabilização solidária, pelo que defende a improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido. Pede ainda a condenação dos autores como litigantes de má-fé.

3. A 2.ª Ré Semba Comunicação, Lda., contestou, alegando, em síntese: que não foi indicado o valor da ação; que os créditos dos AA. foram reconhecidos no PER que identificam relativo à sua empregadora Masemba, Lda.; que não existe qualquer relação de grupo entre si e qualquer das restantes rés; que inexiste qualquer relação entre si e a Masemba, Lda. e que os créditos dos autores já se encontram acautelados âmbito do Processo Especial de Revitalização n.º 18737/…, cujo plano já foi aprovado e homologado por sentença, pelo que deve ser julgada a improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.

4. A 3.ª Ré ERIGO VII – Fundo de Capital de Risco apresentou a sua contestação, sustentando, em síntese: a sua ilegitimidade passiva por não ser uma sociedade comercial e não se encontrar incluída no leque de sociedades elencada nos preceitos do Código das Sociedades Comerciais para o qual remete o artigo 334.º do Código do Trabalho; que não se encontra em relação de grupo com qualquer das restantes rés; que os créditos dos autores já se encontram acautelados no âmbito do Processo Especial de Revitalização n.º 18737/..., cujo plano já foi aprovado e homologado por sentença, o que gera a inutilidade superveniente da presente lide, e que deve ser absolvida do pedido.

5. Os autores apresentaram resposta às exceções invocadas e concluíram como na petição inicial.

6. Foi proferido despacho pré-saneador, o qual julgou improcedentes as questões suscitadas relativas ao valor da causa e à irrelevância do PER. Foi fixado o valor da causa em € 361.260,68 e saneado o processo, julgando-se improcedente a exceção da ilegitimidade suscitada, dispensando-se a realização de audiência preliminar. Fixou-se o objeto do litígio e dispensou-se a enunciação dos temas da prova.

7. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

«[…]

Destarte, julga-se a ação parcialmente procedente e, consequentemente:

A) CONDENA-SE a 3.ª ré ERIGO VII – FUNDO DE CAPITAL DE RISCO, nos termos do artigo 334.º do CT [solidariamente com a empregadora], a pagar aos autores, a título de créditos laborais, as seguintes quantias:

a.1) a quantia de € 4.141,27 (quatro mil cento e quarenta e um euros e vinte e sete cêntimos), à autora AA, acrescida dos juros de mora, vencidos desde as datas do respetivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%;

a.2) a quantia de € 4.974,21 (quatro mil novecentos e setenta e quatro euros e vinte e um cêntimos), à autora BB, acrescida dos juros de mora, vencidos desde as datas do respetivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%;

a.3) a quantia de € 9.415,34 (nove mil quatrocentos e quinze euros e trinta e quatro cêntimos), à autora CC, acrescida dos juros de mora, vencidos desde as datas do respetivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%;

a.4) a quantia de € 10.934,82 (dez mil novecentos e trinta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos), ao autor DD, acrescida dos juros de mora, vencidos desde as datas do respetivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%;

a.5) a quantia de € 12.804,75 (doze mil oitocentos e quatro euros e setenta e cinco cêntimos), à autora EE, acrescida dos juros de mora, vencidos desde as datas do respetivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%;

a.6) a quantia de € 5.507,26 (cinco mil quinhentos e sete euros e vinte e seis cêntimos), à autora FF, acrescida dos juros de mora, vencidos desde as datas do respetivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%;

a.7) € 1.821,64 (mil oitocentos e vinte e um euros e sessenta e quatro cêntimos), à autora GG, acrescida dos juros de mora, vencidos desde as datas do respetivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%.

B) CONDENA-SE a 3.ª ré ERIGO VII – FUNDO DE CAPITAL DE RISCO, nos termos do artigo 334.º do CT [solidariamente com a empregadora], a pagar aos autores a título de indemnização nos termos do artigo 396.º do CT as seguintes quantias:

b.1) a quantia de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) à autora AA, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação;

b.2) a quantia de € 15.924,25 (quinze mil novecentos e vinte e quatro euros e vinte e cinco cêntimos) à autora BB, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação;

b.3) a quantia de € 41.854,75 (quarenta e um mil oitocentos e cinquenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) à autora CC, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação;

b.4) a quantia de € 3.934,52 (três mil novecentos e trinta e quatro euros e cinquenta e dois cêntimos) ao autor DD, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação;

b.5) a quantia de € 29.952,00 (vinte e nove mil novecentos e cinquenta e dois euros) à autora EE, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação;

b.6) a quantia de € 26.660,99 (vinte e seis mil seiscentos e sessenta euros e noventa e nove cêntimos) à autora FF, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação; e

b.7) a quantia de € 12.085,08 (doze mil e oitenta e cinco euros e oito cêntimos) à autora GG acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação.

C) ABSOLVE-SE a 3.ª ré ERIGO VII – FUNDO DE CAPITAL DE RISCO do demais peticionado pelos autores;

D) ABSOLVE-SE a 1.ª ré ATÉ AO FIM DO MUNDO – IMAGENS E COMUNICAÇÃO, Lda., e a 2.ª ré SEMBA COMUNICAÇÃO, Lda., dos pedidos contra elas deduzidos pelos autores.

8. A R. Erigo VII – Fundo de Capital de Risco, inconformada, interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido:

̶   Julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto, alterando o facto 21. da sentença, nos termos sobreditos;

̶   Conceder provimento ao recurso e, em consequência, alterar a sentença da 1.ª instância no que respeita à condenação do ora recorrente ERIGO VII – Fundo de Capital de Risco, absolvendo-se este dos pedidos contra si formulados pelos autores ora recorridos.

9. Inconformadas com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação as autoras AA, BB, CC, EE, FF, e GG, interpuseram recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

1.º- O objetivo do legislador ao instituir o regime de responsabilidade previsto no art.º 334º do CT foi reforçar a garantia patrimonial dos créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, obviando a que a inserção do empregador numa coligação societária possa prejudicar os direitos dos trabalhadores.

2.º- Uma interpretação literal que limitasse a extensão da responsabilidade apenas a uma sociedade, estaria a desvirtuar a ratio da norma, que visa oferecer uma repartição do risco, dependendo da constituição do grupo, por uma ou mais sociedades do grupo para além do empregador signatário do contrato de trabalho.

3.º- No artigo 334.º encontramos um importante desvio à ratio subjacente à responsabilidade solidária prevista no artigo 501.º do CSC, uma vez que se prevê que qualquer sociedade do grupo pode ser responsabilizada pelos créditos laborais do trabalhador de qualquer empresa do grupo, extensão essa que vai muito além daquilo que o legislador societário desenhou na lei societária e visa intensificar a garantia patrimonial dos créditos laborais.

4.º- Na verdade a lei procura evitar que através da descapitalização abusiva de uma sociedade ou através da utilização de meios legítimos como a possibilidade de emissão de instruções desvantajosas – vide artigo 503.º do CSC – se reduza as garantias de pagamento aos trabalhadores.

5.º- Apela por outro lado ao princípio da igualdade afirmando que, existindo a necessidade de garantir um tratamento uniforme relativamente a todos os trabalhadores, só a aplicação do regime do artigo 334.º a todas às situações em que se verifique a existência de créditos laborais, cumpre o aludido princípio.

6.º- As, ora, Recorrentes alegaram e provaram que a Recorrida se encontra numa relação de domínio com a Masemba, Lda., mas o Tribunal da Relação de Lisboa, adotando um conceito estritamente formal da noção de sociedades previstas no art.º 334º do CT, veio declarar que um Fundo de Capital de Risco não se inclui nas sociedades que podem vir a ser responsabilizadas por créditos vencidos.

7.º- Ressalvado o devido respeito, não é esse o espírito do legislador, criando uma situação de tratamento desigual, entre os trabalhadores cujos empregadores sejam detidos por sociedades comerciais e, os outros, que sejam detidos por Fundos de Capital de Risco, violador do princípio da igualdade, previsto no art.º 13º da CRP.

8.º- Ao contrário do que foi o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, em primeiríssimo lugar, a regra vertida no art.º 334º do CT não é, na lógica do Direito do Trabalho, uma norma excecional. É que,

9.º- A este título não se pode perder de vista o que se alegou já, isto é, a intenção clara e inequívoca do legislador foi proteger a situação dos trabalhadores com créditos em mora que se vissem inseridos em grupos de empresa, como é o caso vertente. E,

10.º- Como tal, sendo uma norma especial – mas não excecional- a mesma comporta interpretação analógica e é exatamente esta que, aliás, se impõe por imperativos de igualdade.

11.º- Mesmo que assim não fosse – e é – o art.º 11º do CC “estipula que “as normas excecionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva”.

12.º- A inclusão de um Fundo de Capital de Risco no âmbito de aplicação do teor do art.º 334º do CT pode assumir o carácter de interpretação extensiva, permitida em normas excecionais.

Acresce ainda que,

13.º- O artigo 335.º, n.º 1 do CT vem determinar que pelo pagamento dos créditos laborais são responsáveis solidariamente o sócio controlador da sociedade empregadora em mora, sempre que ocorra uma das situações previstas no artigo 83.º do CSC.

14.º- Desta forma, quando ocorra uma situação de não cumprimento de certas prestações laborais por parte da sociedade empregadora, o pagamento de tais dívidas pode ser reclamado aos sócios controladores da sociedade devedora, os quais ficam constituídos devedores solidários.

10. O réu contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

11. Foi proferido despacho pelo relator, que transitou em julgado, a não admitir o recurso de revista em relação à Autora AA com o fundamento de que o valor do seu pedido é inferior à alçada do Tribunal da Relação.

12. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negada a revista.

13. Nas suas conclusões, os restantes recorrentes sustentam que o Réu ERIGO VII – Fundo de Capital de Risco, detentor da maioria do capital social da MASEMBA, LDA., deve ser responsabilizado, nos termos do art.º 334.º do Código do Trabalho, pelo pagamento dos créditos reconhecidos aos recorrentes na sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª instância, pugnando assim pela revogação do Acórdão recorrido, sob pena de violação do princípio da igualdade, previsto no art.º 13.º, da Constituição da República Portuguesa.

                                                           II

A) Fundamentação de facto:

Nos termos dos artigos 663.º n.º 6 do CPC, por força do art.º 679.º do mesmo diploma legal, remete-se para os termos da decisão do Tribunal da Relação de 27/1/2021, onde foi fixada a matéria de facto.

B) Fundamentação de Direito:

Como já se referiu, o objeto da presente revista consiste em saber se o Réu ERIGO VII – Fundo de Capital de Risco deve ser responsabilizado, nos termos do art.º 334.º do Código do Trabalho, pelo pagamento dos créditos reconhecidos aos recorrentes na sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª instância, sob pena de violação do princípio da igualdade, previsto no art.º 13.º, da Constituição da República Portuguesa.

O Tribunal da Relação decidiu conceder provimento ao recurso do Réu e, em consequência, absolveu este dos pedidos contra si formulados pelos autores, ora, recorrentes.

Vejamos a argumentação do Acórdão recorrido que determinou a revogação da sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª instância:

«O recorrente vem expressar a sua divergência da sentença sob recurso por esta considerar serem-lhe aplicáveis as normas contidas nos artigos 334.º do Código do Trabalho e 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, não obstante a sua natureza jurídica de fundo de capital de risco não se reconduzir à forma societária tal como prevista no Código das Sociedades Comerciais.

Subsidiariamente, se assim não se considerar, sustenta que inexiste prova acerca da existência de influência dominante sobre a empregadora Masemba, Lda.

Defende, por isso, a sua absolvição do pedido.

Vejamos.

O artigo 334º, do Código do Trabalho de 2009, preceito em cujo regime a sentença funda a responsabilização do ora recorrente e que se mostra integrado na secção IV do capítulo VI do Código do Trabalho de 2009, que trata das “Garantias de créditos do trabalhador”, estabelece, sob a epígrafe “Responsabilidade solidária de sociedade em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo” o seguinte:

“Por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.”

Esta norma, que tem a sua raiz no artigo 378.º do Código do Trabalho de 2003, constitui um mecanismo de reforço da garantia do cumprimento dos créditos dos trabalhadores, obviando a que a integração da sociedade empregadora num contexto empresarial mais vasto redunde em prejuízo dos seus trabalhadores e permite a estes, sempre que o empregador seja uma sociedade comercial e esteja com outra (ou outras), numa das relações de coligação societária nela especificadas, demandar indistintamente a sociedade empregadora ou qualquer uma dessas sociedades a fim de obter a satisfação dos créditos laborais vencidos há mais de três meses que detenha sobre a sua empregadora, independentemente das posições ocupadas por tais sociedades na relação de domínio ou de grupo.

A previsão do artigo 334.º do Código do Trabalho compreende as sociedades que com a sociedade empregadora se encontram em relação de participação recíproca de domínio e de grupo, com uma remissão expressa para “os termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais”. Assim, a solidariedade nela prevista cinge-se aos tipos sociais referidos no artigo 481.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, a que se aplicam as regras relativas às sociedades coligadas (título VI), ou seja, aplica-se apenas a sociedades anónimas, a sociedades por quotas e a sociedades em comandita por ações. Além disso, e no que respeita às relações de coligação entre sociedades que abrange, mostram-se todas elas abrangidas, com exceção da relação de simples participação prevista no artigo 483.º do CSC. Ou seja, aplica-se às sociedades em relação de participações recíprocas e de domínio (respetivamente os artigos 485.º e 486.º do CSC) e aos grupos constituídos por domínio total, por contrato de grupo paritário e por contrato de subordinação (respetivamente artigos 488.º e ss., 492.º e 493.º e ss. do CSC).

Tem sido este o entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência.

Como refere Joana Vasconcelos, “a atribuição às sociedades coligadas com a sociedade‑empregadora da responsabilidade pelos créditos laborais desta perante os seus trabalhadores assenta na mera existência entre estas, de uma das situações de coligação inter societária relevantes enumeradas na presente disposição, pelo que a sua aplicabilidade depende, apenas, da invocação pelo trabalhador da relação que, no caso, se verifique. Significa isto que não se impõe ao trabalhador a demonstração de que a atuação das sociedades envolvidas se dirigiu ou teve como resultado defraudar os seus direitos ou comprometer gravemente a respetiva satisfação, nem, contrariamente ao que sucede nas hipóteses comtempladas no artigo seguinte, a alegação e prova dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade) para poder obter junto daquelas a satisfação dos seus créditos laborais” .

À luz das regras do onus probandi previstas no artigo 342.º do Código Civil, e tendo em atenção que o regime da responsabilidade solidária em causa resulta da conjugação do Código do Trabalho com o Código das Sociedades Comerciais – é o artigo 334.º do primeiro diploma que cria e define esta responsabilidade solidária em reforço da garantia dos créditos do trabalhador vencidos há mais de três meses mas, por força da remissão expressa para o segundo diploma, são as normas deste que definem as relações societárias para o efeito relevantes –, constitui ónus do trabalhador, para poder beneficiar do regime traçado naquela norma laboral, alegar e provar os factos constitutivos do direito creditício perante a sua empregadora e o seu vencimento há mais de três meses, bem como a existência de uma das relações de coligação societária relevantes acima identificadas, nada mais lhe sendo exigido.

No presente recurso a questão essencial que se coloca consiste em saber se o recorrente ERIGO VII - Fundo de Capital de Risco, é suscetível de se enquadrar no âmbito subjetivo da previsão dos artigos 334.º do Código do Trabalho e 481.º e ss. do Código das Sociedades Comerciais e deve, por isso, ser responsabilizada pelo pagamento dos créditos reconhecidos aos recorridos a presente ação.

Segundo o Regulamento de Gestão do recorrente (a fls. 215 e ss.), este é um Fundo de Investimento em Capital de Risco, com sede em Portugal, constituído por tempo determinado (artigo 4.º, n.º 1 d Regulamento de Gestão). O seu património “tem por objetivo ser investido em instrumentos de capital próprio, valores mobiliários ou direitos convertíveis, permutáveis ou que confiram direito à sua aquisição, bem como em instrumentos de capital alheio, das sociedades em que participe ou em que tenha por objetivo participar, por um período de tempo limitado. Assim, e enquadrado na atividade prevista pela legislação em vigor para os Fundos de Capital de Risco, terá por objeto o investimento em sociedades com elevado potencial de crescimento com especial enfoque no sector de media, fomentando o desenvolvimento do sector na economia angolana e a criação de um grupo internacional de referência com o objetivo de remunerar os seus investidores em harmonia com a legislação em vigor. Adicionalmente, o Fundo poderá investir o capital em excesso em aplicações a prazo de capital garantido e em instrumentos financeiros, e realizar quaisquer operações financeiras, nomeadamente de cobertura de risco, que sejam necessárias à sua atividade” (artigo 2.º do Regulamento de Gestão).

De acordo com o mesmo Regulamento, o recorrente “é um património autónomo, sem personalidade jurídica, mas dotado de personalidade judiciária, pertencente ao conjunto dos titulares das Unidades de Participação e, como tal, não responde pelas dívidas, obrigações e responsabilidades de qualquer dos seus Participantes, da Sociedade Gestora, do Depositário ou de qualquer outro Fundo de Capital de Risco” (artigo 3.º do Regulamento de Gestão).

Estes artigos do Regulamento de Gestão relativos à finalidade e natureza jurídica do recorrente mostra-se conforme com o regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 375/2007, de 08-11  nos termos do qual “considera-se investimento em capital de risco a aquisição, por período de tempo limitado, de instrumentos de capital próprio e de instrumentos de capital alheio em sociedades com elevado potencial de desenvolvimento, como forma de beneficiar da respetiva valorização” (artigo 2.º) e se definem os Fundos de Capital de Risco (“FCR”) “patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica, mas dotados de personalidade judiciária, pertencentes ao conjunto dos titulares das respetivas unidades de participação” (artigo 10.º, n.º 1), estabelecendo-se que “os FCR não respondem, em caso algum, pelas dívidas dos participantes, das entidades que assegurem as funções de gestão, depósito e comercialização, ou de outros FCR” (artigo 10.º, n.º 2) e que os mesmos se regem “pelo previsto no presente decreto-lei e pelas normas constantes do respetivo regulamento de gestão” (artigo 10.º, n.º 3).

Dos factos provados (facto 45.) e do regime legal previsto no Decreto-Lei n.º 375/2007 – que a Lei n.º 18/2015 atualmente em vigor reiterou nos seus artigos 3.º, n.º 1 e 15.º, n.ºs 1, 2 e 4) – resultam duas conclusões evidentes. A primeira é a de que o recorrente não é uma sociedade. A segunda é a de que o mesmo não dispõe de personalidade jurídica e não responde, em caso algum, pelas dívidas dos participantes, das entidades que assegurem as funções de gestão, depósito e comercialização, ou de outros Fundos de Capital de Risco.

Confrontando-se com a particular natureza jurídica do ora recorrente, o M.º Juiz a quo afirmou, na douta sentença, que “numa análise meramente jus-comercial” seria de concluir que o mesmo não poderia subsumir-se à previsão dos artigos 334.º do CT e 481.º e ss. do CSC, tendo em conta que não assume a forma de sociedade (cfr. artigo 334.º do CT) nem, consequentemente, constitui uma sociedade por quotas, uma sociedade anónima ou uma sociedade em comandita por ações (cfr. artigo 481.º, n.º 1, do CSC).

Contudo, afirmando o abandono de uma “noção puramente formalista de relação de domínio”, concluiu que o ora recorrente, enquanto detentor de 51% do capital social da Masemba, Lda., pode exercer uma influência dominante sobre a referida a Masemba, Lda., sendo esta última uma sociedade dependente daquela (cfr. artigo 486.º, n.ºs 1 e 2, do CSC) e veio a afirmar que o mesmo responde solidariamente pelos créditos dos trabalhadores AA.

Para tanto, desenvolveu o seguinte raciocínio:

«[…]

Todavia, conforme tem sido profusamente salientado por abundante doutrina, sintetizada no acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA de 26-04-2018 que temos vindo a citar, a remissão operada pelo artigo 334.º do CT para uma noção meramente formal dos tipos de grupos económicos regulados nos artigos 481.º e ss. do CSC é manifestamente insuficiente para realizar uma adequada proteção dos trabalhadores das empresas coligadas, visto que os problemas laborais gerados pela constituição de grupos não diferem em função da forma societária ou não societária dos respetivos membros.

Assim, parafraseando uma vez mais o supramencionado aresto (citando INÊS ARRUDA e TITO ARANTES “Atualidade Jurídica, Úria Menéndez”, 13-2006, pág. 26 e ss.), são «claras as insuficiências das consequências jurídicas que a lei associou a este tipo de coligação, para realizarem uma eficaz proteção dos interesses em jogo. Na verdade, tem-se, neste tipo de coligação, sobretudo em vista assegurar a integridade do capital social e a sociedade dominante, descurando os interesses dos sócios, dos credores, e, claro está, dos trabalhadores, da sociedade dominada».

«A análise aprofundada dos tipos de grupos económicos regulados pelo CSC permite, na verdade, constatar que as normas constantes desse diploma legal mostram-se insuficientes para realizarem uma adequada proteção dos trabalhadores das empresas coligadas. Desde logo, o artigo 481.º do CSC restringe o regime das coligações de sociedades às relações entre sociedades por quotas, anónimas e em comandita por ações. Contudo, a verdade é que os problemas laborais gerados pela constituição de grupos não diferem em função da forma societária ou não societária dos respetivos membros».

Assim, «A perspetiva de análise laboralista dos grupos de empresas, ainda que conexa com a tipologia dos grupos de sociedades acima analisada, é, efetivamente, diferente da visão comercialista dos mesmos. Na verdade, não obstante a preocupação demonstrada pelo legislador na tutela dos credores sociais e sócios minoritários, não foi dispensada, neste diploma, qualquer proteção específica aos trabalhadores, sendo certo que os interesses dos mesmos não são assegurados de forma satisfatória pelas normas destinadas a proteger os credores sociais.

«O regime das coligações de sociedades apresentado pelo CSC, mostra-se, desta forma, visivelmente limitado e redutor, impedindo a sua adoção no regime do Direito de Trabalho. Para necessária proteção dos trabalhadores, consideramos, então, necessário alargar o conceito de grupo de empresa de forma a abarcar todas as configurações do fenómeno suscetíveis de criarem riscos suplementares aos trabalhadores face aos riscos normais que suportam genericamente os trabalhadores de uma empresa globalmente autónoma.

«Assim sendo, o direito de trabalho deve utilizar uma noção ampla de grupo de empresas: (i) não haverá dúvidas, desde logo, quanto à subsunção, na referida noção, das formas de coligação de sociedades tipificadas no CSC; (ii) deverá abarcar, além dessas, todas as situações em que se detete uma relação de controlo de facto entre duas ou mais empresas, ou, não havendo embora uma relação de controlo, exista, de facto, uma direção económica unitária. A presença de qualquer uma destas situações implica, necessariamente (e tal como acontece nas situações tipificadas no CSC), uma perda de autonomia para a empresa dominada/subordinada suscetível de afetar o estatuto dos trabalhadores, pelo que também tem que ser tida em conta no direito de trabalho. Aceitamos, porém, a crítica, no sentido de que esta forma de solucionar a questão não esgota, ainda, todos os problemas suscitados pelo fenómeno do grupo de empresas. Pense-se por exemplo na situação como o consórcio, que entendemos dever inserir no conceito de «grupo», em que não existe a unidade de direção ou tão pouco a enunciada influência dominante. Assim, para além das situações supra enumeradas, dever-se-á incluir no conceito de grupo, para os efeitos que ora se analisam, (iii) todas as situações em que haja um agrupamento (associação) de duas ou mais empresas que se mostra suscetível de produzir efeitos ao nível do próprio quadro organizativo que serve de base à prossecução da atividade económica do empregador.»

Parafraseando ainda o supra referido aresto (desta feita citando JOÃO ZENHA MARTINS, “A descentralização produtiva e os grupos de empresas ante os novos horizontes laborais”, QL, Ano VIII, 18, pág. 217), seria «irrealista confinar a temática dos grupos de empresas às empresas societárias previstas no CSC e não atender à emergência crescente de formas de cooperação empresarial de nível horizontal que proliferam a um ritmo vertiginoso (...) e que do ponto de vista material podem defraudar a tutela juslaboral. É que na atualidade ressalta mais o efeito económico do conjunto dos fatores envolvidos num processo produtivo do que a forma jurídica de organização do capital (...)».

«Ainda segundo este autor: “O critério de referência, neste particular domínio, tem de repousar na tutela da posição dos trabalhadores em conjugação com o delineamento de um quadro de aferição da funcionalidade quanto ao exercício de determinados direitos e na necessidade de busca ao nível do ordenamento de soluções ou institutos materialmente adequados (independentemente do formalismo societário em questão) que logrem reparar situações de injustiça que, enquanto tal, repugnam à consciência jurídica e desvirtuam a estrutura finalística do direito do trabalho e atuam para além dos princípios básicos do sistema”, até porque a estruturação da realidade grupos de empresas, no plano dos problemas emergíveis no âmbito das prestações materiais multilocalizadas, é extremamente variável. (...) Existe uma exigência de fazer prevalecer a realidade jurídica objetiva sobre a aparência (...).”».

Em suma, e reportando-nos agora ao caso em apreço, abandonando uma noção puramente formalista de relação de domínio, não poderá deixar de concluir-se que a 3.ª ré ERIGO VII – FUNDO DE CAPITAL DE RISCO, enquanto detentora de 51% do capital social da MASEMBA, LDA., pode exercer uma influência dominante sobre a referida MASEMBA, LDA., sendo esta última uma sociedade dependente daquela (cfr. artigo 486.º, n.os 1 e 2, do CSC).

Aliás, tal influência dominante é ainda reforçada pela circunstância de aos 51% do capital social detido pela 3.ª ré ERIGO VII – FUNDO DE CAPITAL DE RISCO se juntar ainda a detenção de 16% do capital social da MASEMBA, LDA., por TITO DE MENDONÇA, que é presidente do conselho de administração da sociedade ERIGO, SOCIEDADE DE CAPITAL DE RISCO, S.A., gestora e legal representante da 3.ª ré ERIGO VII – FUNDO DE CAPITAL DE RISCO (cfr. as respetivas certidões permanentes juntas aos autos, que fazem prova plena desses factos).

Conclui-se, por tudo o exposto, que a 3.ª ré ERIGO VII – FUNDO DE CAPITAL DE RISCO responde solidariamente pelos créditos dos trabalhadores aqui autores, tal como estes se mostram reconhecidos no âmbito do referido PER.

[…]»

Reconhecendo a pertinência das considerações do M.º Juiz a quo quanto à insuficiência do regime legal para realizar uma adequada proteção dos trabalhadores que trabalham em empresas integradas em grupos económicos, e a bondade da sua tese de iure condendo, não podemos acompanhar a solução que adotou a douta sentença da 1.ª instância à face do direito constituído.

Na verdade, como a própria sentença reconhece, o recorrente constitui um Fundo de Capital de Risco, entidade sem personalidade jurídica e que não assume a forma de sociedade comercial nem se enquadra, consequentemente, nas formas societárias previstas no n.º 1, do artigo 481.º do Código das Sociedades Comerciais, para que o artigo 334.º do Código do Trabalho expressamente remete (sociedades por quotas, sociedades anónimas e sociedades em comandita por ações). Por isso mesmo, o recorrente não pode subsumir-se diretamente à previsão dos artigos 334.º do CT e 481.º e ss. do CSC.

A argumentação desenvolvida na sentença sob recurso consubstancia materialmente uma aplicação analógica, ao caso do recorrente Fundo de Capital de Risco, da norma do artigo 344.º do Código do Trabalho.

Ora, não pode perder-se de vista a excecionalidade da indicada norma que, visando intensificar a garantia patrimonial dos créditos pecuniários emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação para obviar a que a inclusão do empregador em determinado tipo de coligação inter societária redunde em prejuízo patrimonial dos seus trabalhadores, veio prever a responsabilidade solidária com o empregador de “sociedade” que com o mesmo “se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais”.

Como refere Joana Vasconcelos, “esta solução envolve o afastamento excecional e circunscrito a dada categoria de créditos (os «emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação») da regra da limitação da responsabilidade patrimonial das sociedades comerciais e a consequente atribuição àquelas que com a sociedade empregadora tenham relações especialmente intensas ou significativas, de uma responsabilidade por dívidas desta”.  Júlio Gomes, também citado na sentença, chama a atenção para que se trata de uma responsabilidade “que não depende de culpa e que não é sequer, em bom rigor, subsidiária”, não se exigindo que o trabalhador tenha demandado primeiro sem sucesso o seu empregador, nem se referindo qualquer prévia excussão dos bens deste, pelo que a norma “alarga significativamente o círculo de potenciais devedores”.

Ora, nos termos do artigo 11.º do Código Civil é proibida a aplicação analógica das normas excecionais.

E a verdade é que a argumentação expressa na sentença aproxima-se do raciocínio geralmente usado para a aplicação analógica, consubstanciando uma verdadeira “extensão da lei por analogia” ou “interpretação extensiva analógica” que, como avisa o Professor Cabral de Moncada, foi o que o artigo 11.º do Código Civil quis proibir.

Com efeito, a afirmação que a sentença faz de que a remissão operada pelo artigo 334.º do CT para uma noção meramente formal dos tipos de grupos económicos regulados nos artigos 481.º e ss. do CSC é “insuficiente para realizar uma adequada proteção” dos trabalhadores das empresas coligadas, visto que “os problemas laborais gerados pela constituição de grupos não diferem em função da forma societária ou não societária dos respetivos membros”, entronca no conceito legal de analogia constante do n.º 2 do artigo 10.º do Código Civil, no termos do qual “[h]á analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei”.

É simplesmente com base neste argumento que a sentença, fundando-se em doutrina que reputa as normas do Código das Sociedades Comerciais para que remete o Código do Trabalho de insuficientes para uma adequada proteção dos trabalhadores de grupos de empresas (e propugna que no Direito do Trabalho deve alargar-se o conceito de grupo de empresa de forma a abarcar todas as configurações do fenómeno suscetíveis de criarem riscos suplementares aos trabalhadores face aos riscos normais que suportam genericamente os trabalhadores de uma empresa globalmente autónoma)  e em doutrina que afirma ser “irrealista confinar a temática dos grupos de empresas às empresas societárias previstas no CSC e não atender à emergência crescente de formas de cooperação empresarial de nível horizontal que proliferam a um ritmo vertiginoso (...) e que do ponto de vista material podem defraudar a tutela jus laboral”, vem a concluir do seguinte modo:

“(…) reportando-nos agora ao caso em apreço, abandonando uma noção puramente formalista de relação de domínio, não poderá deixar de concluir-se que a 3.ª ré ERIGO VII – FUNDO DE CAPITAL DE RISCO, enquanto detentora de 51% do capital social da MASEMBA, LDA., pode exercer uma influência dominante sobre a referida MASEMBA, LDA., sendo esta última uma sociedade dependente daquela (cfr. artigo 486.º, n.os 1 e 2, do CSC).

Ora, salvo o devido respeito, na medida em que o indicado abandono de uma “noção puramente formalista da relação de domínio”, nos termos assumidos na sentença, implica a aplicação da norma excecional do artigo 334.º do Código do Trabalho a casos que a mesma manifestamente não abarca – por não incluídos na fattispecie das normas societárias para que expressamente remete e que definem e delimitam as relações de coligação inter societária para o efeito relevantes –, mostra-se o mesmo vedado pela proibição geral constante do artigo 11.º do Código Civil.

Assim, no caso sub judice, ainda que pudesse descortinar-se uma lacuna, patente ou latente, na norma que prevê a responsabilidade solidária com a sociedade empregadora de “sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais”, que se entendesse demandar a sua aplicação analógica ao caso do recorrente, que é um Fundo de Capital de Risco, é a própria lei que exclui a viabilidade do recurso à via metodológica integradora em face da natureza excecional da norma .

Aliás, deve notar-se que os autores do primeiro estudo citado na sentença (subscrito por Inês Arruda e Tito Arantes ), defendendo embora em termos doutrinários a necessidade para efeito jurídico-laborais de um conceito de grupo mais amplo do que o conceito de grupo para efeitos do Código das Sociedades Comerciais, de forma a abarcar todas as configurações do fenómeno suscetíveis de criarem riscos suplementares aos trabalhadores face aos riscos normais que suportam genericamente os trabalhadores de uma empresa globalmente autónoma, quando na parte final do estudo analisam o direito constituído, não extraem do mesmo este alargamento que antes preconizaram, não invocando a identidade de razões da regulamentação, nem qualquer outro fundamento para alcançar a inclusão no âmbito do artigo 334.º do Código do Trabalho de entidades não societárias, vg. Fundos de Capitais de Risco sem personalidade jurídica. Nesta sede, os referidos autores afirmam que “o Código do Trabalho consagra, ainda, um inovador - e importante! - regime de corresponsabilização – objetiva - de terceiros que se encontrem com a entidade empregadora numa relação de participações recíprocas, domínio ou grupo, nos termos previstos no CSC” e afirmam que o regime de corresponsabilidade previsto na lei apresenta “uma considerável proteção dos trabalhadores”, mas reconhecem também que “face às restrições quanto ao âmbito pessoal, espacial e material da aplicação dos preceitos legais do CSC" o regime vigente “não os defende perante as diversas formas de coligação de sociedades passíveis de criar os já descritos riscos suplementares aos trabalhadores face aos riscos normais que suportam genericamente os trabalhadores de uma empresa globalmente autónoma”, não sustentando, em momento algum, que se proceda a uma aplicação analógica do artigo 334.º do Código do Trabalho a casos nele não previstos que se integrassem naquela noção mais ampla de grupo de empresas que antes diziam dever ser utilizada no Direito do Trabalho.

Quanto ao segundo estudo citado na sentença em abono do alargamento subjetivo da norma a que procede (da autoria de João Zenha Martins), deve notar-se que o mesmo foi produzido em 2001, antes da legislação codicística que veio introduzir na lei laboral a responsabilidade solidária pelo pagamento de créditos laborais por parte de sociedades em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com a sociedade empregadora (artigos 378.º do Código do Trabalho de 2003 e 334.º do Código do Trabalho de 2009). Além disso, as considerações que o autor desenvolve a propósito da “emergência crescente de formas de cooperação empresarial de nível horizontal que proliferam a um ritmo vertiginoso”, da “necessidade de busca ao nível do ordenamento de soluções ou institutos materialmente adequados (independentemente do formalismo societário em questão) que logrem reparar situações de injustiça que, enquanto tal, repugnam à consciência jurídica e desvirtuam a estrutura finalística do direito do trabalho e atuam para além dos princípios básicos do sistema” e da “exigência de fazer prevalecer a realidade jurídica objetiva sobre a aparência”, que a sentença transcreve, precedem a conclusão do autor no sentido de haver situações que “se mostra legitimado o recurso ao levantamento da personalidade jurídica”, o qual fornece resposta à “incontornável relevância da organização empresarial em grupo na modelação das relações laborais, mantendo indemnes as coordenadas básicas em que se estriba o sistema jus-laboral”. Ora o levantamento (ou desconsideração) da personalidade coletiva constitui realidade bem diversa desta possibilidade legal concedida pelo artigo 334.º do CT aos trabalhadores de uma sociedade comercial de demandar outra sociedade estranha ao vínculo laboral por créditos laborais deste emergentes (ou da sua violação ou cessação) unicamente em razão de uma relação de coligação societária que mantenham com a sociedade empregadora, sem que se exija ao trabalhador a demonstração de que a atuação das sociedades envolvidas se dirigiu a defraudar os seus direitos ou comprometer gravemente a respetiva satisfação, ou teve esse resultado . Ao invés do que ocorre com a responsabilidade solidária prevista no citado artigo 334.º, a desconsideração da personalidade coletiva deve atuar tão só “quando exista uma utilização da personalidade coletiva que seja, ou passe a ser, instrumento de abusiva obtenção de interesses estranhos ao fim social desta, contrária a normas ou princípios gerais, como os da boa fé e do abuso de direito, relacionados com a instrumentalização da referida personalidade jurídica” e “depois de se ponderarem os verdadeiros interesses em causa, para poder responsabilizar os que estão por detrás da autonomia (ficcionada) da sociedade e a controlam”  e apenas deve ser invocada em situações limite .

Entendemos, pois, salvo o devido respeito, que dos citados estudos dificilmente poderia retirar-se um contributo para confortar a tese da sentença no que concerne à subsunção de um Fundo de Capital de Risco no âmbito subjetivo do artigo 334.º do Código do Trabalho.

O legislador não deu esse passo e, pelas razões apontadas, não cremos que ao intérprete seja lícito fazê-lo.

Em suma, à luz do direito constituído, entendemos que o regime excecional de responsabilidade solidária previsto no artigo 334.º do Código do Trabalho, elenca de forma taxativa as relações societárias abrangidas pelo regime de solidariedade por remissão para o Código das Sociedades Comerciais, não sendo lícito o alargamento do âmbito subjetivo de aplicação deste regime a outras entidades que não sejam sociedades comerciais por quotas, anónimas ou em comandita por ações. Como bem diz o recorrente, se a aplicação da norma se encontra limitada a apenas alguns dos tipos societários, por um argumento de maioria de razão, não será também a mesma aplicável a entidades que tão pouco assumem aquela natureza jurídica, como os Fundos de Investimento

Em sentido coincidente se pronuncia Luís Correia Araújo, quando analisa a possibilidade de alargamento do âmbito de aplicação do regime do artigo 334.º, tanto às relações de grupo que envolvam sociedades com sede no estrangeiro, como às que se estabeleçam entre pessoas coletivas (ou outras entidades) que não sejam sociedades comerciais por quotas, anónimas ou em comandita por ações, e conclui não haver uma lacuna legislativa que permita o recurso à analogia. Segundo este autor, “parece claro que o legislador tomou uma opção: a de salvaguardar a coerência com outros regimes laborais com incidência nos grupos; bem como, salvaguardar a coerência do sistema jurídico, evitando criar conceitos e um regime de responsabilidade que se afastasse demasiado do já existente no direito societário. Não pretendemos com isto dizer que a opção do legislador foi a mais correta, mas parece-nos que que tal opção foi tomada e revela-se na letra do art.º 334.º do CT, onde são elencadas taxativamente as relações societárias abrangidas, com utilização de conceitos já delineados noutro ramo do direito”.

E na jurisprudência o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 9 de novembro de 2011, afirmou que a solução propugnada pelo artigo 378.º do Código do Trabalho de 2003 – que corresponde ao artigo 334. ° do Código do Trabalho atualmente em vigor – vale “apenas para sociedades que se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo nos termos dos arts. 481.º e sgs do CSC. E este dispositivo é claro ao restringir o regime em análise às relações entre sociedades por quotas, anónimas e em comandita por ações”.

Poderá defender-se que o legislador ficou aquém do desejado no âmbito subjetivo de aplicação da norma, ao excluir empresas não constituídas de forma societária, mas tal não autoriza o intérprete a dar o passo que o legislador não deu, alargando esta hipótese legal excecional a outras entidades não contempladas na remissão operada para o artigo 481.º do Código das Sociedades Comerciais.

Assim, não se subsumindo o recorrente ERIGO IV ao regime legal de responsabilidade solidária previsto no artigo 334.º do Código do Trabalho, não pode este Fundo de Capital de Risco ser responsabilizado solidariamente pelo pagamento de créditos salariais devidos aos AA. ora recorridos pela sua empregadora, a Masemba, Lda., nos termos decididos na sentença sob recurso que, por isso, deverá ser revogada na parte em que condenou o ora recorrente no pagamento daqueles créditos, quedando prejudicada a resposta à questão de saber se o recorrente ERIGO IV exercia influência dominante sobre a Masemba, Lda. (Fim da transcrição da fundamentação do Acórdão recorrido).

                                                           *

Vejamos se a argumentação desenvolvida pelos recorrentes, nas suas alegações e conclusões, tem suporte para determinar a revogação do Acórdão recorrido, com a consequente repristinação da sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª instância.

O artigo 334.º do Código do Trabalho, com a epígrafe, Responsabilidade solidária de sociedade em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, estatui:

Por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.

Por seu turno, o artigo 481.º do Código das Sociedades Comerciais, refere:

1. O presente título aplica-se a relações que entre si estabeleçam sociedades por quotas, sociedades anónimas e sociedades em comandita por ações.

2. O presente título aplica-se apenas a sociedades com sede em Portugal, salvo quanto ao seguinte:

(…)

O artigo 482.º do mesmo diploma legal define o que se considera sociedades coligadas, sendo especificado nos artigos seguintes o que se considera relações de simples participação, de participações recíprocas, relação de domínio e relação de grupo.

Catarina de Oliveira Carvalho (Algumas notas sobre os novos artigos 378.º e 379.º do Código do Trabalho, publicado no Prontuário do Direito do Trabalho 72, Coimbra Editora, página 92 e seguintes) quando procura articular o disposto no artigo 378.º (que corresponde ao atual 334.º) refere:

«A determinação da fattispecie do preceito exige o recurso ao CSC, como é aliás evidenciado pela remissão operada para os artigos 481.º deste Código. E é nesta remissão restritiva que residem, na nossa opinião, as principais debilidades do regime que, de facto, podia e deveria ter ido mais longe. A aplicabilidade do regime geral previsto para as sociedades coligadas pressupõe a verificação cumulativa de um conjunto de requisitos, comuns a todas as modalidades, referentes ao respetivo âmbito pessoal e espacial, os quais, se são criticados pela doutrina comercialista pelo seu carácter excessivamente restrito, terão, por maioria de razão, de ser objeto de crítica veemente por parte dos juslaboralistas.

Um primeiro aspeto em que o legislador ficou aquém do desejável refere-se ao âmbito subjetivo de aplicação da norma. Passamos a explicar. A solução propugnada pelo artigo em análise vale apenas para as sociedades que se encontram em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo nos termos dos artigos 481.º ss do CSC, excluindo, portanto, designadamente, as empresas não constituídas sob a forma societária. O artigo 481.º, n.º 1, do CSC, é extremamente claro ao restringir em análise às relações entre sociedades por quotas, anónimas e em comandita por ações. Facilmente se retira, a contrario, que, não só estão excluídas as sociedades em nome coletivo e em comandita simples, como também as sociedades civis, bem como todas as empresas que não obedeçam a uma forma societária.»

Maria do Rosário Palma Ramalho, (Grupos empresariais e societários. Incidências Laborais, Almedina, pág. 635) critica o âmbito restrito do regime do art.º 378.º do Código do Trabalho, que por opção do legislador não foi alargado a grupos constituídos por entidades não societárias ou mesmo por sociedades civis, nem grupos constituídos por sociedades comerciais que não correspondam aos requisitos do art.º 481.º do CSC.

Também Júlio Manuel Vieira Gomes (Direito do Trabalho, Coimbra Editora, pág. 902) salienta que a letra do art.º 378.º (atual 334.º) refere-se também exclusivamente a sociedades, deixando de fora, aparentemente, outras pessoas coletivas.

A Secção Social do STJ no Acórdão de 6-02-2019, proferido no Proc. n.º 49/14.6TTBRR.L1. S1 firmou a seguinte jurisprudência:

I. O artigo 334.º do Código do Trabalho de 2009 tem por finalidade reforçar a garantia de cumprimento dos créditos laborais através da responsabilização de outras sociedades que não a empregadora.

II. Contudo, a solução ali propugnada vale apenas para as sociedades que se encontram em relação de participações recíprocas de domínio ou de grupo, tal como configuradas nos artigos 481.º e seguintes, do Código das Sociedades Comerciais, pois a sua integração exige o recurso ao referido Código.

No caso concreto dos autos, conforme resulta dos factos provados (29.º e 45.º) o recorrido ERIGO VII – FUNDO DE CAPITAL DE RISCO, é um fundo de capital de risco, cujo regulamento de gestão se encontra a fls. 215 a 226 dos autos, sendo detentor de uma quota de € 5.100,00 no capital social da MASEMBA Lda., que é de € 10.000,00.

As garantias dos créditos do trabalhador estão previstas nos artigos 333.º a 336.º do Código do Trabalho nos precisos termos aí referidos, onde são feitas remissões para o Código Civil e para o Código das Sociedades Comerciais.

Estamos perante uma realidade que o legislador regulou de forma consciente e articulada com o ordenamento jurídico civil e comercial.

Como refere Oliveira Ascensão (O Direito, Fundação Calouste Gulbenkian, págs. 345 e seguintes) A lacuna da lei pressupõe que «a hipótese não esteja compreendida nem na letra nem no espírito de nenhum dos preceitos vigentes». Por seu turno, «a interpretação extensiva pressupõe que dada hipótese, não estando compreendida na letra da lei, o está, todavia, no seu espírito: há ainda regra, visto que o espírito é que é decisivo».  

Como refere a doutrina, a solução legal consagrada no art.º 334.º do Código do Trabalho, foi uma opção do legislador, pelo que não estamos perante uma lacuna da lei, nem perante uma situação em que se imponha uma interpretação extensiva.

O recorrido, assumindo a qualidade de um fundo de investimento, não é uma sociedade comercial, pelo que não se encontra abrangido pelo disposto no art.º 334.º do Código do Trabalho.

Esta solução legal limitadora, no que concerne ao recorrido Fundo de Capital de Risco, que é um património autónomo, sem personalidade jurídica, mas dotado de personalidade judiciária, ao contrário do defendido pelos recorrentes, não cria uma situação de tratamento desigual, entre os trabalhadores cujos empregadores sejam detidos por sociedades comerciais e, os outros, que sejam detidos por Fundos de Capital de Risco, ao ponto de se poder considerar existir uma violação do princípio da igualdade, previsto no art.º 13º da CRP.

A natureza jurídica dos fundos de capitais de risco, entidades sem personalidade jurídica, é diferente da natureza jurídica das sociedades comerciais.

Na verdade, um Fundo de Capital de Risco, ao contrário de uma sociedade comercial, não tem poder de decisão que possa interferir na gestão da sociedade em que detém capital social, daí que o legislador não tenha estendido a estas entidades a responsabilidade solidária nos moldes previstos no art.º 334.º do Código do Trabalho.

                                                                        III

           

Face ao exposto acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo das recorrentes

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 29 de setembro de 2021.

Chambel Mourisco (Relator)

Maria Paula Moreira Sá Fernandes

 Leonor Maria da Conceição Cruz Rodrigues