Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
69/11.2TBPPS.C1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: BALDIOS
APROPRIAÇÃO
NULIDADE
AÇÃO JUDICIAL
PROPOSITURA DA AÇÃO
LEGITIMIDADE
Data do Acordão: 04/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
O art. 4.º da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, na sua redacção originária, atribuía aos órgãos da administração local da área do baldio legitimidade para propor as acções de declaração de nulidade dos actos ou negócios jurídicos de apropriação ou apossamento, tendo por objecto terrenos baldios.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA




I. — RELATÓRIO

1. A FREGUESIA DE FAJÃO, representada pelo Presidente da Junta de Freguesia, JJ, instaurou contra AA, BB e mulher CC, DD e mulher EE e HH e marido II, acção declarativa, de condenação, com processo ordinário, pedindo que

a) ) se declarasse que todo o terreno no limite de Castanheira da Serra, freguesia de Fajão, concelho de Pampilhosa da Serra, onde está implantado um Parque Eólico, constituído por oito aerogeradores, e toda a área constituída pela cumeada entre os concelhos de Arganil e Pampilhosa da Serra, e área adjacente variável entre 200 e 500 metros, a partir dessa cumeada e que se encontra assinalada, a cores verde e amarela, nos mapas dos baldios anexos ao plano florestal de 1954, de Pampilhosa da Serra, são terrenos comunitários ou baldios;

b) que se declarasse a inexistência e a nulidade do direito de propriedade que todos os RR. invocam, quer nas escrituras de justificação (1ºR) quer nas de compra e venda, quer nos registos ou inscrições matriciais por serem falsas as declarações neles proferidas quanto ao domínio e área em causa e, designadamente, quanto ao limite na cumeada com o concelho de Arganil, e na parte em que invadem a área dos terrenos baldios;

c) que se declarasse que os RR. não são nem nunca foram donos e possuidores exclusivos, em nome próprio e de boa fé, respetivamente, dos imóveis rústicos art.s ....75, .....00, ....02, ...., ....31, .......37, ....49,.... 58 e ....59 do limite …… e limite ….., com as áreas e limites referidos;

d) que se declarasse que as ditas escrituras e registos, no respeitante aos ditos “prédios”, são nulas e não produzem quaisquer efeitos, designadamente para os termos do art. ...16º do Código do Registo Predial;

e) que se ordenasse o cancelamento de todos os registos efectuados na CRP de Pampilhosa da Serra e inscrições matriciais, sobre os mencionados prédios.

e que, por via disso, os Réus fossem condenados a reconhecer a fruição e gestão comunitária dos aludidos prédios, nos termos referidos.


  2. Os Réus AA, BB e mulher CC, DD e mulher EE e HH e marido II contestaram, defendendo-se por impugnação e por excepção:

I. — deduziram as excepções dilatórias de ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir, e de ilegitimidade da Autora FREGUESIA DE FAJÃO, por falta de poderes de representação;

II. — deduziram a excepção peremptória de caducidade;

III. — finalizaram, requerendo que os legítimos representantes do baldio da Castanheira  sejam chamados a intervir nesta ação como associados da Autora, ou, ainda, como associados dos Réus.


3. Os Réus BB e mulher CC deduziram reconvenção, pedindo que:

I. — a A. [fosse] condenada a reconhecer o direito de propriedade dos Reconvintes sobre os prédios melhor identificado no artigo 69.º e 70.º supra;

II. — os AA. [fossem] condenados a restituir aos RR./Reconvintes o mesmo prédio;

III. — a A. [fosse] condenada a demolir as obras indevidamente feitas na coisa reivindicada, designadamente, as culturas, muros, construções, vedações e outras que ali tenham sido feitas ou venham a fazer;

IV. — a A. [fosse] condenada a indemnizar os Reconvintes pelos manifestos e enormes prejuízos decorrentes da ocupação que fazem do prédio dos 2.º RR., tudo a liquidar em sede de execução de sentença.


4. A Autora FREGUESIA DE FAJÃO replicou, pugnando pela improcedência das excepções e  pela improcedência da reconvenção, e requereu a condenação dos Réus como litigantes de má fé.

  5. Em despacho de fls. 189 ss. indeferiu-se o chamamento da Assembleia de Compartes da Castanheira da Serra

  6. Em despacho saneador,

I. — julgou-se improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial;

II. — remeteu-se para a sentença a apreciação das demais excepções dilatórias e peremptórias deduzidas pelos Réus.


7. O Tribunal de 1.ª instância proferiu sentença, em que julgou a acção procedente.


 8. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª instância é do seguinte teor:

“… julgo a ação procedente e, em conformidade:

a) Declaro que todo o terreno no limite da Castanheira da Serra, freguesia de Fajão, concelho de Pampilhosa da Serra, onde está implantado um Parque Eólico, constituído por oito aerogeradores, e toda a área constituída pela cumeada entre os concelhos  .... e ......, e área adjacente variável entre 200 e 500 metros, a partir dessa cumeada e que se encontra assinalada, a cores verde e amarela, nos mapas dos baldios anexos ao plano florestal de 1954,  de Pampilhosa da Serra, são terrenos comunitários ou baldios;

b) Declaro a inexistência do direito de propriedade que todos os RR. invocam, quer nas escrituras de justificação (1ºR) quer nas de compra e venda, quer nos registos ou inscrições matriciais por serem falsas as declarações neles proferidas quanto ao domínio e área em causa e, designadamente, quanto ao limite na cumeada com o concelho de ...., e na parte em que invadem a área dos terrenos baldios;

c) Declaro que os RR. não são nem nunca foram donos e possuidores exclusivos, em nome próprio e de boa fé, respetivamente, dos imóveis rústicos art.s .....45, ....00, .....02., .....31, .....37, .....49, .....58 e ......59 do limite de Castanheira da Serra e limite de Fajão., com as áreas e limites referidos;

d) Declaro que as ditas escrituras e registos, no respeitante aos ditos prédios, são ineficazes e de nenhum efeito, designadamente para os termos do art. 116º-1 do Código do Registo Predial;

e) Ordeno o cancelamento de quaisquer registos operados com base nas ditas escrituras.

Julgo improcedente a reconvenção formulada pelos RR. BB e mulher CC e absolvo a autora reconvinda do pedido reconvencional.

Custas da ação a cargo dos RR..

Custas da reconvenção a cargo dos RR. reconvintes”.


9. Inconformados, os Réus interpuseram recursos de apelação.


10. O Réu AA finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

I - A sentença ora proferida nada diz relativamente à ilegitimidade invocada, sendo que não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar, Pelo que a mesma é nula nos termos do artigo 615º n.º 1 alínea d) do C.P.C, o que expressamente se invoca.

II - Atento ao exposto no artigo 607º n.º 1 do C.P.C, e ultrapassados que foram os 30 dias para prolação da decisão, a mesma é nula.

III - Conforme o Recorrente demonstrou, dando-se como reproduzido toda a análise e argumentação efetuada na motivação do recurso, houve na decisão em crise erro notório na apreciação e valoração da prova, que não reside na mera desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente, requerendo-se por isso a sua reapreciação e modificação ao abrigo do artigo 662º do C.P.C, conforme exposto.

IV - Desde logo, e diferentemente do versado na decisão em crise, a presente acção não pode ser qualificada como de simples apreciação negativa, tratando-se quanto muito de uma acção de apreciação negativa imperfeita, um pedido declarativo de apreciação positiva, ou seja, que se declare que todo o terreno no limite de Castanheira da Serra, freguesia de Fajão, concelho de Pampilhosa da Serra, onde está implantado um Parque Eólico, constituído por oito aerogeradores, e toda a área constituída pela cumeada entre os concelhos  …… e …., e área adjacente variável entre 200 e 500 metros, a partir dessa cumeada e que se encontra assinalada, a cores verde e amarela, nos mapas dos baldios anexos ao plano florestal de 1954,  de  Pampilhosa da Serra, são terrenos comunitários ou baldios, cuja prova pertencia aos à Recorrida (artigo 342.º, n.º 1), e que pelas razões já acima expostas, a mesma não logrou.

V - Face aos critérios e regras apontadas nos arts. 354º, 358º 371º, nº 1, e 376º, nº 1, do CC e 607º n.º 5 do C.P.C, facilmente se conclui que houve violação dos preceitos acima indicados, tendo sido sobrevalorizada prova testemunhal da AA, que não podia inquinar prova documental autêntica e autenticada e emitida, quer pela Autoridade Tributária e pelo INCNF, tal como os restante documentos certificados por entidades com competências para o efeito.

VI - Após a análise dos testemunhos acima referenciados, e da prova documental referenciada, resulta claro, no nosso entender que não existe qualquer suporte probatório para dar como provado os factos em 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23, 24, 25, 28.

VII - Os prédios em discussão, em particular o do Recorrente, não se situam em terreno baldio, nem a A conseguiu carrear para os autos a prova necessária para o efeito, já que testemunhalmente, como se viu, bastava para as pessoas ouvidas ter havido intervenção florestal, para considerarem a área baldia, o que se demonstrou ser totalmente incorrecto. Os documentos autênticos (projecto de 1954, com os respectivos mapas e inventário de baldios, certificado pelo ICNF, informação sobre as matrizes das finanças, certidões matriciais de 1962, 1912 e as escrituras de 22/09/1922 e 1931, apontam notoriamente para o sentido inverso.

VIII O tribunal a quo o projecto de arborização do perímetro florestal de Pampilhosa da Serra, com mera submissão de baldios, quando é no próprio projecto que se prevê a intervenção nos prédios e incultos particulares, dái a incongruência do facto dado como provado em 6.

IX - Conforme se alcança pelos documentos juntos pelo Recorrente e acima já indicados, tal como pelas testemunhas do Recorrente supra analisadas, com principal destaque para o Senhor LL, o Recorrente não se limitou a invocar a sua posse a partir da data aquisitiva, tendo explicado e provado a causa justificativa: a aquisição por compra verbal das propriedades, identificando os vendedores ou a sucessão hereditária, cfr. 40/197 documentos autênticos junto aos autos, sendo que estes vendedores e antepossuidores exerceram sobre os prédios a posse ao longo de dezenas de anos, posse que lhes deu a propriedade, que todos reconheceram, aceitaram e nunca ninguém impugnou. Pelo que, foi carreada para os autos, prova bstante, de que O Recorrente adquiriu, por aquisição derivada e também, acedendo e sucedendo na posse, pacífica, ininterrupta e de boa fé, dos antecessores de quem adquiriram, cfr. 1255 e 1256 do CC.

X - Nessa media, e examinada a prova documental e testemunhal apresentada pelo Recorrente, considerando igualmente a falta de prova por parte da Recorrida, devem os factos dados como não provados em 27, 34, 35, 37, 38, 39, 40, 41, 46 e 47, passar a integrar o elenco dos factos provados.

XI - Destacando-se que, relativamente ao facto dado como não provado em 47, é ostensivo, no modesto entender do Recorrente, a errada apreciação da prova, que neste caso, não está sujeita à livre apreciação do julgador, já que foi a própria Autridade Tributária, por solicitação do tribunal que confirmou e atestou que entre 1987 e 1990 houve uma reavaliação e inscrição oficiosa dos prédios levada a cabo pelo serviço de finanças. Pelo que, tal informação prestada a solicitação faz prova plena.

XII - O Recorrente considera que houve violação do princípio da igualdade na vertente mencionada, tal como do princípio de acesso ao direito na medida em que obstaculizou o exercício dos mais elementares meios de defesa, incorrendo numa interpretação e aplicação inconstitucional dos poderes que lhe são conferidos na direcção e condução do julgamento ao abrigo do artigo 602 e ss do C.P.C, por contrária aos princípios invocados. Inconstitucionalidade essa que expressamente se invoca.

XIII - O Tribunal a quo, fez ceder a prova resultante dos documentos autênticos acima já mencionados, perante prova testemunhal (ainda por cima inexistente), ou seja, quais as razões subjacentes à decisão do Juiz a quo, para não considerar os documentos autênticos (projecto de 1954, com os respectivos mapas e inventário de baldios, certificado pelo ICNF, informação sobre a inscrição oficiosa das matrizes por parte das finanças, certidões matriciais de 1962 e 1912.

XIV - A propriedade do Recorrente já se encontra no domínio privado há tempos imemoriais, isto é, há mais de 60, 70, 80 e mesmo mais de 100 anos, e conforme já se referiu, tendo em conta o trato sucessivo, a consolidação do prédio do Recorrente no domínio privado e particular ocorreu muito antes da entrada em vigor do DL n.º 39/76 de 19 de Janeiro, quando ainda era possível o comercio jurídico sobre os baldios, sendo os mesmo susceptíveis de relações jurídicas privadas, quer de alienação, quer de aquisição. Isto é, os baldios eram terrenos prescritíveis e susceptíveis de aquisição individual, por usucapião, durante a vigência do Código Civil de 1867 e até à entrada em vigor do DL nº 39/76, de 19.01.

XV - Por outro lado, à data que a Recorrida pretende remontar os factos, tempos imemoriais, ou seja há mais de 60 anos, anterior ao DL de 1976, ainda era obrigatória a inscrição de terrenos baldios na matriz predial rústica, o que, a não ter existido tal inscrição, de alguma forma, contraria a tese da qualificação destes terrenos como terrenos baldios, o que se invoca com todas as legais consequências, tudo nos termos do DL 39/76 e da Lei 68/93.

XVI - Acresce que, com a implementação do Plano de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), DL 54-A/99 cuja versão mais recente é a Lei 60- A/2005, é de acordo com o ponto 3.1.1 é obrigatória na elaboração e execução do orçamento das autarquias locais devem ser seguidos todos os princípios orçamentais, entre os quais, o princípio da universalidade (al. d)) que expressamente determina que o orçamento compreende todas as despesas e receitas existentes. O que não aconteceu in casu.

XVII - Resulta do Projecto de Arborização do Perímetro Florestal de Pampilhosa da Serra, que todos os baldios existentes à data foram devidamente inventariados com base no levantamento de 36/38 e devidamente identificados na lista de inventário dos baldios de fls. 4 a 23 do referido projecto, não constando nele qualquer baldio situado na extensão pretendida pela Recorrida, nomeadamente na …. e …….

XVIII - Acontece que, apesar de toda a argumentação manipulada da A e carreada para os autos, a mesma com conhecimento directo, e em contradição do que afirma, justificou em 1997, por escritura lavrada a 29 de Outubro de 1997 no Cartório Notarial  …., em que justificou 21 prédio, dos quais o identificado em 19, 20 e 21, correspondem aos baldios inventariados em 5, 74, 76 e 77 do mencionado inventário, cfr. documento já constante dos autos e cuja junção se procede novamente por facilidade de consulta. O que aliás, foi mencionado por testemunhas, designadamente o funcionário da Recorrida que confirmou que houve justificações, doc.2.

XIX - E, indo ao encontro do tem vindo a ser exposto, na Acta de n.º 4 de 19/11/1994, a própria reconhece a validade da venda a terceiro efectuada por MM, NN, OO e PP, de prédio adquirido por estes antes de 1976 em zona alegadamente baldia, “uma vez que chegaram à conclusão que esses mesmos terrenos já estavam na posse dessas pessoas antes de 1976.”, cfr. Acta cuja junção se requer ao abrigo do artigo 651º do C.P.C, por fundamental para a descoberta da verdade material e não ter sido possível a sua junção anterior já que não se encontrava na posse do Recorrente.

XX - Por outro lado, e tendo-se admitido a existência da Assembleia de Compartes, desde dos anos 70, ainda que pouco ou inactiva, facto admitido por confissão, não tem a Recorrida legitimidade para o presente pleito. Hoje, as juntas de freguesia, nos termos previstos, respectivamente, dos arts. 36º e 22º do referido diploma, só podem gerir os baldios em situações excepcionais de administração provisória ou de delegação de poderes. Nos termos do art. 11º da referida lei, “os baldios são administrados, por direito próprio, pelos respectivos compartes, nos termos dos usos e costumes aplicáveis ou, na falta deles, através de órgão ou órgãos democraticamente eleitos”. É entendimento da doutrina que não sendo já existentes e aplicáveis os “usos e costumes” na administração do baldio (ao contrário dos existentes na fruição) a única forma legal de proceder à sua administração é através dos referidos órgãos.

XXI - No caso dos autos, não existe qualquer prova de delegação de poderes ou sequer a mesma foi invocada, nem a situação se enquadra nos preceitos legais acima indicados, pelo que se mantém a ilegitimidade da Recorrida.

XXII - Sem prejuízo, a forma adoptada para a implementação do Parque Eólico, com recurso a existência de falsos “baldios”, mais não representou uma maneira e expediente mais rápido, eficaz e com menos custos de expropriar os RR e Recorrente dos seus domínios, em violação ao Código de Expropriação e do estatuído no artigo 29º da Lei dos Baldios.

XXIII - Com efeito, a decisão em crise, legitima assim o abuso de direito da Recorrida, que não merece tutela legal e viola o direito à justiça plasmado no artigo 20º da C.R.P tal como constitui uma violação ao direito de propriedade privada consagrado no artigo 62º do mesmo diploma. O que se invoca com todas as legais consequências.

XXIV - Até à data, não se vislumbra qual o benefício obtido pelas comunidades locais com os contratos celebrados com os parques eólicos, nem foi demonstrado esse benefício. Sendo certo que a implementação de parques eólicos não se coaduna com o escopo dos “baldios” (artigo 3º da Lei dos Baldios), nem tão pouco com o regime floresta, cuja desafectação não foi junta, nem invocada, violando a legislação em vigor.

XXVII - Um baldio que esteja contemplado num projecto de arborização que haja sido submetido ao regime florestal só poderá ser considerado baldio se antes do projecto já fosse baldio, como hoje a lei dos baldios expressamente diz no seu artigo 2º, embora desnecessariamente, pois isso decorre do direito.

XXVIII - Por fim, considerando a contextualização histórica da época em foi implementado o Projecto de Arborização do Perímetro Florestal de Pampilhosa da Serra, em pleno Estado Novo em que vigorava a ditadura, as população pouco ou nada faziam sempre que o estado impunha ou intervinha em qualquer acto ou gestão territorial, o que equivale a dizer “valia a lei das rolhas”, pois temiam as repercussões, o que não foi tido em conta na decisão recorrida, violando o artigo 607º n.º 4 do C.P.C.

XXIX - São estas as razões de Facto e de Direito que motivam o nosso recurso.

XXX - Há por isso Erro de Julgamento quanto à matéria de facto e na apreciação da prova produzida, e erro na Interpretação e aplicação do Direito.

XXI - Na sequência do nosso modesto raciocínio, consideramos que o Senhor Juiz a quo violou os artigos 342º, 354º, 358º, 371º, nº 1, 376º, nº 1, 334º, 1255º e 1256º do CC, Plano de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), DL 54- A/99 cuja versão mais recente é a Lei 60-A/2005, DL 39/76 de 19/01, artigos 3º, 11, 22º, 29º, e 36º da lei dos Baldios (Lei 68/93), 607º n.º 1, 2 e 5 e 615º do C.P.C, artigos 13º 20º e 61º da C.R.P, entre outros.


 11. Os Réus DD e mulher EE e HH e marido II finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

A) Sem prejuízo de o CPC referir que as alegações na audiência final são orais, não há preceito legal que impeça, no acto, a junção delas em forma escrita, pois a teleologia do preceito que as refere como orais é o de evitar mais um prazo, o que não acontece com a apresentação noia acto.

B) Numa acção em que se invoca uma propriedade a conflituar com outras propriedades, é condição essencial do autor alegar factos concretos como a área, confrontações ou outros elementos concretos que permitam identificar a propriedade ou propriedades em causa. Não o fazendo e não tendo o juiz convidado o autor é corrigir a PI, esta é inepta.

C) Se a causa de pedir é a existência de um baldio que se invoca existir com base num Projecto de Arborização que contém nele o inventário dos baldios a arborizar e o autor não indica qual é esse baldio dos constantes no inventário, não invoca o facto concreto que é pressuposto da acção, logo a PI, é inepta.

D) Se a causa de pedir é um baldio que abrange maias de dois concelhos, só é possível determinar qual o tribunal competente territorialmente se o autor indicar a área do baldio. A competência do território é de conhecimento oficioso pelo tribunal.

E) O projecto de Arborização invocado pela autora não contém qualquer baldio que se situe na cumeada da serra.

D) Se acaso tivesse, a prova da sua existência não se poderia nunca fazer, exclusivamente, através desse projecto ou de um mapa e legende que o integrassem.

E) Um baldio que esteja contemplado num projecto de arborização que haja sido submetido ao regime florestal só poderá ser considerado baldio se antes do projecto já fosse baldio, como hoje a lei dos baldios expressamente diz no seu artigo 2º, embora desnecessariamente, pois isso decorre do direito.

F) O Projecto de Arborização da Pampilhosa da serra, invocado no autos, não submeteu apenas os baldios ao regime florestal, mas sim as forma de propriedade previstas no artigo 5º d) da lei 2069, ou seja, baldia, estadual, como dos corpos administrativos da freguesia ou do município, e particular.

G) Se uma Junta de freguesia vem administrando há vários anos um baldio que ela própria diz ser de uma determinada povoação, mas na Pi inicial invoca que a povoação havia constituído uma assembleia de compartes, coloca-se numa posição de confessar a sua ilegitimidade para a acção, que é da assembleia de compartes. Só no caso de esta não agir, poderá a Junta substituir-se, agora com legitimidade.

H) E deveria mesmo diligenciar a transferência da administração para os compartes.

I) Uma Junta de freguesia que conferiu poderes ao município um protocolo de concessão de um parque eólico que foi aprovado e firmado em acto do município em posterior ao da acta, não outorgou tais poderes ao município, este agiu sem poderes para o acto por parte da Junta, não a podendo vincular.

J) Um contrato de concessão de exploração de um baldio ou parte dele a terceiro, tem de se configurar ao escopo dos baldios, que era agro-silvo-pastoril à data em que foi firmado. O parque eólico não cabe nesta finalidade dos baldios.

L) Há omissão de pronúncia quando o tribunal não aprecia todas as questões que lhe foram colocadas, mormente a da ilegitimidade processual e substantiva , como se alegou.

M) Tendo os réus alegado a falsidade de uns mapas com base nos quais autora fundamenta a acção, alegando que os originais do INCF contêm elementos que os apresentados pela autora não contêm e que estes elementos são importantes para a decisão – no caso uma toponímia que em seu entender caracteriza a arborização de uma propriedade considerada baldia pelo Projecto, e que isso está assinalado com números que não estão no mapa apresentado pela autora -, comete uma nulidade e erra na apreciação da prova quando a sentença se limita a dizer que “as referências numéricas ao contrário do que os réus querem fazer crer não estão em total sintonia com a Toponímia ( sem dizer onde está a falta de sintonia) que consta do texto do e tudo leva a crer que não estando nos mapas do projecto camarário, que os mapas deste projecto serão os originais e tais pontos terão sido colocados posteriormente como referências para a execução dos trabalhos”, pois o juiz tem de fundamentar sempre as suas afirmações.

N) Havendo um documento de 1912 cujo contéudo e contém uma propriedade privada que coincide com a área que o parque eólico ocupa na serra  ...., documento cujas confrontações foram confirmadas por várias testemunhas, tal propriedade coloida com a pretensão da autora defender existir ali um baldio.

O) Não é prudente convicçâo nem analisar criticamente as provas quando se desvaloriza a prova de matrizes fiscais e registais corroboradas por prova testemunhal que confirmam os limites e a história de cada propriedade dos réus, de forma exaustiva, a duas e até 3 gerações e assumir como prova de propriedade baldia um mapa contraditório com o Projecto, para mais quando a interpretação do map é susceptível de leituras de várias leituras.

Assim, deve a sentença ser revogada e declarada a inexistência de um baldio na cumeada da sera divisória entre os concelhos de .... e ….. e os réus serem declarados possuidores e proprietários das propriedades, tal como constam das matrizes e dos registos aos réus.


12. Os Réus BB e mulher CC finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª - Sem prejuízo de o CPC referir que as alegações na audiência final são orais, não há preceito legal qaue impeça, no acto, a junção delas em forma escrita, pois a teleologia do preceito que as refere como orais é o de evitar mais um prazo, o que não acontece com a apresentação no acto.

2ª - Numa acção em que se invoca uma propriedade a conflituar com outras propriedades, é condição essencial do autor alegar factos concretos como a área, confrontações ou outros elementos concretos que permitam identificar a propriedade ou propriedades em causa. Não o fazendo e não tendo o juiz convidado o autor é corrigir a PI, esta é inepta.

3ª - Se a causa de pedir é a existência de um baldio que se invoca existir com base num Projecto de Arborização que contém nele o inventário dos baldios a arborizar e o autor não indica qual é esse baldio dos constantes no inventário, não invoca o facto concreto que é pressuposto da acção, logo a PI, é inepta.

4ª - Se a causa de pedir é um baldio que abrange maias de dois concelhos, só é possível determinar qual o tribunal competente territorialmente se o autor indicar a área do baldio. A competência do território é de conhecimento oficioso pelo tribunal.

5ª - O projecto de Arborização invocado pela autora não contém qualquer baldio que se situe na cumeada da serra.

6ª - Se acaso tivesse, a prova da sua existência não se poderia nunca fazer, exclusivamente, através desse projecto ou de um mapa e legende que o integrassem.

7ª - Um baldio que esteja contemplado num projecto de arborização que haja sido submetido ao regime florestal só poderá ser considerado baldio se antes do projecto já fosse baldio, como hoje a lei dos baldios expressamente diz no seu artigo 2º, embora desnecessariamente, pois isso decorre do direito.

8ª - O Projecto de Arborização da Pampilhosa da serra, invocado no autos, não submeteu apenas os baldios ao regime florestal, mas sim as forma de propriedade previstas no artigo 5º d) da lei 2069, ou seja, baldia, estadual, como dos corpos administrativos da freguesia ou do município, e particular.

9ª - Se uma Junta de freguesia vem administrando há vários anos um baldio que ela própria diz ser de uma determinada povoação, mas na Pi inicial invoca que a povoação havia constituído uma assembleia de compartes, coloca-se numa posição de confessar a sua ilegitimidade para a acção, que é da assembleia de compartes. Só no caso de esta não agir, poderá a Junta substituir-se, agora com legitimidade.

10ª - E deveria mesmo diligenciar a transferência da administração para os compartes.

11ª - Uma Junta de freguesia que conferiu poderes ao município um protocolo de concessão de um parque eólico que foi aprovado e firmado em acto do município em posterior ao da acta, não outorgou tais poderes ao município, este agiu sem poderes para o acto por parte da Junta, não a podendo vincular.

12ª - Um contrato de concessão de exploração de um baldio ou parte dele a terceiro, tem de se configurar ao escopo dos baldios, que era agro-silvo-pastoril à data em que foi firmado. O parque eólico não cabe nesta finalidade dos baldios.

13ª - Há omissão de pronúncia quando o tribunal não aprecia todas as questões que lhe foram colocadas, mormente a da ilegitimidade processual e substantiva , como se alegou.

14ª - Tendo os réus alegado a falsidade de uns mapas com base nos quais autora fundamenta a acção, alegando que os originais do INCF contêm elementos que os apresentados pela autora não contêm e que estes elementos são importantes para a decisão – no caso uma toponímia que em seu entender caracteriza a arborização de uma propriedade considerada baldia pelo Projecto, e que isso está assinalado com números que não estão no mapa apresentado pela autora -, comete uma nulidade e erra na apreciação da prova quando a sentença se limita a dizer que “as referências numéricas ao contrário do que os réus querem fazer crer não estão em total sintonia com a Toponímia (sem dizer onde está a falta de sintonia) que consta do texto do e tudo leva a crer que não estando nos mapas do projecto camarário, que os mapas deste projecto serão os originais e tais pontos terão sido colocados posteriormente como referências para a execução dos trabalhos”, pois o juiz tem de fundamentar sempre as suas afirmações.

15ª - Havendo um documento de 1912 cujo contéudo e contém uma propriedade privada que coincide com a área que o parque eólico ocupa na serra ...., documento cujas confrontações foram confirmadas por várias testemunhas, tal propriedade coloida com a pretensão da autora defender existir ali um baldio.

16ª - Não é prudente convicçâo nem analisar criticamente as provas quando se desvaloriza a prova de matrizes fiscais e registais corroboradas por prova testemunhal que confirmam os limites e a história de cada propriedade dos réus, de forma exaustiva, a duas e até 3 gerações e assumir como prova de propriedade baldia um mapa contraditório com o Projecto, para mais quando a interpretação do mapa é susceptível de leituras de várias leituras.

17ª - Ainda quanto ao ponto/facto 27 e também já ao ponto/facto 28 a 32 e 42 a 44 deveriam os mesmos ter sido dados como provados pela abundante documentação trazida aos autos pelos RR., designadamente, os RR BB e CC RR e pela prova testemunhal por que providenciaram: documentos de natureza matricial e registral que demonstram a propriedade pelos 2ºs. RR dos prédios em causa, no que a eles diz respeito, foi o “Mapa de Baldios pertencentes à Junta de Freguesia  ....”, foi o “Reconhecimento dos Baldios do Continente”, bem como o “Projecto de Arborização do Perímetro Florestal de .... de 1954”; foram ainda documentos elaborados pelo IFADAP (Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas, pelo INGA (Instituto Nacional de Intervenção Agrícola), pelo Governo Civil do Distrito …. e, por último, um email escrito por responsável da Junta de Freguesia ...., aqui A.

18ª - E a única documentação em que a A. e o Mmo. Juiz «a quo» se baseiam em detrimento de todas as demais, reduz-se afinal a um mero mapa da Câmara, de cuja estrutura orgânica institucional (não esqueçamos) faz parte a própria A., como se o Município agora no Século XXI pudesse vir criar, como se diz agora, “factos alternativos” e (literalmente) «pintar» (porque não deixa de se tratar disso mesmo) uma situação, um desenho, como lhe aprouver e como se o Município pudesse pronunciar-se hoje com maior (eu diria mesmo) qualquer legitimidade sobre esta matéria, do que a própria Autoridade Florestal Nacional.

19ª - Os 2ºs. RR BB e CC são donos e legítimos proprietários e possuidores dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Pampilhosa da Serra. sob os nºs. …85. e …11 inscritos nas matrizes prediais rústicas sob os nº …00 e …02, respectivamente.

20ª - A fls. 49 da Douta PI junta a A. escritura de aquisição a favor do R. BB (Doc. 6 junto com a PI) – prédio …, matriz ….00; a fls. 50 da Douta PI junta a A. escritura de aquisição a favor do R. BB (Doc. 7 junto com a PI) por compra a QQ, no estado de viúva – prédio …, matriz …..02; A fls. 51 a A. junta (v. Doc. 8 junto com a Douta PI) um mapa que contem legenda que diz apenas: “superfície a arborizar por plantação”. Que a A. tenta desesperadamente extrapolar para “baldio”

21ª - Os 2ºs. RR Contestantes e Reconvintes arrogam-se donos e legítimos proprietários dos 2 (dois) prédios rústicos, sitos no Vale ……., descritos na Conservatória do Registo Predial de Pampilhosa da Serra  sob os nºs ……85 e …..11, da freguesia de ...., concelho de .... e inscritos nas matrizes prediais rústicas daquelas freguesia e concelho sob os nºs …00. e …02, respectivamente. E arrogam-se proprietários porque o são. Os RR dizem que adquiriram estes prédios, porque efectivamente os adquiriram conforme o atestam as respectivas escrituras públicas celebradas: A) Em 12 de Março de 2002 no Segundo Cartório Notarial ……. a fls. 2 a 2 verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº …. relativa ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …85, da freguesia …, concelho ...., inscrito na matriz predial rústica sob o nº …..00; B) Em 18 de Agosto de 2000 no Cartório Notarial .... a fls. 53 a 54 verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº … relativa ao prédio rústico ora descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …11, da freguesia  …, concelho ...., já então inscrito na matriz predial rústica sob o nº …...02 Tendo sido tais aquisições por compra registadas a seu favor conforme as Apresentações respectivas: C) Ap. … de 2002/03/27 relativamente ao Prédio supra descrito em A.; D) Ap. …. de 2000/09/05 relativamente ao Prédio supra descrito em B.

22ª - Quanto ao prédio correspondente ao artigo matricial …, este artigo matricial ….. sempre foi propriedade dos antepassados do R. BB. Os terrenos do Vale …. eram propriedade dos avós do R. Contestante e Reconvinte, e foi transmitido para os seus descendentes de forma natural e sem que nenhum desses descendentes tivesse alienado qualquer parcela. E o facto ter sido feita escritura de compra e venda entre o R. AA e os R ora Contestante e Reconvinte, foi apenas para evitar transtornos inúteis e dispendiosos quando este R sabia perfeitamente que não estavam a prejudicar ninguém pois tratou-se apenas de formalizar daquele modo a aquisição de um prédio que já era seu (dele R ora Contestante e Reconvinte). E que apenas não formalizaram de outro modo porque o R. AA havia erradamente mencionado tal prédio na sua escritura de justificação de posse.

23ª - Quanto ao prédio correspondente ao artigo matricial ….02, tal prédio foi adquirido por compra a QQ, viúva de RR o prédio supra referido em A), ou seja, o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo …. da freguesia  ...., concelho ..... Mais uma vez, trata-se de um prédio que foi herdado pela tia do R. Contestante e Reconvinte, ou seja, provindo de heranças abertas já por óbito dos avós, do R. Contestante e Reconvinte, a quem pertencia a referida propriedade. Os RR Contestantes e Reconvintes não precisariam nem precisaram de fazer escrituras de justificação de posse e tudo o que fizeram foi dentro da mais completa licitude e justiça.

24ª - Na verdade, após uma simples consulta a uma planta de localização elaborada aquando da candidatura do R ora Contestante e Reconvinte a um projecto de Apoio à Silvicultura (Agro 3.1) que correu termos em 2004 sob a designação Projecto nº ….. promovido pelo Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas - IFADAP e pelo Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola - INGA, pode facilmente verificar-se a localização dos terrenos correspondentes a tais prédios rústicos dos RR Contestantes e Reconvintes sitos no Vale …. – cfr. Doc. 3 (última folha) junto pelos RR.

25ª - Aliás, a propósito dos objectos/equipamentos assinalados sob a designação 2 e 4 – “postes de apoio a linha aérea” da EDP e instalados em terrenos propriedade dos RR Contestantes e Reconvintes, não deixa de ser interessante o teor de um documento emanado do Governo Civil do Distrito….. sob a epígrafe “Edital / Intimação Administrativa” em 28 de Outubro de 2010, pelo qual o Exmo. Senhor Governador Civil refere o seguinte: “intimo o Senhor BB (…) de que no prazo de dez dias deverá deixar proceder aos trabalhos necessários à construção da linha aérea a 15 KV (…) sendo a delimitação das extremas feita pela linha limite do concelho de .... (…)” – cfr. Doc. 4.

26ª - Trata-se de um documento que, ironicamente ou talvez não, FOI AFIXADO ALIÁS NA SEDE DA JUNTA DE FREGUESIA, e do qual teve a Junta óbvio conhecimento, semque nada tivesse feito contra tal reconhecimento de propriedade de tais terrenos. Nunca tendo a Junta, aqui A., manifestado qualquer oposição quanto a tal reconhecimento de propriedade pelos aqui 2ºs. RR.

27ª - E a situação torna-se ainda mais explícita quando o Exmo. Senhor Governador Civil menciona no seu despacho subjacente ao citado edital que “intimo o Senhor BB (…) para que autorize a entrada na sua propriedade que confronta a Norte com SS (…) sendo a delimitação das extremas feita pela linha limite do concelho de .... (…)”– cfr. Doc. 5

28ª - Os Docs. 6, 7 e 8 juntos pelos 2ºs. RR, mostram como as imagens isoladas, do google earth e da carta militar, depois de sobrepostas, conseguem evidenciar, para quem não tenha o seu raciocínio viciado à partida, que não existem, que não é possível que existam baldios no Vale….

29ª - Todavia, ainda assim, procedeu o R. BB, na expectativa de que, qualquer dúvida que porventura subsista, fique esclarecida, a um levantamento com o GPS Trimble Geo Explorer 3 dos pontos correspondentes às infra-estruturas existentes no local e correspondente memória descritiva e respectivas coordenadas – cfr. Docs. 9 junto pelos 2ºs. RR. Razão pela qual só há uma conclusão possível: NÃO EXISTE QUALQUER BALDIO NO, OU DESIGNADO POR, “VALE .....”.

30ª - E tal afirmação resulta corroborada pela Autoridade Florestal Nacional quando esta refere “(…) não consta qualquer informação ou elemento que ateste que a propriedade denominada “Vale das .....” é terreno baldio” – cfr. Doc. 10. Aliás junta-se igualmente documento emanado da Autoridade Florestal Nacional sob a epígrafe “Reconhecimento dos Baldios do Continente” do qual resulta que os baldios existentes na freguesia de .... são aqueles denominados por: “Lomba ….., Ponte …, Ponte …,  …, ……, ….. e ……” – cfr. Doc. 11. NÃO HÁ POIS QUALQUER REFERÊNCIA A “VALE .....” como terreno baldio

31ª - E mesmo de acordo com o “Mapa de Baldios pertencentes a Junta de Freguesia de ....” pode verificar-se que, se os mesmos existem, são apenas a Sul e a Poente do “Alto …” – Doc. 12. Sendo que, a Norte do Alto …. ainda temos “……” e “Cruz …” e só ainda mais a Norte é que temos o “Vale ….”, quando, mesmo acreditando no referido mapa, os baldios não «passam» a Norte do “Alto …..”. Ou seja, e de acordo com informação proveniente da Autoridade Florestal Nacional, quer pelo “Reconhecimento dos Baldios do Continente”, quer pelo “Mapa de Baldios pertencentes a Junta de Freguesia …”, nunca se menciona, nem se alcança o “Vale …”.

32ª - Aliás como decorre do documento emanado da Autoridade Florestal Nacional sob a epígrafe “Reconhecimento dos Baldios do Continente” do qual resulta que os baldios existentes na freguesia de .... são aqueles denominados por: “Lomba……, Ponte ….., Ponte …, …, ……, ….. e …” – cfr. Doc. 11. NÃO HÁ POIS QUALQUER REFERÊNCIA A “VALE DAS .....”.

33ª - Existem diversos documentos nos autos, juntos por todas as partes, incluindo a A. que demonstram à saciedade que os antepassados do aqui R. BB, eram proprietários do Vale…, designadamente: A fls. 567, consta documento do qual resulta a titularidade do artigo matricial …. como pertencente a RR; A fls. 568, consta documento do qual resulta a titularidade do artigo matricial …. como pertencente a OOO; ainda a fls. 569, consta documento relativo a um terreno de II (artigo …) e que faz referência a uma confrontação com SS (cabeça de casal da herança de) e artigo …. a confrontar de Poente com SS.

34ª - O depoimento da Exma. Sra. Engenheira TT, foi o expoente máximo da coerência e firmeza de argumentos na defesa intransigente da tese da A., não fosse a testemunha funcionária da Câmara Municipal …, onde se integra organicamente a A. Junta.... E reconheçamos-lhe o mérito, depois de tanta defesa acérrima da existência de baldios, designadamente no Vale …. e depois de tanta referência aos mapas, aos mapas e aos mapas, dos quais supostamente constariam os baldios, e sem que ninguém descortinasse que mapas eram esses, eis que faz-se luz e, os mapas dos quais a testemunha afirma que resulta a existência de baldios nos terrenos em apreço nos autos, mais não são do que mapas elaborados… pela própria Câmara Municipal …...

35ª - Tendo, aqueles que estavam naquela sala e que não tinham o seu raciocínio viciado pela tese da A. concluído que, afinal, OS MAPAS DE QUE FALAVA A TESTEMUNHA, SÃO AFINAL DA LAVRA DA PRÓPRIA CM…. NA QUAL ESTÁ INTEGRDA POR INERÊNCIA A JUNTA DE FAJÃO. MAS A VONTADE INABALÁVEL DA TESTEMUNHA AINDA FOI MAIS LONGE, POIS MESMO DEPOIS DE LIDOS TODOS OS NOMES DE TODAS AS LOCALIDADES, QUER DO PROJECTO FLORESTAL, QUER DO LEVANTAMENTO, QUANDO TODOS OS QUE CONHECEM MINIMAMENTE A ZONA CONCLUÍRAM QUE ERA IMPOSSÍVEL ALGUM DESSES NOMES APROXIMAR-SE SEQUER DO VALE ..... ALIÁS A PRÓPRIA TESTEMUNHA ENG. TT DEPOIS DE LHE TEREM SIDO LIDOS TODOS OS NOMES DE BALDIOS QUE CONSTAM DO PROJECTO FLORESTAL DE 1954 NÃO CONSEGUIU ASSOCIAR O NOME DE VALE  …. A NENHUM DELES – MANIFESTANDO ÓBVIO CONSTRANGIMENTO COM TUDO O QUE HAVIA SIDO DECLARADO POR SI ANTERIORMENTE.

36ª - Para além disso, os mapas em que tal testemunha se baseia foram juntos aos autos por requerimento expedido por correio registado a 10 de Setembro de 2015 acompanhados de uma análise subscrita pela própria testemunha que declara o seguinte: “de mencionar ainda, que todas as parcelas estão localizadas dentro dos terrenos baldios integrados no Plano Florestal, elaborado e aprovado para todo o Concelho de ...., em 1954/55 e integrado no Perímetro Florestal desde essa data”.

37ª - Tal atitude pela testemunha subscritora de tal declaração, demonstra à saciedade a preocupação da A. em colar-se ao “Projecto de Arborização do Perímetro Florestal de Pampilhosa da Serra de 1954”. Todavia, o problema da A. é e será sempre que as afirmações da Câmara e da A. não colam nem podem colar com tal Projecto de Arborização, segundo o qual, como já se viu mais do que uma vez, “(…) não consta qualquer informação ou elemento que ateste que a propriedade denominada “Vale  …” é terreno baldio” (v. Doc. 10 junto aos autos pelos 2ºs RR).

38ª - Desta forma, não obstante o ónus de prova pertencer à A. e não obstante, aliás, os aqui 2ºs. RR. beneficiarem da presunção da titularidade do registo predial, por estar registada a seu favor a aquisição de tais prédios, ainda assim, entendem os 2ºs RR que, apesar de a isso não serem obrigados, ainda assim (repete-se) foram os RR. (aliás todos os RR) quem mais provas trouxeram aos autos de que os prédios são particulares, são seus e com as configurações aqui invocadas e demonstradas, não correspondendo tais terrenos a quaisquer baldios como falsa e contraditoriamente invoca a A.

39ª - Razão pela qual, repete-se, deveria ter sido dada como provada a matéria constante nos pontos/factos 27. a 32., 42. a 44., 46. e 47 e, consequentemente, deverão todos os RR ser absolvidos dos presentes autos e, consequentemente, ser julgada procedente por provada a reconvenção, com as legais consequências,

40ª - Assim, deve a sentença ser revogada e declarada a inexistência de um baldio na cumeada da sera divisória entre os concelhos de .... e …… e os réus serem declarados possuidores e proprietários das propriedades, tal como constam das matrizes e dos registos aos réus.


 13. A Autora FREGUESIA DE FAJÃO contra-alegou, pugnando pela improcedência dos recursos.


 14. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

1. O tribunal recorrido soube ser analítico e assertivo sem descurar toda a informação trazida aos autos por todas as partes, e a partir de toda essa informação elaborou uma síntese cuidada e sustentada de toda a prova que foi produzida.

2. Em momento algum o tribunal coartou qualquer uma das partes de demonstrar, revelar, contraditar ou indicar qualquer tipo de prova ou informação aos autos.

3. Basta fazer uma leitura atenta e cuidada do veredicto recorrido, para se perceber que o tribunal soube exactamente julgar o que estava em causa.

Da P.I

4. O que estava e está em causa é saber se “todo o terreno limite de Castanheira da Serra, freguesia de Fajão, concelho de Pampilhosa da Serra, onde está implantado um Parque Eólico, constituído por 8 geradores, e toda a área constituída pela cumeada entre os concelhos de .... e …, e área adjacente variável entre 200 e 500 metros, a partir dessa cumeada e que se encontra assinalada e delimitada a cores verdes (em duas tonalidades) e amarela, nos mapas da carta militar à escala 1:25.000 dos baldios anexos ao Plano Florestal de 1954, de Pampilhosa da Serra, são terrenos comunitários ou baldios;”- alínea a) do pedido deduzido pela recorrida.

5. A recorrida identifica nessa alínea do pedido e ao longo da sua p.i o baldio ou terrenos baldios em causa e cuja existência os recorrentes pretendem negar, pelo que a pi não é inepta.

6. Não faz qualquer sentido os recorrentes dizerem que não sabem onde fica o terreno no limite de …, da freguesia e concelho sobreditos, na cumeada entre os concelhos de .... e de …, onde está implantado um parque eólico com 8 geradores, porquanto não se trata de coisa que a recorrida possa esconder nem há outro local com esta descrição no limite dessa aldeia.

7. Aliás, os recorrentes já haviam identificado esse local nas providências cautelares em que foram requerentes e referidas na douta sentença recorrida instauradas aquando da instalação desse parque eólico.

8. A p.i foi bem compreendida pelos recorrentes como demonstram as suas contestações e reconvenção e todo o demais contraditório exercido ao longo da marcha processual.

9. O despacho saneador pronunciou-se sobre esta questão suscitada pelos recorrentes e fundamentou a improcedência da alegada excepção.

Das alegações orais

10. As alegações, produzida a prova, determina a alínea e) do nº 3 do artigo 604º do CPC que sejam orais.

11. E em momento algum os mandatários dos recorrentes deram a entender que produziriam alegações escritas. Não o requereram antes, não notificaram nem acordaram com o mandatário da recorrida, nem sugeriram que as mesmas fossem escritas.

12. O douto despacho proferido na Ata de Audiência Final de 20 de março de 2017 retrata o que efectivamente se passou.

Da ilegitimidade

13. A douta sentença recorrida julgou e bem esta alegada excepção dando-se por integralmente reproduzido o que consta a este respeito nas suas pag.s 47 e 48.

14. A recorrida invoca-se como entidade administradora e gestora da área em discussão e de outras áreas baldias da sua circunscrição territorial na falta de existência ou de iniciativa e actividade de uma assembleia de compartes que represente os interesses da comunidade em causa.

15. Tal competência é-lhe atribuída por lei e pode exercê-la, não apenas quando os compartes não se organizam nesses termos como também quando essa forma de organização comunitária não exerce as suas competências e atribuições, como é o caso da Assembleia de Compartes dos Baldios de Castanheira, da Pampilhosa da Serra. (vide sentença recorrida pag.s 48).

16. A recorrida agiu em defesa do baldio e dos interesses da comunidade Castanheira da Serra que não comunga dos ideais de apropriação dos recorrentes.

17. O depoimento da testemunha LL e declarações do recorrente AA provam por si só a legitimidade a recorrida neste pleito, caso a legitimidade que lhe é atribuída legalmente não fosse suficiente (Cfr. Depoimento áudio da testemunha LL de 25/01/2017, com o ficheiro ….705.wma, pag. 556 e declarações do recorrente AA, com o ficheiro …..705.wma, pag 638, das transcrições juntas pela recorrida).

18. Os recorrentes compartes e os que aspiram a compartes, como demonstraram com a prova produzida referida no ponto antecedente, consideram que a assembleia de compartes só deve constituir-se, existir ou activar-se caso as suas pretensões particulares e individuais de apropriação do baldio não sejam bem sucedidas.

19. O recorrente AA confessa ter sido presidente da Assembleia de Compartes da Castanheira da Serra e em contradição nega a existência de baldios afectos a essa aldeia ou nas suas imediações, designadamente na área em discussão, depois de uma providência cautelar de idêntico objecto não ter sido decidida a seu favor, por não ter confirmado a versão deste recorrente de que se tratava de terreno que lhe pertencesse. (Cfr. Depoimento áudio AA de 25/01/2017- com o ficheiro ….705.wma – pag. 638 das transcrições juntas pela recorrida).

20. A legitimidade activa da recorrida está mais que assegurada após as confissões nestes depoimentos, caso subsistissem dúvidas.

21. A testemunha LL que invoca a qualidade de presidente da assembleia de comparte dos baldios de …. referiu que a actual assembleia de Compartes foi constituída em 2012, 2014, portanto, em anos posteriores à entrada da presente acção em juízo, acabando por referir que não administra nem gere terrenos comunitários porque para ele tais terrenos não existem.

22. Anteriormente, o recorrente AA era membro do Conselho Directivo dessa assembleia, pelo que haveria obviamente manifesta colisão de interesses, atento o que este recorrente defende.

23. A questão relativa à celebração de protocolos, recebimentos de receitas ao abrigo dos mesmos, escrituras outorgadas pela Junta relativas a prédios que não se situam na área em discussão, questões relativas ao POCAL, se os parques eólicos se coadunam ou não com baldios, etc… em nada relevam nem interessam para a boa decisão da causa que há-de versar e versou na decisão recorrida sobre a grande questão a que o tribunal teve de responder: qual a natureza dos terrenos da área identificada na alínea a) do pedido da p.i. Florestação = Baldio ou Baldio = Florestação?

24. Os recorrentes elaboram a equação florestação = baldio.

25. Mas a equação correcta é baldio= florestação porque aquela zona já era baldia quando foi florestada ao abrigo do Projecto de Arborização de 1954/1955, bastando ler cuidadosa e objectivamente esse projecto, para perceber que foi essa a ordem dos factos.

26. Esse projecto junto pelos recorrentes e pela recorrida aos autos tem mapas a cores, legendas e texto que bem identificam essas áreas baldias e outras de outra natureza, onde se destinava a haver e realizou uma intervenção florestal de grandes dimensões.

27. O tribunal na sua decisão revelou a análise crítica desse documento e cujo texto dessa sua decisão se dá aqui por integralmente reproduzido por uma questão de economia processual (pag. 45, 46 e 47 da sentença recorrida).

28. Este documento conjugado com o depoimento das testemunhas arroladas pela recorrida, conhecedoras dos locais em causa, permitiu interpretá-lo e adequá-lo ao espaço em discussão, situando perfeitamente o objecto da questão e permitiu aferir junto das referidas testemunhas se sabiam ou não acerca do que se debateu em todas as sessões de audiência de julgamento.

29. Este projecto que foi junto aos autos por todas as partes, pela recorrida devidamente certificado pela Câmara Municipal de ...., onde se encontra arquivado um ou o original e outro junto pelos recorrentes extraído do exemplar, cópia ou não do ICNF, - não releva para aqui-, cujo original se encontrava à data do Julgamento nos cofres do Tribunal.

30. O projecto que se encontra na Câmara Municipal tem mais folhas por ter a parte inicial respeitante ao Auto de Inquérito de Submissão ao Regime florestal dos Terrenos Baldios que Constituem o Perímetro Florestal ...., …., ...., ….., ….. e …., o Edital para reclamação ao esse auto, Auto de Reclamação, conclusões provisórias do Conselho Técnico Florestal e Aquícola e ainda o Auto de Avaliação dos Terrenos Baldios que fazem parte do perímetro Florestal de .... (cfr. pág.s 46 e 47 da sentença recorrida).

31. Essa parte inicial é esclarecedora quanto à forma como decorreu a implantação deste projecto, de forma aberta e com possibilidade de reclamações, ao contrário do alegado pelos recorrentes que afirmam que naquela época as pessoas não eram esclarecidas e que se deixaram “expropriar”.

32. Reclamações essas também constantes na parte do Inventário dos baldios elaborado pela Câmara Municipal de .... que integrou este projecto, que regista muitas delas, bastando ver as notas de rodapé no mesmo (Cfr. Pag 4 de ss do projecto florestal de 1954/1955).

33. O ataque que os recorrentes fazem aos mapas juntos pela recorrida, além dos constantes do projecto de 1954/1955 é desprovido de qualquer sentido, pois que a testemunha TT esclareceu que os mesmos foram extraídos a partir das cartas militares constantes do projecto de 1955, sem qualquer alteração ou deturpação do que já havia sido retratado por essa via em 1954/1955.

34. As testemunhas arroladas pela recorrida são pessoas que não têm qualquer interesse material ou patrimonial na causa e nem sequer são habitantes da aldeia de …, tendo prestado depoimentos isentos e imparciais, e por isso credíveis.

35. Os seus depoimentos encontram-se gravados e a recorrida junta as transcrições dos mesmos relativos ao perito e testemunhas:

UU – Perito Erro! Marcador não definido. Ficheiro áudio: …..705.wma

VV – Testemunha.

Erro! Marcador não definido.

Ficheiro áudio: …..705.wma

 XX – Testemunha

.Erro! Marcador não definido. 

Ficheiro áudio: …..705.wma

Erro! Marcador não definido.

ZZ – Testemunha

Erro! Marcador não definido.

Ficheiro áudio: ….705.wma

Erro! Marcador não definido.

AAA – Testemunha

Erro! Marcador não definido.

Ficheiro áudio: ….705.wma

BBB – Testemunha

Erro!  Marcador não definido.          

Ficheiro áudio: .....705.wma

Erro! Marcador não definido.

CCC – Testemunha

Erro! Marcador não definido

Ficheiro áudio: ……705.wma

DDD – Testemunha

Erro! Marcador não definido.

 Ficheiro áudio: …..705.wma

EEE – Testemunha

Erro! Marcador não definido.  

Ficheiro áudio: .....705.wma

FFF – Testemunha

 Erro! Marcador não definido.

Ficheiro áudio: ….705.wma

TT –  Testemunha

 Erro! Marcador não definido.

Ficheiro áudio: …..705.wma

Erro!  Marcador não definido.         

Ficheiro áudio: ….705.wma

Erro! Marcador não definido.

36. Remetendo-se também para a análise sintética e cuidada que a douta sentença recorrida faz dos mesmos, (Cfr. pag. 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, e 30 da sentença) e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

37. O projecto florestal de 1954/1955 não indica que a Toponímia de fls 92 seja de baldios.

38. Pelos mapas conjugados com a sua legenda, pelo inventário que faz parte integrante do mesmo, nos textos noutros capítulos apreende-se que os baldios do concelho de .... são muito mais que esses locais.

39. O tribunal esclareceu ao escrever o constante na pág. 47:

“Os mapas a cores são iguais nos dois projectos, apenas com a diferença das referências numéricas vermelhas. Estas referências, contrariamente ao que os Réus querem fazer crer não estão em total sintonia com a Toponímia, que consta na parte final dos textos dos dois projectos e tudo leva a crer, que não estando nos mapas do projecto camarário, que os mapas deste serão os originais e tais pontos terão sido colocados posteriormente, possivelmente, como referencias para execução dos trabalhos de arborização.”

40. A legenda do mesmo projecto identifica nos mapas os terrenos particulares nas zonas de cor castanha e azul clarinho.

41. As restantes áreas de terreno identificadas a cores verdes de duas tonalidades e amarelo são áreas de terreno baldio.

42. Como é consabido, em cartografia, a legenda excepciona, o dominante não precisa de ser identificado nesse pormenor. E o dominante eram terrenos baldios no referido projecto, que através do mesmo se propunha arborizar com predominância e primeiro objectivo.

43. Esta interpretação e conclusão resulta claramente dos depoimentos de várias testemunhas (VV, AAA, BBB e TT)

44. Esta legenda destinou-se a instruir esse projecto de submissão ao regime florestal dos terrenos baldios que constituem o perímetro florestal de Pampilhosa da Serra, tal como consta do despacho de aprovação em Conselho de Ministros de 2/11/55, constante em ambos os projectos juntos pelos recorrentes e recorrida que no seu 3º parágrafo diz: “A arborização dos baldios em referência…”;

45.O Auto de Inquérito de 20 de junho de 1954, também refere no seu título “submissão ao regime florestal dos terrenos baldios que constituem o perímetro florestal Pampilhosa da Serra”, o título do projecto é 59/880 58 PROJECTO DE ARBORIZAÇÃO DO PERÍMETRO FLORESTAL DE PAMPILHOSA DA SERRA

46. Logo, tendo o referido projecto sido concebido essencialmente para baldios, as cores verde de duas tonalidades e amarela correspondem a áreas baldias, sendo as primeiras zonas que se destinavam a arborizar por plantação e sementeira e todas elas não sendo particulares, porque não estão assinaladas como tal.

47. As zonas de terrenos particulares estão devidamente assinaladas e identificadas para o efeito.

48. O projecto florestal de 1954/1955 incluiu baldios paroquiais como tão bem explicita o referido projecto no 5º parágrafo da Introdução, na sua página 3, que diz textualmente: “A arborização a realizar, é assinalada para os baldios municipais e paroquiais incluídos no perímetro,…”

49. É natural que o inventário elaborado pela Câmara Municipal no ano de 1939, 15 anos antes desse projecto, apenas tenha incluido os baldios administrados e geridos por esta autarquia municipal e não os paroquiais administrados por Juntas de Freguesia, neste caso de ...., que eram e ainda hoje são órgãos e entidades administrativos distintos.

50. A freguesia .... que sempre se distinguiu pelo muito elevado número de hectares de terrenos baldios dessa natureza-paroquial (Cfr. Referência a que o Inventário de Junta de Colonização Interna (junto pelos recorrentes aos autos) faz aos baldios da freguesia .... na coluna Económico-sociais – Útil; em parte desnecessário; logradouro comum do mato e pastagens, pinhal como rendimento da Junta de Freguesia.

51. A folhas 64 a 68 inclusivé do projecto, este esclarece-nos quanto a baldios nesta freguesia .... e a existência de baldios paroquiais, os quais se encontravam sob a jurisdição da Junta para os distinguir dos municipais.

52. A fls 68, refere-se expressamente a existência de 1.391 hectares de área baldia de natureza paroquial, confirmando-se que a equação correcta é baldios (sejam municipais ou paroquiais) = florestação.

53. Mais ainda, ao longo do projecto, a aldeia … é referida (fls 79, 83, etc), como local onde se reconhece haver baldios dos quais parte foram reservados para logradouros das populações, tendo assim manofesta relevância para um projecto que primordialmente teve por objecto terrenos baldios.

54. O Inventário constante do Reconhecimento dos Baldios do Continente elaborado pela Junta de Colonização Interna e cuja publicação coincide com o do inventário camarário de 1939 é um documento que começou a ser elaborado muito tempo antes do ano de 1939, da sua publicação.

55. Mas a identificação dos baldios é meramente referencial, em nada pormenorizado, não contendo áreas nem confrontações que nos permita localizá-los com rigor. Muito provavelmente os baldios  … estão incluídos nos grandes baldios ali designados de Ponte …. que é próximo do local em questão e está no alinhamento de toda a faixa baldia discutida nos presentes autos.

56. A abrangência desses grandes baldios ali referidos é tão enorme e carecendo da identificação que Projecto Florestal de 1954 nem o “adoptou” ou integrou para identificar a natureza da propriedade no concelho de ...., a fim de fixar o seu regime e intervencionar.

57. Este documento da Junta de Colonização Interna não contribui para a prova que os recorrentes pretendiam produzir, ao contrário do Projecto Florestal de 1954, que com os seus mapas a cores e respectiva legenda, nos esclarecem quanto à natureza e localização da propriedade do objecto do litígio e contradizem a versão dos recorrentes.

Da competência territorial do tribunal

58. A área em discussão faz parte do território do concelho de .... e inclui-se na circunscrição territorial da freguesia  ...., desse concelho, sendo competente o tribunal recorrido.

59. Sendo irrelevante o facto do baldio em causa ser usufruído por pessoas residentes em aldeias de outra ou outras freguesias limítrofes.

Dos prédios dos recorrentes

60.O tribunal debruçou-se sobre a grande questão: se os terrenos em causa se situam em área constituída por um baldio ou se os terrenos pertencem aos réus, aqui recorrentes.

61. Os recorrentes invocam os seus títulos formais de aquisição, juntam títulos formais de aquisição (vários tipos de escrituras) para alegarem que tais prédios lhes pertencem e que estão implantados na área em discussão.

62. Ora, tais prédios não estão implantados, nesse local definido na alínea a) do seu pedido deduzido na p.i e nem tem a configuração e área que lhes permita alcançar o viso de cumeada e os limites do concelho  .... até à sua confinância com outro concelho.

63. Os recorrentes não produziram prova, quer documental quer testemunhal que permita concluir nesse sentido, e o tribunal recorrido também assim entendeu.

64. A prova documental junta pela recorrida é elucidativa quanto à natureza baldia da propriedade do terreno sito no limite da Castanheira da Serra, freguesia de Fajão, concelho de Pampilhosa da Serra, onde está implantado um Parque Eólico, constituído por 8 geradores, e toda a área constituída pela cumeada entre os concelhos  .... e ...., e área adjacente variável entre 200 e 500 metros, a partir dessa cumeada e que se encontra assinalada, a cores verde e amarela, nos mapas dos baldios anexos ao Projecto Florestal de 1954, de Pampilhosa da Serra.

65. Os vários documentos juntos pela recorrida e os depoimentos das testemunhas por si arroladas demonstram que a exploração e fruição ali praticada sempre foi de natureza comunitária e depois submetida ao regime florestal do respectivo perímetro.

66. Esse local já era baldio muito antes da elaboração desse projecto como o próprio texto nos revela a fls. 64 a respeito da Freguesia ...., de onde se salienta: “esta freguesia…possui uma larga extensão de baldios, parte dos quais se encontra sob jurisdição da Junta de Freguesia, sendo os restantes municipais.”; “resolveu-se considerar que parte dos incultos paroquiais continuariam a ser explorados por conta e proveito da referida Junta, enquanto que uma zona confinante com os baldios municipais, passaria à administração dos Serviços Florestais.”, sendo que essa área só pode ser a vasta área da serra .......

67. Com esta implantação de baldios naquela zona e em toda aquela encosta da aldeia, é mais que evidente que os prédios que os recorrentes alegam pertencer-lhes jamais ali se localizam, que é precisamente o local onde os pretendem implantar.

68. O Projecto Florestal de 1954/1955 destinou-se a submeter baldios ao regime florestal e não a criar baldios. O projecto é de submissão e não de constituição de baldios. O próprio auto assim o diz (Cfr. Projecto Florestal junto pela recorrida-1ª folha).

69. Os recorrentes não conseguiram demonstrar que os prédios que alegam nestes autos pertencer-lhes se localizam ali, nem tampouco provaram que lhes pertencessem, e as testemunhas arroladas pelos mesmos nem sequer demonstraram conhecer esses prédios, com a expressões vagas que foram tecendo sobre os nomes dos locais que a instâncias dos seus mandatários lhes iam perguntando por esses nomes.

70. Essas testemunhas nem sequer elucidaram o tribunal quanto à configuração desses prédios, sobretudo onde se iniciavam na sua parte inferior, um dos elementos base para implantar qualquer prédio.

71. A única configuração que os recorrentes apresentaram mais concreta foi em papel, um croquis/levantamento topográfico elaborado pela testemunha GGG, que se trata de um documento com conteúdo produzido unilateralmente, elaborado a mando dos recorrentes que indicaram desenhar como lhes convinha. Tudo como resulta do depoimento desta testemunha.

72. Desenhar não basta para provar a posse e propriedade.

73. As testemunhas arroladas pelos recorrentes limitam-se a dizer que estes têm lá terrenos, que pertenceram a este e àquele, percebendo-se que havia muitos locais e prédios e até muita gente, só não se percebendo onde, no entanto não conseguindo explicar as confinâncias de muitos prédios particulares com baldios, nas matrizes anteriores a 1950, cujas certidões exemplificadamente foram juntas aos autos pela recorrida.

74. A aldeia ...... é uma aldeia que se situa ao fundo de uma grande e extensíssima encosta, à sua volta tudo é montanhoso e é necessário muito tempo para percorrer a distância desde a aldeia até à cumeada ou até à faixa adjacente à mesma numa largura de 200 a 500 metros, em terreno declivoso e montanhoso.

75. Com as áreas que os recorrentes apresentam na matriz e no registo predial, tais prédios não se podem estender até a cumeada nem tampouco ao limite dos 200 a 500 m medidos a partir da mesma para baixo no sentido da aldeia.

76. A testemunha HHH, arrolada pelos recorrentes, explicou que as confrontações dos prédios aquando das últimas avaliações à propriedade rústica do concelho ...., da qual resultou a matriz vigente desde 1990/1991, foram fornecidas de uma forma unilateral, sem qualquer prova de certeza ou consentimento dos confinantes, fossem eles quem fossem ou a que título fossem.

77. A aldeia ..... está rodeada de inúmeros visos e não são de cumeada, havendo um transversal ao aglomerado urbano, a curta distância do mesmo e paralelo ao viso da cumeada da serra. O que se comprova pela cartografia junta aos autos e do que resultou da inspecção judicial ao local da questão.

78. O documento datado de 1912 que os recorrentes invocam foi impugnado pela recorrida, estando longe de ser perceptível e não há o menor indício de proveniência dos prédios identificados na alínea c) do pedido da recorrida.

79. Qualquer prédio ou terreno com confinância com a .... é muito vaga, pois a serra ... tem centenas, senão milhares de hectares de área com vertentes extensíssimas até aos vales mais profundos, tanto de um lado como do outro, do concelho  .... e também do lado do concelho  .....

80. Por isso, um prédio descrito em 1912 nesses termos pode localizar-se muito longe da área em discussão, no fundo das encostas montanhosas que formam o vale.

81. As testemunhas arroladas pela recorrida esclareceram os actos que desde sempre ali foram praticados e por quem: desde uso e fruição livre e comunitária de pastoreio, recolha de matos, lenhas, torgas para carvão vegetal, resinagem de pinhal, arborização, abertura de estradas, colocação de marcos ou paredes a demarcar essa faixa adjacente à cumeada, etc

82. A construção da casa de guarda florestal na Cruz ......, no Alto ......, data anteriormente ao projecto de 1954/1955, como se confirma pela interpretação da legenda e destinou-se a vigiar zona baldia tal como se refere a fls 84 do projecto “No …, perto de ......, encontra-se já construída uma casa de guarda por se julgar que aquela zona pertencia ao perímetro ….. e ….”. – atrás explicou-se o lapso na identificação do nome do perímetro que era …. - e porque esse local não era e nunca foi de particulares.

83. O facto dos prédios que os recorrentes alegam pertencer-lhes, indistintamente, terem sido objecto de projectos, candidaturas ao IFADAP ou INGA, ou a EDP e o Governo Civil terem notificado os recorrentes para o que quer que fosse, tais actos não são constitutivos da posse ou direito de propriedade, nem tampouco estas entidades ou outras, têm qualquer competência para estabelecer domínio ou pôr em causa a natureza baldia do terreno em discussão. Essa competência e reconhecimento compete aos tribunais.

84. Os recorrentes não produziram qualquer prova a respeito da prática de actos de posse ou inerentes ao direito de propriedade no local identificado na alínea a) do pedido da recorrida na sua p.i.

85. O registo predial como é consabido é uma presunção. Não é uma verdade apodíctica.

86. Como várias testemunhas foram referindo, também ali iam ao mato e à lenha, ali se pastoreava livremente, mas não com a convicção de que se tratava de terrenos privados, de particulares, dos recorrentes ou dos seus antecessores.

87. É difícil acreditar que todas essas pessoas se deslocassem para esse efeito até à cumeada, zona rochosa em algumas partes e íngreme, onde nada se cria e cuja demora a chegar até lá em cima desde a aldeia não justificaria o que quer que se pudesse ali colher.

88. Os recorrentes alegam que não existe referência a Vale ..... como baldio, sendo tal facto falso pois que aparece nos mapas que todas as partes juntaram - Cfr mapa a cores do projecto florestal de 1954/1955 e bem se vê e lê que ali está identificado o Vale  ..... entre a casa do guarda já construída em data anterior a este projecto e a .....

89. O Vale  ..... encontra-se assinalado a cor verde e demonstrou e provou-se que onde está esta cor no mapa não se trata de terrenos particulares.

90. O Vale ..... é extenso e profundo e da forma como está identificado, bem se vê que vai desde a confinância com o concelho ...., descendo em direcção a aldeia ......, atravessando ou sendo composto também por área do logradouro comum da aldeia, identificada a cor amarela e a confinar com a zona castanha que identifica os terrenos de natureza particular.

91. Há pois referência cartográfica ao Vale ..... como sendo terreno baldio.

92. Nenhuma prova foi feita que qualquer um dos prédios indicados na alínea c) do pedido da p.i. de que os recorrentes se arrogam donos se encontre implantado na área definida na alínea a) do mesmo pedido, nem anteriormente nem posteriormente a 1976, data da entrada em vigor da primeira Lei dos Baldios (n.s 39/76 e 40/76 de 19/01) nas quais se estabeleceu que era nula e de nenhum efeito qualquer posse exercida sobre terrenos baldios, não podendo jamais tais terrenos ser apropriados e titulados por particulares com base na invocação do instituto da ususcapião, situação que se manteve em vigor com as sucessivas alterações à Lei dos Baldios (Lei 68/93, Lei 72/2014 e Lei 75/2017).

93. Daqui se conclui que os terrenos cartografados, classificados e delimitados como terrenos baldios nos perímetros florestais definidos e oficializados pelas autoridades florestais do Estado, como os que estão em causa nos presentes autos, só poderiam ser adquiridos por usucapião por particulares com base na posse, de boa fé, ininterrupta, a vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de exercerem direito próprio se em 1976, tivesse decorrido o prazo de posse previsto no Código Civil de Seabra, 30 anos, conjugado com o prazo de 20 anos fixado pelo novo Código Civil entrado em vigor em 1 de Junho de 1967.

94. O tribunal deslocou-se ao local da questão, numa das sessões de julgamento e teve assim a possibilidade de conjugar esta prova – conhecimento in loco,- com a cartografia do projecto e identificar cada pormenor dessa cartografia localmente, tendo aferido a genuidade do depoimento de cada testemunha que depôs sobre o conhecimento do local e do seu historial em termos de uso e fruição.

95. Por tudo isto e pela prova testemunhal produzida sobretudo pela arrolada pela recorrida, a matéria de facto foi correctamente dada como provada e não provada, tal qual está identificada na sentença recorrida.

96. E consequentemente, os pedidos da recorrida estão devidamente sustentados para terem sido julgados procedentes, nos termos em que o foram. 

 15. O Tribunal da Relação julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade da Autora e revogou a sentença recorrida.

16. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

“Termos em que se acorda julgar procedente o recurso no que tange à ilegitimidade da autora, declarar esta ilegitimidade e, consequentemente, absolver os réus da instância”.


 17.  Inconformada, a Autora FREGUESIA DE FAJÃO interpôs recurso de revista.

18. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Bem se sabendo que nesta instância as questões a reportar estão limitadas ao direito, à sua aplicabilidade, apreciação e sustentação, a recorrida e ora recorrente Junta de Freguesia de Fajão  entende não se poder descurar nem dissociar do pedido formulado pela Junta de Freguesia de Fajão  e a respetiva causa de pedir, na sua p.i. para se aferir da legitimidade ou ilegitimidade da autora.

2. A questão da legitimidade ou ilegitimidade da autora não se pode dissociar do pedido que esta formulou e tão fácilmente identificável e que os réus tão bem perceberam para contestar e afirmar as suas posições face ao mesmo.

3. E não se pode olvidar que a ação levada a Juízo foi ao abrigo do artigo da Lei dos Baldios então em vigor (2011) Lei 68/93, como se deixou bemclaronoartigo 61ºda petição inicial, invocando-se essa legitimidade, reforçada pela passividade e promiscuidadedaAssembleiade Compartes, emrazãodosatos de posse, escrituras de justificação, de registo, inscrições na matriz de prédios comunitários (baldios) praticados pelo Presidente do C. Diretivo, pelo Réu BB e outros representantes da Assembleia de Compartes e outros compartes demandados na ação.

4. De resto, os pedidos, designadamente, o constante da alínea a) e especialmente b) que se transcrevem não deixam dúvidas quanto à legitimidade processual da Autora junta de Freguesia .....

5. Na alínea a) peticiona-se que se declare que o terreno no limite de Castanheira da Serra, freguesia de Fajão, concelho de Pampilhosa da Serra, onde está implantado um Parque Eólico, constituído por oito aerogeradores, e toda a área constituída pela cumeada entre os concelhos de .... e ...., e áreaadjacente variável entre 200 e 500 metros, a partir dessa cumeada e que se encontra assinalada, a cores verde e amarela, nos mapas dos baldios anexos ao plano florestal de 1954, de ...., são terrenos comunitários ou baldios;

Na alínea b) peticiona-se que se declare a inexistência e nulidade do direito de propriedade que todos os RR. invocam, quer nas escrituras de justificação (1ºR) quer na compra e venda, quer nos registos ou inscrições matriciais por serem falsas as declarações neles proferidas quanto ao domínio e área em causa e, designadamente, quanto ao limite na cumeada com o concelho de ...., e na parte em que invadem a área dos terrenos baldios.

6. A sentença proferida pelo Tribunal da 1ª Instância deu como provado e invocou na sua fundamentação, a legitimidade da aqui recorrente, dando-se aqui por integralmente reproduzida essa fundamentação.

7. A decisão da 1ª Instância teve o cuidado de descrever e dar como provados os factos que atribuem e sustentam a legitimidade da autora, fundamentando a aplicação do direito e invocando os regimes legais aplicáveis, que entendeu ser a correta, à situação concreta.

8. Com todo o respeito, a situação concreta dos autos e o que se pretende que o direito regule para a situação concreta exposta, invocada e pretendida pela autora em matéria de legitimidade a reconhecer à aqui recorrente não foi corretamente avaliada pelo Tribunal da Relação .......

9. No caso dos autos a aqui recorrente demonstrou inequivocamente o interesse direto em demandar nos termos do 1 do artigo 30º do Código de Processo Civil e a matéria dada como provada da sentença do Tribunal da Instância é clara quanto a esse interesse e necessidade.

10. Essa necessidade resulta da verificação da falta de administração e gestão dos terrenos comunitários em causa por parte de qualquer comparte ou órgãos representativos da comunidade da aldeia ......, da freguesia ...., concelho ...., prevista no nº 2 do referido artigo 30º que estatui: “O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação…”.


11. A utilidade derivada da procedência da ação está declarada na alínea a) da Decisão da Instância que se debruçou sobre a natureza da propriedade dos terrenos em discussão e que justificou essa utilidade:Pelo exposto, julgo a ação procedente e, em conformidade: a) Declaro que todo o terreno no limite de Castanheira da Serra, onde está implantado um Parque Eólico, constituído por oito geradores, e toda a área constituída pela cumeada entre os concelhos .... e ...., e área adjacente variável entre 200 e 500 metros, a partir dessa cumeada e que se encontra assinalada, a cores verde e amarela, nos mapas dos baldios anexos ao plano florestal de 1954, de ...., são terrenos comunitários ou baldios;”

12. O nº 3 do artigo 30º do Código de Processo Civil prevê que: “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito de legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor” e a autora não só configurou devidamente essa relação material controvertida desde o início dos autos como também existe lei que legitima a sua iniciativa processual e que é invocada na sentença da 1ª Instância a fls. 48

Ademais a Autora, por força do disposto na alínea m) do 6 do artigo 34º da Lei 169/99 de 18 de Setembro, alterada pela Lei 5-A/2002 de 11 de Janeiro, que definia o Quadro de Competências e Regime Jurídico de Funcionamento dos órgãos dos Municípios e Freguesias e atualmente por força do disposto na al. oo) do artigo 16º da Lei 75/2013, de 12 de Setembro, que instituiu o Regime Jurídico das Autarquias Locais, compete proceder à administração ou à utilização de baldios, sempre que não existam Assembleias de Compartes, nos termos da lei dos Baldios”.

13. Mesmo entendendo-se que existia uma Assembleia de Compartes, o certo é que pela matéria dada como provada em 11., 12., 13., 14., 16., 17., 21., 22., 24.25., 26., 27. da sentença proferida pelo Tribunal da Instância, ficou demonstrado que aquele ou outros órgãos não exerceram as suas obrigações de defesa dos interesses da comunidade local em causa e seus baldios.

14.Os réus e representantes dessa alegada assembleia constituída, não tendo sido demonstrado se o foi legalmente ou não -posteriormente à entrada em juízo da ação e até antes, manifestavam comportamentos completamente discordantes do que se veio a provar em relação à natureza comunitária desses terrenos, o que deixou bem patente o claro conflito de interesses existente.

15. Os próprios réus sustentam esta factualidade nos autos, tal como se espelha no despacho de fls. 198, com a referência citius nº 153962: “tanto mais que os réus continuam a dizer que os Compartes tem um interesse igual quer à autora quer aos réus, o que manifestamente consubstanciaumconflitode interessese viola frontalmente o disposto no artigo 325 do Código de processo Civil.”

16. Os réus não reclamaram nem interpuseram qualquer recurso do despacho transcrito no número anterior e que transitou em julgado.

17. Este conflito de interesses foi confirmado e devidamente esclarecido em Audiência de Julgamento nos depoimentos da testemunha LL e de parte do réu AA (Ficheiro áudio ......705.wma, de 25/01/2017 – transcrição pag. 556 a 630 inclusivé e ......705.wma, de 25/01/2017 – transcrição pag. 638 a 645 inclusivé, ambos respetivamente), juntas às Contra-Alegações da aqui recorrente.

18. A não reconhecer-se a aqui recorrente parte legítima, este conflito determinaria um vazio que prejudicaria a apreciação e mérito da causa, que é  possível conhecer-se de acordo com o sentido do primeiro pedido da autora.

19. E a sentença proferida pelo Tribunal da Instância define claramente a fls. 9, que a questão a decidir é Apurar se os terrenos em causa se situam em área constituída por um baldio ou se os terrenos pertencem aos réus.

20. Os réus não fizeram qualquer prova, quer documental (edital de publicação/convocatória para realização de assembleia, atas de ato eleitorais, constituição de órgãos, tomadas de posse, etc..) quer testemunhal, de que a Assembleia de Compartes de Castanheira  estivesse a funcionar ou ativa, que os seus órgãos tenham sido todos regularmente constituídos e muito menos, dado o conflito de interesses existente, que estivesse tal assembleia, conselho diretivo ou de fiscalização, interessados em ver declarada a natureza comunitária de tais terrenos.

21. A legitimidade da autora está assegurada em juízo e não peca por falta dela, nem sequer pelo que resulta dos artigos 4º, nº2 e 11º da Lei 68/93, respeitante à Administração dos baldios, que dispõe

Artigo 4º 1-(…)

2-A declaração de nulidade pode ser requerida pelo Ministério Público, por representante da administração central, da administração regional ou local da área do baldio, pelos órgãos de gestão deste ou por qualquer comparte.

Artigo 11º

3 - Os baldios são administrados, por direito próprio, pelos respetivos compartes, nos termos dos usos e costumes locais, através de órgãos democraticamente eleitos.

22. Os réus não demonstraram, ao invocarema ilegitimidade da autora Junta de Freguesia de .... que os baldios se encontravam a ser administrados pelos respetivos compartes nem através dos seus órgãos democrática e legalmente eleitos e a funcionarem regularmente.

23. Uma vez que a entidade gestora e administradora prevista legalmente para defender os interesses dos baldios não atua nessa conformidade, ou se porventura, os seus órgãos forem constituídos por pessoas comosinteresses particularesdos réus que afirmam não existir terrenos baldios na área em discussão nos autos e tendo-se provado o contrário, a legitimidade da autora Junta de Freguesia de .... não pode ser posta em causa.

24. Uma vez que a autora tem agido nestas circunstâncias legalmente ao abrigo das suas atribuições nos termos do Regime Jurídico das Autarquias Locais perante o vazio de iniciativa dos compartes, na defesa e representação dos mesmos em relação aos bens comunitários e do conflito de interesses explanado, crê-se que não restará a menor dúvida de que a autora aqui recorrente é titular da efetiva e real relação jurídica controvertida

25. A previsão de equilíbrio prevista na Lei dos Baldios 68/93 não foi demonstrada pelos réus ter sido verificada.

26. Perante a falta de demonstração da atividade ou funcionamento da assembleia de compartes regularmente constituída, por parte dos réus, o despacho saneador foi claro quanto à legitimidade das partes e transitou em julgado- refª citius .....

27. E tudo isso se veio a provar conforme elencado em 9., 10., 12., 13., 14., 16., 17., 18., 20., 21., 22., 24., 25., 26., 27. e 28. da matéria provada na sentença proferida pelo Tribunal da Instância.

28. A autora tem legitimidade para instaurar a presente ação, dada a clareza da prova produzida pelos próprios réus, no sentido de que a assembleia de compartes que integra os réus, perante a atitude destes em relação aos terrenos comunitários, constitui uma forma de os extinguir e privatizar para si.

29. Ao encontro de tudo quanto se expôs, o teor do Voto de Vencido do Acórdão ora recorrido, de forma douta entende igualmente que a questão da legitimidade não deverá prejudicar a apreciação do mérito da causa, à qual a aqui recorrida subscreve integralmente e dá aqui por integralmente reproduzido de acordo com o princípio da economia processual.

30. Os requisitos legais previstos no artigo 30º do Código de Processo Civil e no artigo da Lei dos baldios 68/93, aplicável à data da entrada da ação judicial e o regime jurídico de funcionamento dos Órgãos do Município e freguesias estão preenchidos por parte da aqui recorrente, enquanto autora da ação que instaurou.

31. Violou o douto acórdão do Tribunal da Relação ..... os artigos 30º e 620º, n º 1 do Código de Processo Civil, artigos 4º e 11º da Lei nº 68/93, de 04 de Setembro, alínea m) do nº 6 do artigo 34ºda Lei169/99de 18de Setembro, alterada pela Leinº5-A/2002 de 11 de Janeiro, que definia o Quadro de Competências e Regime Jurídico de Funcionamento dos órgãos dos Municípios e Freguesias e atualmente por força do disposto na al. oo) do artigo 16º da Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro, que instituiu o Regime Jurídico das Autarquias Locais.

Termos em que

Deve ser dadoprovimentoaopresente recurso, alterando-se oAcórdão proferido pelo Tribunal da Relação ....., e mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância,

E assim se fará Justiça.


 19. Os Réus AA e FF e GG, sucessoras habilitadas de HH e marido II, contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.

20. O Réu AA finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

I. Conforme se constata no acórdão ora proferido, tendo-se admitido a existência da Assembleia de Compartes, desde dos anos 70, ainda que pouco ou inactiva, facto admitido por confissão, não tem a Recorrida legitimidade para o presente pleito.

II. A mera afirmação pelo autor de que ele próprio é o titular do objeto do processo não apresenta relevância definitiva para a aferição da sua legitimidade, que, aliás, não depende da titularidade, ativa ou passiva, da relação jurídica em litígio, pelo que só em caso de procedência da acção passa a existir fundamento material para sustentar, a posteriori, quer a legitimidade processual, como a legitimidade material e, assim, de uma forma algo redutora, as partes são consideradas dotadas de legitimidade processual até que se analise e aprecie a sua legitimidade substantiva (vide STJ 505/07.2TVLSB.L1.S1, http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/).

III.  No caso dos autos parece-nos óbvio que a questão da apreciação da ilegitimidade não se limitou à legitimidade adjectiva, de acordo com os conceitos redutores do artigo 30º do C.P.C, mas sustentou uma apreciação de mérito.

IV. Ora tendo em conta ambos os conceitos, facilmente se conclui que, tendo em conta as normas legais que conferem e definem a legitimidade e interesse na acção, houve uma apreciação de mérito ao nível da legitimidade material.

V. As entidades e pessoas com legitimidade para instaurar acções atinentes à apropriação e apossamento de terrenos baldios por terceiros constam, taxativamente, no artº 4º nº2 da Lei 68/93, de 04.09, ao caso ainda aplicável, das quais sobressaem os órgãos do baldio – rectius o conselho directivo - ou qualquer dos compartes. Pelo que a legitimidade pertence a quem a lei diz e não a quem assim pretende.

VI. Atento o disposto no art. 665º, nº 2 do CPC, e por conter o processo todos os elementos necessários, considera o ora Recorrido que o Tribunal da Relação procedeu à apreciação da excepção peremptória inominada de ilegitimidade substantiva, também invocada pelos RR e assim deve ser declarada, não obstante a procedência da ilegitimidade processual adjectiva.

VII. Pelo que, não obstante a forma como a Autora consubstancia a relação controvertida, a pseudo-legitimidade que alega sempre sucumbe perante a ilegitimidade material que se invoca com todas as legais consequências.

VIII. Assim, sem necessidade de mais considerações, não merece o recurso interposto qualquer provimento.

Termos em que nos Doutamente supridos e nos mais de Direito, devem Vossas Excelências julgar improcedente o presente Recurso, e proferir Douto Acórdão que negue seu provimento ordenando o complementar da Decisão Recorrida, declarando a ilegitimidade na sua plenitude, ou seja, também substantiva, e por essa via concluindo pela parte em que apenas absolve os RR do pedido.

  21. As Rés FF e GG, sucessoras habilitadas de HH e marido II finalizaram a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

A) Alegando a autora a existência de uma Assembleia de Compartes nos anos 70 e na década de 90, é esta a parte legítima, por ser a titular do direito de propriedade baldia, razão pela qual a autora Junta de Freguesia é parte ilegítima.

B) Os corpos directivos e a Assembleia de Compartes mantêm-se em vigor até serem substituídos.

C) Sabendo a Junta da sua existência, competir-lhe-ia, caso tivesse dúvidas, contactar os compartes para propor acção judicial ou para solicitar delegação de poderes para agir em seu nome, e não negociar em seu nome, sem quaisquer poderes delegados.

D) Se uma assembleia de compartes no dizer da autora está praticamente inactiva tal só pode significar que tem alguma actividade. O ónus da prova sobre tal competiria à autora.

E) Admitindo hipoteticamente que a autora fosse parte legítima, o ónus da prova sobre a assembleia de compartes não ter querido administrar os baldios nas negociações com as empresas eólicas competiria à autora.

F) É indiciador de litigância de má-fé, alegar na PI que se constituiu na década de 70 uma assembleia de compartes, que também existiu na de 90, e vir agora, em sede de recurso, alegar que tal Assembleia poderá não ter sido convocada nos termos legais!

G) Se não fosse feio e processualmente censurável, competiria ao invocante o ónus da prova sobre as convocatórias.

H) A legitimidade processual não se afere pelo pedido e causa de pedir (artigo 30 do CPC), mas pela posição de ser o titular da relação material controvertida com interesse directo em demandar, qualidade que a autora não tem.

I) A configuração do nº 3 do artigo 30 do CPC pressuporia, para além dos requisitos da conclusão do nº anterior, que a lei não indicasse quem tem legitimidade judicial. No caso, as Leis 68/93 (que vigorava) e 75/2017 (que vigora) expressamente, nos artigos 21 e 24 atribuem a legitimidade judicial à assembleia de compartes.

J) Não é possível a autora invocar matéria de facto, dando-a como provada, quando esta matéria está pendente em recurso de impugnação.

K) Os Réus, compartes por inerência ao facto de serem pessoas do lugar da Castanheira da Serra, são apenas 4 pessoas daquele universo, não são confundíveis com a Assembleia de Compartes, cuja deliberação é autónoma da presumível vontade de cada comparte.

L) O vazio que a autora alega esvurma muita pretensão e auto-suficiência, pois é a assembleia de compartes, como parte legítima, que preenche o invocado vazio.

M)A alegação de num território existirem baldios que colidem com propriedades reivindicadas como particulares, para que se dê cumprimento ao estabelecido no artigos 5 do CPC (e anteriormente 264), impõe-se, sob pena de ineptidão que tais factos sejam concretos, claros, determinados e precisos, nomeadamente narrando onde começam e acabam tais baldios e qual deles colide e onde com as propriedades particulares; não o dizendo, os réus vêem diminuído e dificultado o exercício do seu direito de defesa, mormente a defesa por impugnação especificada.

N) Também o mesmo tipo de alegação, quando defende que os ditos baldios abrangem dois concelhos e 3 freguesias desses concelhos diferentes, requer uma alegação dos factos concretos e determinados sobre os baldios e, em particular, o baldio que colidirá com as propriedades dos réus, sob pena de não se saber qual o tribunal territorialmente competente, que será o do concelho onde se situar o baldio que nesse conselho tenha maior dimensão.

O) Estando tais factos alegados pelas partes na PI e contestação, bastará para que a questão da competência haja sido colocada ao tribunal, tanto mais que é de conhecimento oficioso.

P) A legitimidade de um órgão de uma pessoa colectiva não é suprível pelo facto de uma pessoa individual integrante desse órgão poder ser parte legítima. Menos ainda, nem sequer se sabendo se a pessoa individual faz parte do órgão. É absurdo, juridicamente, defender tal hipótese: uma pessoa individual além de ser autónoma e não confundível com um órgão onde se integre, até poderia estar em oposição à vontade colectiva desse órgão, incluindo votando vencido na deliberação do órgão colegial!

Q) A Junta de freguesia não está isenta do pagamento de taxa de justiça nos termos do artigo 4º nº 1 do RCJ, pelo que deverá proceder ao seu pagamento.

R) Normas violadas: artigos 5 (antigo 264); 30 (antigo 26); 186 (antigo 193); 552 d) actual e anterior 467 d), todos do CPC; 21 da lei 68/93 e 24 da lei 75/2017; os arts. 73 do CPC anterior e 70 do actual, nºs 1 e 3; e ainda o art. 11, nº 3) da Lei 68/93 e 17 da lei 75/2017, bem como o artigo 4º da RCJ.


 22. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

 I. — se transitou em julgado alguma decisão interlocutória contida no sentido da improcedência da excepção de ilegitimidade (conclusão 26 das alegações de recurso);

 II. — se a legitimidade da Freguesia de .... para propor as acções previstas no art. 4.º da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, era uma legitimidade primária, concorrente com a dos órgãos do baldio, ou era tão-só uma legitimidade secundária ou subsidiária;

 III. — caso a legitimidade da Freguesia de Fajão fosse tão-só uma legitimidade secundária ou subsidiária,

 a. — se se verifica a falta de administração pelos órgãos do baldio;

 b. — ou, ainda que não se verifique a falta de administração, se verifica que os órgãos do baldio não cumpriram os seus deveres de gestão.


II. — FUNDAMENTAÇÃO

 

   OS FACTOS 

  23. O despacho de condensação deu como assentes os factos seguintes:

A) No dia 26 de Janeiro de 2001, foi lavrada no Cartório Notarial …., de fls. 92 a 93 verso, do livro de notas para escrituras diversas nº ...., uma escritura de justificação, em que foi justificante o ora primeiro Réu (doc.1 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

B) Nessa escritura, o primeiro R. declarou que é dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem, dos prédios identificados no documento complementar elaborado nos termos do nº 1 do art. 64º do Código do Notariado (doc.2, junto com a p.i. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)

C) Dessa lista, sob o nº 5, consta metade indivisa de um rústico no vale …, freguesia de Fajão, composto de mato e pastagem, com a área de 118.500m2, a confrontar, no seu todo, de norte com limite do concelho ....., nascente com ribeiro, sul e poente com III, inscrito na matriz sob o art. …..75, com o valor patrimonial de esc. 18.326$00, correspondente à fracção.

D) Mais declarou o R. AA:

“Que os referidos prédios se encontram-se inscritos na matriz em seu nome e nenhum deles se encontra descrito no registo predial” – cfr. citado documento nº 1 junto com a p.i.

E) Declarou ainda:

“Que são restantes comproprietários dos imóveis identificados no referido documento complementar sob os números cinco e vinte, os herdeiros de JJJ;(…)” – cfr. citado documento nº 1 junto com a p.i.

F) Mais declarou:

“Que comprou verbalmente os referidos prédios, nas identificadas proporções, no ano de mil novecentos e setenta e oito, nunca tendo sido reduzido a escrito, formalmente válido, esses contratos…” – cfr. citado documento nº 1 junto com a p.i.

G) Mais declarou:

“Os identificados sob os números dois, cinco, seis, oito, dez, onze, quinze, dezoito, vinte, vinte e um, vinte e dois, vinte e quatro, vinte e nove e trinta e três, ao referido LLL e mulher;” – cfr. citado documento nº 1 junto com a p.i.

H) Declarou ainda:

“Que desde as referidas compras, até hoje, sempre praticou, quanto aos referidos imóveis, relativos aos identificados sob os números cinco, vinte, vinte e oito e trinta e quatro, regime de compropriedade e nas referidas proporções, todos os actos de posse de que os mesmos eram susceptíveis, tais como, amanhando-os, colhendo os seus frutos, recolhendo os respectivos matos, madeiras e lenhas e pagando as respectivas contribuições, tudo na convicção de exercer um direito próprio, sem qualquer interrupção, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse, sendo por isso uma posse pública, pacífica, contínua e de boa fé, pelo que, nas aludidas proporções, adquiriu os referidos prédios por usucapião, que invoca, na impossibilidade de comprovar o referido domínio e posse pelos meios extrajudiciais normais.” – cfr. citado documento nº 1 junto com a p.i.

I) No dia 28 de Agosto de 2009, foi lavrada no Cartório Notarial …, a fls. 145 e seguintes do livro de notas para escrituras diversas nº …., uma escritura de justificação, em que foi justificante o mesmo Réu, AA – cfr. documento nº 3 junto com a pi., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

J) Nesta escritura, o R. AA declarou: “Que, é dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem, dos vinte bens constantes de um documento complementar, elaborado de harmonia com o número um do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, o qual faz parte integrante desta escritura (…)”. – cfr. citado documento nº 3 junto com a p.i.

L) Do referido documento complementar consta sob o nº “ Cinco) Metade indivisa de uma terra de mato e pastagem sita no Vale …., com a área de cento e dezoito mil e quinhentos metros quadrados, a confrontar no seu todo, do norte com limite do concelho de ...., do nascente com ribeira, do sul e poente com III, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….75, descrita na Conservatória do Registo Predial .... sob o número …., com o valor patrimonial tributário e atribuído correspondente à fracção de 91,38€(…)” – cfr. citado documento nº 3 junto com a p.i.

M) Mais declarou, então, o R. AA, nessa escritura:

“Que os referidos prédios vieram à sua posse em data que não pode já precisar, mas que se situa por volta do ano de mil novecentos e oitenta e sete, quando, JJJ e mulher MMM, residentes que foram no lugar de ......, dita freguesia ...., lho ajustaram vender. Que, no entanto, nunca chegaram a formalizar a respectiva escritura pública de compra e venda; Que, desde essa data, entrou na posse dos referidos prédios, em nome próprio, posse que se tem exercido dentro de um espírito de composse quanto à verba um, com o demais compossuidor NNN, posse esta sem qualquer interrupção, até hoje, com reconhecimento como seu dono por toda a gente, sem violência e sem oposição de quem quer que seja, ostensivamente agindo sempre com o ânimo e forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, aproveitando todas as utilidades, roçando mato, apanhando a caruma, cortando a lenha e vendendo-a, cultivando os de cultivo, vindimando as uvas, apascentando os animais, suportando os respectivos encargos e despesas de fruição, na proporção dos seus direitos em relação às verbas números um, cinco, oito e onze e na totalidade quanto às demais.

Que, tendo exercido sobre o prédio indicado sob o número um do referido documento complementar, uma composse pacífica, contínua e pública, e quanto aos restantes uma posse igualmente pacífica, contínua e pública, que, ambos os casos durá há mais de vinte anos justificam a sua aquisição pela usucapião, que invocam para fins de registo predial, na impossibilidade se comprovar o referido domínio e posse por outros meios extrajudiciais.” – cfr. citado documento nº 3 junto com a p.i.

N) Encontram-se registados a favor dos 2º réus, os direitos de propriedade dos prédios sitos ao vale das …., Freguesia ....: artigo …00 rústico, prédio nº ….01 da CRP de .... e artigo …02. rústico, prédio nº …05 da mesma CRP – cfr. documentos nºs 6 e 7 com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

O) As aquisições referidas na alínea antecedente tiveram como causa:

I) Em 12 de Março de 2002 no …. Cartório Notarial …. a fls. 2 a 2 verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº … relativa ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …85, da freguesia …, concelho  …, inscrito na matriz predial rústica sob o nº .....00 – cfr. documento nº 1 junto com a contestação dos 2ºs réus, cujo restante teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

II) Em 18 de Agosto de 2000 no Cartório Notarial de .... a fls. 53 a 54 verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº …… relativa ao prédio rústico ora descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ……11, da freguesia …, concelho …, já então inscrito na matriz predial rústica sob o nº .......02 – cfr. documentp nº 2 junto com a contestação dos 2ºs réus, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

P) Encontram-se registados a favor dos 3º réus, os direitos de propriedade dos seguintes três prédios rústicos:

1. Artigo ….58 rústico sito em Vale …., de Castanheira da Serra, freguesia de Fajão., com a área inscrita de 26.400m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de ...., sob o nº .....;

2. Artigo ….49. rústico sito às …., limite de Castanheira da Serra, com a área inscrita de 21930m2 e descrito na C.R.P. .... sob o nº .....;

3. Artigo ….59 rústico sito ao Vale ….., no mesmo limite, com área inscrita de 33600m2 e descrito na C.R.P. .... sob o nº ..... – cfr. documentos 10 e 11 juntos com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Q) O Réu BB chegou, por escrito, a insurgir-se, perante a Câmara Municipal, contra a constituição da Associação de Proprietários Florestais e, sobretudo, contra o facto de o Réu AA ser simultaneamente Presidente do Conselho Directivo dos Compartes e Presidente da Direcção da Associação de Proprietários.

R) Da escritura de justificação outorgada em 26 de Janeiro de 2001 – cfr. fls. 27 e ss. Destes autos – consta, a fls. 27, a seguinte informação: “Averbamentos: Nº 1 – O extracto desta escritura foi publicado no “JORNAL  ....”, Nº 3.766, de 8/2/2001. ...., 8/2/2001”.

S) Da escritura de justificação outorgada em 28 de Agosto de 2009 – cfr. fls. 36 e ss. Destes autos – consta, a fls. 36, a seguinte informação: “Averbamento: nº 1 – O extracto da Publicação, foi publicado no Jornal “JORNAL  ....”, nº 4213, de 03 de Setembro de 2009 (…). Em Outubro de 2009”.

T) A presente ação deu entrada em Juízo no dia 11.10.2011.

A sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instãncia deu como provados os factos seguintes:

1. Os 4ºs Réus HH e II arrogam-se donos dos seguintes prédios rústicos [quesito 1]:

1. Artigo ….31 rústico, do limite da Castanheira da Serra, da freguesia de Fajão.; 2. Artigo ….37, também rústico, sito no mesmo local, limite da Castanheira da Serra, freguesia de Fajão

2. Todos os terrenos da cumeada que delimita o concelho .... do concelho ...., na linha delimitadora dos dois concelhos e freguesias, numa extensão que varia entre um mínimo de 200 metros e, em alguns locais, mais de 500 metros, tanto na encosta da serra, na direcção de ......, freguesia .... do concelho ...., como na encosta do concelho ...., freguesia …. e …, têm sido fruídos e geridos em comum pelas comunidades locais ...... da freguesia ...., concelho .... e  ….., ….., …. e ……, das freguesias  ….. e ….. do concelho de .... ou em representação das mesmas, como sucedeu quando estiveram, durante dezenas de anos, sob a Jurisdição da Direção Geral dos Recursos Florestais [quesitos 2 e 3].

3. Há mais de 50 e até 100 anos que, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, conscientes de exercerem um direito próprio e comunitário e não lesarem direitos de outrem, os povos das localidades acima referidas têm vindo a usar e fruir, em comum, os terrenos mencionados, seja de forma direta, seja através dos Serviços Florestais [quesito 4].

4. Aí, esses povos apascentaram o gado, aproveitaram a lenha, roçaram o mato, resinaram os pinhais, plantaram e cortaram árvores e autorizaram a exploração florestal pelos Serviços Florestais do Estado [quesito 5].

5. E sempre o fizeram à vista de toda a gente, sem violência e sem oposição de quem quer que seja, na plena convicção de que, ao possui-los e geri-los de forma comunitária, não lesavam direitos de outrem, mas de boa fé geriam coisa colectiva pertencente às comunidades locais [quesito 6].

6. No plano florestal de 1954/55, ocorreu o processo para submissão desses “baldios” ao regime florestal, tendo sido constituído o perímetro florestal da Pampilhosa da Serra, que está definido nesse plano, através de mapas a cores que definem, com total clareza, a verde e amarelo, todas as áreas baldias do concelho de ...., incluindo as do limite de ......, tudo conforme melhor consta dos documentos nºs 12 e 13 junto com a p.i. [quesito 7].

7. Outras intervenções foram feitas nos citados “baldios”, nomeadamente, a venda de lenhas, pinhal e torgas pelo Município e pela freguesia de Fajão, por diversas vezes, para a produção de carvão vegetal [quesito 8].

8. Durante a segunda metade do século XX, os “baldios” foram plantados no âmbito de um plano florestal levado a efeito pelas Juntas de Freguesia, incluindo a Junta da Autora, e pelos Serviços Florestais [quesito 9].

9. Durante a década de 70 do século XX, foi constituída uma Assembleia de Compartes na zona ...... [quesito 10].

10. Tal assembleia, cujos órgãos foram empossados, destinava-se a administrar e gerir os baldios de Castanheira da Serra, que estavam bem identificados nos mapas existentes nos Serviços Florestais .... e que abrangiam uma vasta área que estremava em toda a cumeada com o limite do concelho …, estendendo-se até às proximidades da povoação ...... [quesito 11].

11. Área essa que, ao longo de dezenas de anos, tinha vindo a ser administrada, florestada e intervencionada, pelos Serviços Florestais ... e pela Junta de Freguesia de Fajão [quesito 12].

12. Aquela Assembleia de Compartes funcionou durante um período relativamente curto, acabando os seus órgãos por não reunir, ficando praticamente desactivada [quesito 13].

13. Perante a sua passividade e total inactividade, a Junta de Freguesia de Fajão acabou por ter que se substituir à Assembleia de Compartes e passar a gerir, em conjunto com os Serviços Florestais, os terrenos baldios [quesito 14].

14. E foi nessa sequência que acabou por intervir, na década de noventa do século passado e já na primeira década do século actual, na negociação dos terrenos baldios e, designadamente, naqueles que os Réus disputam, para instalação de torres de medição dos ventos e, posteriormente, instalação de Parques Eólicos [quesito 15].

15. Nenhum dos Réus ou seus antecessores reclamaram a titularidade de tais terrenos nem ali praticaram qualquer acto de posse, seja ao nível da arborização, corte de árvores, resinagem ou a qualquer outro nível [quesito 16].

16. Inclusivamente, após a decisão de duas providências cautelares que denegaram o direito a que se arrogavam os dois primeiros Réus, foi reactivada a Assembleia de Compartes de Castanheira da Serra, para gerir e administrar a vasta área baldia da localidade, incluindo a cumeada onde estava instalado o Parque Eólico e a linha de transporte de energia eléctrica [quesito 17].

17. Os Autores das citadas providências cautelares para além de não terem intentado as correspondentes acções judiciais, para verem reconhecidos os direitos que indiciariamente lhes foram denegados, acabaram por integrar os corpos sociais da Assembleia de Compartes [quesito 18].

18. O Réu AA integrou o Conselho Directivo, como vogal, órgão esse que reclamou, perante a Junta de Freguesia de Fajão, o recebimento dos rendimentos de todos os aerogeradores instalados no baldio de ......, ou seja, em toda a cumeada que confina com o concelho de .... [quesito 19].

19. Por conta desses rendimentos, o Conselho Directivo, através do seu Presidente, recebeu, como adiantamento da Junta de Freguesia, uma verba de 3.500€ [quesito 20].

20. O Réu AA teve conhecimento deste facto e sabia que tal verba se destinava à reparação de uma piscina da aldeia, até porque era Vogal do Conselho Directivo e foi ele que, a título individual, fez as obras da piscina [quesito 21].

21. Após a demissão do Presidente do Conselho Directivo e de outros membros, foram eleitos novos corpos sociais, tendo o Réu AA assumido a Presidência do Conselho Directivo [quesito 22].

22. É nessa qualidade que escreve, em 30/08/2010, uma carta à Junta de Freguesia de Fajão, querendo voltar a pôr em causa a natureza comunitária ou baldia dos terrenos onde estavam instalados os aerogeradores [quesito 23].

23. O Réu AA, acompanhou, a par e passo, todo o processo conducente ao adiantamento da verba respeitante às rendas dos aerogeradores, sendo do seu conhecimento o teor do documento assinado aquando da entrega da dita verba [quesito 24].

24. O Réu AA, mais tarde, constitui uma Associação de Proprietários Florestais, assumindo a Presidência dessa Associação, tendo em vista gerir terrenos que sempre foram considerados baldios e como tal geridos e fruídos [quesito 25].

25. A referida Associação de Proprietários Florestais, destinava-se a esvaziar e a incorporar os terrenos comunitários [quesito 26].

26. A autora chegou a referir numa assembleia-geral, como consta da acta nº 3 de 20 de Setembro de 2009, da seguinte forma: “o senhor presidente da Junta, alertou os senhores deputados, nomeadamente os da aldeia ...... para uma escritura que o senhor AA fez por usucapião, colocando em risco as receitas da própria aldeia” [quesito 33].

27. O réu AA chegou a apresentar no IFADAP o Projecto de Florestação AIBT – Pinhal Interior nº …. [quesito 41].

28. Nos terrenos baldios em causa, para aproveitamento de energia eólica, foram instalados aerogeradores, AG1 a AG8 [quesito 53].

 Em contrapartida, o Tribunal de 1.ª instância, deu como não provados os factos seguintes:

1. No local denominado …, …

27. Os prédios dos réus atingem o viso, ou seja, a cumeada que delimita o concelho .... do concelho ….

28. O terreno do Vale  …. inscrito na matriz sob o artigo …02.º sempre foi pertença dos avós do 2.º R marido e foi transmitido para os seus descendentes sem que nenhum desses descendentes tivesse alienado qualquer parcela.

29. Relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo …...00º os 2.º RR. adquiriram-no [para o caso de se entender que tem algum conteúdo fáctico] …

30. Os prédios rústicos do 2º RR. confrontam a Norte, Sul e Poente com os visos das serras – sendo o viso da serra a Poente coincidente com o limite que separa os concelhos …. e .......

31. Tais prédios estiveram na posse pública, pacífica e de boa-fé, pelos anteriores proprietários e pelos antecessores dos 2º RR.

32. A autora pôde conhecer as publicações das justificações e não as impugnou, uma em 2001, outra em 2009.

34. Os vendedores e antepossuidores dos 1ºs, 3º e 4ºs réus exerceram sobre os prédios a posse ao longo de dezenas de anos, posse que lhes deu a propriedade, que todos reconheceram, aceitaram e nunca ninguém impugnou.

35. O réu AA adquiriu do LLL e mulher e de JJJ e mulher MMM, que os adquiriram por sucessão hereditária dos seus antepassados, os quais sobre eles exerceram posse pacífica, publica, ininterrupta, colhendo os matos, pastoreando, explorando as torgas, colhendo a pouca lenha existente.

36. Os prédios dos réus HH e II, como os dos réus DD e EE, vieram à sua posse por sucessão hereditária e, tanto eles, directamente, como os seus antepassados, exerceram sobre eles a posse, colhendo os matos e explorando torgas para carvão vegetal, bem como o pastoreio, seu e dos vizinhos, em entreajudas mútuas, como é de uso naquelas serranias pobres.

37. Também, nos locais onde havia uma ou outra árvore, sobreiras ou pinheiros, colhiam a cortiça, a lenha ou a caruma.

38. Por se tratar de terrenos rochosos e maninhos, os frutos obtidos condiziam naturalmente com as características das propriedades: pastoreio das cabras, abastecimento de mato para as camas dos animais, escassas e esparsas árvores.

39. Agiram, no entanto, sempre como verdadeiros proprietários, que todos respeitavam como tal, pública e ininterruptamente ao longo de décadas.

40. Em 1965 os actuais e referidos réus sucederam e acederam na posse.

 41 … no exercício desse poderes,

42. Os prédios …. e o …. chegaram aos réus BB e mulher, por aquisição verbal, após heranças várias dos seus antepossuidores, que sobre eles exerceram posse efectiva durante décadas.

43. Os réus BB e mulher herdaram de OOO, sucedendo na sua posse.

44. A OOO contratava sempre a exploração das torgas para carvão vegetal a uma pessoa de nome PPP.

45. Quanto aos réus HH e II, existe um inventário que confirma já a existência dos prédios melhor identificados em 1. desta base instrutória em nome dos antecessores dos actuais proprietários.

46. Todos os prédios objecto da presente acção estavam já inscritos na matriz à data das escrituras de justificação e da efectivação dos registos prediais.

47. No concelho da .... nos anos de 1987 a 1990, os serviços fiscais, eles próprios, inscreveram os prédios, descrevendo-os e estabelecendo os limites e confrontações.

48. Os 4ºs réus jamais se arrogaram às propriedades inscritas na matriz sob os nºs …58.,  ….49 e ….59, pois sabem que são da propriedade dos réus DD e EE, que os herdaram dos seus antepassados.

49. Tais prédios eram propriedade do antepassado QQQ (pai da EE) e já dos antepassados do QQQ, que os possuíram desde há mais de 20, 30 e mais anos.

50. Os ditos réus sucederam-lhe na posse, quer directamente do pai quer pela via do irmão RRR que faleceu sem descendentes e por isso a EE herdou, na qualidade de irmã do RRR.

51. A autora não teve conhecimento das escrituras em causa, através das publicações legais que foram feitas em jornal ou jornais de pouca ou nenhuma expansão na localidade, freguesia e concelho da situação do prédio.

52. No decurso dos meses de Novembro e Dezembro de 2010, através do seu mandatário, a A. obteve o exacto alcance dos praticados pelo R. AA, escrituras de justificação, de posse, inscrição na matriz e registo, na Conservatória, do imóvel a seu favor.


 24. Esclareceu que “não se respondeu ao mais vertido no quesito 2º [estão inseridos e fazem parte dos terrenos baldios], por conter matéria conclusiva e de direito e não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, não se referindo a demais matéria vertida pelas partes nos respetivos articulados por ser conclusiva, de direito ou sem relevo para a decisão da causa”.


  O DIREITO

  25. A primeira questão suscitada pela Recorrente consiste em determinar se transitou em julgado alguma decisão interlocutória contida no sentido da improcedência da excepção de ilegitimidade — como se alega na conclusão 26 das alegações de recurso de revista.

26. A resposta é, em definitivo, negativa. — como se diz, p. ex., no acórdão do STJ de 10 de Dezembro de 2020, proferido no processo n.º 5437/16.0T8MAI-A.G1.S1,

I. — A decisão interlocutória que julga improcedente a excepção de ilegitimidade não pode ser objecto de recurso de apelação autónomo.

II. — Quando o teor das alegações de recurso de apelação revela a impugnação de decisão interlocutória que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade, não chega a formar-se caso julgado sobre a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.  

 27. A segunda questão suscitada pela Recorrente consiste em determinar se a legitimidade da Freguesia de Fajão para propor as acções previstas no art. 4.º da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, é uma legitimidade primária, concorrente com a dos órgãos do baldio, ou é tão-só uma legitimidade secundária ou subsidiária.

 28. O art. 4.º da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, na sua redacção inicial, em vigor à data da propositura da acção (2011), é do seguinte teor:

1. — Os actos ou negócios jurídicos de apropriação ou apossamento, tendo por objecto terrenos baldios, bem como da sua posterior transmissão, são nulos, nos termos gerais de direito, excepto nos casos expressamente previstos na presente lei.

2. — A declaração de nulidade pode ser requerida pelo Ministério Público, por representante da administração central, da administração regional ou local da área do baldio, pelos órgãos de gestão deste ou por qualquer comparte.

3. — As entidades referidas no número anterior têm também legitimidade para requerer a restituição da posse do baldio, no todo ou em parte, a favor da respectiva comunidade ou da entidade que legitimamente o explore.

  29. O regime do art. 4.º da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, deve articular-se com o regime do art. 34.º, n.º 6, alínea m), da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na redacção da Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, em vigor à data da propositura da presente acção:

Compete ainda à junta de freguesia… proceder à administração ou à utilização de baldios sempre que não existam assembleias de compartes, nos termos da lei dos baldios”.

30. O art. 4.º da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, e o art. 34.º, n.º 6, alínea m), da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, distinguem duas questões:

I. — a legitimidade para pedir a declaração de nulidade dos actos previstos no n.º 1 do art. 4.º da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro;

 II. — a legitimidade para praticar os actos de administração de baldios.

 31. Enquanto a legitimidade da Junta de Freguesia para pedir a declaração de nulidade dos actos previstos no n.º 1 do art. 4.º da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, era uma legitimidade primária, concorrente com a legitimidade dos órgãos de gestão do baldio, a legitimidade da Junta de Freguesia para praticar actos de administração do baldio era uma legitimidade secundária ou subsidiária — a Junta de Freguesia só tinha e só tem legitimidade para praticar actos de administração desde que não haja assembleia de compartes.

 32. Em geral, devia distinguir-se a legitimidade primária dos órgãos dos baldios e a legitimidade secundária ou subsidiária dos órgãos da administração local da área do baldio.

  A legitimidade para propor as acções relativas a baldios era, em primeira linha, uma legitimidade dos órgãos do baldio e em segunda linha, só em segunda linha, dos órgãos da administração local da área do baldio — p. ex., dos órgãos da freguesia[1].            

 33. O problema estava em que o regime geral da legitimidade para propor as acções relativas aos baldios era derrogado pelo regime especial do art. 4.º da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, ou seja, pelo regime especial da legitimidade para propor algumas acções — acções de declaração de nulidade — de alguns actos ou negócios jurídicos — “dos actos ou negócios jurídicos de apropriação ou apossamento, tendo por objecto terrenos baldios”.

 34. Estando em causa actos de apropriação, tendo por objecto terrenos baldios, a derrogação do regime geral explicava-se pela circunstância de os actos previstos no art. 4.º, n.º 1, implicarem “um desvio do fim a que os baldios se destinam, qual seja a sua colocação ao serviço das comunidades respectivas” [2].

 35. O sumário do acórdão do STJ de 24 de Outubro de 2019 — processo n.º 850/13.8T8LSA.C1.S2 — di-lo de forma elucidativa:

I – Na história dos baldios ecoa… a colisão entre duas formas de exploração da terra: pelo lado dos baldios, a tradicional utilização e fruição comunal da terra, …, inconciliável, por isso, com a ideia de domínio/propriedade, isto é, com um pretenso animus de exercício correspondente ao direito de propriedade; por outro lado, a exploração da terra através da sua racionamen por um qualquer sujeito de direito (privado ou público), acomodada ao modelo do direito civil geral, na linha do sistema geral dos direitos reais de tradição romanista, que veio a tornar-se predominante, mas cuja lógica os baldios desafiam abertamente. […]

III. — O direito de baldio é um direito real que, embora esteja previsto em legislação avulsa (não no CC), não deixa de respeitar, como os demais direitos com essa natureza, o princípio da tipicidade e que tem um regime jurídico muito especifico, particularmente quanto ao respectivo conteúdo: (i) não abarca o gozo, de modo pleno e exclusivo, do direito de disposição do bem (área de terreno) sobre que incide, nem em vida nem por morte; (ii) caracteriza-se por proporcionar a cada elemento de um conjunto de pessoas (uma “comunidade local”), de acordo com as deliberações das assembleias de compartes e os usos e costumes (arts. 1.º e 5.º da Lei 68/93 ao caso aplicável), a posse correspondente (apenas) às faculdades de uso e fruição das utilidades propiciadas pelo baldio; (iii) o baldio, estando ‘fora do comércio jurídico’, é insusceptível de apropriação privada, quer pelos compartes individualmente considerados, quer pela estrutura da sua administração”.

 36. Em consequência da derrogação do regime geral, devia admitir-se que, de acordo com o art. 4.º da Lei n.º 68/93, a Junta de Freguesia tinha legitimidade para propor a acção de declaração de nulidade dos actos de apropriação praticados pelos Réus.

 37. O resultado só pode ser reforçado pela comparação entre o regime do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 40/76, de 19 de Janeiro, e do art. 4.º da Lei n.º 68/93.

O art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 40/76, de 19 de Janeiro, dizia que “têm legitimidade para o pedido de anulação dos actos de apropriação as assembleias de compartes previstas no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 39/76, de 19 de Janeiro, ou, na sua falta, a junta ou juntas de freguesia da área da situação do prédio apropriado”  — e o art. 4.º da Lei n.º 68/93, na sua redacção inicial ou originária, ao dizer que “a declaração de nulidade pode ser requerida pelo Ministério Público, por representante da administração central, da administração regional ou local da área do baldio, pelos órgãos de gestão deste ou por qualquer comparte”, ao eliminar a expressão na sua falta, só pode ter tido o sentido de convolar a legitimidade secundária ou subsidiária dos órgãos da administração local em legitimidade primária [3].

 38. O acórdão recorrido fundamenta-se no art. 4.º da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, na redacção da Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro:

1. — Os atos ou negócios jurídicos de apropriação ou apossamento, tendo por objeto terrenos baldios, bem como da sua posterior transmissão, são nulos, nos termos gerais de direito, exceto nos casos expressamente previstos na presente lei.

2. — A declaração de nulidade pode ser requerida:

a) Pelos órgãos do baldio ou por qualquer dos compartes;

b) Pelo Ministério Público;

c) Pela entidade na qual os compartes tenham delegado poderes de administração do baldio nos termos dos artigos 22.º e 23.º;

d) Pelos arrendatários e cessionários do baldio, nos termos do artigo 10.º

3. — As entidades referidas no número anterior têm também legitimidade para requerer a restituição da posse do baldio, no todo ou em parte, a favor da respetiva comunidade ou da entidade que legitimamente o explore.

39. Entre o art. 4.º da Lei n.º 68/93, na sua redacção inicial ou originária, e o art. 4.º da Lei nº 72/2014, de 2 de Setembro, há uma diferença sensível — a redacção inicial ou originária do art. 4.º, n.º 2, referia-se expressamente à legitimidade dos representantes da administração central, da administração regional ou local da área do baldio[4]; a redacção superveniente, resultante da Lei nº 72/2014, de 2 de Setembro, não se lhes refere.

 40. Entendendo-se — como deverá entender-se, de acordo com os princípios gerais (art. 12.º do Código Civil) — que é de aplicar à legitimidade a lei em vigor à data da propositura da acção, a Junta de Freguesia tem legitimidade para propor as acções previstas no art. 4.º, n.º 1, como representante da administração local da área do baldio. 

 41. A resposta à terceira questão fica, por consequência, prejudicada.


 III. — DECISÃO

  Face ao exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se o acórdão recorrido, determinando-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para que se pronuncie sobre as questões que deu como prejudicadas.

    Custas a final.


Lisboa, 8 de Abril de 2021


Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

 Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos Exmos. Senhores Conselheiros José Maria Ferreira Lopes e Manuel Pires Capelo.

________

[1] Como se diz, p. ex., no acórdão do STJ de 8 de Fevereiro de 2000 — processo n.º 99A1009 —, “[I. —] A legitimidade para intentar acções em defesa de quaisquer interesses relativos a baldios pertence ao Conselho Directivo dos Compartes, independentemente da audição prévia da Assembleia de Compartes. [II. —] Se inexistir o Conselho Directivo essa legitimidade pertence à Junta de Freguesia respectiva”.

[2] Expressão do acórdão do STJ de 14 de Dezembro de 1994 — processo n.º 085829.

[3] Em termos em tudo semelhantes, vide o acórdão do STJ de 11 de Abril de 2000 — processo n.º 99A129 —: “A autora, junta de freguesia, quer na qualidade de administradora transitória de certo baldio, quer por ser uma Junta de Freguesia da área desse baldio, tinha legitimidade para requerer em juízo a restituição da posse da parte do baldio ocupado pelo réu, o que, claramente resulta do disposto nos artigos 4.º, n.º 2 e n.º 3, e do artigo 32.º, n.º 1 da Lei 68/93, de 4 de Setembro”.

[4] Em termos em tudo semelhantes, vide o acórdão do STJ de 11 de Abril de 2000 — processo n.º 99A129.