Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
299709/11.0YIPRT.L1S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: DECLARAÇÃO TÁCITA
COMPORTAMENTO CONCLUDENTE
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DA RELAÇÃO
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
DEPOIMENTO DE PARTE
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXRCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTRUÇÃO DO PROCESSO - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 326, 348, 350.
- Antunes Varela, RLJ 122-213 e segs.
- Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3ª ed., 226, 328.
- Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 60, 61.
- I. Galvão Teles, Manual dos Contratos em Geral, 4ª ed., 128 e ss..
- Lebre de Freitas, Código de processo Civil Anotado, Vol. 3º, Tomo I, 2ª ed., 185.
- Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2ª ed., 622.
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, 286.
– P. Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, 631, 639.
- Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4ª ed., 210.
- Vaz Serra, RLJ 108-352.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 217.º, N.º1, 218.º, 349.º, 352.º, 356.º, 361.º, 366.º, 396.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 7.º, N.º2, 411.º, 452.º, 454.º, 662.º, N.º4, 674.º, N.º3, 682.º, N.ºS 2, 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 19.10.1994, BMJ 440-381.
-DE 09.03.1995, BMJ 445-423.
-DE 05.11.1997, BMJ 471-361.
-DE 08.07.2003, CJ STJ XI, 2, 151; DE 09.12.2004, CJ STJ XII, 3, 144; DE 09.09.2008, CJ XVI, 3, 23; DE 14.06.2011, CJ STJ XIX, 2, 104 E DE 22.05.2012, CJ XX, 2, 90.
-DE 20.01.2004, DE 02.11.2004, DE 16.03.2011 E DE 10.05.2012, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 12.02.2009, CJ STJ XVII, 1, 90 E DE 30.09.2010, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 24.05.2011, DE 06.07.2011, DE 21.03.2012 E DE 28.06.2012, EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
1. Na definição legal, a declaração tácita é a que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam – art. 217º nº 1 do CC.

2. Os factos de que a vontade se deduz são os factos concludentes ou significativos, no sentido de se poder afirmar que, segundo os usos da vida, há toda a probabilidade de que o sujeito tenha querido, realmente, o negócio jurídico cuja realização deles se infere.

3. Na declaração tácita, entre os factos concludentes e a declaração há um nexo de presunção, juridicamente lógico-dedutivo. A declaração não é formada pelos factos concludentes, deduz-se deles.

4. Esta presunção, na declaração tácita propriamente dita, é judicial, sendo-lhe aplicável todo o respectivo regime legal: cabe ao juiz apurar se, de certo comportamento, se pode deduzir, de modo indirecto, mas com toda a probabilidade, certa vontade negocial.

5. As presunções judiciais não são propriamente meios de prova, mas ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 349º do CC).

6. Constitui jurisprudência corrente que é lícito aos tribunais de instância tirarem conclusões ou ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, e fazer a sua interpretação e esclarecimento, desde que, sem a alterarem, antes nela se apoiando, se limitem a desenvolvê-la.

7. Ao STJ está, porém, vedado o uso de presunções judiciais para dar como assentes factos deduzidos de outros factos julgados provados – cfr. art. 674º nº 3 do CPC.

8. Por outro lado, o Supremo só pode sindicar o uso de presunções judiciais pela Relação para averiguar se ela ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados.

9. A questão de saber se houve ou não erro por parte da Relação ao não usar de uma presunção judicial é insindicável pelo Supremo, que não pode fazer mais do que suprimir o facto presumido (nos termos referidos).

10. Mesmo não sendo confessório, o tribunal pode valorar livremente o depoimento de parte, desde que o faça cotejando-o com a demais prova produzida.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

AA, SA, requereu injunção contra BB.

Como fundamento, alegou que celebrou com a requerida um contrato de prestação de serviços de engenharia e de projecto, relativos à elaboração dos projectos de arquitectura e de engenharia referentes à construção de um Aparthotel em ..., Angola, a pedido da requerida.

O estudo prévio de arquitectura foi entregue directamente à requerida e as facturas foram emitidas de acordo com a proposta apresentada, atingindo o seu valor o montante global de € 17.975,00, que não foi pago pela requerida.

Encontrava-se prevista uma penalidade, no caso de suspensão ou interrupção dos trabalhos, a qual atinge o valor de € 29.259,00.

Concluiu, assim, que a ré é devedora daquelas quantias, acrescidas dos juros de mora vencidos, o que perfaz o total de € 55.431,20, e dos vincendos, até integral pagamento.

A requerida deduziu oposição, alegando que nunca celebrou quaisquer contratos de fornecimento de bens ou serviços com a requerente, nunca lhos solicitou, nem nunca aceitou que a requerente os desenvolvesse, pelo que lhe devolveu as facturas.

Ainda que assim não fosse, os débitos decorrentes do alegado contrato de adjudicação já haviam prescrito.

Concluiu que nada deve à requerente e que, de todo o modo, deve ser declarada a prescrição do suposto crédito invocado.

A acção prosseguiu sob a forma de processo comum ordinário, tendo a autora replicado, concluindo pela improcedência da excepção.

No despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção de prescrição invocada pela ré.

A final foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a ré a pagar à autora a quantia de € 17.975,00, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal comercial, desde a data de vencimento das facturas até integral e efectivo pagamento.

Discordando desta decisão, dela interpuseram recurso a autora e a ré, tendo a Relação negado provimento ao recurso interposto pela autora e julgado parcialmente procedente o recurso interposto pela ré, nestes termos: altera-se a decisão de facto, no que respeita ao ponto 3° da base instrutória, que ora se considera «Não provado», e revoga-se a sentença apelada, julgando-se a acção parcialmente procedente e condenando-se a ré a pagar à autora a retribuição devida pela elaboração do estudo prévio a que alude o presente acórdão, a liquidar em incidente subsequente, para efeitos de execução de sentença.

Ainda inconformada, a autora pede revista, tendo apresentado as seguintes conclusões:

I. (…)

II. Independentemente da reapreciação da matéria de facto, feita no Douto Acórdão recorrido, essa mesma decisão erra, quanto considera que a matéria de facto provada levaria a concluir pela inexistência de aceitação da proposta apresentada pela autora à ré.

III. A Douta Decisão recorrida erra, ao considerar que seria relevante o facto de não ter resultado provado que a ré tivesse, alguma vez, dito que aceitava aquela proposta, ou que não exista um documento da mesma a afirmar essa aceitação.

IV. O Douto Acórdão recorrido ignorou, no que toca à matéria de facto, todo o circunstancialismo inerente à celebração do contrato e a situação de confiança que a ré criou na autora, desde o momento em que encomendou os serviços e que recebeu a proposta da autora, de 25/06/2007, continuando, mesmo depois dessa data, a solicitar trabalho à autora, referente ao objecto dessa mesma proposta. E fê-lo em manifesta contradição com o facto de a ré ter tentado sustentar, ao contrário do que ficou provado, que nem sequer teria solicitado quaisquer serviços à autora.

V. A aceitação de uma proposta, como qualquer declaração negocial, pode ser inferida simplesmente a partir de um determinado comportamento concludente, que objectiva essa mesma declaração, o que nem sequer exige que o autor desse comportamento tenha conhecimento ou consciência desse significado implícito, bastando que, objectivamente, tal resulte claro para o declaratário ou para qualquer terceiro que é confrontado com esse comportamento.

VI. Uma declaração tácita pode estar contida ou ser integrada por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer actos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa, ou seja, essa declaração pode estar inerente a um comportamento donde se infira com probabilidade e segurança a vontade negocial, conforme resulta dos art.ºs 217.º/1 e 224.º/1 CC, daí resultando, se for o caso, a celebração de um contrato (art.ºs 405.º/1 e 406.º/1 CC).

VII. No caso sub judice, estavam preenchidos todos os pressupostos (sujeitos, declarações negociais, conteúdo e condições de validade) para a existência de um contrato, com base na proposta da autora.

VIII. Da matéria dada como provada resulta que a ré recebeu a proposta de 25/06/2007, que lhe foi entregue pela autora, continuando esta a prestar trabalho referente ao que era o objecto dessa proposta, como ficou evidenciado quanto aos factos apurados e provados relativamente à reunião de 05/05/2008, citada na Decisão recorrida, muito posterior à entrega daquela proposta.

IX. No mesmo sentido aponta a prova documental, reconhecida e citada no Douto Acórdão recorrido, onde é referida a emissão de facturação, por parte da autora, quanto ao estudo prévio de arquitectura "conforme da proposta que fizemos".

X. Quaisquer condicionamentos que a ré entendesse existirem quanto à sua vontade de continuar, ou não, com o projecto, ou as alterações que aquela pretendesse em relação ao mesmo projecto, não contenderiam com a vigência da proposta, enquanto base contratual, na medida em que a mesma não obrigava a autora a pagar a totalidade do seu preço (como o demonstra o pedido da autora em relação ao pagamento da penalidade contratual, por desistência), nem era estanque a alterações do projecto.

XI. É contraditória a conclusão que o Douto Acórdão extrai, no sentido de que a ré solicitou a prestação de serviços à autora, recebeu esses mesmos serviços, que não pagou, algo que não se questiona, com o facto de que a proposta não estaria aceite, uma vez que as partes no contrato conviveram com essa proposta, desde a apresentação até, pelo menos, Maio de 2008, momento em que é anunciada a emissão de facturação em relação ao trabalho previsto nessa mesma proposta, sendo, assim, bastante mais credível que a proposta estivesse aceite do que pensar que as partes estariam a trabalhar na completa incerteza de valores devidos pelo trabalho em causa.

XII. Não foi apurada, nem constituía matéria de facto especificamente constante da base instrutória, a vontade real das partes, e em que sentido a mesma foi interpretada.

XIII. Na falta de apuramento da vontade real - que nem seria permitida em sede de recurso, por constituir questão nova - a interpretação das declarações negociais, segundo critérios normativos, constitui matéria de direito, sujeita a conhecimento em sede de recurso de revista.

XIV. Em matéria de interpretação das declarações negociais, a lei manda atender, em nome dos princípios da protecção da confiança e da segurança, em primeira linha, à posição do declaratário (art.º 236.º CC), o que, no caso sub judice, sai reforçado pelo facto de a autora ter apresentado uma proposta e ter trabalhado com base na mesma, tanto mais que referiu expressamente que a necessidade de proceder à facturação, com base nos elementos que dali resultavam.

XV. Pelo que, em suma, o Douto Acórdão recorrido julgou erradamente, com violação, nomeadamente, dos artigos 217.º/1, 224.º/1, 236.º/1, 237.º, 405.º e 406.º do CC.

XVI. O Douto Acórdão recorrido incorreu, também, em violação do art.º 349.º do CC, tendo em conta as ilações que retirou dos factos dados como provados, para concluir pela suposta inexistência de aceitação da proposta.

XVII. O Douto Acórdão recorrido incorreu igualmente em violação dos artigos 352.º CC, 552.º e 554.º/1 CPC (actuais 452.º e 454.º NCPC), ao relevar, em abono da tese sustentada pela apelada / ré, o seu próprio depoimento de parte, o qual apenas poderia interessar, quando muito, em sede de confissão de factos (logo, realidades desfavoráveis à ré).

XVIII. Com a procedência do presente recurso de revista, deve ser revogada a decisão de negação de provimento do recurso de apelação da aqui recorrente, do qual o Tribunal da Relação de Lisboa não chegou a tomar conhecimento, nos termos, nomeadamente, do art.º 660.º/2 CPC, sendo ordenada a baixa dos presentes autos, ao Tribunal recorrido, para conhecer desse mesmo recurso.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado integralmente procedente, e em consequência, ser revogado o Douto Acórdão recorrido, com todas as legais consequências, nomeadamente:

i) Sendo mantida a decisão da primeira instância, no que respeita ao julgamento da matéria de facto, com a consequente improcedência total do recurso da ré / apelante;

ii) Sendo conhecido, apreciado e julgado procedente o recurso de apelação da autora / apelante.

A ré contra-alegou, sustentando que o presente recurso de revista é inadmissível, uma vez que não se pretende mais do que suscitar uma questão de reapreciação da prova, no caso não vinculada, e a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, o que está vedado ao Supremo.

Conclui que, mesmo que assim se não entenda, o recurso deve improceder.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

- Erro na aplicação e interpretação da lei substantiva, cometido pela Relação, ao alterar a decisão sobre a matéria de facto, no sentido em que o fez;

- Erro na valoração dos meios de prova;

- Em consequência, procedência da apelação.

III.

Vem provada a seguinte matéria de facto:

1. A Autora elaborou uma proposta, com data de 25 de Junho de 2007, referente à elaboração de projectos de arquitectura e de engenharia referentes à construção de uma aparthotel em .... (D)

2. Eliminado (A proposta referida em (1) foi aceite pela Ré, em nome próprio (3) – facto julgado não provado pela Relação).

3. A pedido da Ré, a Autora elaborou o estudo prévio de arquitectura referente à construção de um aparthotel em .... (1)

4. De acordo com a proposta referida em (1), o preço global dos serviços a prestar pela Autora era de € 107.350,00, acrescido de IV A. (4)

5. Do preço supra referido, 30% correspondia à fase do «estudo prévio», 40% à fase do «projecto de licenciamento», 20% correspondia à fase de «projecto de execução» e 10% à fase de «assistência técnica». (5)

6. O estudo prévio de arquitectura foi entregue directamente à Ré. (6)

7. Nos termos da proposta supra referida, a interrupção do trabalho por período superior a um ano ou a suspensão do mesmo confere à Autora o direito de receber as quantias relativas à totalidade da fase em que o trabalho se encontre, acrescido de 35% do valor da fase subsequente. (7)

8. Em 17.09.2009, a Autora emitiu as facturas nº …/2009, no valor de € 8.450,00, nº …/2009, no valor de € 4.225,00, nº …/2009, no valor de € 3.510,00 e nº …/2009, no valor de € 1.790,00. (A)

9. A Autora enviou à Ré as supra mencionadas facturas. (B)

10. A Ré devolveu à Autora as supra referidas facturas, acompanhadas do documento n.° 1 anexo à Oposição e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (C)

IV.

1. No presente recurso a Recorrente visa essencialmente a decisão sobre a matéria de facto, concretamente a alteração nela introduzida pela Relação, ao considerar não provado o facto do quesito 3º (A proposta referida em 1. foi aceite pela Ré, em nome próprio).

No fundo, como depois explicita, sustenta que toda a prova produzida, podendo não revelar uma declaração expressa da ré, leva a concluir pela existência de uma aceitação tácita da proposta apresentada pela autora.

Importa começar por precisar os termos e limites em que o Supremo Tribunal de Justiça intervém neste domínio, da decisão sobre a matéria de facto.

Por regra, este Tribunal apenas conhece de matéria de direito, não podendo alterar a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto.

Com efeito, nos termos do art. 682º do CPC:

1. Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

2. A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 3 do art. 674º.

Ou seja, como se estatui neste preceito legal: o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não podem ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Nestas situações excepcionais, o Supremo actua em regime de substituição, anulando o facto que indevidamente tenha sido julgado provado ou considerando o facto com base no meio de prova que não tenha sido atendido[2].

Pode ainda o Supremo cassar a decisão recorrida e reenviar o processo ao tribunal recorrido quando entender que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito – art. 682º nº 3 do CPC.

Os poderes assim conferidos ao Supremo estão "funcionalmente orientados para um correcto enquadramento jurídico do pleito: o STJ conhece das insuficiências, inconcludências ou contradições da decisão proferida sobre a matéria de facto se e enquanto tais vícios afectarem ou impossibilitarem a correcta decisão jurídica do pleito"[3].

Por outro lado, para além destes apontados desvios à regra inicialmente referida – de a competência do Supremo se circunscrever à aplicação do direito aos factos fixados nas instâncias – vem sendo entendido, de forma pacífica, que, apesar da irrecorribilidade prevista no nº 4 do art. 662º do CPC, a interpretação deste normativo, reserva ao Supremo "uma margem de intervenção para situações em que o resultado final ao nível da decisão da matéria de facto foi prejudicada por errada aplicação da lei de processo", podendo ser exercida censura sobre o uso que a Relação fez dos seus poderes de modificação da matéria de facto, verificando se, ao usar tais poderes, agiu ela dentro dos limites traçados por lei para os exercer[4].

Perante o regime assim sumariamente descrito, seria, em princípio, de reconhecer razão à Recorrida na objecção que suscita sobre a admissibilidade do recurso nesta parte.

Na verdade, nos termos do citado art. 682º nº 2, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não podem ser objecto do recurso de revista, sendo evidente que a questão invocada não se enquadra em qualquer das situações excepcionais previstas na segunda parte daquele normativo.

Está em causa, com efeito, a prova resultante de documentos particulares, emitidos por terceiro e não por qualquer das partes – e-mails enviados por testemunhas e apontamentos escritos por uma das testemunhas – e a prova testemunhal, sendo estes elementos de prova de livre apreciação, não vinculada (arts. 366º e 396º do CC).

Por outro lado, esses elementos de prova foram cuidadosa e longamente analisados e escalpelizados no acórdão recorrido, sem que se detecte o menor fundamento para censurar o uso que a Relação fez dos poderes de modificação da decisão de facto, no âmbito do disposto no art. 662º do CPC.

Também por aqui a revista não seria admissível (nº 4 do art. 662º).

A Recorrente perspectiva, porém, a questão de modo diferente, afirmando que há erro na aplicação e interpretação da lei substantiva.

Sustenta que toda a prova produzida é de molde a concluir, face à conduta da ré e às circunstâncias do caso, pela existência de uma aceitação tácita da proposta.

Todavia, os elementos de prova invocados no recurso são os documentos analisados no acórdão recorrido, atribuindo-lhes a Recorrente valor probatório diferente daquele que ali foi reconhecido, estando-se, portanto, ainda no domínio da apreciação da prova, que é, como se referiu, de livre apreciação.

Cumpre notar que, na definição legal, a declaração tácita é a que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam – art. 217º nº 1 do CC.

Para haver declaração tácita "basta que o declarante haja praticado factos dos quais se possa deduzir, com segurança, a vontade provável de ele emitir certa declaração"[5].

Os factos de que a vontade se deduz são os factos concludentes ou significativos, "no sentido de se poder afirmar que, segundo os usos da vida, há toda a probabilidade de que o sujeito tenha querido, realmente, o negócio jurídico cuja realização deles se infere"[6].

"Na declaração tácita, entre os factos concludentes e a declaração há um nexo de presunção, juridicamente lógico-dedutivo. A declaração não é formada pelos factos concludentes, deduz-se deles"[7].

Esta presunção, na declaração tácita propriamente dita (excluindo a declaração presumida e a declaração ficta), é judicial, sendo-lhe aplicável todo o respectivo regime legal[8]: "cabe ao juiz apurar se, de certo comportamento, se pode deduzir, de modo indirecto, mas com toda a probabilidade, certa vontade negocial"[9].


As presunções judiciais não são propriamente meios de prova, mas ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 349º do CC).

"Pressupõem a existência de um facto conhecido (base da presunção), cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita pelo meios probatórios gerais; provado esse facto, intervém (…) o julgador a concluir dele a existência de outro facto (presumido), servindo-se, para esse fim, de regras deduzidas da experiência da vida"[10].

Pois bem, a respeito desta questão, constitui jurisprudência corrente que "é lícito aos tribunais de instância tirarem conclusões ou ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, e fazer a sua interpretação e esclarecimento, desde que, sem a alterarem, antes nela se apoiando, se limitem a desenvolvê-la"[11].

Ao STJ está, porém, vedado o uso de presunções judiciais para dar como assentes factos deduzidos de outros factos julgados provados – cfr. art. 674º nº 3 do CPC[12].

Por outro lado, como tem sido entendido, o Supremo só pode sindicar o uso de presunções judiciais pela Relação para averiguar se ela ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados[13].

Refere-se no citado Acórdão de 08.07.2003 que, "ao firmar (ou recusar firmá-lo) um facto desconhecido por meio de ilações daquele tipo, o tribunal não faz senão julgamento da matéria de facto". Daí que a questão de saber se houve ou não erro por parte da Relação ao não usar de uma presunção judicial seja insindicável pelo Supremo.

"Nesta área, o mais que o Supremo está autorizado a fazer é suprimir o facto presumido". Mas isto, como se referiu, "só no caso de haver sido violada pela 2ª instância qualquer norma legal disciplinadora do instituto"[14].

De modo aparentemente diferente, afirma-se no Acórdão deste Tribunal de 05.11.1997[15], com aplauso da doutrina[16], que "é questão de direito afirmar a existência de uma declaração tácita, uma vez que «ela se deduz de factos que com toda a probabilidade a revelam», sendo um tal juízo de probabilidade e a correspondente dedução questões de direito".

No caso aí apreciado, apesar do non liquet da decisão de facto sobre se teria havido acordo quanto à alteração da retribuição devida ao autor (num contrato de agência), as instâncias entenderam, face ao circunstancialismo provado, que este teria aceitado tacitamente a nova retribuição.
O Supremo, porém, apesar de reconhecer que formalmente poderia ser seguido esse caminho, entendeu que esse juízo – para mais "em matéria gravemente danosa para o pretenso declarante" – não assentava em factos concludentes, isto é, significantes, positivos e inequívocos. Recusou, por isso, a existência da declaração tácita de aceitação pelo autor.

Como parece evidente, esta decisão insere-se ainda no âmbito de intervenção do STJ que acima se admitiu – constituindo nessa medida questão de direito da competência deste Tribunal – de sindicar se o juízo dedutivo e presuntivo (sobre a concludência dos factos considerados) "ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados".

No fundo, o Supremo limitou-se a afastar ou suprimir o facto presumido pelas instâncias, por os factos em que assenta não serem suficientemente significativos, isto é, concludentes, como se determina no art. 217º nº 1 do CC.

Como afirma Menezes Cordeiro, "só será legítimo descobrir declarações negociais, ainda que tácitas, quando haja verdadeira vontade, dirigida aos efeitos e minimamente exteriorizada, ainda que de modo indirecto"[17].

Esta exteriorização, indirecta, deve concretizar-se em factos – os factos concludentes.

Ora, no caso, não se consideraram provados quaisquer factos que permitam inferir, com toda a probabilidade, que a ré aceitou a proposta da autora; este raciocínio dedutivo deveria assentar em factos provados, inequivocamente significativos, que permitissem concluir, com toda a probabilidade, pela verificação daquele facto invocado pela Recorrente; não em simples elementos de prova, sujeitos a livre apreciação, e que foram, aliás, proficientemente analisados na decisão recorrida, permitindo a conclusão de que não existe nos autos qualquer documento onde se refira que a ré aceitou a proposta, nem se provou qualquer palavra ou atitude da ré nesse sentido.

Concluir de modo diferente, face a essa constatação, seria atribuir valor ao silêncio[18], como se chegou a alvitrar na decisão recorrida, contra o que dispõe o art. 218º do CC sobre o seu valor declarativo (o silêncio vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção).

O sentido desta norma é o de que não se considera o silêncio como declaração negocial: ele vale como declaração por um dos três meios (taxativos) aí previstos: "não havendo lei, uso ou convenção que atribua ao silêncio valor declarativo, ele não valerá como tal, sem necessidade de sabermos se a pessoa devia ou não falar"[19].

Conclui-se, pois, pela improcedência desta questão colocada no recurso: inexiste fundamento para a alteração da decisão de facto e não ocorre a violação da lei substantiva invocada pela Recorrente.

2. Sustenta também a Recorrente que a decisão recorrida "errou quando valorou o depoimento de parte da ré, para dizer que a mesma nunca tinha referido a aceitação da proposta", sendo certo que "o depoimento de parte visa obter a confissão de factos por parte do depoente".

Transcreve depois um excerto da fundamentação do acórdão recorrido, em que se afirma que a ré e as testemunhas CC e DD sempre disseram que tudo estava dependente de dois pressupostos: o tal direito de superfície e a constituição da sociedade EE, acrescentando que se considerou assim "um meio de prova inadmissível para o facto em causa, porque não consubstancia um facto sobre o qual possa recair confissão".

É verdade que o depoimento de parte é o meio processual destinado a obter a prova por confissão judicial (arts. 352º e 356º do CC), e que tal depoimento apenas tem valor confessório se tiver por objecto o reconhecimento de factos desfavoráveis ao depoente e favoráveis à parte contrária.

Todavia, admite-se que o reconhecimento não confessório possa ser avaliado livremente como elemento probatório – art. 361º do CC.

Por outro lado, nos termos dos arts. 7º nº 2 e 411º do CPC, o tribunal pode ouvir qualquer das partes em depoimento com vista à prestação de esclarecimentos sobre a matéria de facto, entendendo-se que, mesmo não sendo confessório – por não respeitar a factos favoráveis à parte contrária ou por os factos alegados não serem desfavoráveis ao depoente –, o Tribunal pode valorar livremente o depoimento de parte, desde que o aprecie cotejando-o com a demais prova produzida[20].

É o que se passa, parece-nos, na situação invocada pela Recorrente, em que a declaração da ré não é atendida isoladamente, mas no contexto da reapreciação de toda a prova produzida, designadamente no mencionado excerto da fundamentação em que são referidos dois depoimentos de testemunhas no mesmo sentido da declaração aí imputada à ré, referência que é feita na sequência e no âmbito da análise do depoimento de outra testemunha (FF), conjugada com a do documento (nº 10) por esta elaborado.

Não foram, por isso, violadas as normas referidas pela Recorrente (art. 352º do CC e 452º e 454º do CPC).

3. Conclui a Recorrente que, com a procedência do presente recurso, deve ser revogada a decisão recorrida, devendo os autos regressar à Relação, para se conhecer da apelação.

Esta consequência não pode, porém, operar por se não verificar o referido fundamento, pressuposto pela Recorrente.

O acórdão recorrido deve, pois, ser mantido.

V.

Em face do exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 9 de Julho de 2014

Pinto de Almeida (Relator)

Azevedo Ramos

Nuno Cameira

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[1] Proc. nº 299709/11.0YIPRT.L1.S1
F. Pinto de Almeida (R. 36)
Cons. Azevedo Ramos; Cons. Nuno Cameira
[2] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 348.
[3] Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2ª ed., 622; Lebre de Freitas, Código de processo Civil Anotado, Vol. 3º, Tomo I, 2ª ed., 185.
[4] Abrantes Geraldes, Ob. Cit., 350; entre outros, os Acórdãos do STJ de 24.05.2011, de 06.07.2011, de 21.03.2012 e de 28.06.2012, em www.dgsi.pt.
[5] Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3ª ed., 226.
[6] I. Galvão Teles, Manual dos Contratos em Geral, 4ª ed., 136.
[7] Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 60.
[8] Castro Mendes, Ob. Cit., 61.
[9] Carvalho Fernandes, Ob. Cit., 328.
[10] Vaz Serra, RLJ 108-352. Cfr. também Antunes Varela, RLJ 122-213 e segs.
[11] Acórdão do STJ de 19.10.94, BMJ 440-381.
[12] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 326; entre outros, o Acórdão deste Tribunal de 12.02.2009, CJ STJ XVII, 1, 90 e de 30.09.2010, em www.dgsi.pt.
[13] Neste sentido, os Acórdãos deste Tribunal de 08.07.2003, CJ STJ XI, 2, 151; de 09.12.2004, CJ STJ XII, 3, 144; de 09.09.2008, CJ XVI, 3, 23; de 14.06.2011, CJ STJ XIX, 2, 104 e de 22.05.2012, CJ XX, 2, 90.
[14] Acórdão do STJ de 09.03.95, BMJ 445-423.
[15] BMJ 471-361.
[16] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, 286.
[17] Ibidem.
[18] Enquanto inércia ou omissão: não só o "nada dizer", mas também o "nada fazer" – P. Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, 631.
[19] Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4ª ed., 210; I. Galvão Teles, Ob. Cit., 128 e ss.; P. Mota Pinto, Ob. Cit., 639.
[20] Neste sentido, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal de 20.01.2004, de 02.11.2004, de 16.03.2011 e de 10.05.2012, em www.dgsi.pt.