Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10248/16.0T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: CASO JULGADO MATERIAL
INSOLVÊNCIA
CONCURSO DE CREDORES
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
IMPUGNAÇÃO
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
CASO JULGADO PARCIAL
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / PETIÇÃO INICIAL / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / CITAÇÕES E CONCURSO DE CREDORES.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / REALIZAÇÃO COACTIVA DA PRESTAÇÃO / ACÇÃO DE CUMPRIMENTO E EXECUÇÃO.
DIREITO FALIMENTAR – MASSA INSOLVENTE E INTERVENIENTES NO PROCESSO / ÓRGÃOS DA INSOLVÊNCIA / EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / EFEITOS SOBRE O DEVEDOR E OUTRAS PESSOAS / EFEITOS PROCESSUAIS / VERIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, 1981, p. 92, 93 e 97 a 99;
- Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, p. 38, 39, 43, 44, 50 a 52;
- Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, Almedina, 2015, p. 626;
- Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, p. 354;
- Lebre de Freitas, A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, GESTLEGAL, 7.ª Edição, 2009, p. 373 a 375;
- Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, actualizado de acordo com o Decreto-Lei n.º 282/2007, Quid Juris, 2008. p. 368, 369 e 456;
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, p. 304, 305, 306;
- Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Almedina, 2004, p. 399;
- Salvador da Costa, O Concurso de Credores no Processo de Insolvência, Revista CEJ, 1.º Semestre 2006, n.º 4, número especial, p. 91 e ss. e 107;
- Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 572, 578 e 579 ; Acção Executiva Singular, Lex, 1998, p. 350, 351 e 362 ; A Verificação do Passivo no Processo de Falência, (RFDUL), Volume XXXVI, 1995, Lex, p. 353 e ss., 361 e 362.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, N.º 3, 564.º, 573.º, N.ºS 1 E 2, 580.º, 581.º, 609.º, N.º 1, 619.º, N.º 1, 620.º, N.º 1, 621.º, 788.º A 791.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 824.º, N.º 2.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 52.º A 80.º, 85.º, N.º 1, 89.º, N.º 2, 129.º, 130.º, N.ºS 1 E 3, 131.º, N.º 3, 133.º E 136.º, N.º 4.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 205.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 13-12-2007, PROCESSO N.º 07A3739, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-03-2008, PROCESSO N.º 08B402, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-06-2010, PROCESSO N.º 326/ 04.4TBOFR.C1.S1;
- DE 23-11-2011, PROCESSO N.º 644/08.2TBVFR.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-06-2012, PROCESSO N.º 241/07.0TLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-12-2013, PROCESSO N.º 1248/11.8TBEPS.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. A aferição da identidade do pedido e da causa de pedir entre duas ou mais ações, para efeitos de delimitação da exceção de caso julgado material, deve ser feita em função de cada pretensão parcelar em que se possa decompor o objeto das causas em confronto e dos correspetivos segmentos decisórios e não de um modo genérico ou global.      

II. Na delimitação objetiva do caso julgado material, importa ter em linha de conta os efeitos preclusivos decorrentes da primeira ação, com especial relevo no respeitante à defesa em virtude do ónus de concentração estabelecido no artigo 573,º do CPC, cujo n.º 1 determina que toda a defesa deve ser deduzida na contestação ou excecionalmente em momento posterior do processo, nos termos do n.º 2 do mesmo normativo.

III. Nessa base, ficam precludidas todas as questões pertinentes não oportunamente suscitadas pela defesa e que o devessem ser, entendendo uns que tal efeito preclusivo se inscreve ainda no âmbito do caso julgado, enquanto outros o definem como efeito autónomo.

IV. Por sua vez a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. 

V. Para tal efeito, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.”

VI. No concurso de credores em sede de ação executiva singular está circunscrito à finalidade da graduação de créditos entre os credores privilegiados do executado, o que, de certo modo, torna o reconhecimento do crédito reclamado meramente instrumental da decisão de graduação.

VII. Diversamente, o concurso de credores no âmbito do processo de insolvência tem por fim essencial a liquidação de todo o património do devedor insolvente em benefício da generalidade dos seus credores, bem se compreendendo a função prioritária da verificação dos créditos.

VIII. É, pois, em função dessa finalidade de liquidação global que é conferida legitimidade a cada credor concorrente para impugnar os créditos dos demais concorrentes que sejam suscetíveis de conflituar com o crédito daquele, nos termos do art.º 130.º, n.º 1, do CIRE.

IX. Tendo o processo de insolvência uma vocação de plenitude para a resolução das questões pertinentes à liquidação do património do devedor insolvente em benefício da generalidade dos respetivos credores, a sentença de verificação de créditos nesse âmbito tem eficácia de caso julgado material relativamente a todos os credores concorrentes do insolvente, nos termos gerais consagrados nos artigos 619.º e 621.º do CPC, no plano dos direitos à execução patrimonial ali reconhecidos e definidos em relação àqueles credores.

X. Não seria lógico que, visando o processo de insolvência a liquidação total do património do devedor a favor de todos os seus credores, segundo o princípio do tratamento igual, se permitisse que qualquer deles viesse discutir de novo, nomeadamente em ação autónoma, a inexistência ou invalidade de crédito já reconhecido no processo de insolvência.

XI. Por discutíveis que possam ser algumas das especificidades mais restritivas do procedimento da verificação dos créditos no processo de insolvência, não se afigura que com base nelas seja lícito negar ou circunscrever a eficácia do caso julgado material da sentença de verificação e graduação dos créditos ali proferida, decorrente, em termos gerais, dos artigos decorrente dos artigos 619.º e 621.º do CPC. Uma tal solução comprometeria gravemente a finalidade de liquidação visada pelo processo de insolvência e a garantia de segurança e certeza jurídica que deve ser assegurada, a todos os interessados, pela sentença de verificação do passivo do insolvente.

XII. Num caso, como o dos presentes autos, em que, num processo de insolvência, foi reconhecido o crédito de um credor do insolvente, sem que outro credor ali concorrente o tenha impugnado, tal reconhecimento fica abrangido pela eficácia do caso julgado material da sentença de verificação dos créditos ali proferida, em termos de direitos à execução patrimonial da massa insolvente, vinculando todos os ali interessados.

XIII. Nessa medida, aquele reconhecimento tem efeito de autoridade de caso julgado material a acatar em ação declarativa posterior, instaurada pelo credor concorrente que não impugnara o referido crédito contra o devedor insolvente e o credor que viu reconhecido o seu crédito, por via da qual se pretenda obter a declaração de nulidade de uma dação em pagamento baseada em simulação absoluta, por parte destes, com o alegado fundamento da inexistência do crédito que assim fora reconhecido no processo de insolvência.

XIV. Desse modo, o reconhecimento judicial daquele crédito no processo de insolvência constitui uma decisão de questão indiscutível com autoridade de caso julgado material, que, precludindo a alegada inexistência do mesmo crédito como pressuposto basilar da invocada simulação, importa a improcedência daquela ação.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA (A.) intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, em 13/05/2016, contra BB (1.º R.) e CC e cônjuge DD (2.ºs R.R.), alegando, no essencial, que: 

. O A. é credor do 1.º R. na quantia de € 74.500,00, conforme confissão de dívida constante do documento reproduzido a fls. 11, datado de 09/10/2010;

. Por sua vez, o 1.º R., BB, mediante escritura pública outorgada em 26/10/2011, declarou dar em pagamento de uma dívida no montante de € 200.000,00, ao 2.º R. CC, o único prédio que era de sua propriedade sito na Rua … n.ºs … e … da freguesia de …, concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º 1…3 de Valbom, inscrito na matriz predial urbana sobre o artigo 4350.º, com o valor patrimonial de € 127.190,00, bem como o respetivo recheio;

. Porém, nunca existiu qualquer dívida e/ou crédito, nunca sendo intenção do 1.º R. dar em pagamento ao 2.º R. CC o prédio urbano em causa, nem a este recebê-lo;

. Tal declaração de dação em pagamento traduziu-se num favor prestado então pelo R. CC ao R. BB, em face das elevadas dívidas por este assumidas, nomeadamente perante o A.;

. Desse modo, os 2.ºs R.R, CC e DD, amigos do pai do 1.º R. BB, prestaram-se a auxiliá-lo na dissipação do bem, num momento bastante difícil da sua vida, fingindo realizar um certo negócio jurídico, quando, na verdade, não queriam realizar negócio jurídico algum, o que se traduz na simulação absoluta da dita dação em pagamento.



Concluiu o A. a pedir que fosse:

a) - declarada nula e de nenhum efeito, por simulação absoluta, a referida escritura pública de “compra e venda” celebrada a 26/10/2011, com todas as demais consequências legais;

b) - ordenado o cancelamento das ap. 3…5, de 2011/10/26 bem como de qualquer outra que posteriormente pudesse vir a ser efetuada e que delas dependesse.

 2. Os R.R. apresentaram contestações separadas, impugnando, no essencial, os factos aduzidos na petição inicial e sustentando que:

. A requerimento do A., o 1.º R., BB, foi declarado insolvente, tendo, no âmbito desse processo, sido julgado verificado e graduado o crédito do 2.º R. CC sobre o ora 1.º R. BB, no valor de € 200.000,00, sem oposição do aqui A.;

. No mesmo processo, o administrador da insolvência declarou a resolução incondicional do negócio de “dação em pagamento” em benefício da massa insolvente, mas tal resolução foi impugnada pelo ali credor e ora 2.º R. CC, impugnação que foi julgada procedente.

Concluíram os R.R. pela improcedência da ação com a sua consequente absolvição do pedido.

3. Findos os articulados e após a realização de audiência prévia, foi proferido o despacho saneador de fls. 212-221, datado de 05/07/2017, a julgar verificada a exceção dilatória de caso julgado, com a absolvição dos R.R. da instância, considerando que, no incidente de reclamação de créditos deduzido no sobredito processo de insolvência, fora já reconhecido o ora questionado crédito do 2.º R. sobre o 1.º R., sem impugnação do ora A., também ali credor do 1.º R..

4. Inconformado com essa decisão, o A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do qual foi proferido o acórdão de fls. 289-299, datado de 06/02/2018, a dar provimento ao recurso, considerando não verificada tal exceção dilatória e ordenando o prosseguimento do processo.

5. Desta feita, vêm os R.R. pedir revista, formulando as seguintes conclusões:

5.1. O 1.º R./Recorrente BB, dizendo que:

1.ª - A revista por si interposta sustenta-se no estatuído na al. b) do n.º 1 do art.º 674.º do CPC - “A violação ou errada aplicação da lei do processo”, sendo admissível, atento o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 629.º do mesmo Código, com fundamento na ofensa de caso julgado;  

2.ª - Decidiu a 1.a instância, em sede de saneador-sentença, conhecer oficiosamente e julgar procedente a exceção dilatória de caso julgado e, consequentemente, absolver os RR, entre os mais o aqui Recorrente, da instância.

3.ª - Atento a que, nesta ação, o A. pretende ver discutido, porque põe em crise, a existência de um crédito de € 200,000,00 do R., CC, sobre o aqui Recorrente, pretendendo que se declare a sua inexistência, e consequentemente, defende que a dação em pagamento foi um negócio simulado, sendo que esta questão material fora já decidida;

4.ª - Anteriormente à instauração desta ação declarativa, correu termos o processo de insolvência n.º 715/12.0TJPRT, no âmbito do qual as partes nos presentes autos, foram igualmente partes no processo de insolvência;

5.ª - O R./Recorrente era o insolvente, o A. era credor que requereu a insolvência, o R. CC igualmente credor;

6.ª - Estes últimos, A., e R., CC, ambos credores reclamantes viram os seus créditos, respetivamente, serem reconhecidos, verificados e graduados;

7.ª - O A. não impugnou o crédito reclamado pelo R. CC no apenso do processo de insolvência, o qual foi reconhecido como definitivo, sendo proferida a sentença de verificação e graduação de créditos que homologou a lista de credores reconhecidos e graduou os respetivos créditos, tendo a mesma transitado em julgado;

8.ª - Estes foram os factos que sustentaram a decisão do tribunal de 1.a instância, decidindo pela verificação e procedência de caso julgado, absolvendo os RR da instância.

9.ª - O A, parte vencida, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, sem questionar e/ou impugnar os factos dados como assentes, tendo sido proferido acórdão a ordenar a revogação da sentença recorrida e a ordenar o prosseguimento do processo;

10.ª - Estando em análise saber se a decisão proferida no apenso de reclamação de créditos no processo de insolvência que determinou reconhecido, verificado e graduado um crédito faz caso julgado material, entendeu o tribunal “a quo” que não:

"Que o caso julgado apenas se forma quanto à graduação, mas não quanto à verificação dos créditos".

Que o caso julgado formado pela decisão proferida na reclamação de créditos é um caso julgado formal com força obrigatória restringida ao próprio processo em que foi proferida - E assim decide pela procedência do recurso de Apelação.

11.ª - Assim a acórdão recorrido ofendeu o caso julgado;

12.ª - O caso julgado sendo de natureza formal, e que se refere a questões de mero carácter processual, tem força obrigatória apenas dentro do processo respetivo ..., o caso julgado material refere-se à relação material ou substancial objecto do processo, e tem força obrigatória dentro e fora do processo respetivo, precisamente para evitar contradição de decisões ou reprodução de uma anterior já transitada em julgado;

13.ª - Está assim na sua génese a repetição de julgamento de uma causa que anteriormente foi já conhecida e decidida por sentença transitada em julgado;

14.ª - Esta repetição, atento o disposto no n.º 1 do art.º 581.º do CPC, pressupõe uma causa idêntica a outra, quanto: aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir;

15.ª - Há identidade de sujeitos, porque as partes intervenientes em ambas as ações são as mesmas - processo de insolvência - apenso de reclamação de créditos “versus” ação declarativa autónoma posterior;

16.ª - Há identidade de pedido, que implica obter o mesmo efeito jurídico, que será a declaração de inexistência do crédito do R. CC, sendo que o meio adequado e oportuno para se impugnar o crédito reclamado seria no apenso da reclamação de créditos inserido no processo de insolvência;

17.ª - Por aquela via, adequada e oportuna, o impugnante tem todos os meios processuais ao seu alcance para levar à discussão e julgamento a pertinência da existência do crédito em crise para, afinal, ser decidido se o mesmo crédito existe ou não e, consequentemente, manter-se ou ser excluído dos créditos reconhecidos;

18.º - Se a impugnação do crédito for suscitada, o efeito pretendido é o não reconhecimento do crédito reclamado;

19.º - O A., não impugnou o crédito do R. CC em sede de reclamação de créditos processo de insolvência, aceitando com a sua inação o crédito que o R. CC havia reclamado, após reconhecido definitivamente e constante da lista de credores, seguindo-se sentença de verificação e graduação de créditos transitada em julgado;

20.ª - Nestes autos, o A. pretende voltar a obter a possibilidade de discutir a existência desse crédito, que defende não existir, peticionando que seja declarado nulo o negócio de dação em pagamento na sequência da alegada inexistência de qualquer crédito a favor do R. CC;

21.ª - Há identidade de causa de pedir, porque o facto subjacente e em crise em ambas é a existência ou não existência do crédito a favor do R. CC que, na verdade, está decidido, porque o A., que não impugnou em sede própria, aceitou sem reservas a sua existência e verificação do mesmo;

22.ª - Invoca-se o acórdão do STJ proferido a 12/12/213 no âmbito do processo n.º 1248/11.8TBEPS.GI.S1 disponível em www. dgsi.pt, segundo o qual:

“Existe caso julgado entre a decisão que, no processo de insolvência julgou reconhecido um crédito e a posterior ação declarativa em que se pede a declaração de nulidade do contrato em que se funda tal crédito.

A questão de fundo que aqui se debate é a de saber se a decisão proferida no processo de insolvência reconhecendo determinados créditos faz caso julgado face a futura acção em que se debata a existência de tais créditos.

Como bem se assinalou em 1.ª instância, trata-se de uma acção declarativa completa, com a observância do principio do contraditório - a impugnação dos créditos e do princípio do julgamento.

Não pode é o interessado que falhou a impugnação dos créditos tentar superar essa falta por meio da propositura de uma acção declarativa autónoma, com o conteúdo do que deveria ter sido a sua impugnação, tentando transformá-la em causa prejudicial do processo de reconhecimento, como fez a recorrida, ao apelar da decisão de reconhecimento dos créditos.

Como se referiu em 1.ª instância: (...) tendo existido processo declarativo - o apenso de verificação de créditos - no qual foram facultadas todas as possibilidades de defesa do seu crédito à A. nomeadamente pondo em causa os créditos reclamados pelos outros credores, e no qual a A. suscitou a questão - em sede de recurso - que agora pretende que o Tribunal novamente aprecie, não há razões para não afirmar que se produziu caso julgado material quanto ás questões da existência dos créditos.”

23.ª - Seguindo esta linha de decisão, a sentença de verificação e graduação de créditos proferida no apenso da reclamação de créditos no processo de insolvência tem forca de caso julgado material, constituindo causa prejudicial ao conhecimento dos factos que constituem a causa de pedir nestes autos;

24.ª - Ao entender em sentido inverso, o acórdão recorrido incorre em ofensa de caso julgado;

25.ª - Conclui-se assim pela revogação da decisão recorrida, devendo manter-se a decisão de procedência de caso julgado material proferida pela 1.a instância.

5.2. O R.R./Recorrentes CC e DD, dizendo que:

1.ª - Na presente ação, o A. pede que seja declarada nula e de nenhum efeito, por simulação absoluta, a escritura pública de compra e venda celebrada a 26/10/2011;

2.ª - Em 19/07/2012, a requerimento do ora R. BB, foi este declarado insolvente no processo n.º 715/12. OTJPRT;

3.ª - No âmbito desse processo de insolvência, o administrador da insolvência reconheceu e relacionou um crédito do ora A. AA pelo valor de € 74.500,00 e um crédito do Recorrente (ali credor reclamante) CC, pelo valor de € 200.000,00;

4.ª - Os créditos em causa não foram impugnados, tendo sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos.

5.ª - No decurso desse processo de insolvência, o administrador da insolvência apreendeu para a massa insolvente o imóvel referido em 1 e resolveu o negócio de dação em pagamento celebrado entre os Recorridos, em benefício da massa insolvente;

6.ª - O Recorrente CC, ali credor reclamante, impugnou a resolução do negócio em benefício da massa insolvente, impugnação que foi julgada improcedente em 1.ª instância e veio a ser objeto de recurso e posterior decisão de revogação da decisão do primeiro julgado pelo TR do Porto, que declarou a ineficácia da resolução em relação ao referido imóvel, ordenando consequentemente o cancelamento das inscrições relativas ao mesmo, cessando de imediato, os atos de liquidação referentes ao imóvel.

7.ª - O acórdão aqui impugnado considerou que "a reclamação de créditos na insolvência, à semelhança da reclamação de créditos na ação executiva, é processada por apenso ao processo de insolvência - cfr. art.º 130.º do CIRE e 788.º-8 do CPC para a ação executiva -, cujos créditos podem ser impugnados - cfr. artigos 130.º do CIRE e 789.º do CPC -, mas, porque tais impugnações não oferecem garantias idênticas às da ação declarativa, a doutrina tem entendido, mesmo em caso de intervenção da parte interessada, como o caso dos autos, que o caso julgado apenas se forma quanto à graduação, mas não quanto à verificação dos créditos (.. .);

8.ª - Os Recorrentes não concordam com a tese defendida, porquanto consideram que, admiti-la, reduziria o procedimento previsto pelo CIRE, no que à salvaguarda da possibilidade de impugnação de créditos concerne, à completa inutilidade.

9.ª - Por outro lado, a admitir-se o entendimento sufragado no acórdão recorrido, permitir-se-ia ao credor, que na insolvência livremente optou pelo não exercício do contraditório relativamente ao crédito de outro credor, vir posteriormente colocar a existência do mesmo em causa em momento posterior, por não ter obtido o ressarcimento do seu crédito em sede do processo de insolvência — o que não se pode conceder;

10.ª - Deste modo, na ausência de impulso por parte do Recorrido em fazer uso da faculdade que lhe é conferida pelo preceituado no n.º 1 do art.º 130.º do CIRE, foi o crédito do Recorrente CC reconhecido e graduado no processo de insolvência do co-réu BB, em conformidade com o n.º 3 desse normativo do mesmo diploma;

11.ª - O facto de a lista de créditos reconhecidos ser apresentada pelo administrador da insolvência, nos termos do artigo 129.º do CIRE, não obsta ao dever do julgador da devida diligência de aferir da conformidade dessa mesma lista, nomeadamente no que diz respeito à verificação dos créditos.

12.ª - Sem prescindir, sempre se diga que admitir que a sentença de graduação e verificação de créditos proferida nos termos do artigo 130.º do CIRE tem eficácia meramente inter processual e forma caso julgado meramente formal, conforme resulta do acórdão recorrido, potenciaria uma “vexata quaestio”.

13.ª - Implicaria isto, a final, que com eventual ganho de causa por parte do Recorrido, seria retornado o imóvel à esfera jurídica do insolvente e reaberto o processo de insolvência, onde a verificação do crédito do Recorrente CC encontra-se reconhecida e tem eficácia perante os restantes credores (entre os quais se inclui o aqui Recorrido.

14.ª - Quereríamos então com isto, admitindo que não foi formada causa prejudicial relativamente aos presentes autos, dizer que, uma eventual decisão final que julgasse procedente o peticionado, implicaria a revogação da sentença que verificou e graduou o crédito do Recorrente? Deixaria este de se considerar como credor na insolvência apesar de reconhecido como tal por decisão transitada em julgado? Ou a decisão tendo formado caso julgado formal, implicaria que na eventual venda do imóvel, o credor Reconhecido CC, poderia ver parte do seu crédito posteriormente ressarcido por eventual venda do imóvel?

15.ª - Ou iríamos ainda mais longe e teríamos que admitir considerar-se revogado também o decisório proferido pelo Tribunal da Relação do Porto relativamente à resolução do negócio em benefício da massa insolvente? Ou, pior, admitindo a eficácia meramente inter processual desta última decisão, admitia-se de igual mote a total inutilidade da decisão eventualmente proferida nos presentes autos, porquanto ofensiva de caso julgado anterior? (Sempre nos parece a última questão a mais aproximada da realidade jurídica daquilo que se discute).

16.ª - Ora, atentas todas as questões supra colocadas, outro entendimento não podemos adoptar que não o de que a decisão proferida em sede do processo de insolvência, tendo transitado pacificamente em julgado - o que transitou - formou caso julgado material, cujos efeitos têm força obrigatória dentro e fora do processo, conforme impõe o artigo 619.º do CPC, o que se impetra. Assim, o Tribunal, ou qualquer outra autoridade judiciária, estão impedidos de definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material objecto do litígio, sob pena de violação da força e autoridade do caso julgado.

17.ª - Nesta senda, em prol dos efeitos do caso julgado, consideramos que mal andou o Tribunal da Relação em contradizer a decisão proferida em sede do processo de insolvência do R. BB, que julgou reconhecido o crédito do Recorrente ....

18.ª - Evidentemente, o Tribunal da Relação ao proferir decisão contrária à tomada primeiramente no processo de insolvência, e que julgou reconhecida a existência do crédito do Recorrente, é ofensivo do princípio da segurança jurídica, enquanto princípio basilar do Estado de Direito Democrático.

19.ª - Em suma, o Tribunal de 1.ª instância, ao julgar procedente a exceção dilatória e absolver os RR. da instância, salvaguardou a força e autoridade do caso julgado, designadamente da sentença de verificação e graduação de créditos proferida em sede do processo de insolvência, que reconheceu a existência do crédito do Recorrente CC.

20.ª - Face ao exposto, deve manter-se o teor a decisão do saneador proferido em 1.ª instância, sob pena de patente violação da autoridade de caso julgado.

 6. O A./Recorrido apresentou contra-alegações a pugnar pela confirmação do julgado.        


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

        

     II – Delimitação do objeto do recurso


   Considerando que o objeto do recurso se delimita em função das conclusões do recorrente, a única questão a resolver comum a ambas as revistas consiste em saber:

Se a decisão proferida em sede do procedimento de reclamação, verificação e graduação de créditos no âmbito do processo de insolvência n.º 715/12.0TJPRT, ao homologar a lista dos credores ali não impugnada, incluindo o crédito do 2.º R. sobre o 1.º R., no valor de € 200.000,00, que serviu de base à dação em pagamento impugnada na presente ação, constitui caso julgado que se imponha, por via de exceção ou de autoridade de caso julgado, nesta ação.


   III – Fundamentação   


1. Do contexto processual relevante


Vem dado como assente pelas instâncias o seguinte contexto processual:

1.1. Na presente ação declarativa, entrada em juízo em 13/05/2016, o A. AA pede contra os R.R. BB, CC e cônjuge deste DD, que seja:

- declarada nula e de nenhum efeito, por simulação absoluta, a escritura pública de compra e venda celebrada a 26/10/2011, a folhas 23 a 24 do livro 1-B do Cartório Notarial da …, com todas as demais consequências legais;

- ordenado o cancelamento das ap. 3…5 de 2011/10/26 bem como de qualquer outra que posteriormente possa vir a ser efetuada e que delas dependa com todas as demais consequências legais.

 1.2. Para tal efeito, o A. alega, no essencial, o seguinte:

- O A. AA é credor do R. BB na quantia de 74.500,00, conforme confissão de dívida constante do documento de fls. 11, datado de 09/10/2010;

- O R. BB, por escritura pública outorgada em 26/10/ 2011, “deu em pagamento” ao R. CC o único prédio que era de sua propriedade sito na Rua de … n.ºs … e … da freguesia de …, concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º 1…3 de …, inscrito na matriz predial urbana sobre o artigo 4350.º, com o valor patrimonial de € 127.190,00, bem como recheio do mesmo, conforme documento de fls. 15-17, intitulado “dação em pagamento”, para solver uma dívida no montante de € 200.000,00;

- Porém, nunca existiu qualquer dívida e/ou crédito, nunca tendo sido intenção do R. BB dar em pagamento ao R. CC o prédio urbano em causa, nem a este recebê-lo;

- Tendo sido um favor então prestado pelo R. CC ao R. BB, dadas as elevadas dívidas por este assumidas, nomeadamente para com o autor;

- Pelo menos o pai do R. BB residia à época da “transação” e ainda hoje reside no prédio urbano em causa;

- Assim, os R.R. “CC” e “DD” amigos do pai do R. BB, prestaram-se a auxiliá-lo na dissipação do bem, num momento bastante difícil da sua vida, fingindo realizar um certo negócio jurídico, quando, na verdade, não queriam realizar negócio jurídico algum, o que configura uma manifesta situação de simulação absoluta.

1.3. Em 19/07/2012, a requerimento do aqui A. AA, o 1.º R. BB foi declarado insolvente no processo n.º 715/12.0TJPRT - doc. de fls. 68 e 69;

1.4. No âmbito desse processo de insolvência, o administrador da insolvência reconheceu e relacionou um crédito do ali reclamante e aqui A. AA pelo valor de € 74.500,00 e um crédito do 2.º R. CC pelo valor de € 200.000,00 - doc. de fls. 71 verso;

1.5. Tais créditos não foram impugnados, tendo sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos - doc. de fls. 186;

1.6. Ainda no decurso desse processo de insolvência, o administrador da insolvência apreendeu para a massa insolvente o imóvel acima referido e resolveu o negócio de dação em pagamento também acima referido em benefício da massa insolvente - docs. de fls. 72 e 73 verso;

1.7. O aqui 2.º R. CC impugnou a resolução do negócio em benefício da massa insolvente, impugnação que foi julgada procedente - doc. de fls. 75 a 82.

2. Do mérito dos recursos


  2.1. Definição dos termos do litígio


Como já acima ficou enunciado, a única questão que se coloca em ambas as revistas consiste em saber:

“Se a decisão proferida em sede do procedimento de reclamação, verificação e graduação de créditos no âmbito do processo de insolvência n.º 715/12.0TJPRT, ao homologar a lista dos credores ali não impugnada, incluindo o crédito do 2.º R. sobre o 1.º R., no valor de € 200.000,00, que serviu de base à dação em pagamento impugnada na presente ação, constitui caso julgado que se imponha, por via de exceção ou de autoridade de caso julgado, nesta ação.


A 1.ª instância, depois de traçar a distinção entre a exceção de caso julgado e a autoridade de caso julgado, considerou que, na sentença proferida no procedimento de reclamação, verificação e graduação de créditos deduzido no âmbito do processo de insolvência n.º 715/12.0TJPRT, fora “já apreciada a questão factual de se apurar o crédito e validade do acto (dação em pagamento) aqui impugnado com força vinculativa para o aqui autor (… parte no processo de insolvência)”.

Nessa base, ali se julgou procedente a exceção dilatória de caso julgado, absolvendo-se os R.R. da instância.


Por sua vez, o Tribunal da Relação considerou que a sentença proferida em sede do procedimento de reclamação, verificação e graduação de créditos, deduzido quer no âmbito de ação executiva singular, quer no âmbito de processo de insolvência, só constitui efeito de caso julgado formal restrita ao respetivo processo e, portanto, sem eficácia de caso julgado material erga omnes.

Daí concluiu a Relação que a decisão proferida no procedimento de reclamação, verificação e graduação de créditos, no âmbito do processo de insolvência n.º 715/12.0TJPRT, no respeitante ao reconhecimento do crédito do ora 2.º R sobre o 1.º R., no valor de € 200.000,00, abrangido pela dação em pagamento aqui impugnada, não constituía questão prejudicial dotada de autoridade de caso julgado em relação ao objeto da presente ação. E considerou ainda que não tinha tal efeito a apreciação feita no âmbito do mesmo processo de insolvência sobre a impugnação, ali julgada procedente, da declaração de resolução incondicional da sobredita dação em pagamento.

Nessa base, decidiu dar provimento à apelação, ordenando o prosseguimento do processo. 


Porém, vêm os Recorrentes sustentar a verificação do efeito de caso julgado material decorrente daquelas decisões proferidas no mencionado processo de insolvência, pelas razões acima transcritas.   


2.2. Apreciação  


2.2.1. Considerações gerais sobre o caso julgado


A obrigatoriedade das decisões dos tribunais proclamada no artigo 205.º, n.º 2, da Constituição da República postula que lhes seja conferida eficácia de caso julgado, o que constitui fator de segurança e certeza jurídica na resolução judicial dos litígios.

No domínio das decisões cíveis, tal eficácia pode recair unicamente sobre a relação processual, tendo força obrigatória dentro do processo, de acordo com o disposto no art.º 620.º, n.º 1, do CPC, designando-se então por caso julgado formal.

Mas, com maior relevo, às decisões judiciais que versem sobre a relação material controvertida, quando transitadas em julgado, é atribuída força obrigatória dentro e fora do processo nos limites subjetivos e objetivos fixados nos artigos 580.º e 581.º do CPC e nos precisos termos em que julga, como se preceitua nos artigos 619.º, n.º 1, e 621.º do mesmo Código, com o que se forma o denominado caso julgado material.

Segundo Manuel de Andrade[1], o caso julgado material:

«Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.»


     Para o mesmo Autor[2], o instituto do caso julgado assenta em dois fundamentos:

a) – o prestígio dos tribunais, que ficaria altamente comprometido “se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente”;    

b) – e, mais importante, uma razão de certeza ou segurança jurídica, já que sem a força do caso julgado se cairia “numa situação de instabilidade jurídica (…) fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas”.

         Nas lúcidas palavras daquele Autor:

«O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade (…), por força da qual (…) a sentença (…) transforme o falso em verdadeiro. Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculativa infrangível ao acto de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado. Fica assente qual seja, quanto a ele, a vontade concreta da lei (Chiovenda). O bem reconhecido ou negado pela pronuntiatio judicis torna-se incontestável.

Vê-se portanto que a finalidade do processo não é apenas a justiça – a realização do direito objectivo ou a actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes. É também a segurança – a paz social (Schönke)»


No respeitante à eficácia do caso julgado material, desde há muito, quer a doutrina[3] quer a jurisprudência têm distinguido duas vertentes:

a) – uma função negativa, reconduzida a exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura; 

b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.

         A repetição de causas que se pretende evitar por via da exceção do caso julgado material requer sempre, segundo entendimento unânime, a verificação da tríplice identidade hoje estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir.

     Dispõe esse normativo que:

1 – Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

2 – Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica;

3 – Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende o mesmo efeito jurídico.

4 – Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.

    E segundo o art.º 564.º do mesmo Código, a citação do réu para uma ação “inibe-o de propor contra o mesmo autor ação destinada à apreciação da mesma questão jurídica.”     

     Para efeitos de identidade de sujeitos, o que é essencial não é a sua identidade física, mas a mesmidade da posição ou da qualidade jurídica na titularidade direitos e obrigações contemplados pelo julgado[4], o que não obsta a que o caso julgado se possa estender a terceiros[5], mormente nos casos em que da lei resulte tal extensão.   

     Relativamente ao pedido, a identidade afere-se pela identidade do efeito prático-jurídico considerado à luz do estatuído no quadro normativo aplicável ao litígio em causa.

Por sua vez, a identidade de causas de pedir é feita em função da concreta factualidade alegada à luz do quadro normativo aplicável, ou seja, com a significação resultante do quadro normativo a que o tribunal deva atender ao abrigo do art.º 5.º, n.º 3, e nos limites do art.º 609.º, n.º 1, ambos do CPC, não bastando, pois, a mera identidade naturalística dessa factualidade, havendo sempre que considerar a sua relevância jurídica com a referida latitude.

     A aferição da identidade do pedido e da causa de pedir entre duas ou mais ações deve ser feita em função de cada pretensão parcelar em que se possa decompor o objeto das causas em confronto e dos correspetivos segmentos decisórios e não de um modo genérico ou global.        

Ainda na delimitação objetiva do caso julgado material, importa ter em linha de conta os efeitos preclusivos decorrentes da primeira ação, com especial relevo no respeitante à defesa em virtude do ónus de concentração estabelecido no artigo 573,º do CPC, cujo n.º 1 determina que toda a defesa deve ser deduzida na contestação ou excecionalmente em momento posterior do processo, nos termos do n.º 2 do mesmo normativo.

Nessa base, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que ficam precludidas todas as questões pertinentes não oportunamente suscitadas pela defesa e que o devessem ser, entendendo uns que tal efeito preclusivo se inscreve ainda no âmbito do caso julgado[6], enquanto outros o definem como efeito autónomo[7].


   Já quanto à autoridade de caso julgado, existem divergências. Para alguns, entre os quais Alberto dos Reis, a função negativa (exceção de caso julgado) e a função positiva (autoridade de caso julgado) são duas faces da mesma moeda, estando uma e outra sujeitas àquela tríplice identidade[8]. Porém, segundo outra linha de entendimento, incluindo a maioria da jurisprudência, a autoridade do caso julgado não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado[9].

Todavia, quanto à identidade objetiva, segundo Castro Mendes[10]:

«(…) se não é preciso entre os dois processos identidade de objecto (pois justamente se pressupõe que a questão que foi num thema decidendum seja no outro questão de outra índole, maxime fundamental), é preciso que a questão decidida se renove no segundo processo em termos idênticos»         

    Para aquele Autor, constitui problema delicado a “relevância do caso julgado em processo civil posterior, quando nesse processo a questão sobre a qual o caso julgado se formou desempenha a função de questão fundamental ou mesmo de questão secundária ou instrumental, não de thema decidenum.[11] 

      Apesar disso, considera[12] que:

«Base jurídica para afirmarmos que, havendo caso julgado e levantando-se num processo civil seguinte inter easdem personas a questão sobre a qual este recaiu, mas levantando-se como questão fundamental ou instrumental e não como thema decidendum (não sendo, pois, de usar a excepção de caso julgado), o juiz do processo novo está vinculado à decisão anterior, é apenas o artigo 671.º n.º 1, na medida em que fala de força obrigatória fora do processo, sem restrição, e ainda a ponderação das consequências a que essa falta de vinculação conduziria.»

E observa[13] que:

   «O respeito pelo caso julgado posto em causa num processo posterior, não como questão central, mas como questão fundamental, ou instrumental, representa uma conquista da ciência processual que vem já dos tempos de Roma. Não nos parece estar em causa no direito português. Só nos parece inconveniente que o seu fundamento seja apenas o vago e genérico art.º 671.º n.º 1.

   A vinculação do juiz ao caso julgado quando a questão respectiva seja levantada como fundamental ou instrumental baseia-se, evidentemente, na função positiva do caso julgado. De iure condito, a excepção de caso julgado, quando peremptória nos termos do art.º 496.º, alínea a), desenvolve igualmente a função positiva do caos julgado.»[14]


     Também Lebre de Freitas e outros[15] consideram que:

   «(…) a autoridade do caso julgado tem (…) o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.»



E nas palavras de Teixeira de Sousa[16]:

  «Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão».      


   Em suma, a autoridade do caso julgado implica, independentemente da verificação de uma tríplice identidade integral, o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. 

     Para tal efeito, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.”[17]


2.2.2. Do alcance do caso julgado das decisões proferidas em procedimento declarativo de concurso de credores

           

      Tem sido discutido na doutrina e na jurisprudência qual o alcance a dar ao caso julgado formado sobre as decisões de reconhecimento de créditos reclamados em sede do procedimento declarativo de concurso de credores. 


    No respeitante ao concurso de credores no âmbito da ação executiva singular, deduzido mediante o procedimento declarativo da reclamação, verificação e graduação de créditos regulado nos artigos 788.º a 791.º do CPC, tem vindo a ser sustentado que a decisão final de reconhecimento de um crédito ali proferida não tem eficácia de caso julgado fora do âmbito da respetiva execução.

     Para tanto, importa ter presente que o concurso de credores no quadro da ação executiva singular destina-se a convocar os credores do executado que, dispondo ou podendo ainda vir a dispor de título executivo, gozem de garantia real sobre os bens penhorados (art.º 788.º, n.º 1 e 2, e 792.º, n.º 1, do CPC) com vista a acionar tal garantia para satisfazer o seu crédito pelo produto da venda desses bens, já que a venda executiva faz caducar os direitos reais de garantia nos termos do art.º 824.º, n.º 2, do CC. 

     Em sede de tal procedimento, é conferido aos credores concorrentes - para além do exequente e do executado - o direito de impugnarem, reciprocamente, os créditos reclamados e as respetivas garantias com fundamento em qualquer das causas impeditivas, modificativas ou extintivas desses créditos, nos termos do art.º 789.º, n.º 3 e 4, do CPC.

E convém salientar que um credor reclamante só tem legitimidade para impugnar o crédito reclamado por outro credor concorrente que goze de garantia real sobre bem penhorado em relação ao qual o credor impugnante detenha também garantia real para o respetivo crédito (art.º 789.º, n.º 3, do CPC).

Em caso de impugnação, assiste ao reclamante do crédito impugnado o direito de responder mediante defesa por exceção, nos termos do art.º 790.º do CPC. 

Se o crédito reclamado não for impugnado, é o mesmo havido logo como reconhecido, salvo quando se verifiquem as exceções ao efeito cominatório da revelia inerentes ao processo declarativo ou houver lugar ao conhecimento oficioso de questões que implicassem rejeição liminar da reclamação (art.º 791.º, n.º 4, do CPC). Sendo esse crédito impugnado ou em caso de revelia inoperante, seguir-se-ão depois os termos do processo declarativo comum (art.º 791.º, n.º 1, e n.º 4, 2.ª parte, do CPC) e, produzida a prova, proferir-se-á sentença final a conhecer da sua existência e graduação.

Neste quadro normativo, a impugnação de crédito reclamado por parte de outro credor concorrente está circunscrita, ao fim e ao cabo, à finalidade da graduação de créditos entre os credores privilegiados, o que, de certo modo, torna o reconhecimento do crédito reclamado meramente instrumental da decisão de graduação.

             

    É, pois, em face deste regime que Lebre de Freitas[18] escreve o seguinte:

   «Tal como relativamente às outras ações declarativas em dependência funcional da ação executiva, também em face da ação de verificação e graduação dos créditos se coloca a questão da eficácia extraprocessual da sentença nela proferida.

  Mas, diversamente do que acontece nos embargos de terceiro (…), nos embargos de executado (…), a ação de verificação e graduação dos créditos não oferece ao devedor garantias idênticas ou equiparáveis às da ação declarativa comum.

  Nela vigora o efeito cominatório pleno, que a revisão do Código aboliu no âmbito do processo declarativo comum, mesmo quando o executado, não pessoalmente notificado do despacho que admitir as reclamações (designadamente, por se verificar o condicionalismo do art. 240), tenha sido citado editalmente para a execução. O reconhecimento do crédito não impugnado tem assim lugar, ainda que os factos alegados pelo reclamante não permitam essa conclusão e que o executado não tenha tido efetivo conhecimento da ação.

   Por outro lado, se esta constatação levará a defender que o caso julgado material só se produz na ação de verificação e graduação de créditos quando o executado nela tenha intervenção efetiva ou quando para ela tenha sido pessoalmente notificado e todos os créditos sejam impugnados (pelo exequente, por outro credor reclamante ou pelo cônjuge do executado), a consideração de que, em qualquer caso, o objeto da ação de verificação e graduação não é tanto a pretensão de reconhecimento do direito de crédito como a do reconhecimento do direito real que o garante (…) relega o reconhecimento do crédito para o campo dos pressupostos da decisão, como tal não abrangido pelo caso julgado (…). Assim se explica que, apesar de expressamente reconhecer a força do caso julgado, nos termos gerais, às sentenças de mérito proferidas nos embargos de executado (art. 732-5) e nos embargos de terceiro (art.º 349), o Código nada diga sobre a sentença de verificação e graduação de créditos.

   O caso julgado produz-se, pois, apenas quanto ao reconhecimento do direito real de garantia, ficando por ele reconhecido o crédito reclamado só na estrita medida em que funda a existência atual desse direito real. Verificado o pressuposto da intervenção do executado na ação, o caso julgado forma-se quanto à graduação, mas não quanto à verificação dos créditos.»


      Por sua vez, Teixeira de Sousa[19] considera que:

  «A sentença proferida no processo de verificação e graduação de créditos tem por objecto o reconhecimento dos créditos reclamados. Ela faz caso julgado quanto aos créditos que nela são reconhecidos.»

 E acrescenta que:

   «A reclamação de créditos visa fazer valer as garantias reais dos credores reclamantes sobre os bens penhorados. A não dedução dessa reclamação tem apenas como consequência a extinção daquelas garantias (cfr. art.º 824.º, n.º 2, CC) e a impossibilidade de o credor obter qualquer pagamento na execução pendente. Mas isto não provoca qualquer preclusão da invocação em juízo dos créditos não reclamados (…) e, menos ainda, a extinção destes.»


      Foi também na linha do sustentado por Lebre de Freitas em edição anterior à obra acima indicada que, quanto à questão da eficácia extraprocessual da sentença de verificação e graduação de créditos no âmbito da ação executiva singular, no acórdão do STJ proferido no processo n.º 326/ 04.4TBOFR.C1.S1, de 22/06/2010, citado nos autos, se considerou, no que aqui releva, que:

«(…) a acção de verificação e graduação de créditos não oferece ao devedor garantias idênticas ou equiparáveis às da acção declarativa comum desencadeada a título principal e autónomo.

(…)

O caso julgado produz-se, pois, apenas quanto ao reconhecimento do direito real de garantia, ficando por ele reconhecido o crédito reclamado só na estrita medida em que funda a existência actual desse direito real.

(…)

O que tudo conduz à conclusão de que jamais o processo de concurso de credores poderia conferir aos terceiros (eventualmente) prejudicados com o pactum simulationis celebrado entre o credor reclamante e o executado (mormente relativamente ao exequente) uma adequada e justa tutela jurisdicional efectiva, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 20.º da CRP.»

       E foi, nessa decorrência, que ali se sintetizou, quanto à exceção dilatória de caso julgado em causa, o seguinte:

«II – Não ocorre identidade entre uma impugnação deduzida pela executada contra uma reclamação de créditos apresentada por apenso de reclamação de créditos em acção executiva (com base em simulação absoluta do negócio gerador do título do crédito reclamado) e uma acção de anulação desse mesmo negócio subsequentemente instaurada, a título autónomo, pelo exequente não impugnante desse crédito.

III – Assim, a circunstância de o exequente não ter, naquele apenso, acompanhado a impugnação deduzida (pela executada-excipiente) contra a reclamação desse crédito, nem ter deduzido impugnação independente com utilização da mesma defesa por excepção (que a impugnante efectiva deduziu mas que veio a soçobrar), não preclude a possibilidade da ulterior instauração (pelo mesmo exequente) de acção declarativa autónoma contra as diversas compartes nesse negócio tendente à anulação deste com fundamento no mesmo e questionado vício de invalidante.»


     Como se vê, todas as considerações acima feitas respeitam à eficácia da sentença de verificação e graduação de créditos no âmbito da ação executiva singular, tema que foi trazido à colação pelos R.R., ora Recorridos, e convocado no acórdão recorrido como lugar paralelo em relação ao concurso de credores em sede do processo de insolvência.  

Resta, no entanto, saber se as mesmas razões valem também em sede do concurso de credores na execução universal em que se traduz o processo de insolvência, posto que, no presente caso, o que se discute é precisamente a eficácia do caso julgado material da sentença de verificação e graduação de créditos no âmbito desta espécie de processo.


       Vejamos.


      Importa, desde já, reter o quadro normativo do procedimento declarativo da verificação dos créditos constante dos artigos 128.º a 140.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 53/2004, de 18-03, com as subsequentes alterações, a mais recente das quais, à data do processo de insolvência n.º 715/12.0TJPRT, instaurado em 16/04/2012 (fls. 67/v.º), é a introduzida pelo art.º 1.º Dec.-Lei n.º 282/2007, de 07-08.

      Os normativos aqui relevantes são os seguintes:


Artigo 128.º

Reclamação de créditos



1 – Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem:

a) – A sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros;

b) – As condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas;

c) – A sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável;

d) – A existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes;

e) – A taxa de juros moratórios aplicável.

2 – O requerimento é endereçado ao administrador da insolvência (…);

3 – A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nel quiser obter pagamento.



Artigo 129.º

Relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos



1 – Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento.

2 – Da lista dos credores reconhecidos consta a identificação de cada credor, a natureza do crédito, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros moratórios aplicável, e as eventuais condições suspensivas ou resolutivas.

3 – A lista dos credores não reconhecidos indica os motivos justificativos do não reconhecimento.

4 – Todos os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos, sem que tenham reclamado, ou em ter-mos diversos dos da respectiva reclamação, devem ser disso avisados pelo administrador da insolvência, por carta registada (…).


Artigo 130.º

Impugnação da lista de credores reconhecidos



1 – Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.

2 – Relativamente aos credores avisados por carta registada, o prazo de 10 dias conta-se a partir do 3.º dia útil posterior à data da respectiva expedição.

3 – Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista.


Artigo 131.º

Resposta à impugnação



1 – Pode responder a qualquer das impugnações o administrador da insolvência e qualquer interessado que assuma a posição contrária, incluindo o devedor.

2 – Se, porém, a impugnação se fundar na indevida inclusão de certo crédito na lista de credores reconhecidos, na omissão da indicação das condições a que se encontre sujeito ou no facto de lhes ter sido atribuído um montante excessivo ou uma qualificação de grua superior à correcta, só o próprio titular pode responder.

3 – A resposta deve ser apresentada dentro de 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no artigo anterior ou à notificação ao titular do crédito objecto da impugnação, consoante o caso, sob pena de a impugnação ser julgada procedente.


Artigo 133.º

Exame das reclamações e dos documentos de escrituração do insolvente



Durante o prazo fixado para a impugnação e as respostas, e a fim de poderem ser examinados por qualquer interessado e pela comissão de credores, deve o administrador da insolvência patentear as reclamações de créditos, os documentos que as instruam e os documentos da escrituração do insolvente no local mais adequado, o qual é objecto de indicação no final das listas de credores reconhecidos e não reconhecidos.

Artigo 135.º

Parecer da comissão de credores



Dentro de 10 dias posteriores ao prazo das respostas às impugnações, deve a comissão de credores juntar aos autos o seu parecer sobre as impugnações. 

Artigo 136.º

Saneamento do processo



1 – Junto o parecer da comissão de credores ou decorrido o prazo previsto no artigo anterior sem que tal junção se verifique, o juiz designa dia e hora para uma tentativa de conciliação a realizar dentro dos 10 dias seguintes, para a qual são notificados, a fim de comparecerem pessoalmente ou de se fazerem representar por procuradores com poderes especiais para transigir, todos os que tenham apresentado impugnações e respostas, a comissão de credores e o administrador da insolvência.

2 – Na tentativa de conciliação são considerados como reconhecidos os créditos que mereçam a aprovação de todos os presentes e nos precisos termos e que o forem.

3 – Concluída a tentativa de conciliação, o processo é imediatamente concluso ao juiz, para que seja proferido despacho, nos termos previstos nos artigos 510.º e 511.º do CPC.

4 – Consideram-se sempre reconhecidos os créditos incluídos na respectiva lista e não impugnados e os que tiverem sido aprovados na tentativa de conciliação.

5 – Consideram-se ainda reconhecidos os demais créditos que possam sê-lo face aos elementos de prova contidos nos autos.

6 – O despacho saneador tem, quanto aos créditos reconhecidos, a forma e valor de sentença, que os declara verificados e os gradua em harmonia com as disposições legais.

7 – Se a verificação de algum dos créditos necessitar de produção de prova, a graduação de todos os créditos tem lugar na sentença final.


      Em primeiro lugar, como decorre do artigo 128.º, n.º 3, em conjugação com o artigo 136.º, n.º 6 e 7, do CIRE, o concurso de credores no âmbito do processo de insolvência visa, em primeiro plano, verificar todos os créditos sobre o devedor insolvente, o mesmo é dizer sobre o passivo patrimonial deste e, só em num segundo plano, graduar os créditos assim reconhecidos ao universo dos respetivos credores.

      Com efeito, tendo a insolvência por fim último a liquidação de todo o património do devedor insolvente em benefício da generalidade dos seus credores, bem se compreende a função prioritária da verificação dos créditos. Por isso mesmo, se exige que todos os créditos sejam ali reclamados, disponham ou não os credores de título executivo e mesmo que se trate de créditos já reconhecidos por decisão judicial definitiva. É o chamado princípio da exclusividade, segundo o qual “só os credores com créditos verificados e graduados podem concorrer à distribuição do produto da liquidação do activo”.[20]

      É, pois, em função dessa finalidade de liquidação global que é conferida legitimidade a cada credor concorrente interessado para impugnar os créditos dos demais concorrentes que sejam suscetíveis de conflituar com o crédito daquele, nos termos do art.º 130.º, n.º 1, do CIRE. Assim, no procedimento de verificação dos créditos no âmbito da insolvência, de certo modo, como refere Teixeira de Sousa[21], “todos os credores reclamantes são simultaneamente partes activas (…) relativamente aos créditos por eles reclamados (…) e parte passivas quanto aos créditos reclamados pelos outros credores, pois que qualquer credor reclamante pode contestar a existência ou o montante dos créditos reclamados pelos outros credores”.   

      A impugnação prevista no indicado normativo compreende “qualquer dos fundamentos de direito substantivo, incluindo a existência ou não dos direitos de crédito, a sua classificação, o seu quantum e a existência ou não de garantias reais ou de preferências de pagamento”[22].

        Ademais, o art.º 85.º, n.º 1, do CIRE prescreve que:

  Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentados pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.

       E, segundo o artigo 89.º, n.º 2, do mesmo diploma:

   As acções, incluindo as executivas, relativas às dívidas da massa insolvente, correm por apenso ao processo de insolvência, com excepção das execuções por dívidas de natureza tributária.

     Tudo isso aponta no sentido da vocação de plenitude do processo de insolvência para a resolução das questões pertinentes à liquidação do património do devedor insolvente em benefício da generalidade dos respetivos credores.

      Nessa conformidade, a verificação de créditos no âmbito do processo de insolvência reveste natureza jurisdicional, tendo a sentença sobre tal proferida eficácia de caso julgado material relativamente a todos os credores do insolvente intervenientes no respetivo processo, nos termos gerais consagrados nos artigos 619.º e 621.º do CPC.

      Nem seria lógico que, visando o processo de insolvência a liquidação total do património do devedor a favor de todos os seus credores, segundo o princípio do tratamento igual, sem prejuízo das preferências legalmente ressalvadas, se permitisse que qualquer deles viesse discutir de novo, nomeadamente em ação autónoma ulterior, a inexistência ou invalidade de crédito já reconhecido no processo de insolvência. 

     Neste conspecto, o concurso de credores no processo de insolvência diferencia-se do concurso em sede de ação executiva singular, em que apenas se visa o reconhecimento de créditos para efeitos da sua graduação confinada aos credores que, dispondo de título executivo, gozem de direitos de garantia real sobre os bens penhorados – os chamados credores privilegiados.

      Dessa diferenciação decorre, logicamente, não ser de equiparar, sem mais, o concurso de credores no âmbito da insolvência ao concurso na ação executiva singular, mormente para efeitos de restringir ou relativizar a eficácia do caso julgado material da sentença de verificação de créditos proferida no processo de insolvência.


      Mas será que o mecanismo do concurso de credores no processo de insolvência não contém as garantias adequadas à tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos credores do insolvente em termos de fragilizar a eficácia do caso julgado material da sentença de verificação de créditos ali proferida? 

       Nessa ponderação, importa não enveredar por uma comparação de plano entre as garantias inerentes ao processo declarativo comum e as conferidas em sede de um processo especial, como é o processo de insolvência.

      Com efeito, enquanto que o processo declarativo comum se destina à obtenção de tutela de interesses individuais ou equiparáveis, no contexto de litígios singulares, no processo de insolvência, aos interesses de cada credor e do próprio devedor, em contexto litigioso múltiplo e diversificado, sobrepõe-se a salvaguarda do interesse coletivo da generalidade dos credores do insolvente, o que requer, desde logo, a existência de órgãos específicos da insolvência, como são o administrador da insolvência, a comissão de credores e a assembleia de credores, conforme o previsto nos artigos 52.º a 80.º do CIRE.    

      E é também essa índole do processo de insolvência que determina uma tramitação específica do procedimento declarativo da verificação de créditos em que se compatibilize o exercício concorrente ou cruzado dos direitos de cada interessado com a salvaguarda do respetivo interesse coletivo e com as exigências de celeridade na liquidação do património insolvente.

     É, pois, nessa perspetiva que se devem compreender as especificidades de tramitação quanto: 

  i) - à fixação de prazos mais curtos (10 dias) para as impugnações e respetivas respostas (artigos 130.º, n.º 1, e 131.º, n.º 3, do CIRE) do que os previstos para a defesa no processo declarativo;

  ii) – ao modo  de comunicação aos interessados da relação dos créditos reconhecidos e não reconhecidos pelo administrador da insolvência mediante lista por ele elaborada e apresentada na secretaria, nos termos do art.º 129.º do CIRE;  

  iii) – ao acesso por qualquer interessado, no prazo fixado para as impugnações e respostas, às reclamações de créditos, aos documentos que as instruam e à escrituração do insolvente, nos termos do art.º 133.º do CIRE;    

   iv) – às preclusões em caso de falta de impugnação ou de resposta às impugnações deduzidas, conforme o prescrito nos artigos 130.º, n.º 3, 131.º, n.º 3, parte final, e 136.º, n.º 4, do CIRE;  

   v) – à prolação imediata de sentença de verificação e graduação dos créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência mediante homologação da lista por ele elaborada, salvo no caso de erro manifesto, quando não haja impugnações, nos termos do art.º 130.º, n.º 3, do CIRE.

      Poderá discutir-se sempre a proporcionalidade e a adequação de tais especificidades no que revelam de pendor mais restritivo para o exercício do contraditório do que os mecanismos e garantias da ação declarativa comum e em que medida é que são justificáveis pela natureza específica do processo de insolvência.

      Por exemplo, a determinação de prolação de sentença de verificação e graduação dos créditos mediante homologação da lista de credores elaborada pelo administrador da insolvência, quando não haja impugnações, traduz-se numa forma simplificada que, mesmo assim, não prescinde do controlo pelo juiz sobre a conformidade legal aparente, formal e até substancial, dos créditos, permitido à luz de um conceito lato de erro manifesto[23].

De resto, não constitui hipótese única de simplificação da sentença no nosso ordenamento processual, bastando ter presentes os casos de simplificação permitidos em caso de revelia operante na ação declarativa comum, nos termos do artigo 567.º, n.º 3, do CPC, ou em sede de preliminar de liquidação na ação executiva, quando não haja contestação, nos termos dos artigos 716.º, n.º 4, 2.ª parte, do mesmo Código, e ainda no âmbito do regime da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contrato e injunção constante do diploma anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 01-09, também em caso de falta de contestação, nos termos do art.º 2.º deste diploma.

No caso de haver impugnações dos créditos reclamados, o procedimento de verificação dos créditos no processo de insolvência contém as garantias adequadas de produção de prova e de discussão pelos interessados em audiência de julgamento, como se alcança do disposto no artigo 139.º do CIRE.[24] 

De qualquer modo, salvo o devido respeito, por discutíveis que possam ser algumas das especificidades mais restritivas acima indicadas, não se afigura que com base nelas seja lícito negar ou circunscrever a eficácia do caso julgado material da sentença de verificação e graduação dos créditos no âmbito do processo de insolvência decorrente, em termos gerais, dos artigos decorrente dos artigos 619.º e 621.º do CPC. Uma tal solução comprometeria gravemente a finalidade de liquidação visada pelo processo de insolvência e a garantia de segurança e certeza jurídica que deve ser assegurada, a todos os interessados, pela sentença de verificação do passivo do insolvente.


Todavia, tal não significa que não se deva ponderar ainda o alcance do caso julgado material da sentença de verificação de créditos na insolvência em função da natureza dos interesses ali em causa.


A este propósito, Teixeira de Sousa[25], quanto ao objeto do processo de verificação de créditos, observa o seguinte:

«(…) o objecto desse processo é o direito de crédito, mas considerando como direito è execução patrimonial e não como direito à prestação (utilizando expressões que são sugeridas pelo disposto no art. 817º do CC). É exactamente porque o activo do devedor é insuficiente para satisfazer todos os direitos à prestação que é decretada a sua falência, pelo que o objecto do processo de verificação de créditos não pode ser um direito à prestação, que, pelo menos em parte, não pode ser satisfeito, mas um direito à execução do património do falido e à distribuição do produto da sua liquidação.»

E, no respeitante ao caso julgado da sentença de verificação de créditos na falência, hoje denominada insolvência, considera o mesmo Autor[26] o seguinte:

   «A decisão de verificação vincula todos os credores reclamantes e o falido, o mesmo sucedendo quanto à sentença de verificação ulterior. Mas, como frequentemente sucede quando se abordam questões relacionadas com o caso julgado, é particularmente complexo o problema da eficácia extrafalimentar do reconhecimento ou do não reconhecimento dos créditos reclamados em qualquer dessas sentenças. Importa recordar que, como acima se referiu, o objecto do processo de verificação não é o crédito como direito à prestação, mas sim esse mesmo crédito considerado como direito à execução patrimonial. Esta premissa não pode deixar de impor alguma prudência quando se trata de averiguar qual o reflexo que a verificação ou não verificação do crédito como direito à execução produz num outro processo em que esse crédito é discutido como direito à prestação.

         Nessa base, conclui o referido Autor que:

  «Dessa verificação do direito à execução não pode resultar uma vinculação das partes quanto ao correspondente direito à prestação. As partes de um processo não podem ficar vinculadas à decisão proferida num outro processo quando os interesses económicos que estavam em causa neste último eram substancialmente menos importantes do que aqueles sobre os quais elas litigam agora no processo pendente.»  

    Nesta linha de pensamento, o alcance do caso julgado material da sentença de verificação de créditos no processo de insolvência terá de ser aferido em função dos direitos à execução patrimonial ali reconhecidos e definidos em relação ao universo dos credores do insolvente.           


Em suma, conclui-se, neste particular, em divergência com a posição assumida no acórdão recorrido, que a sentença de verificação e graduação dos créditos no procedimento declarativo de concurso de credores por dependência do processo de insolvência tem eficácia de caso julgado material, nos termos e com o alcance definidos nos citados artigos 619.º e 621.º do CPC, mas em função dos direitos à execução do património do insolvente reconhecidos aos credores concorrentes.


  2.2.3. Aplicação ao caso concreto


Do contexto processual acima descrito colhe-se que:

i) - No âmbito do processo n.º 715/12.0TJPRT instaurado pelo aqui A. João Fernandes, em que o ora 1.º R. BB foi declarado insolvente, em 19/07/2012, foi reclamado por aquele A. um crédito no valor de € 74.500,00, sendo também reconhecido pelo administrador da insolvência um crédito de € 200.000,00 do aqui 2.º R. CC, créditos esses que foram incluídos como tal na lista elaborada pelo mesmo administrador reproduzida a fls. 71/v.º - pontos 1.3 e 1.4 do contexto processual acima consignada;    

ii) -  Tais créditos não foram impugnados, tendo sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos reproduzida a fls. 186 e 187, datada de 19/03/2013, a homologar a lista de credores reconhecidos pelo administrador da insolvência  - ponto  1.5;

iii) - Ainda no decurso desse processo de insolvência, o administrador da insolvência apreendeu para a massa insolvente o imóvel identificado no ponto 1.2 do contexto processual acima consignado, mas resolveu o negócio de dação em pagamento sobre aquele prédio e ora em causa em benefício da massa insolvente, conforme teor dos documentos de fls. 72 a 74 – ponto 1.6;

iv) – Tal resolução fora previamente requerida pelo requerente da insolvência, o ora A. e ali reclamante Aa, ao abrigo do art.º 121.º, n.º 1, alínea g), do CIRE, conforme se alcança de fls. 65/v.º; 

v) - O aqui 2.º R. CC impugnou aquela resolução do negócio em benefício da massa insolvente, impugnação que foi julgada procedente, declarando-se ineficaz a resolução impugnada, conforme documento de fls. 75 a 81 – ponto 1.7.


      Na presente ação, pretende agora o A. AA obter, contra os R.R. BB, CC e cônjuge deste DD, a declaração de nulidade da sobredita dação em pagamento constante da escritura pública outorgada em 26/10/2011, reproduzida a fls. 15-17 e o consequente cancelamento do registo, com fundamento na alegada simulação absoluta daquele negócio.

Para tanto, sustenta o A., em resumo, que nunca existiu o crédito de € 200.000,00 que o 2.º R. CC se arroga sobre o 1.º R. BB, nem fora intenção destes R.R. dar e receber em pagamento àquele prédio urbano.


Do confronto entre o objeto da presente ação e o objeto do procedimento de verificação e graduação dos créditos no processo de insolvência n.º 715/12.0TJPRT constata-se que as partes são as mesmas – por um lado, o aqui A. ... e 2.º R. CC ali credores reclamantes e, por outro lado, o aqui 1.º R. BB e ali devedor insolvente.

Todavia, não existe completa identidade entre os pedidos e as causas de pedir entre ambos os processos, a saber:

a) - No referido procedimento de verificação e graduação de créditos, no que aqui releva, o pedido versava sobre o reconhecimento do crédito de € 200.000,00 reclamado por ... sobre o devedor insolvente BB com fundamento da sobredita dação em pagamento;

b) – Na presente ação, o que se pede é a declaração de nulidade da mencionada dação em pagamento com fundamento em simulação absoluta por não existir o crédito de € 200.000,00 reclamado e reconhecido no processo de insolvência por CC.

        

No entanto, a pretensão deduzida nesta ação tem como pressuposto a alegada inexistência do referido crédito de € 200.000,00 do 2.º R. CC sobre o 1.º R. BB, o qual não fora impugnado no procedimento de verificação dos créditos no processo de insolvência n.º 715/12. 0TJPRT, mormente pelo ora A. AA, ali também credor reclamante, tendo sido aquele crédito reconhecido como tal e fundado na mencionada escritura de dação em pagamento.

Com efeito, o ora A. AA, na petição reproduzida a fls. 64/v.º-67, em que requereu a declaração de insolvência do aqui 1.º R. BB, nem tão pouco alegou a inexistência do sobredito crédito de € 200.000,00 do 2.º R. CC sobre aquele 1.º R., limitando-se então, nesse particular, a pedir a resolução do negócio de dação em pagamento celebrado entre ambos. E mesmo perante a apresentação da lista elaborada pelo administrador da insolvência, reproduzida a fls. 71/v.º, da qual constava o referido crédito, ali dado como se afigurando existir, o ora A. e aí reclamante AA não impugnou tal crédito.

Daí resultou, em primeira linha, o reconhecimento daquele crédito, além dos demais constantes dessa lista, mediante a sentença homologatória da mesma, reproduzida a fls. 186-187, datada de 19/03/2013.

Subsequentemente, a declaração de resolução incondicional da mencionada dação em pagamento pelo administrador da insolvência, então impugnada pelo ali credor e ora 2.º R. CC, foi julgada ineficaz, determinando-se a cessação dos atos de liquidação em relação ao imóvel objeto dessa dação, conforme o acórdão da Relação do Porto reproduzido a fls. 75-82, de 30/11/2015.

Por fim, tendo já sido admitida, liminarmente, a exoneração do passivo restante do insolvente BB, conforme decisão reproduzida a fls. 69/v.º-71, foi proferida a decisão reproduzida a fls. 194, datada de 03/06/2016, a considerar insuficiente a massa insolvente, sem oposição de todos os credores, e a declarar, por isso, encerrado o processo de insolvência.

Nestas circunstâncias, no referido processo de insolvência, mormente por virtude da mencionada sentença de verificação dos créditos, ficaram reconhecidos e definidos os direitos à execução patrimonial dos credores do insolvente com o alcance do caso julgado material entre os interessados ali intervenientes, incluindo, no que aqui releva, o ora A., o 1. R. e o 2.º R..


Ora, o que o aqui A. pretende com a presente ação é nada mais do obter a reversão de toda essa situação de definição da execução patrimonial, no sentido de se considerar agora inexistente o crédito de € 200.000,00 ali reconhecido, sem impugnação, nomeadamente por parte daquele A., ao credor CC sobre BB e, nessa base, conseguir a declaração de nulidade da dação em pagamento com fundamento em simulação absoluta, de modo a provocar o reingresso do imóvel dela objeto na massa insolvente.

Assim sendo, o objeto de tal pretensão inscreve-se claramente no plano dos direitos à execução patrimonial definidos no processo de insolvência, pelo que a decisão que viesse a ser proferida na presente ação interferiria com o alcance do caso julgado da sentença de verificação dos créditos proferida no processo de insolvência.

Na verdade, o crédito de € 200.000,00 que o 2.º R. se arrogou sobre o 1.º R., em relação ao qual foi outorgada a escritura de dação em pagamento reproduzida a fls. 15-17, de 26/10/2011, encontra-se reconhecido por virtude da eficácia de caso julgado material da sobredita sentença de verificação dos créditos, sendo essa eficácia vinculativa para os ali interessados como eram os ora A. AA, 1.º R. BB e 2.º R. CC, mostrando-se também precludida, para o mesmo A., a invocação da questão da inexistência ou invalidade desse crédito, não suscitada por ele no sobredito procedimento de verificação dos créditos.

Nesta linha de entendimento, o acórdão do STJ, de 12/12/2013, proferido no processo n.º 1248/11.8TBEPS.G1.S1[27], considerou que:

«Existe caso julgado entre a decisão que, no processo de insolvência, julgou reconhecido um crédito e a posterior acção declarativa em que se pede a declaração de nulidade do contrato em que se funda tal crédito”.

Afigura-se, pois, que o reconhecimento judicial daquele crédito constitui uma decisão de questão indiscutível, como efeito positivo de autoridade de caso julgado material, no plano dos direitos à execução patrimonial ali definidos, que se impõe acatar na presente ação, na medida em que respeita ao crédito que aqui vem alegado como inexistente para o qual foi outorgada a dação em pagamento cuja nulidade se pretende ver declarada com fundamento em simulação.

Ou seja, uma vez que a alegada inexistência do referido crédito de € 200.000,00 do 2.º R. sobre o 1.º R. constitui o pressuposto fundamental da invocada simulação absoluta da dação em pagamento em crise, o facto de ter de se acatar o reconhecimento judicial daquele crédito, nos termos acima referidos, conduz, inevitavelmente, à improcedência da pretensão de declaração de nulidade dessa dação em pagamento.

E, tratando-se de um reconhecimento do crédito vinculativo para o A. face ao 1.º R. e 2.º R. é quanto basta para tal improcedência, sendo irrelevante que a 2.ª R. não tenha intervindo no processo de insolvência, tanto mais que nem sequer interveio também na referida escritura de dação em pagamento.  

  

Em suma, conclui-se que a decisão proferida no processo de insolvência n.º 715/12.0TJPRT de reconhecimento do crédito de € 200.000,00 do 2.º R. sobre o 1.º R. tem o efeito de autoridade de caso julgado material, em sede dos direitos à execução patrimonial dos credores ali concorrentes sobre a massa insolvente de Nuno Pereira, com carácter vinculativo para o ora A. e, nessa medida, implica a improcedência da pretensão de declaração de nulidade da dação em pagamento aqui em causa, fundada como vem em simulação absoluta com base na alegada inexistência daquele crédito.      

Termos em que se impõe conceder a revista.


IV - Decisão

Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido e, em sua substituição, decide-se julgar a ação improcedente com a consequente absolvição dos R.R. dos pedidos formulados pelo A..

As custas da ação e do recurso são a cargo do A..

 Lisboa, 27 de setembro de 2018

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching

__________

[1] In Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, 304, 
[2] Ob. cit. pp 305-306.
[3] Vide, entre outros, Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, pp. 38-39; Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 572; Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, p. 354.
[4] Neste sentido, vide, entre outros, Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 1981, pp. 97-99.
[5] Vide Alberto dos Reis, ob. cit. p. 99.
[6] Vide Mariana França Gouveia, in A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Almedina, 2004, p. 399, ao escrever o seguinte: “Restringindo o efeito preclusivo às excepções invocáveis, a doutrina maioritária faz integrar no âmbito do caso julgado todas as excepções que o réu poderia ter alegado na primeira acção.” E acrescenta que: “Este efeito preclusivo é normalmente inserido pela doutrina no caso julgado. Entende-se que o caso julgado abrange toda esta matéria, que a sua força abarca tudo aquilo que o réu poderia ter alegado (…)”       
[7] Vide ainda a este propósito Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 626.
[8] In Código de Processo Civil anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 1981, pp. 92-93.
[9] Vide, entre outros, os seguintes acórdãos do STJ: de 13/12/2007, relatado pelo Juiz Cons. Nuno Cameira no processo n.º 07A3739; de 06/3/2008, relatado pelo Juiz Cons. Oliveira Rocha, no processo n.º 08B402; de 23/11/2011, relatado pelo Juiz Cons. Pereira da Silva no processo n.º 644/08.2TBVFR.P1.S1, acessíveis na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[10] In Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, pp. 43-44.
[11] Ob. cit. p. 50.
[12] Ob. cit. p. 51.
[13] Ob. cit. p. 52.
[14] Com a Revisão do CPC de 95/96, o caso julgado deixou de figurar como exceção perentória, sendo incluído no elenco das exceções dilatórias.
[15] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, p. 354.
[16] In Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 578-579.
[17] No sentido exposto, vide, a título de exemplo, o acórdão do STJ, de 20/06/2012, relatado pelo Juiz Cons. Sampaio Gomes, no processo 241/07.0TLSB.L1.S1, acessível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[18] In A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, GESTLEGAL, 7.ª Edição, 2009, pp. 373-375.
[19] In  Acção Executiva Singular,  Lex, 1998, pp. 350-351.
[20] A este propósito, vide artigo doutrinário de Teixeira de Sousa, intitulado A Verificação do Passivo no Processo de Falência, publicado na Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (RFDUL), Vol. XXXVI, 1995, Lex, pp. 353 e segs. (361).
[21] In artigo e local citados, p. 362.
[22] A este propósito, vide Salvador da Costa, artigo intitulado O Concurso de Credores no Processo de Insolvência, publicado na Revista CEJ, 1.º Semestre 2006, n.º 4, número especial, pp. 91 e segs. (p. 107). 
[23] Neste sentido, vide Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, actualizado de acordo com o Decreto-Lei n.º 282/2007, Quid Juris, 2008. p. 456.
[24] Neste sentido, vide o acórdão do STJ, de 12/12/2013, proferido no processo n.º 1248/11.8TBEPS. G1.S1. acessível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[25] In artigo acima indicado A Verificação do Passivo no Processo de Falência, (RFDUL), Vol. XXXVI, 1995, Lex, p. 362.
[26] Artigo e local cit. pp. 368-369.
[27] Acessível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.