Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09S0620
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: BRAVO SERRA
Descritores: JOGADOR DE FUTEBOL
JOGO DE HOMENAGEM
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
ABUSO DO DIREITO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONFISSÃO
Nº do Documento: SJ2009062506204
Data do Acordão: 06/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - Cabe nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça nos termos do n.º 2 do art. 722.º do Código de Processo Civil, o de verificar se, ao dar por demonstrado que determinados documentos denominados “certificados” foram feitos chegar à ré pelo autor “em datas não concretamente apuradas”, o tribunal recorrido não atendeu à confissão do autor quanto às datas em que os referidos documentos teriam sido recebidos pela ré - por não ter este impugnado na resposta à contestação o alegado pela ré quanto às indicadas datas e por ter reconhecido que posteriormente a ela enviou outros “certificados” -, pois o que com isso se quer significar é que aquele segmento fáctico foi apurado com inobservância da força de um determinado meio de prova.
II - Da circunstância de o autor, na resposta, não ter impugnado os “certificados” juntos pela ré com a contestação ou referido serem inverídicas as datas dos carimbos da sua entrada nos serviços da ré, não pode afirmar-se a confissão do autor quanto à data da recepção pela ré daqueles documentos em determinada data, se a ré não retirara, em sede de contestação, qualquer argumento concreto daquela junção e dos carimbos apostos em alguns deles.
III - Não é sustentável defender-se que a ré, em determinada data, tinha para si que se deparava um caso de forte perturbação do programa contratual que outorgara com o autor, impossibilitador da continuação do vínculo obrigacional que entre ambos fora firmado, se nessa data a mesma ré envia ao autor uma carta em que lhe pede para se apresentar ao trabalho.
IV - Os casos redutíveis a um exercício abusivo do direito por supressio, impõem que, patente ou ostensivamente, se crie, no obrigado, a convicção de que a prestação já não virá a ser exigida, sob pena de a posterior exigência representar para ele um incomportável sacrifício.
V - Esse incomportável sacrifício resulta, não na mais acentuada difficultas praestandi pelo passar do tempo, mas sim numa consciência que se assumiu de que a prestação não mais viria a ser pedida.
VI - A demora na realização da prestação, com acrescidos custos para tanto, não pode, por si só, demandar o apelo à figura do abuso do direito se não vier, ou não puder, ser alcançado que a actuação do credor foi de tal sorte que, num prisma objectivo, havia de criar no devedor a consciência convicta do não exercício do direito.
VII - Não integra abuso do direito a conduta do treinador desportivo que exercita o direito conferido por um “aditamento” ao contrato de trabalho desportivo em que a sua entidade empregadora se comprometeu a realizar um jogo de despedida em homenagem ao treinador, revertendo a favor do mesmo a respectiva receita líquida e a favor daquela as receitas da transmissão televisiva até ao limite de Esc. 15.000.000$00, sendo que o excedente, a havê-lo, reverteria em favor do treinador, ainda que este tenha já recebido a quantia de Esc. 30.000.000$00 também acordada naquele aditamento, e apenas quatro anos depois venha exigir o cumprimento da obrigação consistente naquela realização, uma vez que ficou provado pretenderem as partes com o referido “aditamento”, por um lado, proporcionar ao autor o recebimento de uma quantia em dinheiro que compensasse a diminuição da sua retribuição mensal e, por outro, homenagear o autor.
VIII - Perante esta dualidade de intenções que presidiu ao estabelecimento do clausulado, e uma vez que a realização do jogo não pode ser desligada daquele intuito de natureza não patrimonial - o de ele vir a representar um preito de homenagem que se quis dirigir ao autor -, não se pode considerar que a recepção pelo autor do valor de Esc. 30.000.000$00 logo no ano subsequente à subscrição do negócio, tenha levado a ré a ficar convicta de que a outra parte se conformaria com a não realização do “jogo de homenagem”e que, por isso, não mais exigiria o cumprimento da obrigação .
IX – Não implica igualmente o exercício abusivo, por parte do autor, do direito de exigir a efectivação do jogo, a alegada circunstância de o decorrer do tempo (os referidos quatro anos depois de firmado o “aditamento” ao contrato) implicar um acréscimo dos custos de realização e perdas de receitas da transmissão televisiva, se, por um lado, a ré compara as receitas da transmissão televisiva de um jogo deste tipo com as de jogos de eliminatórias da Taça de Portugal entre equipas da Primeira Liga e jogos das ligas profissionais de futebol de outros países, nada demonstrando quanto a jogos com as mesmas características, no confronto entre aquelas épocas, e se, por outro, nos termos do “aditamento” somente revertiam a favor do autor as receitas líquidas do jogo, não provando a ré que os agravados custos derivados da realização do jogo quatro anos depois seriam sempre superiores às receitas.
Decisão Texto Integral:



1. Pelo 3º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa intentou AA contra BB, S.A.D., acção de processo comum, a que conferiu o valor de € 14.963,95, peticionando que a ré fosse condenada a cumprir o vínculo que assumiu emergente das cláusulas 1 e 1.1 do aditamento ao contrato de trabalho desportivo de treinador de futebol que foi celebrado entre as partes, em consequência devendo apresentar um projecto de jogo de homenagem ao autor, a disputar no Estádio ....

Para tanto, em síntese, invocou que: –

– o autor, em 1 de Agosto de 2001, celebrou com a ré um contrato de trabalho, com início nessa data, a fim de aquele desempenhar para esta as funções de treinador adjunto da Equipa B, nesse mesmo dia sendo celebrado um aditamento àquele negócio jurídico, nos termos do qual a ré se obrigou à realização de um jogo de homenagem ao autor, em data a acordar entre ambos e a disputar no Estádio ..., revertendo para o mesmo autor a receita ilíquida do realizando jogo e as receitas [da transmissão televisiva] em tudo o que excedesse Esc. 15.000.000$00, pois que, até este limite, tais receitas seriam pertença da ré, além de lhe serem entregues Esc. 30.000.000$00, quantia que, entretanto, foi liquidada pela ré;
– muito embora o autor tivesse enviado à ré a lista de convidados e pedido que o jogo fosse agendado o mais breve possível, nunca aquela se dignou responder, não obstante as inúmeras tentativas realizadas pelo autor para tanto, sendo que, em Junho de 2006, até ela foi objecto de intimação por este.

Posteriormente à apresentação do petitório inicial, veio o autor solicitar a condenação da ré no pagamento, desde a citação, de uma sanção pecuniária compulsória nunca inferior a € 2.500 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação.

Sobre este último pedido veio a ré a pronunciar-se, sustentando, em súmula, que, considerando que o crédito reclamado pelo autor consubstanciava uma prestação de facto infungível cuja obrigação exigia «especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado», não era possível a dedução do mecanismo coercitivo consistente na sanção pecuniária compulsória, a qual, no caso, pecava por exagero, sendo que, de todo o modo, a autorização para a realização do jogo estava dependente de autorização por parte da Federação Portuguesa de Futebol e o seu agendamento na época em causa tornava-se impossível, já que todos os jogos da Primeira Liga e da Liga dos Campeões se encontravam agendados, além de que não podia a ré obrigar os jogadores a concordarem com a realização do jogo.

Contestou a ré a acção, impugnando parte do articulado pelo autor, sustentando que o contrato de trabalho firmado entre ambos cessou por caducidade ou por abandono de trabalho, excepcionando a prescrição do crédito advindo da obrigação cujo cumprimento aquele reclamava, esgrimindo que a pretensão do autor constituía abuso de direito e, deduzindo reconvenção, solicitou que o autor fosse condenado a pagar-lhe € 70.000, correspondentes à quantia que era expectável ser por ela recebida pela transmissão televisiva do jogo, cuja não realização atempada se deveu à circunstância de o autor nunca nisso ter demonstrado interesse e não ter tratado da sua organização.

Em réplica, respondeu o autor à excepção da prescrição, concluindo pela respectiva improcedência, refutou os invocados abuso de direito e cessação do contrato de trabalho por caducidade ou por abandono do posto de trabalho, contestou o pedido reconvencional, solicitou a condenação da ré como litigante de má fé e ampliou o pedido que inicialmente formulara por sorte a nele ser considerada a quantia de Esc. 30.000.000$00 a que aludira no petitório inicial, mas desta feita com base no facto de esse montante representar um prémio final de carreira, o que, em seu entender, decorria de uma confissão da ré.

Respondeu a ré à réplica do autor, defendendo que a ampliação do pedido representava litigância de má fé, já que se tratava da mesma importância a que o autor se reportou na petição inicial, e propugnou pela improcedência quanto à sua reclamada condenação como litigante de má fé.

Por despacho de 22 de Março de 2007, o Juiz do 3º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa não admitiu a ampliação do pedido e dispensou a elaboração das «matéria assente» e «base instrutória».

Por sentença de 28 de Janeiro de 2007 foi julgada improcedente a reconvenção e, julgando-se procedente a acção, foi a ré condenada: –

– a realizar um jogo de despedida em homenagem ao autor, a disputar no Estádio ..., nas condições de reverter a favor do mesmo autor a receita líquida de tal jogo e de reverterem para a ré as receitas de transmissão televisiva até ao limite de € 74.819,68, sendo que, se estas fossem superiores, o remanescente reverteria para o autor;
– a, no prazo de dez dias contados do trânsito em julgado, apresentar ao autor um projecto daquele jogo de homenagem, projecto esse que contemplasse a data do evento, a lista dos convidados da ré, a lista dos convidados institucionais, a logística, a segurança, a publicitação do evento e demais elementos reputados necessários à realização daquele evento;
– a pagar uma sanção pecuniária compulsória de € 1.000, cujo montante reverteria, em partes iguais, para o autor e para o Estado, por cada dia desde o décimo dia posterior ao trânsito em julgado, sem que a ré enviasse ao autor o projecto do jogo de homenagem, e por cada dia subsequente ao trânsito em julgado que passasse desde o «arranque» do campeonato profissional de futebol da Primeira Liga, sem que o jogo tivesse tido lugar.

Inconformada, apelou a ré, arguindo a nulidade da sentença e impugnando a matéria de facto.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 22 de Outubro de 2008, julgou improcedentes as nulidade e impugnação da matéria fáctica e negou provimento à apelação.


2. Mantendo a sua irresignação, a ré pediu revista, tendo apresentado requerimento de interposição de recurso em que arguiu nulidade do acórdão revidendo.


O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 26 de Novembro de 2008, decidiu “julgar nula a sentença, por omissão de pronúncia, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC, e nulo o acórdão ora reclamado [reportava-se ao aresto de 22 de Outubro de 2008], por contradição entre a fundamentação e a decisão, nos termos da al. c) do nº 1 do mesmo preceito legal, relativamente à parte do pedido reconvencional em que a Ré pedia a condenação do A. ‘no que se vier a liquidar’ e, conhecendo dessa parte do pedido reconvencional, nos termos do art. 715º nº 1 do CPC”, julgou “o mesmo improcedente por não provado”, dele absolvendo o autor.


3. Rematou a ré a alegação produzida na revista com o seguinte núcleo conclusivo: –

1 – Entende a Recorrente que o douto Acórdão recorrido incorreu em erro na apreciação dos certificados de fls. 108 a 118 e, consequentemente, na resposta dada ao facto provado nº 24, quando concluiu que aqueles documentos foram entregues ‘em datas não concretamente apuradas’, desconsiderando, assim, o valor probatório plasmado no art. 376º do CC;
2 – Os certificados fazem prova plena quanto às declarações da testemunha Ana ..., quando afirmou que recebeu os certificados de fls. 108 a 113, em simultâneo, em 14 de Janeiro de 2005 e os de fls. 114 e 115, em 1 de Abril de 2005;
3 – Quanto aos factos compreendidos na declaração, deveriam ter-se dado como provados, devido ao depoimento da testemunha Ana...., à confissão do Recorrido em como entregou os certificados em data posterior a finais de Outubro de 2004 (cfr. art. 22º da resposta à contestação) e aos restantes factos provados que dão o Recorrido como ausente até finais de 2004 – cfr. facto provado 23;
4 – Ainda que se mantenha a matéria de facto dada como provada, sempre se dirá, à cautela, que o douto Acórdão recorrido interpretou erradamente os arts. 333º, nº 3 e 387º, al. b) do CT, devendo considerar-se que a factualidade provada nos nºs 16, 17 e 20 a 24 constituem o substrato factual que deveria ter levado à procedência da excepção de impossibilidade superveniente, definitiva e absoluta do Recorrido prestar o seu trabalho e à consequente prescrição da presente acção;
5 – A impossibilidade verificou-se devido à ausência do Recorrido, tal como se pôde verificar nos docs. de fls. 107 a 118, comprovativos da sua ausência sucessiva e prolongada no último ano do contrato a termo para que fora contratado;
6 – A superveniência da impossibilidade não oferece quaisquer dúvidas, na medida em que, a mesma só se verificou, em data não anterior a Agosto de 2004, tendo o contrato sido celebrado em 1 de Agosto de 2001 – cfr. factos provados 6 e 16;
7 – Entende também a Recorrente que não deve colher a interpretação restritiva quanto ao carácter absoluto da impossibilidade, até porque os argumentos apresentados pelo douto Acórdão recorrido não deverão colher.
O Recorrido não justificou as faltas de Agosto e Setembro de 2004, regressou ao país de origem em 20 de Setembro de 2004 por 3 meses e apresentou sucessivos certificados justificativos da sua ausência desde 20 de Setembro de 2004 a 3 de Julho de 2005;
8 – A interpretação feita pelo Tribunal recorrido configura um excessivo proteccionismo do trabalhador, desconsiderando a posição da Recorrente, na medida em que não é exigível que esta aguarde pelo regresso imprevisto e extraordinário do Recorrido. Aliás, a interpretação leva a que se considere indevidamente que o contrato esteve suspenso durante o último ano/época desportiva, quando o Recorrido só compareceu no primeiro mês do início dessa época.
Ao considerar-se que o Recorrido poderia regressar a qualquer momento, tal momento seria necessariamente findo o período da baixa, ou seja, quando o contrato já tivesse atingido o seu termo, uma vez que os certificados de doença justificam a ausência do Recorrido até aí;
9 – A impossibilidade tomou-se definitiva devido ao facto do regresso do Recorrido ser uma hipótese remota e extraordinária e não ser legítimo, nem razoável exigir à Recorrente contar com tal regresso, a partir de 14 de Janeiro de 2005 ou de qualquer outra data.
É que, não há dúvidas de que foi em 14 de Janeiro de 2005 que a Recorrente teve conhecimento dos certificados de fls. 108 a 115 e é o conhecimento da Recorrente que é relevante para efeitos de apreciação do carácter definitivo da impossibilidade;
10 – Ainda que não tivesse sido em 14 de Janeiro de 2005, o que se conclui, à cautela, mas antes ou depois, e ainda que os certificados tivessem sido entregues em separado ou conjuntamente, certo é que foram entregues antes do termo contratual, ou seja, antes de 30 de Junho de 2005, pelo [que] a impossibilidade tornou-se definitiva aquando da entrega dos certificados, ainda que em data não concretamente apurada, mas seguramente antes de 30 de Junho de 2005, daí ter ocorrido a prescrição da presente acção;
11 – Entende também a Recorrente que não deve colher a interpretação do douto Tribunal de que a doença só pode ser motivo de impossibilidade se for grave e se for previsível o seu agravamento; é que esse não deve ser o critério para avaliar da impossibilidade ser definitiva, mas sim se é razoável e expectável que o regresso do trabalhador ocorrerá devido a motivos extraordinários e incertos, o que foi convicção da Recorrente, atentos os factos provados sob os nºs 16, 17, 23 e 24;
12 – Por fim, houve um erro de interpretação do art. 334º do CC, visto que o Recorrido, ao exigir a realização do jogo de homenagem, incorre em abuso de direito, ou seja: o interesse na realização do jogo sempre foi mais do Recorrido do que da Recorrente, uma vez que as receitas reverteriam a seu favor como forma de compensar as perdas de remuneração enquanto jogador; ora, o Recorrido, ao receber antecipadamente e, a seu pedido, 30.000.000$00, fez com que a Recorrente concluísse que o mesmo não teria interesse na sua realização, passados 4 anos da sua contratualização, aliado à sua ausência prolongada no último ano do contrato.
Aliás, a subordinação jurídica não impediu o Recorrido de pedir antecipadamente os 30.000.000$00, como não o impediria de interpelar para a realização do jogo, pelo que não deverá colher o argumento do Acórdão Recorrido;
13 – Entende a Recorrente que o abuso de direito do Recorrido é manifesto devido também aos custos actuais da organização do jogo e à perda de receitas de transmissão televisiva, ou seja: os custos da realização do jogo no actual Estádio são muito superiores ao do antigo e as eventuais receitas de transmissão televisiva diminutas (cfr. factos provados 34 a 38), o que não sucederia se o interesse na realização do jogo fosse manifestado anteriormente; ou seja, a realização actual do jogo acarretará um sério prejuízo para a Recorrente, sendo abusiva a pretensão do Recorrido.

Respondeu o autor à alegação da ré sustentando, de um lado, que fosse declarado deserto o recurso, pois que, defendeu, a mesma ré, naquela peça processual, para além de “requestar a reapreciação da prova quanto aos mesmíssimos factos – provados e não provados – contra os quais se opôs em sede de apelação”, o que não é consentido pelo nº 2 do artº 722º do Código de Processo Civil, carreia “uma argumentação contra a decisão da primeira instância e, em nenhum momento, contra as cristalinas motivações da decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa”, razão pela qual se assiste a uma reprodução alegatória equivalente à deserção do recurso por falta de alegações. E, aditou o autor, mesmo que assim não fosse entendido, então sempre deveria este Supremo lançar mão do nº 5 do artº 713º daquele corpo normativo.

De outro lado, ainda o autor, sem embargo do anteriormente expedido, entendeu que o recurso em apreço, atendendo ao que se contém na “ossatura” da alegação da ré, designadamente o que consta das suas «conclusões» 1 a 6, 9, 10 e 12, deveria ser o de agravo em 2ª instância, pelo que para esta espécie de impugnação deveria ele ser convolado.

Ainda por outro lado, e a não procederem as anteriores razões, propugnou no sentido da improcedência do recurso.


3. O relator, em 3 de Março de 2009 proferiu despacho com o seguinte teor: –
“Na resposta à alegação de recurso apresentada pela ré BB..., S.A.D., o autor, AA, veio, no que agora releva, sustentar: –

– de um lado, que fosse declarado deserto o recurso, pois que, defendeu, a ré, naquela peça processual, para além de “requestar a reapreciação da prova quanto aos mesmíssimos factos – provados e não provados – contra os quais se opôs em sede de apelação”, o que não é consentido pelo nº 2 do artº 722º do Código de Processo Civil, carreia “uma argumentação contra a decisão da primeira instância e, em nenhum momento, contra as cristalinas motivações da decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa”, razão pela qual se assiste a uma reprodução alegatória equivalente à deserção do recurso por falta de alegações; e, aditou, mesmo que assim não fosse entendido, então sempre deveria este Supremo lançar mão do nº 5 do artº 713º daquele corpo normativo;
– de outro, que sem embargo do anteriormente expedido, entendia que o recurso em apreço, atendendo ao que se contém na “ossatura” da alegação da ré, designadamente o que consta das suas «conclusões» 1 a 6, 9, 10 e 12, deveria ser o de agravo em 2ª instância, pelo que para esta espécie de impugnação deveria ele ser convolado.

Não se lobriga assistir razão ao recorrido.

Na verdade, o vertente recurso, indiscutivelmente, apresenta-se como sendo o de revista, não se descortinando minimamente que, mesmo tendo presente a alegação formulada pela ré, tivesse sido seu intento a interposição de recurso de agravo na 2ª instância.

Se porventura algumas das considerações aduzidas na sua alegação, para além daquelas que se reportam à revista, tiverem a ver com a forma recursória a que caberia o epíteto de agravo interposto na 2ª instância, essa circunstância poderá, isso sim, conduzir a que das atinentes questões se não conheça, o que será objecto de decisão no proferendo acórdão.

No tocante à suscitada questão da deserção por uma aventada repetição argumentativa já trazida à alegação deduzida na apelação, perfilha-se a óptica de harmonia com a qual nada obsta a que, se o juízo decisório da Relação for idêntico ao sufragado na 1ª instância, se reiterem, na revista, as razões, ou algumas das razões fundantes da impugnação da sentença, desde que, como é claro, elas se reportem ao aresto recorrido.

E se essas razões, afinal, se mostrarem indevidas, mormente porque elas não «atacam» os dados argumentativos concretos que levaram o acórdão recorrido a decidir da forma como decidiu, isso entronca já na apreciação do mérito da revista, não servindo, dessa sorte, como esteio para um juízo de deserção do recurso.

Pelo que concerne à «sugerida» utilização da faculdade prevista no nº 3 do artº 713º, em conjugação com o artº 726º, um e outro do diploma adjectivo civil, justamente por se tratar de uma faculdade, competirá a este Supremo, em devido tempo, aquilatar do respectivo uso, não tendo, assim, que «seguir» ou «deixar de seguir» as «sugestões» que lhe são apresentadas pelas partes.

Neste contexto, entende-se ser o recurso o próprio, atempadamente interposto, não se descortinando, por ora, motivos que obstaculizem o respectivo conhecimento.”


4. A Ex.ma Magistrada do Ministério Público neste Supremo exarou «parecer» em que propugnou pela improcedência da revista.

Notificado esse «parecer» às partes, apenas sobre ele se pronunciou a ré, que defendeu que o facto provado sob o nº 24 [adiante enunciado como 23)], na parte em que nele se consignou que os certificados de incapacidade foram entregues pelo autor em datas não concretamente apuradas deveria ser tido por indemonstrado, antes se devendo dar como assente que a entrega ocorreu nos dias em que neles foram apostos os carimbos de entrada ou a menção de recebidos, já que essa invocação não foi impugnada pelo autor.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

II


1. Pelo acórdão em sindicância vem dada como assente a seguinte factualidade: –

– 1) o autor foi jogador profissional de futebol, tendo jogado na equipa de futebol sénior do BB durante cerca de dez anos, mais precisamente desde a época de 1991/1992 até ao final da época de 2000/2001;
– 2) no final da época de 2000/2001 o autor terminou a sua carreira de jogador de futebol profissional;
– 3) mercê das suas qualidades enquanto jogador profissional de futebol e enquanto homem, ainda hoje o autor é considerado pela generalidade dos sócios, adeptos e simpatizantes do BB e pelos jogadores, adeptos e dirigentes do futebol em geral, como um grande jogador de futebol, e um exemplo de dedicação, espírito de sacrifício e amor pelo referido clube;
– 4) devido às qualidades referidas em 3), o autor chegou a ser capitão da equipa de futebol do BB, tendo jogado nas posições de avançado, médio e até defesa, e é visto por muitos como um símbolo daquele clube;
– 5) em 1 de Agosto de 2001, o autor e a ré celebraram o acordo escrito intitulado “CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO DE TREINADOR PROFISSIONAL”, cuja cópia se acha de fls. 240 a 242;
– 6) na mesma data referida em 5) [por lapso escreveu-se “em 6–”], o autor e a ré celebraram também o acordo escrito intitulado “ADITAMENTO [AO] CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO DE TREINADOR PROFISSIONAL”, cuja cópia se acha a fls. 14 e 15, nos termos do qual, nomeadamente, ajustaram entre si o seguinte:
(…)
1. A BB, SAD compromete-se a realizar um jogo de despedida em homenagem ao TREINADOR, em data a acordar entre ambos, o qual será disputado no Estádio ..., revertendo a receita líquida a favor do TREINADOR, acrescido da quantia de Esc. 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos).
1.1. As receitas de transmissão televisivas do referido jogo de homenagem serão pertença da BB SAD até ao limite de Esc. 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos), revertendo a quantia excedente, se a houver, a favor do TREINADOR.
(…)”
– 7) ao outorgarem o acordo referido em 6) [por lapso escreveu-se, no acórdão “7–”] autor e ré pretenderam, por um lado, proporcionar ao primeiro o recebimento de uma quantia em dinheiro que, de alguma forma, compensasse a diminuição da sua remuneração mensal (visto que, enquanto jogador de futebol, auferia uma remuneração mensal substancialmente superior à que o que passou a receber enquanto treinador), e por outro lado, homenagear o autor;
– 8) em data não posterior ao ano de 2002, a ré entregou ao autor a quantia de Esc. 30.000.000$00 referida na cláusula 1. do acordo descrito em 6) (cfr. o mesmo lapso supra referido];
– 9) o que sucedeu a pedido do autor;
– 10) na sequência da celebração do acordo referido em 5) [por lapso escreveu-se “em 6–“], o autor trabalhou sob as ordens, direcção, e autoridade da ré, como treinador de futebol profissional;
– 11) tendo exercido funções como adjunto da equipa B de futebol profissional do BB até ao final da época de 2003/2004 (que ocorreu em finais de Maio de 2004);
– 12) altura em que, por decisão da ré, a mencionada equipa foi extinta;
– 13) no início da época de 2004/2005, em Julho de 2004, o autor apresentou-se ao serviço na Academia BB, em ..., mas a ré não lhe atribuiu quaisquer funções ou tarefas;
– 14) pelo que o autor ficou sem nada para fazer.
– 15) a partir de data não concretamente apurada, mas não anterior a Agosto de 2004, o autor deixou de comparecer nas instalações da ré;
– 16) situação que perdurou até 30 de Junho de 2005;
– 17) em data anterior à referida em 16), o autor contactou jogadores de futebol que consigo haviam jogado na equipa do Sporting Club de Portugal, para participarem no jogo mencionado em 6) [por lapso mencionou-se “em 7– ”];
– 18) não obstante o referido em 15), até Setembro de 2004 (inclusive) sempre a ré entregou ao autor, mensalmente, a quantia acordada a título de remuneração;
– 19) deixando de o fazer a partir do mês de Outubro de 2004 (inclusive);
– 20) em 18 de Outubro de 2004, [a] ré enviou ao autor a carta cuja cópia se acha a fls. 104, na qual lhe transmite o que segue:
Na impossibilidade de contactar V. Exa., e atendendo à falta de resposta às diversas mensagens deixadas na caixa de correio do seu telemóvel, desde o mês de Agosto até à presente data, pedindo-lhe para se apresentar ao trabalho, vimos por este meio interpelar V. Exa. a comparecer na academia do BB, no dia seguinte ao do recebimento da presente carta.
Ora, como compreenderá, esta ausência prolongada, sem uma sequer justificação da parte de V. Exa., não é admissível, nem sustentável por mais tempo.
Agradecemos, assim, que se dirija ao Sr. Carlos..., Director geral do Futebol, a quem deverão ser prestados os esclarecimentos tidos por convenientes.”;
– 21) a carta referida em 20) [por lapso escreveu-se “em 21–”] foi entregue na residência do autor no dia 20 de Outubro de 2004;
– 22) em finais de Outubro de 2004, o autor fez chegar à ré a declaração médica datada de 14 desse mês, cuja cópia se acha a fls. 107, subscrita pelo Dr. ..., médico neurologista, na qual este declara o que segue:
Para os devidos efeitos declaro que AA esteve muito deprimido na sequência dos muitos problemas de saúde pelos quais tem passado.
(…) a situação, em último consenso, tendo decidido por minha orientação regressar ao seu país de origem para repousar, o que ocorreu a 20 de Setembro de 2004, por um período de 3 meses.
– 23) em data(s) não concretamente apurada(s) o autor fez chegar à ré os “Certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho por Estado de Doença”, cujas cópias se acham a fls. 108 a 118, nas quais o médico que as subscreveu declara que o A. se encontra doente e incapacitado para o trabalho nos seguintes períodos temporais:
– Fls. 108: – de 20 de Setembro de 2004 a 1 de Outubro de 2004;
– Fls. 109: – de 2 de Outubro de2004 a 31 de Outubro de 2004;
– Fls. 110: – de 1 de Novembro de 2004 a 5 de Novembro de 2004;
– Fls. 111: – de 6 de Novembro de 2004 a 5 de Dezembro de 2004;
– Fls. 112: – de 06 de Dezembro de 2004 a 4 de Janeiro de 2005;
- Fls. 113: – de 5 de Janeiro de 2005 a 3 de Fevereiro de 2005;
- Fls. 114: – de 4 de Fevereiro de 2005 a 5 de Março de 2005;
– Fls. 115: – de 6 de Março de 2005 a 4 de Abril de 2005;
– Fls. 116: – de 5 de Abril de 2005 a 4 de Maio de 2005;
– Fls. 117: - de 5 de Maio de 2005 a 3 de Junho de 2005;
– Fls. 118: – de 4 de Junho de 2005 a 3 de Julho de 2005;
– 24) em 17 de Outubro de 2005 o mandatário do autor enviou à ré o fax, cuja cópia se acha a fls. 23, no qual lhe transmite o que segue: –
Na qualidade de mandatário do Sr. BB, vimos solicitar a V. Exª com carácter de urgência a realização de um jogo de homenagem ao n/ constituinte, tal como foi expressamente clausulado no acordo que vincula o BB, S.A.D. e o Sr. AA.
Sugerimos os próximos dias 19, 20, ou 21 do corrente, em hora e local que V. Exª designará para o efeito, dadas as limitações do nosso constituinte.
(…)”
– 25) a ré recebeu o fax referido em 24) [por lapso escreveu-se “em 25–”], mas não respondeu ao mesmo;
– 26) em 5 de Abril de 2006, o autor enviou à ré a carta cuja cópia se acha a fls. 17 a 19, na qual, reportando-se ao acordo referido em 6) [por lapso escreveu-se “em 7–”], enuncia os nomes dos jogadores e treinadores de futebol, bem como de personalidade búlgaras a convidar para o «jogo de homenagem» mencionado no mesmo acordo;
– 27) a ré recebeu a carta mencionada em 26) [por lapso escreveu-se “em 27–”], mas não respondeu à mesma;
– 28) em 6 de Junho de 2006 o mandatário do autor enviou à ré a carta cuja cópia se acha a fls. 21 a 22, na qual lhe comunica o que segue: –
Na qualidade de mandatário do Exmo. Sr. AA vimos, nos termos do n.º 1 do art. 805º do Código Civil, intimar V. Exas. Para que seja dado cumprimento à cláusula n. º 1 (até ‘a receita líquida a favor do Treinador’); 1.1. e 1.2. do Aditamento ao Contrato de Trabalho no prazo máximo de 8 dias, ou seja, até ao próximo dia 16 de Junho de 2006.
Para tanto, no decurso desse prazo, devem V. Exas. Enviar projecto detalhado contendo informação acerca dos elementos adiante discriminados:
a) data do evento
b) lista de convidados da Sporting, SAD
c) lista de convidados institucionais
d) logística
e) segurança
f) publicitação do evento
g) demais elementos que se reputem necessários à realização do evento desportivo em causa.
(…)”
– 29) a ré recebeu a carta mencionada em 28) no dia 8 de Junho de 2006, mas não respondeu à mesma;
– 30) nos termos das regras que norteiam os espectáculos desportivos, a realização de qualquer jogo de futebol de carácter público em estádios de futebol depende de prévia autorização da Federação Portuguesa de Futebol;
– 31) autorização essa que deve ser solicitada pela entidade responsável pelo estádio em que tal jogo terá lugar;
– 32) em 31 de Julho de 2006 os jogos da Primeira Liga de Futebol e da Liga dos Campeões já haviam sido agendados, pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional e pela UEFA, respectivamente;
– 33) na época futebolística de 2001/2002, os direitos televisivos referentes a jogos das eliminatórias da Taça de Portugal, entre equipas da Primeira Liga, eram negociados jogo a jogo, por montantes que oscilavam entre os € 70.000 e os € 100.000;
– 34) actualmente (época 2007/2008), a ré vende os direitos televisivos referentes a jogos de futebol da Taça de Portugal em bloco, auferindo o montante global que corresponde a um valor médio, por jogo, significativamente inferior ao mencionado em 33) [por lapso escreveu-se “em 34–”];
– 35) actualmente (época 2007/2008), os direitos de transmissão dos jogos das ligas de futebol profissional de Espanha, Inglaterra ou Itália são vendidos às televisões por valores situados entre os € 7.500 e os € 10.000 por jogo;
– 36) na época de 2006/2007, a ré calculou os custos directos decorrentes da realização de um jogo com as características do «jogo de homenagem» a que se reporta o acordo referido em 6) [por lapso escreveu-se “em 7–”], no estádio Alvalade XXI, em € 37.090 (sem catering) ou € 66.090 (com catering);
– 37) no antigo estádio José [de] Alvalade, os custos mencionados em 36) [por lapso escreveu-se “em 37–”] rondavam os € 15.000;
– 38) o autor sentiu e sente-se triste e magoado por a ré ainda não ter realizado [o] «jogo de homenagem» a que se reporta o acordo referido em 6) [por lapso escreveu-se “em 7–”] e não pretender fazê-lo.


2. Como resulta das «conclusões» apresentadas pela ré na alegação do vertente recurso, as questões pela mesma impostadas cifram-se em saber: –

– (i) se o acórdão sindicado incorreu em erro ao dar como provado o item 24 da matéria de facto [cfr. supra, II 1. 23)], na parte em que se consignou que a entrega dos «Certificados» aí referidos ocorreu em datas não concretamente apuradas, uma vez que dos documentos de fls. 108 a 118, do depoimento de uma testemunha e da confissão do autor se extrairia que esses certificados teriam sido recebidos em data posterior a finais de Outubro de 2004 (cfr. «conclusões» 1 a 3);
– (ii) se da factualidade apurada se pode extrair a existência de uma impossibilidade superveniente, definitiva e absoluta de o autor poder prestar o seu trabalho à recorrente (cfr. «conclusões» 4 a 9 e 11);
– (iii) se ocorreu a prescrição do crédito reclamado pelo autor (cfr. «conclusão» 10);
– (iv) se o autor abusou do seu direito ao exigir a realização do «jogo de homenagem» (cfr. «conclusões» 12 e 13).


3. No que tange à primeira questão, avance-se, desde já, que – e no que especificamente concerne às «conclusões» 1 a 3 (e já não, como se depara óbvio, às «conclusões» 4 a 6 e 9, 11 e 12, a que se reporta o autor na resposta à alegação da ré) – não é de perfilhar a perspectiva do recorrido no sentido de essa questão se postar como devendo ser objecto de agravo interposto em segunda instância.

Na verdade, por aquela questão suscita a recorrente o problema de saber se, ao se dar por demonstrado que os epitetados «Certificados de incapacidade Temporária para o Trabalho por Estado de Doença» referidos no item 24) de II 1. foram feitos chegar à ré em datas não concretamente apuradas, uma tal demonstração não podia ser levada a efeito, tendo em conta determinados parâmetros, que enuncia.

De entre esses parâmetros, refere uma alegada confissão do autor quanto às datas em que os sobreditos «Certificados» teriam sido recebidos pela ré, confissão essa decorrente da circunstância de, por um lado, não ter aquele impugnado, na resposta à contestação, o alegado pela ora recorrente quanto às indicadas datas e, por outro, de ter reconhecido que posteriormente enviou outros «Certificados».

Ora, um tal modo de colocar a questão entronca no que se encontra prescrito no nº 2 do artº 722º do diploma adjectivo civil, pois que, em rectas contas, o que com isso se quer significar é que aquele preciso segmento fáctico dado por apurado o foi com inobservância da força fixadora de um determinado meio de prova – in casu, a confissão.

Sendo assim, não se lobriga como, neste particular, se pode esgrimir com o argumento de que a impugnação do decidido neste ponto somente poderia ser alcançada por via de um recurso de agravo em segunda instância, razão pela qual nada impede que, em sede de revista, e sem apelo à alteração da espécie de recurso, se aprecie a aludida impugnação, o que, já de seguida, se passará a efectuar.


3.1. É patente que os demais parâmetros em que se ancora a recorrente para impugnar a matéria de facto – no já referido preciso segmento – do item agora enunciado em II 1. 24), não são susceptíveis de censura por este Supremo.

Na realidade, a impugnante vem brandir com as circunstâncias de em alguns dos «Certificados» constarem «carimbos» de entrada na ré e noutra sociedade do grupo BB com as datas de 14 e 18 de Janeiro de 2005 e de uma testemunha – Ana ... – ter deposto no sentido de esses documentos terem dado entrada naqueles dias (cfr. fls. 1 a 3 do «corpo» da alegação da recorrente)

Ora, à aposição, naqueles documentos, dos «carimbos» de entrada, levada a cabo pela própria ré ou por uma sociedade pertença ao mesmo grupo, e porque se não tratam, uma e outra, de autoridades ou oficiais públicos ou que exerçam publicamente as respectivas funções, não pode ser conferida uma força probatória plena no sentido de que eles, efectivamente, deram entrada nas datas constantes dos ditos «carimbos».

Por outro lado, não pode este Supremo Tribunal sindicar a convicção que foi alcançada pelas instâncias sobre o depoimento que a referida testemunha terá efectuado sobre este ponto fáctico, já que, mesmo que essa conclusão fosse devida a erro na apreciação do depoimento, isso não é passível de censura nos exactos termos da disposição legal adjectiva a que acima nos reportámos (nº 2 do artº 722º do Código de Processo Civil).

Aqui chegados, resta analisar a aventada postergação de uma confissão do autor quanto à data em que ele fez chegar à ré os «Certificados», pois que, como se viu, essa questão não está subtraída da competência cognitiva deste órgão de administração de justiça.

É certo que, com a contestação, a ora recorrente juntou os falados «Certificados», em alguns dos quais se surpreendem com aposição de «carimbos» de entrada com as datas já referidas (quanto a outros, não consta qualquer «carimbo»).

Simplesmente, dessa específica circunstância não retirou a ré, em sede de contestação, qualquer argumento concreto.

Na resposta à contestação, efectivamente, o autor não impugnou os «Certificados» juntos com esta peça processual ou se referiu a que as datas dos «carimbos» de entrada eram inverídicas.

Simplesmente, no entender deste Supremo, isso em nada releva para o ponto agora em apreciação.

É que, como é bom de ver, o passo agora criticado pela recorrente – o de o autor lhe ter enviado os «Certificados» – é algo de diverso da sua efectiva recepção ou da aposição, neles, de um «carimbo» de entrada, com uma dada data, sendo ainda que, relativamente a alguns deles, que se reportavam a períodos de doença que se «estenderam» até Julho de 2005, nem sequer consta qualquer «carimbo».

Justamente por isso não se poderá, de uma banda, falar em qualquer «confissão» do autor quanto à data da remessa dos «Certificados» e, de outra, que possa haver repercussão útil na causa quanto ao decidido neste particular e que agora é alvo de censura por parte da impugnante.

Improcedem, desta arte, as «conclusões» 1 a 3.


4. No que concerne ao problema de saber se da factualidade apurada se haverá de extrair a existência de uma situação consubstanciadora de impossibilidade superveniente, definitiva e absoluta de autor prestar o seu labor à ré, não se irá deixar de sublinhar, num primeiro passo, que esse problema somente se desenha como perfeitamente compreensível se se atentar que, na tese da impugnante, tendo o contrato de trabalho firmado entre ela e o autor cessado perante tal impossibilidade, teria ocorrido a prescrição do crédito detido pelo recorrido e consistente na percepção das receitas advenientes do «jogo de homenagem».

E, justamente por isso, estes problemas terão tratamento conjunto.

A este respeito, o aresto em crise discorreu do seguinte modo: –

“(…)
Alega a Recorrente que ainda que a matéria de facto não seja alterada, a que foi dada como provada é bastante para que procedam as excepções da caducidade por impossibilidade absoluta e definitiva da prestação laboral e, consequentemente, da prescrição dos créditos, bem como a excepção de abuso de direito.
Ora, relativamente a esta matéria concordamos inteiramente com decisão da 1ª Instância que julgou improcedentes as referidas excepções, pelo que podemos remeter para a respectiva fundamentação.
No entanto, sempre diremos, no que se refere à excepção da caducidade do contrato de trabalho, que entendemos não haver elementos factuais que permitam concluir ter o contrato de trabalho do Autor terminado antes do seu termo, que ocorria no final da época desportiva de 2004/2005, por efeito da impossibilidade absoluta e definitiva do Autor prestar a sua actividade ou da Ré a receber.
Nos termos do art. 387º al. b) do Código do Trabalho, ‘o contrato de trabalho caduca nos termos gerais do direito, nomeadamente, verificando-se a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber.
Esta norma corresponde ao art. 4º da anterior lei dos despedimentos (Dec-Lei 64-A/89 de 27.02[)].
A referência aos ‘termos gerais do direito’ constante do corpo do artigo reporta-se ao art. 790º nº 1 do Cód. Civil que dispõe:
A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.
E conforme ensina Antunes Varela, em ‘Das Obrigações em Geral’, 2[ª] ed., IIº vol. pag. 66, ‘a prestação torna-se impossível quando, por qualquer circunstância (legal, natural, humana) o comportamento exigível do devedor se torne inviável’.
‘Para que a obrigação se extinga, é necessário, segundo a letra e o espírito da lei, que a prestação se tenha tornado verdadeiramente impossível, seja por força da lei, seja por força da natureza (caso fortuito ou de força maior), ou por acção do homem’.
‘Causa da extinção da obrigação é a impossibilidade (física ou legal) da prestação (a que pleonasticamente se poderia chamar impossibilidade absoluta), não a simples ‘dificultas praestandi’, a impossibilidade relativa’.
Também Abílio Neto em ‘Contrato de Trabalho, Notas Práticas’, 12ª ed. pag. 526, referia a propósito do art. 4º da LCCT que ‘nem toda e qualquer impossibilidade, seja para o trabalhador prestar o trabalho, seja para a entidade empregadora o receber, constitui causa determinante da caducidade; esta só ocorrerá se essa impossibilidade for, simultaneamente, superveniente, absoluta e definitiva’.
A impossibilidade é superveniente quando a causa determinante ocorra posteriormente à constituição do vínculo laboral, ou seja, quando não existia nem era previsível no momento da celebração do contrato.
É absoluta quando seja total, isto é, quando o trabalhador ou a entidade empregadora não estejam em condições de, respectivamente, prestar ou receber sequer parte do trabalho, não bastando o simples agravamento ou a excessiva onerosidade da prestação para qualquer das partes.
E é definitiva, quando, face a uma evolução normal e previsível, não mais seja viável a prestação laboral ou o recebimento do trabalho.
A doutrina e sobretudo a jurisprudência têm adoptado uma interpretação restritiva, segundo a qual essas características do carácter absoluto e definitivo da impossibilidade devem ser apreciadas em termos rígidos, objectivos e naturalísticos, sendo indiferentes a essa apreciação os maiores ou menores sacrifícios ou ónus que a entidade patronal haja de suportar para garantir a manutenção dos postos de trabalho. Tal orientação fundamenta-se no direito dos trabalhadores à segurança no emprego e ao trabalho, consagrados nos art. 53º e 58º da Constituição (Cfr. sobre esta matéria, Menezes Cordeiro, Manual de Direito do trabalho, pag. 792, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 9ª ed. pag. 473, Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, pag. 821, P. Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, pag. 31 e, também, Morais Antunes e Ribeiro Guerra, em Despedimentos e Outras Formas de Cessação do Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, pag. 29 e Ac. do STJ de 6.04.2000, em CJ-STJ, 2000, T. 2, pag. 251 e de 27.01.99, CJ, Ac-STJ, 1999, TI, pág. 269, e Ac de 7.03.07 e de 14.11.07 em www.dgsi.pt).
A Recorrente alegou que ocorreu a caducidade do contrato de trabalho do Autor em 14.01.2005, por nessa data se ter tornado previsível que não iria voltar mais a exercer a sua actividade laboral.
Além de não estar provada a data da entrega dos certificados juntos a fls. 108 a 118, verifica-se que esses documentos, emitidos pelas entidades oficiais portuguesas competentes, comprovam a situação de incapacidade temporária do Autor relativamente aos períodos neles indicados, embora cubram todo o período de 20.09.2004 a 3.07.2005. Mas, daí não decorre que a partir de algum momento a prestação do trabalhador se tornou absolutamente impossível, quer para o Autor a prestar quer para a Ré a receber. Pois, por um lado, a qualquer momento poderia cessar a situação de baixa e o A. poderia regressar ao trabalho e, por outro, também não está demonstrado que, face a essa situação de baixa, a prestação do A. deixasse de poder satisfazer o interesse do credor. Com efeito, mesmo que a Ré estivesse impossibilitada de receber a prestação do Autor pelo facto de ter sido extinta a equipa B de que ele era treinador-adjunto, o certo é que no contrato de trabalho do Autor estavam previstas outras funções para além das de treinador adjunto que ele poderia vir a exercer, em qualquer momento, após o termo da sua baixa por doença.
Acresce que não há fundamento factual para se poder afirmar a existência de uma situação de previsibilidade de que o Autor não iria mais exercer a sua actividade laboral a partir de 14.01.2005 (ou mesmo de qualquer outro momento), não só porque não está provado que os documentos de baixa tivessem sido entregues simultaneamente na referida data, mas também porque a situação de doença é uma vicissitude que pode ocorrer durante o contrato de trabalho, não se podendo considerar que, por esse motivo, a prestação deixasse de poder satisfazer o interesse do credor. A nosso ver, isso só ocorre quando a situação de doença impossibilita a prestação em termos absolutos e definitivos (caso de uma doença grave, incapacitante da prestação de trabalho, cuja evolução previsivelmente só se agravará), mas isso não ocorreu no presente caso.
Bem decidiu, pois, a sentença recorrida ao considerar improcedente a alegada excepção da caducidade do contrato, cuja improcedência acarreta também a da prescrição, como bem se decidiu.
(…)”

Além de se anuir, na sua essencialidade, à corte argumentativa que acima se encontra extractada, sublinha-se que, mesmo aceitando, em sede hipotética, que os padecimentos de que o autor sofria demandavam uma impossibilidade absoluta e definitiva para o desempenho das obrigações sobre ele impendentes e resultantes do negócio jurídico-laboral que firmara com a ré, o que é certo é que não se depara qualquer factualidade que ancore, inquestionavelmente, uma data a partir da qual essa impossibilidade se efectivou, anotando-se que em Outubro de 2004 a ré lhe enviou a carta a que se refere o item 20) de II 1., na qual lhe pedia para se apresentar ao trabalho.

Ora, perante essa manifestação, não é sustentável defender-se (mesmo para quem entenda que, para efeitos de apreciação de situações por doença por período dilatado do trabalhador, a fim de se poder concluir se haverá, ou não, impossibilidade absoluta e definitiva para o desempenho do trabalho, não pode deixar de ser ponderado o interesse do empregador, sendo desproporcionado exigir a este que aguarde pela recuperação do mesmo trabalhador quando ela não é, previsivelmente, localizável, ao menos num tempo razoável) que a ré, ao menos já na segunda metade de Outubro de 2004 (mais concretamente em 18 desses mês e ano), tinha para si que se deparava um caso de forte perturbação do programa contratual que outorgara com o autor, impossibilitadora da continuação do vínculo obrigacional que entre ambos fora firmado.

E, como, em 17 do aludido mês de Outubro, o autor, por intermédio do seu mandatário, enviou o fax a que se refere o item 17) de II 1., fax esse a que não pode deixar de ser conferida a caracterização de uma interpelação no sentido do cumprimento da obrigação mencionada na «cláusula» 1. do “ADITAMENTO [AO] CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO DE TREINADOR PROFISSIONAL”, não se pode deixar de considerar que, aquando de tal interpelação, o negócio aprazado entre as partes ainda não se encontrava cessado por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o autor poder cumprir as obrigações dele emergentes.

Ora, num tal contexto, não se lobriga minimamente que possa ser defendido que o crédito do autor consistente na realização da prestação de facere da ré estava já prescrito.

Adite-se ainda que a argumentação aduzida pela recorrente no sentido de o recorrido ter deixado de comparecer desde Agosto de 2004, sendo que a época desportiva se iniciou em Julho de 2004, não colhe, por si, quando se tenha na devida atenção que a equipa B da ré (da qual o autor era treinador) foi extinta, por decisão sua, em finais de Maio de 2004 [cfr. items 11) e 12) de II 1.].

Improcedem, assim, as «conclusões» 4 a 11.


5. Aprecie-se, por último, a questão do invocado abuso de direito do autor ao exigir a realização do «jogo de homenagem».

Se bem entendemos o que, quanto a este problema, é invocado pela recorrente, o aventado exercício abusivo do direito do autor em exigir o cumprimento da obrigação consistente naquela realização desdobrar-se-ia em duas vertentes, a saber: – a de, tendo o autor já recebido Esc. 30.000.000$00, isso teria criado na impugnante a convicção que, passados quatro anos desde a outorga do «aditamento» ao contrato de trabalho desportivo, já não interessava ao recorrido a realização do «jogo de homenagem; e a de que, sendo, actualmente, os custos daquela realização muito superiores e sendo inferiores as receitas televisivas, a mesma acarretava um sério prejuízo para a ré, assim se figurando abusiva a exigência dessa realização.

Indubitavelmente que, com a primeira vertente, a impugnante pretende esgrimir com uma forma de supressio, por banda, do autor, na efectivação do «jogo de homenagem», supressio essa advinda da circunstância de, só vindo ele a pretender exercitar o direito a ele conferido pela «cláusula» 1. do «aditamento» muito tempo depois de ele ter sido estabelecido, tendo, desde data não posterior ao ano de 2002, recebido Esc. 30.000.000$00, isso significaria uma forma de manifestação de desinteresse pelo cumprimento da realização prestacional incidente sobre o devedor e que defluía do direito que para o credor resultou do acordo negocial em causa.

Poder-se-ia, desde logo, sustentar, de uma certa perspectiva, que a segunda vertente, ao menos nalgumas situações, não deveria ser autonomizada da primeira.

De facto, como tem sido assinalado pela doutrina, os casos redutíveis a um exercício abusivo do direito por supressio, impõem que, patente ou ostensivamente, se crie, no obrigado, a convicção de que a prestação já não virá a ser exigida, sob pena de a posterior exigência representar para ele um incomportável sacrifício (cfr., a este propósito Baptista Machado, no nº 118º da Revista de Legislação e de Jurisprudência).

Simplesmente, esse incomportável sacrifício não advém da circunstância de, com o decorrer do tempo, a prestação se vir a tornar mais onerosa, mas sim não ter sido exigido o cumprimento durante um acentuado período de tempo, o que firmou no obrigado aquela convicção.

O que vale por dizer que o sacrifício resulta, não na mais acentuada difficultas praestandi pelo passar do tempo, mas sim numa consciência que se assumiu de que a prestação não mais viria a ser pedida.

Assim sendo, se não vier, ou não puder, ser alcançado que a actuação do credor foi de tal sorte que, num prisma objectivo (e sabido como é que o delinear do abuso de direito previsto no artº 334º do Código Civil desconsidera a intenção do agente), havia de criar no devedor a consciência convicta do não exercício do direito, é de evidência que a demora na realização da prestação, com acrescidos custos para tanto, não pode, por si só, demandar o apelo àquela figura de aniquilação do direito.

Nesta envolvência, os termos da segunda vertente erigida pela recorrente não poderiam, sem mais, ser autonomizados em termos de abuso de direito, excepto, como é bom de ver, se se concluísse que a demanda do autor na realização do «jogo de homenagem» era, por si, atentatória de uma boa fé que deve iluminar o relacionamento entre as partes intervenientes num negócio jurídico, devido a um incomportável e manifesto sacrifício imposto ao devedor no cumprimento da obrigação ou, quiçá, pelo desbordar do fim social e económico do direito pretendido exercer.

Efectuado este parêntesis, vejamos então se a circunstância de o autor ter recebido, ainda em 2002, Esc. 30.000.000$00, só posteriormente vindo a exigir a realização do «jogo de homenagem», poderá – objectivamente, repete-se – ser considerado como apontando para o exercício abusivo do direito.

Na análise a que agora nos propomos não pode ser escamoteada a factualidade que se consignou em 7) de II 1..

Segundo ela, ao outorgarem o «aditamento» ao contrato de treinador desportivo, pretenderam as partes, por um lado, proporcionar ao autor o recebimento de uma quantia em dinheiro que, de alguma forma, compensasse a diminuição da sua remuneração mensal (pois que ele, enquanto jogador de futebol, auferia uma remuneração substancialmente superior à que passou a auferir na qualidade de treinador) e, por outro, homenagear o autor.

Isto significa, indubitavelmente, que, enquanto a percepção da receita ilíquida do «jogo de homenagem» e dos Esc. 30.000.000$00 tinham uma faceta compensadora da mais baixa remuneração, a realização do próprio jogo não pode ser desligada de um outro intuito, já não de natureza patrimonial, e qual seja o de ele vir a representar um preito de homenagem que se quis dirigir ao autor [e a isso – e sem que se queira, de todo em todo, retirar qualquer inferência fáctica que, aliás, nos não é consentida pelos poderes cognitivos que nos cabem – não serão alheios os factos tidos por demonstrados e a que se reportam os items 3) e 4) de II 1.].

Perante esta dualidade de intenções que presidiu ao estabelecimento do clausulado, não se pode considerar que a recepção pelo autor, ainda no ano de 2002, dos Esc. 30.000.000$00, tenha levado a ré a ficar convicta que a outra parte se conformaria com a não realização do «jogo de homenagem» e, que, por isso, não mais iria exigir o cumprimento dessa obrigação.

Não se figura, assim, uma situação de supressio, tal como a recorrente a delineia.


5.1. Volvamos, por fim, a atenção sobre a questão de saber se a efectivação do «jogo de homenagem», cuja exigência ocorreu cerca de quatro anos depois de ter sido firmado o «aditamento» ao contrato de trabalho desportivo, e porque, alegadamente, esse decorrer do tempo implicava um acréscimo dos custos de realização e perdas de receitas da transmissão televisiva, aquela exigência pode implicar o exercício abusivo do direito detido pelo autor.

A factualidade que se logrou indica, no que agora interessa, que: –

– a ré, por acordo escrito celebrado com o autor, que foi intitulado de “ADITAMENTO [AO] CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO DE TREINADOR DE FUTEBOL”, comprometeu-se a realizar um jogo de despedida em homenagem a este último, em data a acordar entre ambos, revertendo a favor do mesmo a respectiva receita líquida e a favor daquela as receitas da transmissão televisiva, até ao limite de Esc. 15.000.000$00, sendo que o excedente, a havê-lo, reverteria em benefício do autor [cfr. item 6) de II 1.];
– com esse acordo autor e ré pretenderam, por um lado, proporcionar ao primeiro o recebimento de uma quantia em dinheiro que, de alguma forma, compensasse a diminuição da sua remuneração mensal e, por outro, homenageá-lo [cfr. item 7) de II 1.];
– na época futebolística de 2001/2002, os direitos televisivos referentes a jogos das eliminatórias da Taça de Portugal, entre equipas da Primeira Liga, eram negociados jogo a jogo, por montantes que oscilavam entre os € 70.000 e os € 100.000, sendo que, actualmente (época de 2007/2008), a ré vende aqueles direitos em bloco, auferindo um montante global que corresponde a um valor médio significativamente inferior àqueles montantes e que, nesta mesma época, os direitos de transmissão dos jogos das ligas de futebol profissional de Espanha, Inglaterra ou Itália são vendidos por valores situados entre os € 7.500 e os € 10.000 por jogo [cfr. items 33), 34) e 35) de II 1.];
– na época de 2006/2007, a ré calculou os custos directos decorrentes da realização de um jogo no estádio Alvalade XXI com as características do «jogo de homenagem» cuja realização foi acordada entre as partes, em € 37.090 (sem catering) ou € 66.090 (com catering), enquanto que, no anterior estádio ..., esses custos rondariam os € 15.000 [cfr. items 36 e 37 de II 1.].

Pelo que respeita aos custos com a realização do evento – aceitando que o «cálculo» indicado no item 36) de II 1., não obstante ter sido efectuado pela ré, corresponde a um custeio real –, assume foros de evidência que a realização do «jogo de homenagem», se tivesse tido lugar no estádio ..., tinha um custo acentuadamente inferior àquele que demandava a realização do estádio ... (anote-se que, relativamente aos custos no primeiro, não se apura se eles incluíam, ou não, catering).

Será porventura com base neste circunstancialismo que a ré defende que a realização do «jogo de homenagem» implicava para si um avultado prejuízo, já que eram menores as receitas da transmissão televisiva e as receitas líquidas desse jogo revertiam a favor do autor.

Simplesmente, há aqui que atentar em duas circunstâncias, que apontam, desde logo, para a falência do raciocínio da ré.

A primeira é a de que à matéria atinente às receitas de transmissão televisivas e seu confronto nas épocas de 2001/2002 e 2007/2008, não pode ser conferido demasiado relevo, pois que ela se refere a jogos das eliminatórias da Taça de Portugal entre equipas da Primeira Liga e jogos das ligas profissionais de futebol profissional de outros países, e, de todo, nenhum outro dado de facto foi apurado no sentido de se demonstrar que, tratando-se de jogos com as características daquele que a ré se comprometeu a realizar, as receitas da sua transmissão televisiva, e no confronto entre aquelas épocas, se postavam em patamares idênticos àqueles a que tal matéria diz respeito.

A segunda – aliás com a maior relevância – é a de que, nos termos do acordado, somente revertiam a favor do autor as receitas líquidas do «jogo de homenagem», o que equivale, como é claro, ao montante pecuniário que resultasse após a dedução dos custos com a organização do evento.

Sendo assim, como é, não se depara perceptível que a ré venha a brandir com um prejuízo que sofreria com a realização do jogo.

De facto, não provou ela que, mesmo com os acrescidos custos derivados da realização do jogo no estádio Alvalade XXI, esses agravados custos seriam sempre superiores às receitas.

E isso tornar-se-ia indispensável perante a sua defendida tese, pela simples razão de acordo com a qual tão só com uma situação desse jaez é que se poderia sustentar que, então, haveria uma situação de prejuízo para a ré, porquanto, se os custos com a realização do jogo não fossem inferiores às receitas ilíquidas, o que resultaria era que o quantitativo a perceber pelo autor diminuiria em razão do agravamento daqueles custos.

Ora, como a aludida prova não foi almejada, não se descortina que a exigência do autor na realização do «jogo de homenagem» constitua uma clamorosa ofensa da boa fé ou do fim social e económico do direito intentado exercer.

Improcedem, desta arte, todas as questões suscitadas pela ré no vertente recurso.


III


Em face do que se deixa dito, nega-se a revista.

Custas pela impugnante.


Lisboa, 25 de Junho de 2009

Bravo Serra (Relator)
Mário Pereira
Sousa Peixoto