Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3495/19.5T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRAZO DE CADUCIDADE
CONTRATO ATÍPICO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
EMPREITADA
MANDATO
DEFEITO DA OBRA
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
VALOR DO SILÊNCIO COMO MEIO DECLARATIVO
DECLARAÇÃO TÁCITA
COISAS INCORPÓREAS
Data do Acordão: 01/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Configura um contrato de prestação de serviços atípico o contrato celebrado pelas partes, em que a prestação essencial de uma delas se traduz no resultado de um trabalho intelectual, no caso, na gestão, coordenação e fiscalização da construção de uma moradia da outra.

II. Tal contrato apresenta afinidades com o contrato de empreitada e com o contrato de mandato, pelo que a sua atipicidade determina a aplicação das regras contidas nas suas próprias cláusulas e nas normas gerais dos contratos, bem como das regras do mandato devidamente adaptadas, se for caso disso, e, na medida do possível, sempre que a semelhança das situações o justifique, as regras da empreitada.

III. Em sede dessas adaptações, quando se mostrem inadequadas ao caso as disposições do contrato de mandato, nada obsta a que se possa, casuisticamente, lançar mão de disposições mais conformes do próprio contrato de empreitada.

IV. É o que ocorre nos casos, como o presente, em que, não obstante a natureza da coisa incorpórea relativamente ao contrato de fiscalização de obra, a fiscalização foi deferida pelo dono da obra a outrem, nos termos do art.º 1209.º, n.º 2, do Código Civil, e aquele invoca, decorridos mais de dez anos, os defeitos da construção da moradia e os prejuízos daí advenientes, como sendo da responsabilidade da ré, por não ter cumprido as obrigações que contratualizou, quando tais defeitos  e prejuízos eram visíveis e reclamáveis desde a cessação do contrato de empreitada e consequentemente da cessação do contrato de prestação de serviços celebrado.

V. Em tais circunstâncias, mostra-se adequado aplicar o regime da caducidade estabelecido nos art.ºs 1224.º e 1225.º do CC aos direitos de indemnização emergentes da eventual violação de obrigações contratuais.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 3495/19.5T8PRT.P1.S1[1]

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]:


I. Relatório[3]


AA instaurou, em 12/2/2019, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A400 − Projetistas e Consultores de Engenharia, Lda., ambos melhor identificados nos autos, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 124.305,00 € (cento e vinte e quatro mil, trezentos e cinco euros), acrescida de juros de mora, desde a data da citação.

Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:

. Em 15/3/2006, o Autor celebrou com a Ré um contrato de gestão, coordenação e fiscalização da obra de construção de uma moradia, tendo esta R. assumido a respectiva responsabilidade por todas as fases do processo: a de projecto, a de consultas e de contratação e a fase da obra.

. Do projecto de licenciamento constava como técnico responsável pela direção técnica da obra o Eng. BB, sócio gerente da Ré.

. Em 31/10/2008, foi lavrado auto de recepção provisória.

. Em 23/01/2009, o Autor deslocou-se à moradia em causa e deparou com uma inundação e com diversas deficiências, tendo solicitado ao Instituto da Soldadura da Qualidade a inspeção ao imóvel, de que resultou relatório descrevendo as diversas deficiências.

. A sociedade empreiteira EDITRAVANCA, encarregada da realização da obra, que a Ré deveria acompanhar, não reparou os aludidos defeitos, o que implicou que o Autor tivesse despendido € 41.091,95 em obras urgentes.

. O A. instaurou acção contra aquela empreiteira, mas esta não pagou a quantia em que ali foi condenada, acabando por ser declarada insolvente e encerrado o processo.

. Por sua vez, a Ré omitiu os deveres de acompanhamento da obra, não analisando os métodos de construção/execução, não verificando o cumprimento dos programas de trabalho da empreitada, não detectando as causas dos defeitos e não conformidades, não assegurando o padrão de qualidade definido nos diversos projectos, não fiscalizando as operações executadas pelo empreiteiro, sendo a R. responsável pelos prejuízos que advieram ao Autor.


A Ré contestou, por excepção e impugnação. Invocou a sua ilegitimidade, o caso julgado, a caducidade do direito do Autor e a aprovação tácita da sua actuação por parte daquele. E alegou, em síntese, que o Autor e a esposa acompanharam o desenvolvimento da gestão e fiscalização por parte da Ré; que a Ré cumpriu a prestação a que estava obrigada; a qualidade da obra é um reflexo das opções estéticas e das escolhas e aplicação dos materiais que o Autor e sua esposa impuseram a par do orçamento mínimo que dispuseram para a obra. Concluiu pela improcedência da acção pedindo a condenação do Autor como litigante de má fé.


 O Autor pronunciou-se pela improcedência das excepções deduzidas.


Na fase do saneamento, em 26/6/2019 foram julgadas improcedentes as excepções da ilegitimidade e do caso julgado e, conhecendo do mérito, foi a acção julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido, bem como foi o Autor absolvido do pedido de condenação como litigante de má fé.

 

Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação que o Tribunal da Relação ..., por acórdão de 19/5/2020, aprovado por unanimidade, julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida.

           

Ainda irresignado, o Autor interpôs recurso de revista excepcional, a qual foi admitida pela Formação, por douto acórdão de 19 de Janeiro de 2021, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC.

Na sequência da sua admissão, em 23/2/2021, foi proferido acórdão, onde se deliberou:

Por tudo o exposto, acorda-se em conceder a revista, revogar o acórdão recorrido e ordenar o prosseguimento dos autos para que sejam apurados e discriminados os factos provados e seja feito o seu enquadramento jurídico nos termos referidos supra, devendo os autos baixar à Relação para assim se determinar novo julgamento da causa, como se deixou dito.

O Tribunal da Relação, por despacho de 24/3/2021 do respectivo Desembargador Relator, mandou baixar os autos à 1.ª instância para dar cumprimento ao que fora determinado naquele acórdão.

Já na 1.ª instância, após realização de diligências instrutórias, foi proferida nova sentença, datada de 1/9/2021, com a seguinte “parte decisória”:

Pelo exposto, julgando-se procedente a exceção perentória de caducidade do direito exercido, julga-se a ação improcedente e, em conformidade, absolve-se a ré, A400 − Projetistas e Consultores de Engenharia, L.da, do pedido formulado pelo autor, AA.

Absolve-se o autor do pedido de condenação como litigante de má-fé.


Não conformado, novamente, o autor interpôs recurso de revista “per saltumpara o STJ e apresentou as correspondentes alegações que terminou com as seguintes conclusões:

“I – A decisão recorrida não deve manter-se, pois consubstancia uma solução que não consagra a justa aplicação das normas e princípios jurídicos competentes.

II – O Recorrente requer que o recurso interposto da decisão que pôs termo ao processo – sentença – suba directamente ao Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que estão verificados os requisitos previstos no artigo 678º. do CPC, na medida em que:

a) O valor da causa (124.305,00€) é superior à alçada da Relação;

b) O valor da sucumbência (124.305,00€) é superior a metade da alçada da Relação;

c) O Recorrente, nas suas alegações, suscita apenas questões de direito;

d) O Recorrente não impugna, no presente recurso, quaisquer decisões interlocutórias.

III – Carece de total e absoluto fundamento a decisão recorrida, a qual decorre de erro na interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 9º., 10º., 309º., 1225º. e 1156º. do Código Civil.

IV - O prazo de caducidade previsto no artigo 1225º. do Cód. Civil é inaplicável por analogia ao presente caso.

V - Pode recorrer-se à aplicação analógica no caso em que as situações são similares, quando, “no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei”, o que não se verifica no caso sub judice.

VI - Com efeito, Recorrente e Recorrida celebraram um contrato de gestão, coordenação e fiscalização da obra de construção de uma moradia, tendo a Recorrida assumido a seu cargo todas as fases do processo: a inicial; a de projecto; a de consultas e de contratação e a fase da obra.

VII - “A actividade da A400 (aqui Recorrida) terá por objectivo fiscalizar os trabalhos e actividades dos diversos intervenientes na construção e ainda na supervisão e controlo da execução do contrato de empreitada e fornecimentos, em termos de qualidade, prazos e custos” - cfr. cláusula 2.3.0 a) do Contrato.

VIII - Nos termos da cláusula 1 do Contrato, foram estabelecidas cinco áreas funcionais como sendo as tarefas mais significativas a cargo da Recorrida:

a) direcção técnica de empreendimento;

b) análise, acompanhamento e coordenação do desenvolvimento dos projectos;

c) fiscalização, controle e calendarização da obra;

d) controle de qualidade;

e) controle das condições de segurança e

f) controle administrativo da obra.

IX - Recaíam sobre a Recorrida prestações intelectuais, sendo o resultado imaterial e incorpóreo.

X - O Supremo Tribunal de Justiça afasta a aplicação do regime específico de caducidade estabelecido nos artigos 1224.º e 1225.º do CC, quando a prestação essencial se traduz no resultado ou produto de um trabalho intelectual – vd. Acórdão datado de 14/12/2016, publicado in www.dgsi.pt.

XI - De facto, sendo a empreitada o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço, a regulamentação legal da empreitada mostra-se “fortemente dominada pela ideia de obra corpórea, mormente no que respeita à transmissão da propriedade da obra, à eliminação de defeitos e ao específico regime de caducidade dos direitos daí decorrentes.”

XII - In casu, não é possível conciliar a maioria das regras do contrato de empreitada com o resultado (intelectual e incorpóreo) obtido da gestão, coordenação e fiscalização da obra, designadamente no que respeita às regras de transferência da propriedade; ao direito de exigir a eliminação dos defeitos; ao direito de exigir uma nova construção ou a resolução do contrato.

XIII - Se tivermos em conta o feixe de obrigações que recaíam sobre a Recorrida – supra mencionadas - a denúncia não tem qualquer efeito útil, o mesmo se dizendo quanto à resolução do contrato.

XIV - Ora, a sentença a quo não atende ao facto de a actuação da Recorrida ser exclusivamente intelectual, pois consistia na direcção técnica de empreendimento; análise, acompanhamento e coordenação do desenvolvimento dos projectos; fiscalização, controle e calendarização da obra; controle de qualidade; controle das condições de segurança e controle administrativo da obra.

XV - Desse modo, consistindo a relação entre as partes num contrato atípico de prestação de serviço, que se rege pelas disposições sobre o mandato, não lhe são aplicáveis os prazos de caducidade previstos no artigo 1225º. do Cód. Civil, estando, ao invés, sujeita ao prazo geral de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309º. do Cód. Civil, norma que deveria ter sido aplicada pelo Tribunal recorrido.

XVI - Deve ser revogada a sentença recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos.

XVII - A decisão recorrida violou as normas e princípios jurídicos constantes dos artigos 9º., 10º., 309º., 1225º. e 1156º. do Código Civil, porquanto os mesmos não foram interpretados e aplicados com o sentido versado nas considerações anteriores.

Termos em que o presente recurso deve merecer provimento e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos, com todas as consequências legais.

Assim se fará, inteira,

J U S T I Ç A”.


A recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.


O recurso foi admitido como apelação, por lapso, o qual foi corrigido, acabando por ser admitido como revista, tal como fora interposto, com efeito meramente devolutivo.

Subidos os autos a este Supremo Tribunal, foram verificados os requisitos cumulativos previstos no art.º 678.º, n.º 1, do CPC, para o recurso de revista, per saltum, e mantido o efeito anteriormente fixado.


    Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.


Em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, que, como é sabido, delimitam o objecto e âmbito do recurso, sem prejuízo das situações excepcionais de conhecimento oficioso, e, bem assim, dada a existência de um acórdão do STJ a determinar o prosseguimento dos autos para que sejam apurados e discriminados os factos provados e seja feito o seu enquadramento jurídico nos termos referidos supra, devendo os autos baixar à Relação para assim se determinar novo julgamento da causa, as questões a decidir, aqui, são as seguintes:

1. Apurar se foi dado cumprimento ao teor do acórdão do STJ de 23/2/2021;

2. Apurar se a sentença recorrida padece de erro de direito na aplicação dos art.ºs 9.º, 10.º, 309.º, 1225.º e 1156.º, todos do CC, ao ter decidido pela procedência da excepção peremptória de caducidade.


II. Fundamentação


1. De facto


A 1.ª instância, desta feita, considerou “assentes” os seguintes factos:

Os intervenientes

1.º − O autor, AA, é dono do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ....

2.º − A ré, A400 − Projetistas e Consultores de Engenharia, L.da (adiante, A400), tem por objeto social a atividade de, designadamente, consultoria de engenharia, fiscalização e gestão de obras, e gestão da qualidade de empreendimentos de construção.

3.º − EDITRAVANCA − Sociedade de Construções, L.da (adiante, EDITRAVANCA), dedicava-se, entre 2005 e 2008, à atividade de construção civil.

A empreitada adjudicada à EDITRAVANCA

4.º − Em 6 de março de 2006, o autor e EDITRAVANCA subscreveram o documento intitulado CONTRATO DE EMPREITADA, junto de fls. 87 v. a 89, que aqui se dá por transcrito, tendo em vista a construção pela segunda das fundações e das estruturas de uma moradia a implantar no referido prédio do autor.

5.º − Terminada a obra de fundações e estruturas, o autor adjudicou verbalmente à EDITRAVANCA a realização da restante obra de construção da referida moradia.

6.º − Em 12 de agosto de 2008, o autor e EDITRAVANCA subscreveram o documento intitulado TRANSAÇÃO E CONTRATO DE EMPREITADA, junto de fls. 89 v. a 95 v., que aqui se dá por transcrito, no qual consta, na cláusula segunda:

5 – Sendo certo que até agora a empreitada decorreu com base num contrato não reduzido a escrito na sua globalidade, tendo sido objeto de adjudicações verbais, as partes neste momento optaram por dar forma escrita ao presente acordo, para confirmação da parte da obra que se encontra por iniciar e cuja adjudicação aqui se regista, para poder ser feita a conclusão integral da empreitada, definir o preço em falta, bem como para fixar um prazo definitivo para conclusão da mesma e demais condições associadas.

7.º − Nessa data foi elaborada listagem de trabalhos em falta, constante do Anexo II do referido documento.

8.º − Em 31 de outubro de 2008, foi lavrado auto de receção provisória da referida obra executada pela EDITRAVANCA, conforme documento junto a fls. 96, do qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

2 – Realizada a vistoria, foi constatado pelos presentes que:

a) parte dos trabalhos contidos na empreitada não apresentam defeitos aparentes, pelo que, nessa medida, se dão com bem elaborados e concluídos nesta data, procedendo-se à sua receção provisória;

b) outra parte, cuja descrição consta do mapa anexo para o qual se remete, não está em condições de ser rececionada, pelas razões neste momento verificadas na obra pelos presentes e descritas no mapa, sendo os mesmos recusados pelo dono da obra.

Assim a obra é recebida provisoriamente em toda a sua extensão com exceção dos trabalhos, materiais ou equipamentos devidamente discriminados no mapa anexo, os quais serão objeto de conclusão, reparação ou substituição pelo empreiteiro até ao dia 7 de Novembro de 2008.

9.º − Em 17 de novembro de 2008, o autor e a EDITRAVANCA subscreveram documento intitulado TRANSAÇÃO E DECLARAÇÃO DE QUITAÇÃO, junto de fls. 97 v. a 98 v., do qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

2 − A SEGUNDA CONTRATANTE não cumpriu o prazo acordado para a entrega da parte final da obra, sendo certo que na presente data ainda se encontram por efetuar alguns trabalhos e reparações, devidamente descritos no último auto de receção provisória da obra.

(…)

4 − Nesta data as partes acordaram em pôr termo à relação contratual existente entre ambas, dirimindo qualquer conflito do mesmo decorrente, da seguinte forma:

a) a SEGUNDA CONTRAENTE não efetuará os trabalhos em falta descritos no último auto de receção provisória da obra, datado de 7 de Novembro de 2008, dando por encerrados os seus trabalhos na obra supra referida e, assim, a mesma por entregue com a redução de trabalhos que resulta do referido auto:

b) feito o cômputo dos trabalhos em falta, conjugado com o valor das multas que o PRIMEIRO CONTRAENTE tem direito a exigir, tudo ponderado e negociado, é fixado um crédito global e definitivo da SEGUNDA CONTRAENTE a favor do Primeiro, no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), nada mais podendo ser exigido pela empreiteira ao dono da obra a qualquer título.

(…)

6 – A SEGUNDA CONTRAENTE declara que já não tem na obra nenhum material ou equipamento, pelo que tudo o que aí se encontra pertence ao PRIMEIRO CONTRAENTE.

7 − Durante o período de garantia, cujo prazo se conta a partir da data da assinatura do último Auto de Receção Provisória, ou seja, a partir de 7 de Novembro de 2008, o Empreiteiro é obrigado a fazer, imediatamente e à sua conta, as substituições de materiais ou equipamentos e a executar todos os trabalhos de reparação que sejam indispensáveis para assegurar a perfeição e o normal uso da totalidade dos elementos de construção objeto da Empreitada.

8 − No fim do período de garantia, far-se-á uma vistoria à construção objeto da empreitada e, se não houver motivo para quaisquer reclamações, será lavrado um Auto de Receção Definitiva assinado pelo Dono da Obra e pelo Empreiteiro, bem como pela fiscalização se o Dono da Obra o pretender.


A prestação de serviço adjudicada à ré

10.º − Em 15 de março de 2006, autor e ré subscreveram o documento intitulado PROPOSTA DE PREÇO PARA GESTÃO, COORDENAÇÃO E FISCALIZAÇÃO – CASA DR. AA, junto de fls. 39 v. a 54, tendo em vista a gestão, coordenação e fiscalização da obra de construção de uma moradia a implantar no referido prédio do autor.

11.º − Neste documento consta, além do mais que aqui se dá por transcrito, na parte “A – CONDIÇÕES TÉCNICAS”:

1 – Âmbito da Prestação de Serviços e Tarefas Fundamentais

1.1 – A presente proposta de prestação de serviços refere-se à gestão, coordenação e fiscalização da empreitada de construção de uma moradia unifamiliar localizada na vila de ....

1.2 – Consideram-se como tarefas mais significativas da prestação de serviços da presente proposta as seguintes:

a) Direção técnica de empreendimento (designada por área funcional A)

I – Fornecer mensalmente todos os dados estatísticos recolhidos em obra.

II − Elaborar mensalmente relatórios pormenorizados a submeter ao Dono da Obra contendo todas as análises, informações, pareceres, recomendações e contratos decorrentes da sua atuação no âmbito das Áreas Funcionais B a F.

III − Participar e secretariar reuniões com o D.O. que permitam a análise do andamento dos trabalhos da obra e das ações desenvolvidas pelo adjudicatário.

IV − Propor, participar e secretariar reuniões com o empreiteiro, com o autor do projeto ou com outras entidades, direta ou indiretamente ligadas à obra, a fim de analisar os trabalhos em curso, esclarecer dúvidas, estudar alterações ou identificar e encaminhar problemas a resolver.

V − Preparar, acompanhar ou conduzir todas as visitas à obra julgadas convenientes pelo Dono da Obra.

VI − Acompanhamento, análise e medição de todos os avanços ocorridos na realização da obra, sendo o seu relato mensal.

VII − Atualização das estimativas das matrizes de consumos unitários, a fim de estarem disponíveis sempre que houver necessidade de as utilizar, designadamente para verificar a orçamentação de trabalhos não previstos, mas essenciais à realização da obra.

VIII − Fornecimento de todos estes elementos (dados de avanço e estatísticas de consumo).

IX − Análise e informação, em termos conclusivos, dos planos de trabalhos propostos pelo empreiteiro e eventuais alterações.

b) Análise, acompanhamento e coordenação do desenvolvimento dos projetos (designada por área funcional B)

I − Análise e verificação do cumprimento do Programa do Empreendimento no que diz respeito à funcionalidade, qualidade e custos.

II − Acompanhamento e atuação no sentido de garantir os prazos de execução das diversas fases dos projetos.

III − Verificação da coordenação dos projetos.

IV − Verificação do grau de detalhe do plano de orçamento e lista de medições.

c) Fiscalização, Controle e Calendarização da Obra (designada por área funcional C)

I − Verificação do desenvolvimento da obra em termos dos planos de trabalhos aprovados.

II − Identificar e caracterizar os principais desvios verificados, propondo, fundamentadamente, as ações necessárias à sua compensação − parcial ou total-ou à sua eliminação futura.

III − Atualização das estimativas de tempos para os trabalhos ainda não realizados, tendo em conta as estatísticas efetivamente verificadas no decurso dos trabalhos já realizados.

IV − Atualização periódica dos cronogramas financeiros previsionais do empreiteiro.

d) Controle de Qualidade (designada por área funcional D)

I − Elaborar todas as recomendações julgadas convenientes com o fim de melhorar a qualidade de execução.

II − Verificar o cumprimento das condições estabelecidas no contrato de que o presente anexo faz parte integrante.

III − Apreciar e informar sobre o plano do estaleiro do empreiteiro, incluindo a montagem e respetivas instalações provisórias.

IV − Apreciar e informar os planos de mobilização do empreiteiro, no que concerne a mão-de-obra, equipamento e materiais.

V − Dar parecer sobre as análises e contratos efetuadas pelo empreiteiro no que respeita aos materiais, e equipamentos e processos a utilizar em obra, recorrendo sempre que julgue como necessário elou o D.O. assim o entenda a ensaios de controlo em laboratório oficial (LNEC, preferencialmente).

VI − Analisar a qualidade dos materiais, equipamentos e processos utilizados, pelo empreiteiro em obra, recorrendo sempre que julgue como necessário e/ou o D.O. assim o entenda a ensaios de controlo em laboratório oficial (LNEC, preferencialmente).

VII − Fiscalizar as operações executadas pelo empreiteiro e verificar a qualidade dos equipamentos utilizados.

VIII − Verificar a implantação das partes integrantes da obra e sua geometria ao longo da sua realização.

IX − Controlar a qualificação profissional e o nível de comportamento profissional dos meios humanos intervenientes.

e) Controle das Condições de Segurança (designada por área funcional E)

I − Acompanhar e controlar todas as condições de segurança com que se desenvolvem os trabalhos da obra, propondo atempadamente todas as medidas julgadas pertinentes.

f) Controle Administrativo da Obra (designada por área funcional F)

I − Proceder às medições dos trabalhos executados mensalmente e necessários à elaboração dos autos de medição da obra e informar sobre reclamações eventualmente apresentadas pelo empreiteiro.

II − Medir e controlar os trabalhos realizados, a mais e a menos, e proceder à estimação dos seus valores orçamentais, utilizando as matrizes de consumos já referidas.

III − Determinar, com base em I, II os pagamentos devidos ao empreiteiro.

IV − Elaborar a conta-corrente da obra, segundo as normas legais em vigor, devendo o respetivo Plano de Contas ser submetido à aprovação da D.O..

V − Controlar e apreciar todas as faturas emitidas pelo empreiteiro, devendo propor à D.O. a sua satisfação ou a sua rejeição.

VI − Elaborar previsões mensais, a submeter à D.O. sobre a evolução mais provável no que respeita a pagamentos a efetuar ao empreiteiro e consequentes “cash-f1ows”.

2 – Trabalhos Objeto da Proposta

2.1 − Fase Inicial − Arranque dos Trabalhos

2.1.0 − Introdução

a) O objetivo desta fase será estabelecerem-se em pormenor as regras porque se rege o empreendimento (Programa do Empreendimento), as regras de articulação e de responsabilidades entre os diversos intervenientes do processo (Manual de Procedimentos), e em fixarem-se datas que possibilitem a elaboração de um programa genérico de atividades (Planeamento Geral do Empreendimento).

(…)

c) Não será nunca demasiado chamar a atenção para a importância das duas primeiras fases do empreendimento (…) que pode garantir com um máximo de segurança os dois objetivos básicos do Dono da Obra, para a seleção da equipa de Gestão, Coordenação e Fiscalização.

i) Ter um empreendimento com alto nível de qualidade.

ii) Ter um empreendimento realizado no tempo previsto e segundo os valores estimados.

d) Não se passará à segunda fase de “Projeto” sem que os seguintes documentos da 1.ª fase estejam definitivamente aprovados pelo Dono da Obra em todos os seus aspetos:

− Programa do Empreendimento

− Manual de Procedimentos

− Planeamento Geral do Empreendimento

(…)

2.2 − Fase de Projeto

a) É incumbência da A400:

Em relação aos projetos:

− análise dos projetos tomando como referência o Programa do Empreendimento aprovado;

− verificação de que o projeto está constituído de modo a não oferecer grandes dúvidas durante a obra e a garantir uma variação tendo em conta a adjudicação;

− verificação da coordenação dos projetos;

− verificação do grau de detalhe do Plano de Orçamento e Lista de Medições;

− relatório da análise e eventual aprovação elou notas para projetistas.

(…)

2.3 − Fase de Consultas, Contratação

2.3.0 − Introdução.

a) A atividade da A400, lerá por objetivo fiscalizar os trabalhos e atividades dos diversos intervenientes na construção e ainda na supervisão e controlo da execução do contrato de empreitada e fornecimentos, em termos de qualidade, prazos e custos.

b) Durante esta fase de Obra a A400 realizara a administração financeira da Obra, organizando a respetiva conta-corrente.

c) Esta fase de Obra pode-se considerar dividida em 3 (três) sub-fases:

− Preparação e Lançamento da Construção

− Construção (Obra propriamente dita)

− Pós-Construção (fase que decorre entre a Receção Provisória e a Receção Definitiva).

2.3.1 – Consultas

(…)

2.3.2 − Contratação

a) A A400 procederá (…) à análise comparativa das propostas [empreitada], elaborando um parecer técnico-financeiro sobre a adjudicação.

b) (…) Compete à A400 a promoção de reuniões com os empreiteiro/fornecedores, projetistas e com o D.O. para promover os referidos acertos, bem assim como preparar as minutas dos contratos de empreitada.

c) (…).

2.4 − Fase de Obra

2.4.1 − Preparação e Lançamento da Construção

(…)

2.4.2 − Construção

a) Durante esta sub-fase serão desenvolvidos em especial as seguintes atividades pela A400:

2.4.2.1 − Controlo da segurança e higiene no trabalho

(…)

2.4.2.2 − Implantação da Obra

Será da exclusiva responsabilidade da A400 o controlo e verificação da implantação da obra, de acordo com as referências necessárias fornecidas ao empreiteiro, com a presença do Dono da Obra e dos respetivos projetistas.

2.4.2.3 − Programas de Trabalhos

Será da exclusiva responsabilidade da A400 o controlo e verificação do cumprimento dos programas de trabalho da empreitada e fornecimentos.

2.4.2.4 − Planeamento

(…)

2.4.2.5 − Controlo de Qualidade

1 − Objetivos da Missão Relativa à Qualidade

Os objetivos de intervenção ao nível da Qualidade são basicamente os seguintes:

(…)

− detetar o mais cedo possível, as causas de eventuais defeitos e não conformidades, assim como encontrar soluções para essas situações;

(…)

− Assegurar o cumprimento por parte de todos os intervenientes do padrão de qualidade definido nos diversos projetos (…).

2 − Conteúdo da Missão

(…)

2.4.2.6 − Controlo do andamento dos trabalhos

O Controlo do andamento dos trabalhos far-se-á tendo em conta as seguintes tarefas:

(…)

− a elaboração de relatórios mensais da evolução das obra (…).

(…)

− acompanhamento da realização dos ensaios de receção das instalações, equipamentos e sistemas.

(…)

2.4.2.7 − Controlo Contabilístico da obra

(…)

Por razões de responsabilidades geral e de disciplina da obra observar-se-ão as disposições seguintes:

 Os pagamentos e abonos ao empreiteiro só são feitos, única e exclusivamente, mediante informação escrita da A400

(…)

2.4.2.8 − Fase de Licenciamento da Construção

(…)

2.4.2.9 − Receção Provisória

A receção provisória da empreitada e a elaboração dos respetivos autos, serão da exclusiva responsabilidade da A400.

A A400 verificará ainda se a receção provisória é acompanhada da entrega das devidas garantias, declarações, recibos, chaves, manuais e instruções de manutenção e funcionamento dos equipamentos.

Na receção provisória estarão presentes o Dono da Obra e respetivos projetistas.

2.4.3 – Pós-Construção

a) Nesta sub-fase a A400 desenvolverá pelo menos as seguintes atividades:

 acompanhamento e tratamento das reclamações apresentadas durante o período de garantia, estabelecendo as causas e aprovando e/ou impondo as ações a desenvolver e seu tempo de execução (tendo em conta o funcionamento do empreendimento);

 supervisionar a entrega dos manuais e stocks à equipa de manutenção do empreendimento;

 controlar o cumprimento das correções de todas as anomalias ou imperfeições desde a receção provisória até à receção definitiva;

 proceder á receção definitiva em conjunto com o Dono da Obra e respetivos projetistas.

(…)

e) O prazo de tempo considerado na presente proposta de prestação de serviços entre as receções provisórias e as definitivas é no máximo de dois anos.

3 − Equipa de Gestão, Coordenação e Fiscalização

3.0 − Introdução

(…)

3.1 − Organigrama da Equipa

(…)

c) Genericamente para cada uma das áreas/funções atrás referidas, poder-se-á descrever:

Diretor de Obra: é o elemento da Equipa da A400 que é responsável pelo empreendimento no tocante às suas infraestruturas. (…)

Coordenador: (…).

Controlador de Qualidade: é o elemento da Equipa que tem por funções controlar o grau de qualidade dos projetos, bem como o da execução dos trabalhos, de modo a obter-se em produto final de qualidade integrada: qualidade da conceção associada à qualidade da execução. (…).

Controlador da Segurança e Higiene: (…).

Fiscalização: é o conjunto de técnicos que representam o Diretor da Obra na fiscalização, por parte do Dono da Obra. do cumprimento de todas as condições que fazem parte integrante dos documentos contratuais, aditamentos e informações escritas.

Controlador de Planeamento: (…).

Controlador de Custos: (…).

3.2 − Constituição da Equipa de Coordenação e Fiscalização

a) (…) Prevê-se duas visitas semanais de um fiscal na obra de pelo menos 1 hora por visita. (…).

(…)

6.2 – Intervenções depois da receção provisória

Após a receção provisória das obras, a condução das instalações e o relacionamento com o empreiteiro é da competência do Dono da Obra, exceto no tocante a assuntos que estejam indicados no documento da receção provisória, como sendo imperfeições e/ou anomalias e/ou em observação. Compete, contudo, à A400 supervisionar a forma como aquele relacionamento está a ser efetivado (verificação do livro de ocorrências; pagamentos de chamadas indevidas; cumprimento de rotinas, etc.) alertando para o facto o próprio Dono da Obra.

12.º − No mesmo documento consta, além do mais que aqui se dá por transcrito, na parte “B – CONDIÇÕES COMERCIAIS”:

1.0 – CÁLCULO DE HONORÁRIOS

Tendo em conta o valor estimado da obra de 300.000,00 € considerou-se um valor fixo e não reversível durante o período de execução da obra de 4,5% relativamente ao valor estimado, ou seja, 13.500,00 € + Iva.

(…)

4.0 – SUSPENSÃO DEFINITIVA DOS TRABALHOS

Considera-se suspensão definitiva, com inerente e incontroversa rescisão do contrato, a paragem dos trabalhos por razões não imputáveis à A400, por período superior a 180 dias.

(…)

6.0 – QUESTÕES JURÍDICAS

(…)

6.3 – Questões Jurídicas com Empreiteiros

São da exclusiva responsabilidade do Dono da Obra.

13.º − A ré elaborou ou mandou elaborar para a referida obra os projetos de especialidade, designadamente os de estruturas e fundações, comportamento térmico (conforme documento datado de 1 de agosto de 2005, junto a fls. 57, que aqui se dá por transcrito), acústico (conforme documento datado de 1 de agosto de 2005, junto a fls. 66, que aqui se dá por transcrito), abastecimento de água, rede de drenagem de águas residuais e de pluviais, rede de abastecimento de gás, instalações e equipamentos elétricos, instalações telefónicas, ventilação e aquecimento central e aspiração central.

14.º − No projeto de licenciamento municipal consta como técnico responsável pela direção técnica da obra BB, sócio gerente da Ré.

15.º − A ré organizou o concurso para adjudicação da empreitada, tendo formulado proposta de adjudicação da empreitada à sociedade EDITRAVANCA.

16.º − A ré elaborou a minuta do documento intitulado CONTRATO DE EMPREITADA, referido no ponto 4.º − factos assentes.

17.º − Em 26 de maio de 2008, a companheira do autor remeteu à ré a mensagem de correio eletrónico junta a fls. 323, com o assunto “reunião obra ...”, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

“Gostaríamos que nos dessem soluções para este problema, e saber de quem é a responsabilidade? (…)

Ficamos com a sensação que a fiscalização desta casa foi feita com pouco rigor, não havendo inclusivamente actas e escritos, nos quais nos possamos apoiar.”

18.º − Em 3 de julho de 2008, o autor remeteu à ré uma mensagem de correio eletrónico com o conteúdo do documento junto a fls. 231 v., onde consta, além do mais que se dá por transcrito:

“Como é do seu conhecimento, a obra em questão, está parada há bastante tempo, verificando-se que a Editravanca nela não tem tido pessoal a trabalhar, situação para a qual não há qualquer justificação. Está já com um atraso significativo que nos causa sérios prejuízos e muito nos desagrada, como já manifestámos, quer à fiscalização, quer à Editravanca nomeadamente na última reunião ocorrida nas V. instalações.”

19.º − Em data anterior a 17 de novembro de 2008, o autor entregou à ré a quantia de € 13.500,00 (mais IVA), com intenção de liquidar os honorários referidos no ponto 12.º − factos assentes.

Atuação após 17 de novembro de 2008

20.º − Em 5 de dezembro de 2008, a ré remeteu ao autor a mensagem de correio eletrónico cuja cópia se encontra junta a fls. 308 v. (enviada a partir do endereço de correio eletrónico de Buildgest), onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

“Solicito que analise e nos informe se está de acordo com o conteúdo do E-mail para o enviar para a Editravanca.

(...)

AO CUIDADO DE: Eng.º CC

Vimos por este meio informar que o fecho de contas da obra referida em epígrafe apenas será efetuado após a retificação da janela que permite entrada de água para os compartimentos do piso inferior (fotos anexas)

Chamamos a atenção para o facto de a fiscalização ter na sua posse apenas as fotocópias das garantias. Os originais das mesmas devem ser entregues ao D.O.”

21.º − Em 5 de dezembro de 2008, o autor remeteu à ré a mensagem de correio eletrónico cuja cópia se encontra junta a fls. 308 v. (enviada para o endereço de correio eletrónico de Buildgest), onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

Em primeiro lugar, quero agradecer a prontidão com que esclareceu a situação. Concordo em absoluto e é necessário que façam de imediato a reparação. Tenho mobília a entrar. É claro que me têm de dar os originais das garantias.”

22.º − Em 16 de dezembro de 2008, a companheira do autor remeteu à ré a mensagem de correio eletrónico cuja cópia se encontra junta a fls. 232 v. (enviada para o endereço de correio eletrónico de Buildgest), onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

De: DD [...@netcabo.ptl

Enviado em: terça-feira. 16 de dezembro de 2008 15:01

Para: ‘Buildgest’

Assunto: segurança da piscina / Quinta ...

Prioridade: Alta

ATT: Eng. EE

Para seu conhecimento, Eng. EE, fui contactar a empresa FF. para completar as falhas da piscina.

Tive uma reunião com o Sr. FF na passada sexta feira, e cujo conteúdo passa a transmitir:

1) O quadro/ caixa dos transformadores (ver imagens em anexo) da piscina têm fio terra, e não o deveriam ter, pois em caso de descarga elétrica estes descarregam para a terra e por sua vez para a água.

2) Os transformadores devem ser da classe 2 (completamente blindados) e não o são.

3) A secção dos fios não estão condizentes com a exigida pelos projetores.

4) A caixa dos transformadores deveria, como é óbvio, estar num quadro estanque e próprio para o efeito, e não numa caixa metálica sem qualquer proteção (ver imagem, que faia por si).

Isto refere-se unicamente á parte elétrica, a qual sempre me preocupou como sabe, dado não confiar numa empresa como a Editravanca.

Junto envio também imagens do estado da pastilha, (em mail separado) que também falam por si e cujo assentamento foi controlado e avalizado pela A400.

Agora, com certeza, vai entender melhor, porque a Editravanca nunca quis esvaziar a piscina; e gostaria, Eng. EE, de lhe dizer ainda, que o Eng. GG, na receção provisória da casa, me pressionou no sentido de aprovar a piscina, sem ser esvaziada.

Gostaria do seu comentário; como foi isto possível, numa empresa como a A400???

O Sr. FF frisou ainda que a Certiel nunca aprovaria esta piscina.

Com os meus melhores cumprimentos,

DD”

23.º − Em 27 de janeiro de 2009, o autor remeteu à ré a mensagem de correio eletrónico cuja cópia se encontra junta de fls. 104 v. a fls. 105 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

“De: AA [mailto:...@netcabo.pt]

Enviada: terça-feira, 27 de Janeiro de 2009 15:40

Para: a400.go@a400.pt; ‘a400.geral@mail.telepac.pt’

Assunto: FW: obra de ... / Quinta ...

Importância: Alta

À A400

Exmo. Senhor Engº EE,

Enviei à Editravanca o e.mail cuja cópia anexo e para o qual remeto.

Solicito a V. pronta intervenção no sentido de nos ser transumido o V. parecer quanto ao referido no ponto b) do referido email, ou seja, quanto ao apuramento exaustivo das causas globais de todas as demais anomalias que se prendam com a entrada de água na casa e com as deficiências elétricas e nos seja rapidamente apresentado o seu plano de reparação e eliminação. Tal terá de ser feito com a máxima urgência, dada a invernia que se faz sentir e sob pena de os danos se tornarem cada vez maiores – afigura-se-nos suficiente o prazo de 10 dias para tal situação ser avaliada, de forma a poderem seguidamente ser tomadas as necessárias providências de reparação.

Se esta situação não ficar clarificada dentro do referido prazo, sem haver razão justificada para tal, serei forçado a pedir a terceiros uma peritagem a toda a obra, tendo em vista encontrar a origem dos defeitos e os devidos responsáveis. Quero acreditar que a A400 fez uma fiscalização e acompanhamento sério da obra, mas não consigo entender como é tal possível, atendendo à situação alarmante agora verificada. Na verdade, a obra só foi entregue à Editravanca porque contamos com o V. apoio profissional, devidamente contratualizado, nomeadamente para o solucionamento de questões técnicas surgidas em obra e para a sua fiscalização global.

Fico a aguardar o V. contacto.

Com os melhores cumprimentos,

AA

(…)

À Editravanca

Exmos. Senhores,

Na sexta feira passada, dia 23 de janeiro fui visitar a minha casa em ... e deparei com uma situação totalmente inesperada e dramática: o chão da casa estava inundado de água, pelas paredes escorria água e os tetos estavam completamente molhados. (…)

Tentei encontrar a causa aparente desta grave situação, e verifiquei, uma vez que o dia era de chuva abundante, que: (…).

Poderá haver mais causas para a entrada de água e sua condensação no interior da casa, contudo, como é óbvio, não é do meu foro o seu apuramento, nem ia preparado para tal na visita que efetuei.

A isto acresce que: (…)

A reparação imediata destas anomalias é urgente, sendo certo que qualquer atraso aumentará cada vez mais significativamente os danos causados, sendo a situação absolutamente impeditiva do uso da casa.

Dada a urgência, solicitamos que: (…)

Alertamos para o facto de serem V. Exas. responsáveis pelos danos que estas anomalias da construção estão a causar, e pela indemnização decorrente, pelo que é também do V. interesse a intervenção urgente e eficaz.”


24.º − Em 17 de fevereiro de 2009, a ré enviou à EDITRAVANCA a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 106, que aqui se dá por transcrita.

25.º − No ano de 2009, o autor intentou uma ação judicial a EDITRAVANCA, à qual foi atribuído o n.º 188/09...., peticionando fosse a empreiteira condenada no pagamento da quantia de € 41.312,95, bem como a eliminar os vícios da obra subsistentes (processo transitoriamente apensado a estes autos para efeitos probatórios).

26.º − Em 14 de março de 2014, esta ação foi julgada parcialmente procedente, conforme documento junto de fls. 199 a 223 v., que aqui se dá por transcrito, sendo a EDITRAVANCA condenada a:

a) Proceder à reparação no prazo de 30 dias, das deficiências referidas nos pontos (…) da matéria de facto provada;

b) Pagar ao autor a quantia de € 41 312,95 (quarenta e um mil trezentos e doze euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora (…).

27.º − Em 14 de março de 2014, o autor instaurou contra a EDITRAVANCA ação executiva para execução da condenação no pagamento desta quantia.

28.º − No ano de 2015, o autor requereu a declaração de insolvência da EDITRAVANCA, sendo atribuída à ação instaurada o n.º 59/15.....

29.º − Em 3 de fevereiro de 2015, nesta ação, foi declarada a insolvência da EDITRAVANCA.

30.º − Em 21 de maio de 2015, foi publicado o encerramento do processo de insolvência da EDITRAVANCA, por insuficiência da massa insolvente.

31.º − A ré teve conhecimento das diligências judiciais promovidas pelo autor, tendo o seu legal representante, BB, sido testemunha na ação judicial com o processo n.º 188/09.....

32.º − No ano de 2009, o autor solicitou ao ISQ – Instituto de Soldadura e Qualidade que efetuasse relatório de inspeção ao imóvel implantado na Quinta ..., ..., para deteção de anomalias.

33.º − No ano de 2010, o autor solicitou a EXTRUSAL – Companhia Portuguesa de Extrusão, S.A., Gabinete de Estudos e Projetos, uma vistoria aos sistemas de caixilharia da obra em causa nestes autos.

34.º − No ano de 2010, o autor solicitou a Vítor Abrantes – Consultoria e Projetos de Engenharia, L.da, um diagnóstico das anomalias relacionadas com as condensações e infiltrações de água no interior da moradia.

35.º − No ano de 2018, o autor solicitou ao engenheiro civil HH um diagnóstico das anomalias relacionadas com as portas de correr, de separação da sala com o hall dos quartos.

36.º − Em 13 de fevereiro de 2019, a presente ação foi instaurada.


E acrescentou:

FACTOS CONTROVERTIDOS INTEGRANTES DA CAUSA DE PEDIR

O incumprimento do contrato de empreitada pela EDITRAVANCA (cont.)

37.º − A obra executada pela EDITRAVANCA apresentava e, ou, apresenta as seguintes patologias:

a) patologias descritas nos artigos 33.º a 35.º e 41.º da petição inicial, que aqui se dão por transcritos;

b) patologias descritas nos artigos 44.º a 57.º da petição inicial, que aqui se dão por transcritos;

c) patologias descritas nos artigos 59.º a 77.º da petição inicial, que aqui se dão por transcritos;

d) patologias descritas nos artigos 78.º e 79.º da petição inicial, que aqui se dão por transcritos;

e) patologias descritas nos artigos 81.º e 82.º da petição inicial, que aqui se dão por transcritos;

f) patologias descritas nos artigos 83.º a 85.º da petição inicial, que aqui se dão por transcritos;

g) patologias descritas nos artigos 87.º e 88.º da petição inicial, que aqui se dão por transcritos.

38.º − A utilização de vidro simples na caixilharia das salas da moradia é desadequada, devendo ser aplicado um vidro duplo com película térmica e com um diferente fator solar.

39.º − Em 27 de janeiro de 2009, o autor remeteu à EDITRAVANCA a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 102 v. e 103 v., que aqui se dá por transcrita, denunciando e reclamando a reparação de vícios de construção entretanto manifestados, bem como a deteção de todas as demais anomalias com infiltrações de água e deficiências elétricas.

40.º − A empreiteira nada fez, tendo o autor suportado os custos de uma reparação urgente e de uma inspeção pericial à construção realizada pela EDITRAVANCA.

41.º − Em 9 de junho de 2009, o autor remeteu à EDITRAVANCA a carta cuja cópia se encontra junta de fls. 168 v. a 169 v., que aqui se dá por transcrita, denunciando e reclamando a reparação de vícios de construção entretanto manifestados.

42.º − Como a EDITRAVANCA não procedeu à eliminação dos defeitos, o autor contratou terceiros para o efeito, gastando a quantia de € 41.091,95.

43.º − O autor não recebeu qualquer quantia da EDITRAVANCA, não tendo esta reparado nenhum dos defeitos referidos no ponto 37.º − factos controvertidos.

O alegado incumprimento do contrato de prestação de serviço pela ré

44.º − Com vista à satisfação dos termos do documento PROPOSTA DE PREÇO PARA GESTÃO, COORDENAÇÃO E FISCALIZAÇÃO – CASA DR. AA, a ré:

a) não analisou os métodos e processos de construção/execução propostos pelo empreiteiro;

b) não confirmou que o empreiteiro havia estudado e compreendido perfeitamente os projetos;

c) não verificou o cumprimento dos programas de trabalho da empreitada;

d) não detetou as causas dos defeitos e não conformidades;

e) não assegurou o cumprimento por parte de todos os intervenientes do padrão de qualidade definido nos diversos projetos;

f) não fiscalizou as operações executadas pelo empreiteiro;

g) não identificou os desvios que se verificaram;

h) não promoveu ações tendentes à sua compensação ou eliminação;

i) descurou a análise dos materiais, equipamentos e processos utilizados na obra;

j) não garantiu o cumprimento dos prazos de execução das diversas fases dos projetos;

k) não realizou duas visitas semanais à obra, com a duração não inferior a uma hora por visita

l) não elaborou relatórios mensais da evolução das obras;

m) não forneceu mensalmente todos os dados e estatísticas recolhidos na obra;

n) não elaborou relatórios pormenorizados contendo todas as análises, informações, pareceres, recomendações e contratos decorrentes da sua atuação;

o) pouco acompanhou a execução da empreitada, fazendo-o, sobretudo por telemóvel.

45.º − A ré nada mais fez a respeito dos defeitos denunciados pelo autor, não acompanhando nem tratando as reclamações apresentadas durante o período de garantia, nem controlando o cumprimento das correções das anomalias detetadas.

46.º − Em face da ausência de resposta da ré, o autor diligenciou pelo apuramento das causas e desenvolveu ações tendentes à eliminação dos defeitos manifestados, sem o acompanhamento da ré.

47.º − Na eliminação dos defeitos denunciados à EDITRAVANCA, o autor despendeu:

Valor (€)
Intervenção
41.313,95Realização das obras urgentes de reparação de defeitos manifestados
15.836,25Desmontagem e remoção da caixilharia
5.227,50Reparações na casa das máquinas e reparação da porta de entrada
62.377,70
Total

48.º − A eliminação dos defeitos denunciados pelo autor à EDITRAVANCA impõe as seguintes intervenções:

Intervenção
Valor (€)
Reparação do teto da sala
6.160,00
Reparação de fissuras e pintar todas as paredes e tetos da casa com duas demãos
4.950,00
Substituição de três portas, seis portas em MDF e seis painéis
3.200,00
Total (ao qual acresce IVA)
14.310,00

49.º − Com realização de perícias destinadas a detetar os defeitos da obra realizada pela à EDITRAVANCA e a diagnosticar as suas causas, o autor despendeu:

Valor (€)
Ator do relatório
2.076,00 ISQ - Instituto de Soldadura e Qualidade
2.250,00Vítor Abrantes - Consultoria e Projetos de Engenharia, L.da
4.326,00
Total

50.º − Em resultado da conduta da ré, o autor, durante mais de dez anos:

a) sentiu-se emocionalmente abalado e desgastado, angustiado, perturbado, ansioso, desconcentrado, aborrecido, incomodado, revoltado, desgostoso, intranquilo e desconfortável;

b) teve várias discussões com a sua companheira por causa dos problemas da obra e dinheiro investido;

c) despendeu tempo em deslocações a ..., deixando de ter tempo disponível para descansar, estar com a família e amigos, e de ir de férias;

d) não pôde celebrar o seu 50.º aniversário na moradia em questão;

e) encontrou-se privado do uso da moradia;

f) gastou com a construção da moradia mais do dobro do valor previsto inicialmente;

g) vê perturbada a sua possibilidade de gozar a moradia.

2. De direito

2.1. Do cumprimento do acórdão de 23/2/2021 do STJ


Antes de mais, cumpre lembrar que, por acórdão do STJ, datado de 23/2/2021, foi ordenado “o prosseguimento dos autos para que sejam apurados e discriminados os factos provados e seja feito o seu enquadramento jurídico nos termos referidos supra, devendo os autos baixar à Relação para assim se determinar novo julgamento da causa, como se deixou dito”. Entendeu este aresto que, por não terem sido fixados os factos provados pelas instâncias, não se mostrava possível ao STJ apreciar a pretensão do autor, a fim de apurar qual o alcance a dar ao comportamento do autor como mandante na perspectiva da caracterização do silêncio negocial, à luz dos art.ºs 1161.º, al. c), 1163.º, 217.º, e 218.º, todos do CC.

Este aresto definiu, desde logo, o direito no sentido de que, para que possa ser considerada a aprovação tácita do mandato, nos termos previstos no art.º 1163.º do CC, mostra-se necessário que haja a comunicação da execução ou inexecução do mandato, da parte do mandatário ao mandante [cfr. art.º 1161.º, al. c), do CC] e, consequentemente, o silêncio do mandante. Mais definiu que este silêncio só vale como declaração negocial, para os efeitos dos art.ºs 218.º e 1163.º, ambos do CC, quando se verifiquem os pressupostos aí previstos.

É entendimento dominante no STJ, conforme deflui dos art.ºs 683.º, n.º 2, e 619.º, n.º 1, ambos do CPC, que a decisão transitada do Supremo Tribunal que define o direito aplicável e ordena novo julgamento, por falta ou contradição de facto, vincula as instâncias na aplicação e interpretação do direito. Neste sentido e a título de exemplo podem ver-se os seguintes acórdãos assim sumariados:

“I - Na economia do art. 683.º, n.º 2, do CPC, a determinação pelo STJ no sentido de ser ampliada a decisão de facto pela Relação implica uma de duas soluções alternativas:

i) – Se a decisão do Supremo definir, desde logo, o regime jurídico aplicável, mandando julgar de novo a causa em função da ampliação da decisão de facto que for efetuada, mas de harmonia com a decisão de direito assim definida, compete à Relação proceder ao novo julgamento, nos termos do art. 683.º, n.º 1, do CPC;

ii) – Se o Supremo não tiver ainda condições para fixar o regime jurídico aplicável e mandar baixar o processo à Relação para a necessária ampliação da decisão de facto, deixando, nesta hipótese, em aberto a solução de direito, competirá também à Relação proceder a novo julgamento com a ampliação da decisão de facto e subsequente decisão de direito.

II - No caso, como o presente, em que a Relação, na hipótese referida em I-ii), se limitou a proceder à ampliação da decisão de facto e determinou, sem mais, a remessa do processo para o STJ para os fins tidos por convenientes, impondo-se observar o efeito e o alcance do caso julgado formal da decisão do Supremo que determinara a ampliação da decisão de facto, há que dar sem efeito aquele acórdão e ordenar a baixa do processo ao tribunal da Relação com vista a que, procedendo à necessária ampliação da decisão de facto, conheça de novo do objeto da apelação.”

De 7/10/2020 - Revista n.º 2215/16.0T8OER-A.L1.S2 - 2.ª Secção[4]

“I - Tendo sido proferida, com trânsito em julgado, decisão pelo STJ a definir o direito aplicável e a ordenar a ampliação da matéria de facto, para permitir à executada/embargante fazer a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação exequenda, que alegara no requerimento de embargos e que as instâncias desprezaram, a nova decisão a proferir tem de aceitar a definição do direito feita pelo STJ, como decorre no disposto no art. 730.º, n.º 1, do CPC.

II - Ao desautorizar a decisão do STJ, adoptar um entendimento diverso e decidir em conformidade com tal interpretação do direito, o acórdão recorrido violou as normas dos arts. 730.º, n.º 1, e 671.º e segs. do CPC.”

De 12/1/2010 - Revista n.º 1846/03.3TBLLE-A.E1.S1 - 6.ª Secção

No presente caso, os autos baixaram ao Tribunal da Relação ..., que, em cumprimento do citado acórdão, determinou que os autos baixassem à 1.ª instância.

No Juízo Central Cível ..., após ter sido determinada a junção de documentos e de ser ordenada a junção de cópia de fls. do proc. n.º 188/09...., foi proferido o seguinte despacho:

Em suma, não há factos controvertidos respeitantes às exceções perentórias de aprovação da execução da prestação de serviço e de caducidade do direito. Estão, pois, a causa, quanto a estas exceções, em condições de ser imediatamente julgada. Assim sendo, como veremos, por força da decisão proferida nestes autos pelo Supremo Tribunal de Justiça, deve o tribunal apreciar tais factos à luz do direito vinculativamente fixado pelo tribunal superior.

Com efeito, não obstante ainda subsistirem algumas alegações de facto por provar nesta demanda, não há que remeter um processo para julgamento quando, independentemente da prova produzida sobre os factos dela carecidos − isto é, qualquer que seja a solução plausível de direito considerada −, a sorte da ação sempre seria a improcedência, por força da procedência de uma exceção perentória. Quanto às exceções de aprovação da gestão e de caducidade do direito, repisa-se: não há factos alegados pelo autor que possam encerrar uma declaração (tácita) em matéria de aprovação da gestão da ré (ou da sua recusa) que estejam controvertidos; o mesmo se diga relativamente à caducidade do direito.

A existência de diferentes soluções plausíveis de direito não é um critério de julgamento, mas sim de elaboração dos temas da prova, no caso de se admitir que uma delas pode levar à procedência da pretensão. Fazer a ação prosseguir para a fase de instrução seria um ato inútil, proibido por lei − sobre esta solução, cfr. o Ac. do TRP de 19-02-2004 (0325347V).”.

Em seguida, foi proferida sentença, na qual foram fixados os factos provados, por acordo das partes, considerando que inexiste impugnação especificada por banda ré, e, subsumindo os factos ao direito, decidiu-se julgar procedente a excepção peremptória de caducidade.

Na sentença, tal como ordenado no acórdão do STJ de 23/2/2021, foram fixados os factos provados. Entendeu o juiz a quo que os factos essenciais alegados pelo autor não foram devidamente impugnados pela ré, podendo, assim, ser considerados provados por acordo das partes.

No acórdão do STJ, não foi ordenada a ampliação da matéria de facto para o apuramento de determinados factos, pois, na verdade, nas instâncias não havia sido fixada qualquer matéria de facto provada, a qual era essencial e indispensável para que o Supremo pudesse aplicar o direito, nos termos do art.º 682.º, n.º 1, do CPC.

Após elencar os factos que considerou provados, o juiz a quo, subsumiu-os ao direito, de acordo com as soluções avançadas no acórdão do STJ de 23/2/2021.

Assim, depois de fixar os factos provados, analisou o comportamento das partes, a fim de apurar se existiu uma declaração tácita de aprovação da gestão da ré, bem como discorreu acerca do decurso do tempo sobre o alegado direito do autor, concluindo pela procedência da excepção de caducidade, uma vez que o autor não exerceu judicialmente o seu direito no prazo de cinco, nos termos do art.º 1225.º do CC.

Extrai-se dos seguintes excertos da sentença que o juiz a quo observou o caso julgado formal que ocorreu com a prolação do acórdão do STJ de 23/2/2021:

«Reza a al. c) do art. 1161.º do Cód. Civil que constitui uma obrigação do mandatário “comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu”. Comunicada a execução ou inexecução do mandato, o mandante “deverá pronunciar-se” no sentido de aprovar, ou não, a gestão realizada – cfr. MANUEL JANUÁRIO COSTA GOMES, Contrato de Mandato, Lisboa, AAFDL, 2007, p. 74, sublinhado nosso. No entanto, o silêncio do mandante por tempo superior àquele em que teria de pronunciar-se, segundo os usos ou, na falta destes, de acordo com a natureza do assunto, vale como aprovação da conduta do mandatário, salvo acordo em contrário (art. 1163.º do Cód. Civil).

Adiante-se que apenas abordamos esta questão para evitar saltos na fundamentação, emprestando assim coerência ao silogismo exposto, pois ela já se encontra definitivamente tratada pelo Supremo Tribunal de Justiça neste processo. Com efeito, este tribunal superior ordenou a emissão da pronúncia das instâncias sobre os factos relevantes para a decisão da exceção que nos ocupa, ao abrigo do n.º 1 do art. 683.º do CPC, e não ao abrigo do n.º 2 do mesmo artigo, o que significa que, como resulta claro do aresto, devemos proceder ao “enquadramento jurídico na perspetiva (…) definida” já no acórdão.

(…)

Voltando ao caso concreto, a repercussão do tempo sobre a posição jurídica do autor pode ser considerada a dois níveis: no contexto da declaração tácita de aprovação da gestão; no contexto da extinção do direito de indemnização (caducidade). Neste sentido, o Supremo Tribunal de Justiça definiu como caminhos jurídicos alternativos para o tratamento do caso “a aprovação tácita do mandato” e “a preclusão do direito com o esgotamento de um prazo de cinco anos”. Isto sem prejuízo da ocorrência da suppressio (ou Verwirkung), instituto que, como sublinha VAZ SERRA, é apto a operar quando o prazo de prescrição é especialmente longo e o titular do direito cria na contraparte a convicção de que não o exercerá – cfr. ADRIANO VAZ SERRA, «Prescrição e caducidade», BMJ, n.º 105, abril de 1961, pp. 49 a 53.

Tal como acima se referiu, o regime do mandato é aplicável, com as necessárias adaptações, ao contrato que serve de causa de pedir nesta ação (art. 1156.º do Cód. Civil). Releva, pois, neste ponto, perceber como se pode adaptar este regime ao nosso caso, nunca esquecendo que, neste contexto, podem aplicar-se – se necessário, por analogia (art. 10.º, n.º 1, do Cód. Civil) – as disposições do regime do contrato de empreitada que se revelem mais conformes.

6.1. Recusa da aprovação extraída do mero silêncio

Excecionalmente, no caso da aprovação da execução do mandato, a lei atribui ao silêncio valor declarativo (art. 218.º do Cód. Civil). Reza o art. 1163.º do Cód. Civil, no que para o caso dos autos releva, que, “comunicada a execução ou inexecução do mandato, o silêncio do mandante por tempo superior àquele em que teria de pronunciar-se, segundo os usos ou, na falta destes, de acordo com a natureza do assunto, vale como aprovação da conduta do mandatário (…)”. No caso dos autos, falece o pressuposto indicado no início do enunciado legal, sendo este de satisfação indispensável, de acordo com o direito vinculativamente definido para a ação vertente pelo Supremo Tribunal de Justiça. Não se pode concluir que, na prestação de serviço de acompanhamento fiscalizador de uma atividade cujo fim (cessação) determina o fim daquela prestação, está o prestador dispensado de comunicar a conclusão da atividade ao adjudicante, nos termos previstos na al. c) do art. 1161.º do Cód. Civil, mesmo quando a este coube a iniciativa de terminar a atividade fiscalizada ou desta conclusão teve necessariamente conhecimento – ainda que, nestes casos de conhecimento do termo da gestão, se reconheça alguma redundância (na tutela de interesses legítimos) entre este âmbito normativo e aquele que já resulta da norma enunciada na al. d) do mesmo artigo. Do eventual silêncio do autor nada se pode extrair – conforme se retira, a contrario, do mencionado art. 218.º do Cód. Civil.

A efetiva comunicação prevista na al. c) do art. 1161.º do Cód. Civil representa um pressuposto indispensável ao surgimento do ónus previsto no art. 1163.º do mesmo código (atribuição de valor ao silêncio), quer o mandante (dono da obra) conheça aquele que seria o conteúdo da comunicação, quer não o conheça. No entanto, a circunstância de este efetivo conhecimento ser irrelevante para a aplicação do regime previsto no art. 1163.º do Cód. Civil não determina que não lhe possa ser atribuído outro pepel.

Por um lado, o direito definido pelo Supremo Tribunal de Justiça pede a aplicação do instituto da declaração tácita – ou, citando o aresto, “do alcance do silêncio como declaração negocial para efeitos de aprovação tácita da execução ou inexecução do mandato”. Ora, só se pode discutir a emissão de uma declaração tácita de aprovação se se admitir que o declarante conhecia o objeto da aprovação. Ou seja, já nos quadros da declaração tácita, teremos de voltar à questão do conhecimento efetivo daquele que seria o conteúdo da participação omitida.

Por outro lado, a total desconsideração da relevância do conhecimento efetivo – mesmo já dando por assente a inaplicabilidade do regime previsto no art. 1163.º do Cód. Civil, por omissão da participação – levaria a resultados incongruentes. Dizer-se, numa ação instaurada contra o prestador do serviço, na qual o autor afirma (conhecer) o incumprimento da obrigação principal, que, enquanto não for feita a comunicação prevista na al. c) do art. 1161.º do Cód. Civil, o autor não sabe (conhece) se a atividade fiscalizadora da obra foi, ou não, efetiva e devidamente desenvolvida (não podendo, pois, aprovar, ou não, a sua execução), é como fazer-se a defesa dos quatro argumentos de Zenão de Eleia contra a possibilidade do movimento enquanto se caminha.

(…)

Na análise do caso efetuada em momento anterior, afirmámos que não estamos perante uma declaração tácita, mas sim perante uma declaração silente, pelo que os comportamentos não imediatamente declarativos do autor, designadamente respeitantes ou dirigidos a terceiros (como a contratação da realização de perícias ou a instauração de demandas judiciais) não valem como declaração. Esta conclusão mostra-se agora prejudicada, pois o entendimento no qual assenta não foi sancionado pelo Supremo Tribunal de Justiça, determinando, inversamente, que não estamos perante uma declaração silente, mas sim, eventualmente, perante uma declaração tácita, apenas emprestando o silêncio (declarativo) o contexto interpretativo de eventuais comportamentos concludentes. Devemos, pois, revisitar e ler a factualidade alegada e julgada assente à luz do direito superiormente fixado.

(…)

No aresto do Supremo Tribunal de Justiça tirado neste processo não é desenvolvido um juízo de manifesta improcedência, com base na causa de pedir alegada – juízo que prescinde da prova dos factos, com inegável utilidade, quando possa (deva) ser formulado, prestando tributo aos princípios da celeridade e da economia processual. Diferentemente, foi determinado que o julgamento de facto se impõe, para boa decisão das questões prévias (substantivas) a dirimir. Poder-se-á, pois, admitir que se considerou que, sendo provada a matéria de facto pertinente, a questão que nos ocupa – a aprovação tácita do mandato – deve ter diferente solução. É este um juízo de direito, pelo que a ele estamos vinculados.

A circunstância de o autor ter demandado outros intervenientes (a empreiteira) com base na ocorrência nos mesmos defeitos na obra, não tendo agido contra a ré, pode sugerir que não desaprovava a atuação desta. Esta conclusão poderá ter-se por reforçada com o facto de o autor ter arrolado o gerente da ré como testemunha e de, perante a imputação feita pela então ré (empreiteira) de responsabilidade à ora ré (fiscal), o dono da obra nada ter respondido e não ter promovido a intervenção desta (art. 31.º-B do CPC, na redação então vigente), conforme consta do documento referido no facto assente 25.º − cfr., por exemplo, o facto descrito no ponto 172 da base instrutória, a fls. 339 dos autos respetivos. Ulteriormente, o autor requereu a declaração de insolvência da EDITRAVANCA, assim “queimando os navios”, impedindo qualquer solução alternativa de satisfação coerciva do seu direito pela empreiteira e impossibilitando o eventual exercício de direito de regresso entre devedores solidários (art. 524.º do Cód. Civil).

(…)

É hora de concluir, afirmando (ou não) que se deduz destes comportamentos que, com toda a probabilidade, o autor aprovou a fiscalização realizada pela ré. Antes, porém, devemos esclarecer que se nos afigura que a força vinculativa da decisão do Supremo Tribunal de Justiça abrange a inaplicabilidade do art. 1163.º do Cód. Civil ao caso dos autos, no sentido de não se poder extrair a aprovação do silêncio, por não ter sido comunicada ao autor a execução da fiscalização (art. 1161.º, al. c), do Cód. Civil), mas já não a definição do lugar jurídico onde os caminhos apontados pelo tribunal superior nos levam. Estamos, pois, habilitados a extrair dos referidos comportamentos o sentido (tácito) que eles comportam, qualquer que seja ele.

Em face de todos os factos pertinentes analisados, não nos parece que se possa extrair do comportamento do autor a aceitação tácita da fiscalização realizada pela ré. Só assim não seria se incluíssemos nesta equação o longo período em que se quedou silente. No entanto, tal representaria, na verdade, atribuir ao silêncio a relevância descrita no art. 1163.º do Cód. Civil – o que é absolutamente inadmissível nesta ação, por força de decisão superior.

Em suma, o autor não aprovou (nem desaprovou) tacitamente a prestação de serviço realizada pela ré.

6.3. Preclusão do direito com o esgotamento de um prazo de cinco anos

O segundo caminho jurídico traçado pelo Supremo Tribunal de Justiça para este caso concreto é o da “preclusão do direito com o esgotamento de um prazo de cinco anos”. Vamos agora percorrê-lo.

6.3.1. Aplicabilidade do regime da empreitada

O entendimento que sustenta a possibilidade de “preclusão do direito com o esgotamento de um prazo de cinco anos” conduz-nos ao regime da empreitada, solução caucionada pela abordagem metodológica “de adaptação por via analógica mediante ponderação casuística que permita aferir a melhor adequação de determinado segmento normativo do regime típico da empreitada à natureza concreta” do serviço em causa, sufragada, como vimos, pelo Supremo Tribunal de Justiça – ….

(…)

No caso dos autos, entre a data da transação que pôs termo ao desenvolvimento da obra, marcando o seu recebimento (nos termos previstos nesse acordo) – 17 de novembro de 2008 – e a data em que a presente ação foi instaurada, decorreram mais de 10 anos. Em face da imputação causal adotada pelo autor – o defeito na obra (e, ou, a impossibilidade da sua eliminação) resulta de uma omissão da fiscalização −, o putativo incumprimento da ré é identificável, de forma direta e imediata, pela revelação das patologias da obra construída. O mesmo é dizer que, logo no decurso do primeiro ano, o autor tomou conhecimento dos factos que, no seu entendimento, revelam o cumprimento defeituoso da ré.

Em suma, o prazo para reagir contra a ré, tomado do regime jurídico da empreitada, na integração do regime aplicável ao contrato dos autos (art. 10.º do Cód. Civil), mostra-se ultrapassado. O direito do autor está extinto por caducidade.».

Se, no anterior acórdão recorrido, em confirmação da sentença com os mesmos fundamentos, se considerou que o direito do autor seria improcedente, uma vez que o silêncio do autor perante a ré, desde o acordo de cessação do contrato de empreitada, entre o autor e a empreiteira, e, consequentemente, também a cessação do presente contrato de fiscalização de obra, pelo prazo de mais de 10 anos, determina, nos termos do art.º 1163.º do CC a aprovação do mandato celebrado com a ré, por se tratar de um contrato de prestação de serviços. Entendeu-se também que o direito do autor perante a ré deveria ser judicialmente exercido no prazo de 5 anos a contar desde a cessação do contrato, sendo o prazo aplicável o previsto no art.º 1225.º do CC, porquanto a fiscalização exercida pela ré visava a execução de uma empreitada que tinha por objecto a construção de uma moradia. Desta forma, e uma vez que a conduta da ré se mostra aprovada, verifica-se a renúncia à indemnização por danos devidos a culpa do mandatário, nos termos do art.º 469.º do CC, sendo a acção improcedente.

Em face do teor da sentença e dos excertos agora transcritos afigura-se que existiu uma preocupação em obedecer ao direito fixado no aresto do STJ já proferido nos autos, uma vez que inverteu a posição que havia adoptado na primeira sentença proferida no que toca ao comportamento do autor enquanto declaração silente e declaração tácita, concluindo que dos factos provados “não nos parece que se possa extrair do comportamento do autor a aceitação tácita da fiscalização realizada pela ré. Só assim não seria se incluíssemos nesta equação o longo período em que se quedou silente. No entanto, tal representaria, na verdade, atribuir ao silêncio a relevância descrita no art. 1163.º do Cód. Civil – o que é absolutamente inadmissível nesta ação, por força de decisão superior.”

De seguida, a sentença recorrida, igualmente em cumprimento do acórdão do STJ de 23/2/2021, aprecia o comportamento do autor através da “preclusão do direito com o esgotamento de um prazo de cinco anos”. Tenha ou não ocorrido esta determinação no aresto do STJ que “limita” a decisão da 1.ª instância, por se tratar de uma transcrição do acórdão recorrido aquela parte que remete para a apreciação do prazo previsto no art.º 1225.º do CC, afigura-se-nos que, em face do teor deste aresto, a análise do instituto da caducidade à luz da factualidade provada, não constitui uma desconsideração do acórdão do STJ, mas antes um desenvolvimento da aplicação e interpretação do direito.


2.2. Da caducidade


Impõe-se, agora, analisar a decisão recorrida à luz das alegações da revista do autor e apurar se padece de erro de direito na aplicação dos art.ºs 9.º, 10.º, 309.º, 1225.º e 1156.º do CC, ao ter decidido pela procedência da excepção peremptória de caducidade.

A decisão recorrida entendeu do seguinte modo:

Sendo o regime do mandato, na sua aplicação ao contrato de prestação de serviço, omisso sobre a caducidade do direito pelo decurso de um dado prazo, contado do mero conhecimento do defeito, impõe-se a “adaptação por via analógica” do regime da prestação de serviço de fiscalização, integrando-o com o regime típico da empreitada, por ser o que melhor se adequa à sua natureza concreta. Em suma, repisa-se que, no que à questão que nos ocupa diz respeito, não se poderão deixar de se aplicar à prestação de serviço de fiscalização de obra, contrato atípico, as limitações temporais previstas no art. 1225.º do Cód. Civil, assim se operando a necessária adaptação imposta pelo art. 1156.º do Cód. Civil. Significa isto que o comitente dispõe de cinco anos (no limite, de sete anos: 5 + 1 +1) para exercer judicialmente o seu direito ao ressarcimento dos danos causados por uma prestação defeituosa, sob pena de, nos termos empregues pelo Supremo Tribunal de Justiça, “preclusão do direito com o esgotamento de um prazo”.

6.3.3. Regime da empreitada para consumo

O regime da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas é, em geral, aplicável à prestação de serviço – cfr. o n.º 2 do art. 1.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril. Ora, da aplicação deste regime, e convocando o postulado da coerência do sistema jurídico, resulta que, no limite, o consumidor pode demandar o prestador no prazo de 8 anos (ou 9, dependendo da interpretação que se faça da lei) depois de efetuada a prestação (arts. 5.º, n.º 1, e 5.º-A, n.ºs 1 a 3, do Decreto-Lei n.º 67/2003). Se no garantístico regime da prestação de serviço para consumo o direito ressarcitório do consumidor caduca se não for exercido em menos de 10 anos, causa estranheza que, de acordo com o regime geral, ele apenas esteja sujeito ao prazo de prescrição de 20 anos.

Este regime não é diretamente aplicável ao nosso caso, pois, como já sublinhámos por diversas vezes, a prestação de serviço de fiscalização não se concretiza num produto, logo, não envolve o fornecimento de um bem de consumo – sobre esta definição, cfr. o 1.º-B, al. b), do Decreto-Lei n.º 67/2003, após a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio. A obra é, sim, fornecida no âmbito da empreitada fiscalizada. O que não significa dizer que não se possa interpretar extensivamente o regime da prestação de serviço que envolva o fornecimento de um bem de consumo (Decreto-Lei n.º 67/2003), aplicando-o à prestação de serviço que não o envolva, quando nesta também se discuta o cumprimento defeituoso da prestação – máxime, quando este é invocado por decorrência da manifestação de um defeito da obra resultante da empreitada para consumo fiscalizada.

6.3.4. A extinção do direito exercido pelo autor

No caso dos autos, entre a data da transação que pôs termo ao desenvolvimento da obra, marcando o seu recebimento (nos termos previstos nesse acordo) – 17 de novembro de 2008 – e a data em que a presente ação foi instaurada, decorreram mais de 10 anos. Em face da imputação causal adotada pelo autor – o defeito na obra (e, ou, a impossibilidade da sua eliminação) resulta de uma omissão da fiscalização −, o putativo incumprimento da ré é identificável, de forma direta e imediata, pela revelação das patologias da obra construída. O mesmo é dizer que, logo no decurso do primeiro ano, o autor tomou conhecimento dos factos que, no seu entendimento, revelam o cumprimento defeituoso da ré.

Em suma, o prazo para reagir contra a ré, tomado do regime jurídico da empreitada, na integração do regime aplicável ao contrato dos autos (art. 10.º do Cód. Civil), mostra-se ultrapassado. O direito do autor está extinto por caducidade.».

O recorrente alega que sobre a ré/recorrida recaíam prestações intelectuais, de acordo com a cláusula 1 do contrato: direcção técnica de empreendimento, análise, acompanhamento e coordenação do desenvolvimento dos projectos, fiscalização, controle e calendarização da obra, controle de qualidade, controle das condições de segurança e controle administrativo da obra, pelo que o seu resultado é imaterial e incorpóreo. Através do acórdão de 14/12/2016, o STJ afasta a aplicação do regime específico de caducidade estabelecido nos artigos 1224.º e 1225.º do CC, quando a prestação essencial se traduz no resultado ou produto de um trabalho intelectual, sendo aplicável o prazo geral da prescrição.

O acórdão do STJ, de 14/12/2016, proferido na revista n.º 492/10.0TBPTL.G2.S2 - 2.ª Secção[5],  que a recorrente indica e que se mostra  citado na sentença recorrida, contém o seguinte sumário:

“I - O contrato de empreitada, segundo a noção dada no art. 1207.º do CC, fruto da solução legislativa adotada nesse âmbito, tem como traço característico a realização de certa obra corpórea e material, estando o respetivo regime legal modelado, nos seus diversos segmentos, em torno dessa característica.

II - Nessa medida, aquele regime revela-se, em regra, inadequado a reger os contratos de prestação de serviço atípicos que tenham por objeto um resultado consistente na realização de obra incorpórea e imaterial, em relação aos quais será, subsidiariamente, aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do contrato de mandato, nos termos do art. 1156.º do CC.

III - Tal não obsta, porém, a que, em sede dessas adaptações, se possa aplicar disposições do regime do contrato de empreitada mais conformes, quando as do contrato de mandato se mostrem inadequadas ao caso.

IV - Nessas adaptações, por via analógica, afigura-se mais segura uma metodologia de ponderação casuística que permita aferir a melhor adequação de determinado segmento normativo do regime típico da empreitada à natureza concreta da obra incorpórea e imaterial que estiver em causa.

V - A elaboração de um projeto de estabilidade com vista à construção de uma casa de habitação, nas componentes de estruturas, fundações e betão armado, na medida em que envolve cálculos e fórmulas matemáticas complexas que definem os materiais e as características de resistência dos elementos estruturais do edifício, bem como o seu dimensionamento e disposição, de forma a garantir a segurança da construção, traduz-se num resultado incorpóreo e imaterial.

VI - Assim, um contrato que tenha por objeto tal elaboração deve ser qualificado como contrato de prestação de serviço atípico, a que é aplicável, subsidiariamente, as disposições sobre o mandato, nos termos dos arts. 1154.º e 1156.º do CC.

VII - Os erros de conceção do referido projeto de estabilidade, só apurados no decurso de uma ação movida contra o empreiteiro pelo dono da obra mediante estudo especializado feito a partir das anomalias reveladas na construção, tornam-se insuscetíveis de ser eliminados nos termos do art. 1221.º do CC.

VIII - Em tais circunstâncias, não se mostra adequado aplicar o regime da caducidade estabelecido nos arts. 1224.º e 1225.º do CC aos direitos de indemnização emergentes dos danos derivados daqueles erros de conceção, restando aplicar-lhes o regime da prescrição ordinária.

IX - A dilatada inércia no exercício de tais direitos, por parte do credor, pode envolver abuso de direito nos termos do art. 334.º do CC.

X - Porém, num caso, como o dos autos, em que tais erros só foram conhecidos pelo credor em finais de 2008, não obstante se tratar de construção concluída em 2002, tendo a ação de indemnização pelos prejuízos daí decorrentes sido instaurada contra o projetista em 2010, não se mostra, sem mais, abusivo o exercício desse direito.

XI - A obrigação de elaboração de um projeto de desenho e de especialidades para construção duma edificação, a realizar de forma conjugada por um desenhador e um engenheiro civil, consoante as respetivas habilitações profissionais, reconduz-se a uma obrigação de prestação indivisível, salvo se tiver sido estipulada a solidariedade dos devedores ou esta resultar da lei, nos termos do disposto no art. 535.º do CC.

XII - Porém, não tendo sido estipulada a solidariedade dos devedores nem resultando ela da lei, em caso de ocorrência de erros de conceção respeitantes exclusivamente ao projeto de estabilidade elaborado pelo engenheiro civil, face aos quais a prestação perfeita se tornou impossível, pelos danos daí decorrentes só responde aquele projetista, nos termos do art. 537.º do CC.

XIII - Se o projetista tiver também exercido as funções de diretor técnico da obra, o eventual incumprimento das suas obrigações, nesta última qualidade, de zelar pela conformidade da execução dessa obra com o projeto de construção, não releva quanto à responsabilidade pelos danos decorrentes exclusivamente dos erros de conceção do projeto de estabilidade.

XIV - A privação da fruição de uma habitação inapta para tal por erros de conceção do projeto de estabilidade constitui dano patrimonial indemnizável, correspondente à frustração dessa utilidade económica.

XV - Paralelamente, são também indemnizáveis, a título de danos não patrimoniais, os incómodos, perturbações e frustrações de ordem moral, sofridos em consequência dos sobreditos erros de conceção, nos termos dos arts. 494.º e 496.º, n.º 1, subsidiariamente aplicáveis no domínio da responsabilidade contratual.”

Este acórdão procedeu à distinção entre o contrato de prestação de serviços e o contrato de empreitada, em especial o prazo de caducidade que lhe é aplicável, a propósito de um contrato em que a ré se obrigou a elaborar um projeto com desenhos da obra a construir e de projectos de especialidade, incluindo o projeto de estabilidade nas componentes da estrutura, fundações do edifício e do betão armado, com vista à construção da moradia unifamiliar dos ali autores. E, após proceder à análise dos dois institutos e bem assim do que deve ser entendido por obra corpórea e incorpórea, acaba por concluir que o acordo firmado entre as partes deve ser considerado um contrato de prestação de serviços, sendo-lhe aplicável o prazo geral de caducidade, pois, apesar do trabalho se mostrar materialmente expresso no projecto, em documento, este é apenas um suporte daquele resultado ou trabalho com natureza de coisa incorpórea. Mais entende que não lhe deve ser aplicado o regime da caducidade respeitante ao contrato de empreitada, por se tratar de “erros de natureza imaterial, insuscetíveis de serem identificados, de forma direta e imediata, pelas revelações patológicas da obra construída”.

Conclui Bianca de Sousa Teixeira[6] que, ao longo dos tempos, a jurisprudência tem demonstrado uma inversão relativamente ao conceito de obra relacionado com o contrato de empreitada. Inicialmente começou por seguir-se a tese defendida por Ferrer Correia e Henriques Mesquita[7], que entendia que as criações incorpóreas e imateriais, como as criações intelectuais, estavam integradas no conceito de obra no contrato de empreitada, como se entendeu no Ac. do STJ 03-11-1983, Revista n.º 070604[8], cujo sumário é o seguinte:

“I - O contrato de empreitada pode ter por objecto uma obra eminentemente intelectual ou artística, nomeadamente, a produção de filmes para uma empresa de televisão, que se obrigou a pagar certa quantia, em prestações, fornecendo ainda as películas de imagem e som, além de meios e serviços clausulados no contrato.

II - A cláusula contratual, pela qual a empresa de televisão se obrigou ao pagamento de uma multa por cada dia de atraso no pagamento das prestações, tem a finalidade de compulsão do cumprimento pontual do contrato, que não a de fixação de indemnização, nos termos do artigo 810, n. 1, do Código Civil. Se o dono da obra desistiu da empreitada, no uso da faculdade conferida no artigo 1229 do Código Civil, a sociedade empreiteira apenas poderá exigir as multas devidas pelos atrasos verificados antes dessa desistência, porquanto deixou de existir a finalidade da pena convencional.

III - A desistência da empreitada não prejudica o que se haja estabelecido no contrato, quanto ao incumprimento negocial.”

Mais recentemente, seguindo o entendimento de Antunes Varela, que considera que a obra intelectual tem de ser autónoma da materialização, sendo distinto o suporte onde se materializa, não devendo ser regulado pelo regime da empreitada. A jurisprudência também acompanhou esta inflexão, como seja no Ac. do STJ de 11-07-2006, Revista n.º 06A1434[9], cujo sumário é o seguinte:

“I - O regime jurídico da empreitada prende-se com a realização de obras materiais.

A realização de uma obra intelectual (literária, artística ou científica) não pode gerar um contrato de empreitada só pelo facto de envolver, como prestação acessória, ou secundária, a entrega de coisa material que lhe sirva de suporte.

II - A obra intelectual é coisa incorpórea distinta do seu suporte material, sendo diversos os direitos que sobre eles incidem.

III - O contrato de edição supõe uma criação intelectual não pré ordenada pelo editor, que a publica, autorizado pelo criador que transmite, ou não, o direito de autor.

IV - Encomenda é o contrato em que alguém se obriga a produzir uma obra literária, científica ou artística, para outra pessoa, fora do âmbito de um contrato de trabalho ou do cumprimento de um dever funcional, com ou sem remuneração, presumindo-se ser o criador intelectual.

V - Ao contrato de encomenda aplicam-se as regras do contrato de prestação de serviço e subsidiariamente as do mandato.”

E no Ac. do STJ de 24-04-2012, Revista n.º 683/1997.L1.S1[10], cujo excerto de sumário relevante é o seguinte:

I - Configura um contrato de arquitectura, o acordo celebrado entre autor e ré, em que a prestação essencial se traduz no resultado ou produto de um trabalho intelectual, no caso, na elaboração de estudo prévio, projecto base e projectos de arquitectura, além da assistência técnica à respectiva execução, com vista à reabilitação de zona monumentalizada e classificada como Monumento Nacional, obrigando-se o autor à realização de uma obra intelectual e artística, embora condicionada a critérios previamente definidos, materializada num conjunto de peças desenhadas, que, em si mesmas, são coisas corpóreas.

II - Trata-se de um contrato de prestação de serviços (art. 1154.º do CC), embora atípico, abrangido pelo princípio da liberdade contratual (art. 405.º do CC), que apresenta, conforme os casos, maior ou menor afinidade com o contrato de empreitada ou com o contrato de mandato, daí que a sua atipicidade determinará a aplicação das regras contidas nas suas próprias cláusulas e as normas gerais dos contratos, admitindo, ainda, a aplicação das regras do mandato devidamente adaptadas, se disso for caso, e, na medida do possível e sempre que a semelhança das situações o justifique, as regras da empreitada, designadamente, em sede de cumprimento defeituoso, por inobservância de regras procedimentais de ordem meramente técnica. (…).

Porém, mais concluiu o citado e mais recente acórdão do STJ de 14/12/2016, a propósito da possibilidade de aplicação por analogia de determinadas regras da empreitada aos contratos de prestação de serviços, que “(…) o regime do contrato de empreitada revela-se, no essencial, inadequado aos contratos de prestação de serviço que tenham por objeto um resultado consistente na realização de coisas incorpóreas ou imateriais, em relação aos quais será, subsidiariamente, aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do contrato de mandato, nos termos do artigo 1156.º do CC.

Tal não obsta, porém, a que, em sede dessas adaptações, quando se mostrem inadequadas ao caso as disposições do contrato de mandato, se possa, casuisticamente, lançar mão de disposições mais conformes do próprio contrato de empreitada[11]. Mesmo Antunes Varela, estrénuo defensor do conceito restrito de obra, admite que devam ser aplicadas, por analogia, algumas das disposições da empreitada no âmbito de contratos de realização duma obra literária, científica ou artística[12].

Significa isto não optar por uma compreensão latitudinária do conceito de obra que seja inclusiva das coisas incorpóreas e imateriais, envolvendo, por essa via, uma extensão sistemática do regime do contrato de empreitada, como sustentam os defensores da tese ampla do conceito de obra. E nem ainda assim se opta por uma extensão analógica categorial, de certo modo automática, por segmentos normativos ou institutos daquele regime, como parece ser a orientação perfilhada por Baptista Machado.

Afigura-se, antes, mais seguro adoptar uma metodologia de adaptação por via analógica mediante ponderação casuística que permita aferir a melhor adequação de determinado segmento normativo do regime típico da empreitada à natureza concreta da obra incorpórea e imaterial que estiver em causa.

E cremos também se situar, em geral, nessa linha o sentido perfilhado pela nossa jurisprudência, em particular a do Supremo Tribunal de Justiça, como disso dão nota as recensões de Cura Mariano[13] e de Bianca Cecília de Sousa Teixeira[14].”.

Ora, no caso, tal qual decidido na sentença, dúvidas não se levantam quanto à natureza de coisa incorpórea e imaterial relativamente ao presente contrato de fiscalização de obra, pois a actividade da ré consistiu, conforme resulta dos factos provados, na direcção técnica de empreendimento, na análise, acompanhamento e coordenação do desenvolvimento dos projectos, na fiscalização, controle e calendarização da obra, no controle de qualidade, controle das condições de segurança e controle administrativo da obra. Esta actividade desenvolvida pela ré não se traduz naturalmente na criação de uma obra corpórea, como seja a construção da moradia.

Contudo, não devemos desatender ao disposto no art.º 1209.º do CC, que preceitua o seguinte:

“1. O dono da obra pode fiscalizar, à sua custa, a execução dela, desde que não perturbe o andamento ordinário da empreitada.

2. A fiscalização feita pelo dono da obra, ou por comissário, não impede aquele, findo o contrato, de fazer valer os seus direitos contra o empreiteiro, embora sejam aparentes os vícios da coisa ou notória a má execução do contrato, exceto se tiver havido da sua parte concordância expressa com a obra executada.”.

Este normativo prevê a fiscalização da obra pelo dono de obra, mas também previne a possibilidade de a fiscalização ser deferida a outrem, como no caso ocorreu. De realçar que esta regra se mostra incluída no capítulo da empreitada, o que nos permite, com alguma segurança, concluir que, apesar de estarmos perante um contrato de prestação de serviços e não de um próprio contrato de empreitada, se trata de um contrato que por ter como objecto o controlo de um contrato de empreitada, não deixa de, em alguns pontos, se aproximar e de, em certa maneira, depender do contrato de empreitada.

Ora, foi precisamente o raciocínio que se seguiu na sentença recorrida, apreciando o contrato atípico dos autos à luz do contrato de prestação de serviços, integrando-o nesta figura jurídica, e aplicando-lhe as regras do mandato nos termos do art.º 1156.º do CC,  considerando as características que este contrato reveste, o qual está internamente ligado com a empreitada que fiscalizou e bem assim de acordo com a causa de pedir e o pedido do autor, que invoca os defeitos da construção da moradia e os prejuízos daí advenientes, como sendo da responsabilidade da ré, por não ter cumprido as obrigações que contratualizou. Os defeitos da obra e os prejuízos daí decorrentes são visíveis e reclamáveis desde a cessação do contrato de empreitada e consequentemente da cessação do contrato de prestação de serviços celebrado. E, tal como afirmado na sentença recorrida, seria de estranhar que os direitos relativos aos defeitos de fiscalização de uma empreitada, estivessem sujeitos ao prazo de prescrição geral de 20 anos – regime do art.º 309.º do CC – muito superior ao prazo de caducidade previsto no art.º 1225.º do CC, aquele que o autor pode exercer perante o empreiteiro.

Mais se afigura que o instituto da caducidade, em face do disposto no art.º 298.º, n.º 2, do CC,[15] é passível de interpretação por analogia, nos termos dos art.ºs 9.º e 10.º do CC, por não se tratar de norma excepcional.

Acresce, ainda, que o regime do contrato de prestação de serviços e do mandato não prevê norma específica de caducidade.

A título de exemplo, ainda que sobre situação respeitante a matéria jurídica diversa (propriedade intelectual), citamos o acórdão do STJ de 23/6/2016, Revista n.º 124/12.1TYLSB.L1.S1[16], onde se entendeu ser de aplicar analogicamente a situação similar um prazo de caducidade previsto em norma distinta, cujo sumário é:

“I - A insígnia de estabelecimento, como sinal distintivo de comércio, à semelhança da marca, não pode deixar de influenciar o seu tratamento jurídico.

II - Assim, por analogia, deve considerar-se aplicável o prazo de dez anos, para a propositura da ação de anulação do registo do nome ou da insígnia de estabelecimento, no âmbito do CPI, aprovado pelo DL n.º 16/95, de 24-01.

III - Existindo aí um regime específico para casos semelhantes, pouco sentido faria a aplicação da norma geral, prevista no art. 287.º, n.º 1, do CC.

IV - Sem a alegação de matéria suscetível de consubstanciar a má fé do registo da insígnia do estabelecimento, não pode deixar de ser aplicável o prazo de caducidade de dez anos.”

No citado acórdão do STJ, de 14/12/2016, os defeitos da prestação de serviços à qual foi aplicado o regime geral de prescrição diziam respeito a erros e defeitos em projectos de engenharia – desenhos e especialidades – por se tratar de “vícios ocultos, ou seja, de difícil constatação/identificação, por pessoa sem conhecimento da arte da construção, contrariamente aos vícios aparentes que são os defeitos resultantes dos contratos de empreitadas. Naquele processo, mostrava-se provado um plus que o distancia destes autos, apenas ao fim de 5 anos após a obra ser considerada finda é que peritos especializados (após um anterior processo com prova pericial e de dois pareceres técnicos) detectaram que os “alegados defeitos da empreitada” eram mais que isso; tratavam-se de erros do projecto de estabilidade estrutural.

Ao invés, no presente caso, os defeitos mostravam-se visíveis, tanto mais que o autor intentou acção judicial contra o empreiteiro, a qual procedeu, mas que materialmente gorou em face da insolvência daquele empreiteiro. E, é neste seguimento que o autor intenta a presenta açcão contra a ré, fazendo-o apenas depois de constatar que não consegue garantir a tutela efectiva dos seus direitos junto do empreiteiro, isto é, o autor actua judicialmente perante a ré, decorridos que são mais de 10 anos desde a conclusão da obra.

A motivação que determinou a aplicação do prazo de prescrição de 20 anos no acórdão do STJ de 14/12/2016, e não o prazo previsto no art.º 1225.º do CC, não pode ser transposta para os presentes autos, pois a situação factual é distinta. Ao invés e assim como foi aquilatado nesse aresto, deve ser ponderado casuisticamente a adequação das normas respeitantes ao regime da empreitada, em face da natureza concreta da obra incorpórea e imaterial que se apresentar, e aplicar as normas do regime da empreitada analogicamente que se adequarem ao caso.

Verifica-se, pois, a excepção peremptória da caducidade, como decidiu a sentença recorrida.

Assim, as normas indicadas não se mostram violadas, não podendo proceder a pretensão da recorrente.

Sumário:

1. Configura um contrato de prestação de serviços atípico o contrato celebrado pelas partes, em que a prestação essencial de uma delas se traduz no resultado de um trabalho intelectual, no caso, na gestão, coordenação e fiscalização da construção de uma moradia da outra.

2. Tal contrato apresenta afinidades com o contrato de empreitada e com o contrato de mandato, pelo que a sua atipicidade determina a aplicação das regras contidas nas suas próprias cláusulas e nas normas gerais dos contratos, bem como das regras do mandato devidamente adaptadas, se for caso disso, e, na medida do possível, sempre que a semelhança das situações o justifique, as regras da empreitada.

3. Em sede dessas adaptações, quando se mostrem inadequadas ao caso as disposições do contrato de mandato, nada obsta a que se possa, casuisticamente, lançar mão de disposições mais conformes do próprio contrato de empreitada.

4. É o que ocorre nos casos, como o presente, em que, não obstante a natureza da coisa incorpórea relativamente ao contrato de fiscalização de obra, a fiscalização foi deferida pelo dono da obra a outrem, nos termos do art.º 1209.º, n.º 2, do Código Civil, e aquele invoca, decorridos mais de dez anos, os defeitos da construção da moradia e os prejuízos daí advenientes, como sendo da responsabilidade da ré, por não ter cumprido as obrigações que contratualizou, quando tais defeitos  e prejuízos eram visíveis e reclamáveis desde a cessação do contrato de empreitada e consequentemente da cessação do contrato de prestação de serviços celebrado.

5. Em tais circunstâncias, mostra-se adequado aplicar o regime da caducidade estabelecido nos art.ºs 1224.º e 1225.º do CC aos direitos de indemnização emergentes da eventual violação de obrigações contratuais.


III. Decisão

Por tudo o exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida.


*


Custas pelo recorrente, por ter ficado vencido (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

*


Lisboa, 18 de Janeiro de 2022

    

Fernando Augusto Samões (Relator)

Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)

António José Moura de Magalhães (2.º Adjunto)

_________

[1] Do Tribunal Judicial da Comarca … – Juízo Central Cível … – Juiz ….
[2] Relator: Juiz Conselheiro Fernando Samões
1.º Adjunto: Juíza Conselheira Maria João Vaz Tomé
2.º Adjunto: Juiz Conselheiro António Magalhães
[3] Seguindo e reproduzindo o anteriormente proferido, em 23/2/2021.
[4] Com texto integral disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5326c29ac7f3acc580258634005296e0?Open Document.
[5] Com texto integral disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/E94B83B1E4A081EE802580890060D46A.
[6] In Dissertação de Mestrado em Direito, na Universidade Portucalense, sob o título Noção de “Obra” no Contrato de Empreitada: Controvérsia?, Dezembro de 2014, disponível na Internet, pp. 74-75.
[7] Ferrer Correia e Henrique Mesquita, Anotação ao acórdão do STJ, de 3/11/1983, sob o título “Objecto – Produção de Filmes Resolução do contrato e seus Efeitos”, in R.O.A., Ano 45, 1985, 113, 158.
[8] Sumário disponível em
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/465a6ae4dc025855802568fc003a4373?OpenDocument, e texto integral disponível em https://portal.oa.pt/upl/%7B03f9ffee-5f16-472f-9ff7-9799b53c33b5%7D.pdf.
[9] Texto integral disponível em
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8200cc9e8efd994e802571af0052be70?OpenDocument.
[10] Texto integral disponível em
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6c3484e9e2228047802579f2005a7b5f?OpenDocument.
[11] Neste sentido, vide Baptista Machado, em anotação ao acórdão do STJ de 3/11/1983, in RLJ Ano 118.º, pp. 277-278; Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, 2004, pp. 45-46, - nota de rodapé do acórdão.
[12] Em RLJ Ano 121, p. 191, - nota de rodapé do acórdão.
[13] Ob. cit., pp. 43-44, nota 73, p. 44, - nota de rodapé do acórdão.
[14] Em Dissertação de Mestrado em Direito, na Universidade Portucalense, sob o título Noção de “Obra” no Contrato de Empreitada: Controvérsia?, Dezembro de 2014, disponível na Internet, consultado em novembro de 2016, pp. 68-75, - nota de rodapé do acórdão.
[15] Segundo o qual “Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”.
[16] Texto integral disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/BCDC263D9492878880257FDB004E7118.