Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
279/12.5TTPTG.E1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
ARGUIÇÃO
JUS VARIANDI
JUSTA CAUSA
DESOBEDIÊNCIA
Data do Acordão: 10/01/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / ACTIVIDADE DO TRABALHADOR ( ATIVIDADE DO TRABALHADOR) / MOBILIDADE FUNCIONAL / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES / DEVERES DO TRABALHADOR / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR ( POR FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR ).
DIREITO PROCESUAL LABORAL -RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - SENTENÇA ( NULIDADES ) - RECURSOS.
Doutrina:
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado, parte II, 471, 5.ª edição.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 77.º, N.º1.
CÓDIGO DO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 406.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT)/ 2009: - ARTIGOS 115.º, N.º 1, 118.º, N.ºS1 E 2, 120.º, 126.º, 128.º, 351º, Nº 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 53.º.

Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 20.01.2010, PROCESSO Nº 228/09.8YFLSB, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 21 DE MARÇO DE 2012, PROCESSO N.º 196/09.6TTMAI.P1.S1-4ª SECÇÃO;
-DE 25 DE JUNHO DE 2014, PROCESSO Nº 3098/08.0TTLSB.L1.S1; DE 12/3/2008, PROCESSO Nº 07S3380; E DE 30/4/08, PROCESSO 07S3658, TODOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT ; E, AINDA, OS ACÓRDÃOS DE 28/1/98, AD. 436/558; 28/5/97, BMJ 467/412; E 28/6/94, CJS, 284/2.
Sumário :
I- Conforme determina o artigo 77º, nº 1 do CPT, a arguição de nulidades da sentença tem de ser feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, doutrina que é também aplicável em sede de invocação de nulidades de acórdãos das Relação.

II- Não tendo a recorrente arguido a nulidade do acórdão no requerimento de interposição da revista, fazendo-o apenas em sede de alegações, não se pode tomar conhecimento desta matéria no recurso.

III- Tendo a empresa exigido da trabalhadora o exercício de funções no seu departamento financeiro, devido à ausência do trabalhador que delas se ocupava por estar de baixa por doença, devia esta obediência a tal ordem de desempenho temporário destas funções, apesar de não se integrarem na sua categoria profissional, em virtude de estarem integrados os requisitos do “ius variandi” previsto no artigo 120º do CT/2009, por existir um interesse da empresa que o exigia, por se tratar duma modificação transitória e não superior a 2 anos que não implicava uma modificação substancial da posição da trabalhadora nem qualquer diminuição da sua retribuição.

IV- Conforme resulta do artigo 351º, nº 1 do Código do Trabalho de 2009 constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador, que pela sua gravidade e consequências torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

V- Verifica-se a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança do empregador, em virtude da conduta do trabalhador ser susceptível de criar no espírito daquele a dúvida sobre a sua idoneidade futura.

VI- Tendo a trabalhadora recusado o cumprimento de ordens que lhe eram dadas ao abrigo do “ius variandi” de desempenho das funções do seu colega do sector financeiro que estava de baixa, apesar das várias tentativas para a dissuadir desta posição de recusa, estamos perante um quadro reiterado de desobediências, cuja gravidade, advinda do seu carácter voluntário e repetido, é apta a criar no empregador a dúvida sobre a sua idoneidade futura, pelo que está integrada a justa causa do seu despedimento.
 
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


1----

AA intentou, no Tribunal de Trabalho de ..., uma acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que havia sido promovido por

BB – AE – Associação Empresarial da Região de ..., com sede em ..., pretendendo a declaração da ilicitude do despedimento de que foi alvo.
 
Realizada audiência de partes e não tendo esta derivado na sua conciliação, veio a Ré apresentar o articulado a que alude o artigo 98.º-J do C.P.T., no qual pugna pela validade do despedimento e pela existência de justa causa, juntando o procedimento disciplinar instaurado à trabalhadora.

Esta veio contestar e reconvir, sustentando, por excepção, que o procedimento disciplinar está ferido de nulidade por falta de poderes para a sua instauração; que foram violadas as suas garantias de defesa; que ocorreu a caducidade do direito de proferir decisão disciplinar, que carece, aliás, de manifesta falta de fundamentação.

E por impugnação, sustenta que não se verifica justa causa, pelo que, tendo sido violado o princípio de proporcionalidade da sanção, pede que o despedimento efectuado pela Ré seja considerado ilícito.

E em reconvenção pede a condenação da empregadora no pagamento da quantia de € 28.560, correspondente à indemnização de antiguidade prevista no art.º 391º do C. T; 10.000 euros, a título de compensação por danos não patrimoniais; todas as retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença; e a quantia de 544,56 euros referente a subsídios de refeição não pagos.
 
A Ré respondeu às excepções e à reconvenção deduzidas pela trabalhadora, concluindo pela sua improcedência.
 
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida decisão sobre a matéria de facto que resultou provada, de que não houve reclamação.

Foi depois proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e:

“A) Declarou ilícito o despedimento da Autora, nos termos do artigo 381.º, n.º 1, al. b), do Código de Trabalho, por ausência de infracção disciplinar e de justa causa de despedimento;

B) Condenou a Ré no pagamento à Autora de indemnização em substituição da reintegração, nos termos do artigo 391.º do Código de Trabalho, no montante de € 20.601,20 (vinte mil, seiscentos e um euros e vinte cêntimos), acrescidos de juros de mora contados desde o trânsito em julgado da presente sentença até integral pagamento, à taxa legal de 4%, nos termos da Portaria 291/2003, de 8 de Abril;

C) Condenou a Ré no pagamento à Autora dos salários intercalares desde a data do despedimento, 6 de Dezembro de 2012, até ao trânsito em julgado da presente sentença, nos termos do artigo 390.º, n.º s 1 e 2 do Código de Trabalho, montante que vence juros de mora contados desde o trânsito em julgado da presente sentença até integral pagamento, à taxa legal de 4%, sendo que a tal quantia deverá ser deduzido o montante que, eventualmente, tenha sido recebido pela Autora a título de subsídio de desemprego, devendo, em tal eventualidade, tal quantia ser entregue pelo empregador à Segurança Social;

D) Condenou a Ré no pagamento à Autora do subsídio de alimentação referente aos meses de Outubro a Dezembro de 2012, no montante de € 337,92, montante que vence juros de mora contados desde a data de citação até integral pagamento, à taxa legal de 4%, nos termos da Portaria 291/2003, de 8 de Abril, até ao integral pagamento;

E) Condenou a Ré no pagamento à Autora de uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 3.000,00 (três mil euros), montante que vence juros desde o trânsito em julgado da presente sentença, à taxa legal de 4% ao ano, até integral pagamento, nos termos da Portaria 291/2003, de 8 de Abril.

Quanto ao demais peticionado pela Autora foi a R absolvida.”

Inconformada, apelou a empregadora, tendo o Tribunal da Relação de Évora julgado a apelação procedente com a consequente absolvição da Ré da totalidade dos pedidos formulados pela trabalhadora.


Irresignada, traz-nos esta revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

1.        Nos termos do art. 120º, nº 1 do C T. a demonstração do interesse legítimo da empresa no exercício do "jus variandi" constitui um dos requisitos que o empregador que pretenda lançar mão daquela faculdade excepcional deve cumprir.
2.         Esse requisito do interesse da empresa está ligado a situações de funcionamento da organização empresarial que podem e devem ser observadas objectivamente, uma vez que provém de circunstâncias supervenientes da vida da empresa ou, eventualmente, de situações de força maior exteriores à mesma.
3.         Assim, a demonstração do interesse legítimo da empresa no uso do "jus variandi" passa não só pela enunciação e invocação das concretas razões que constituem a demonstração do referido interesse da empresa como também na demonstração que tais razões foram transmitidas ao trabalhador no momento em que o empregador pretende lançar mão daquele instrumento de variação.
4.         Significa isto que tem de existir uma contemporaneidade entre a invocação das razões que demonstram o interesse da empresa e o momento em que as mesmas são transmitidas ao trabalhador, tendo que coexistir no mesmo espaço temporal.
5.         Por outro lado, devem também ser transmitidas ao trabalhador as razões pelas quais o empregador decidiu fazer repercutir naquele concreto trabalhador e não noutro o uso da mobilidade funcional decorrente do "jus variandi".
6.        No caso dos autos e face à matéria dada como assente, verifica-se que não está provado que isso alguma vez tenha ocorrido, isto é, nada se provou no sentido de demonstrar que o BB transmitiu à recorrente as razões concretas do interesse da empresa na variação, bem como as razões pelas quais essa variação se repercutiu na esfera pessoal/funcional da recorrente e não de qualquer em qualquer outro trabalhador do BB designadamente do departamento financeiro.
7.         A falta de cumprimento dos requisitos tal como atrás referimos e na sua respectiva transmissão pelo recorrido à recorrente demonstra a ilegalidade do uso do "jus variandi" neste caso e bem assim a violação do art. 120º, n° s 1 e 3 do C. T.
8.         Para além do requisito da demonstração do interesse legítimo da empresa não se confunde com a demonstração da causa da transitoriedade da variação que no caso em concreto o douto Acórdão recorrido atribuiu ao período de baixa por doença do trabalhador CC.
9.         Importa notar que o douto Acórdão recorrido labora num erro que se consubstancia no facto de ter confundido o requisito de transitoriedade da variação - o período de baixa por doença do CC - com a demonstração do interesse da empresa na variação, subsumindo erradamente a este último, aquilo que é inequivocamente a causa de transitoriedade de variação: a baixa por doença do CC.
10. Assim, o douto Acórdão recorrido interpretou incorrectamente o art. 120°, nºs 1 e 3 do C. T. face aos factos provados, o que se traduz num erro de interpretação e aplicação do direito ao material probatório assente.
11. Sendo a demonstração da causa de transitoriedade da variação funcional um dos requisitos do exercício do ''jus variandi" pelo empregador, a verdade é que também no caso em apreço esse requisito não se verificou, pois na verdade o CC durante o período de "baixa" - que em bom rigor existiu - acabou por desempenhar a suas funções no departamento financeiro.
12. Veja-se a este propósito o que ficou provado no ponto 55 dos factos provados: "o CC durante a baixa foi às instalações da R. onde trabalhou e realizou tarefas e DD - funcionária da empresa de contabilidade G... - assegurou os trabalhos e transferências do departamento financeiro com a colaboração da funcionária EE".
13. Daqui resulta não só que a baixa do CC não era impeditiva do seu desempenho das funções que acabaram - também por ele - por serem asseguradas e nessa medida afasta o requisito da causa da transitoriedade do jus variandi, que não se verifica na medida em que a situação de doença geradora da baixa não impediu o trabalhador CC de se deslocar ao BB para desempenhar as suas funções.
14. Por outro lado, aquela matéria de facto provada no art. 55° e para além de outros factos provados no art. 45° - "No dia 13.09.2012 estiveram em reunião nas instalações da Ré CC, DD da G... e FF, tesoureiro do BB, tendo-se nessa reunião decidido transferir tarefas do trabalhador CC para DD, durante a baixa deste" - resulta que aquelas concretas tarefas por opção da entidade patronal foram exercidas por uma entidade exterior ao BB - G..., na pessoa da Dra. DD - o que contraria a ideia subjacente ao "jus variandi" que pressupõe que a variação tenha de ocorrer dentro do quadro de pessoal da empresa.
15. Ora, o facto de ter sido pessoal exterior ao BB a par do CC que executou aquelas concretas funções demonstra em si mesmo a falência do argumento do douto Acórdão recorrido e da própria natureza do ''jus variandi".
16. Cremos por isso não estar demonstrado o requisito da demonstração do interesse da empresa na variação e bem assim a demonstração do motivo de transitoriedade (a baixa por doença do CC), o que acarreta a ilegitimidade do exercício do "jus variandi" e nessa medida a violação pelo douto Acórdão recorrido ao nível da interpretação e aplicação do art. 120°, n° s1 e 3 do C. T ao caso dos autos, dado que não se mostram cumpridos pelo BB os requisitos de que depende o exercício do jus variandi.
17. Acontece que o dever de comunicar à recorrente as razões pelas quais o "jus variandi" seriam concretizadas na sua pessoa, isto é, as razões pelas quais a variação se faria na pessoa da recorrente nunca foi exercido pelo recorrido, desde logo não sabia a recorrente porque motivo tal não ocorreu noutro funcionário do departamento financeiro.
18. Tal como ficou provado no art. 31°, "O R. contratou um trabalhador em 4 de Setembro de 2012, por um período de 4 meses, contratação que visou fazer face ao acréscimo de trabalho relativo a pedidos de reembolso no departamento financeiro”, e 32° "DD, trabalhadora do Gabinete de Contabilidade, G..., exerceu as funções do departamento financeiro da ré atribuídas a GG, trabalhador contratado através do contrato referido no ponto anterior", o BB, ora recorrido, tinha recentemente contratado outro funcionário à G... para desempenhar funções no departamento financeiro e por isso seria normal, correcto e adequado às necessidades da variação que as funções do CC durante o período de baixa deste poderiam ser desempenhadas através desse funcionário.
19. A verdade é que tal situação, apesar de questionada pela recorrente, nunca foi ponderada pelo recorrido ou sequer a ela lhe foi transmitido e nessa medida estamos perante o incumprimento do requisito do art. 120°, nº 3 do C. T., que o douto Acórdão recorrido inequivocamente violou.
20. As ordens dadas pelo recorrido à recorrente pressupunham o exercício de funções para as quais a recorrente não tinha preparação nem conhecimento, receando até que, tal como ficou provado no art. 54°; "A autora receava que do exercício das funções de CC algum perigo ou responsabilidade pudesse advir para si ou para a própria entidade empregadora", algum mal adviesse à empregadora desse facto.
21. As ordens dadas à trabalhadora em 12 e 17 da sentença, tal como ficou provado nos n° 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 dos actos provados, não eram do conhecimento da recorrente, nunca as tinha desempenhado e apenas tinha colaborado com o CC no departamento financeiro ao nível dos pedidos de pagamento dos pedidos mas sempre com o controlo e supervisão do CC, tal como ficou provado nos n° 21, 23 e 24 dos factos provados.
22. Além do mais, tal como ficou provado no n° 36 dos factos provados - "As tarefas indicadas no e-mail referido em 34 pertenciam a CC, estavam em curso e a A. desconhecia por completo o assunto do arrendamento de salas, dos estudos de mercado na área de gestão de patrocínios no departamento automóvel, da prestação de consultadoria e pesquisa comercial no sector do azeite e dos valores envolvidos, a que se reportava o referido e-mail» - a recorrente desconhecia em absoluto o teor das tarefas que o Presidente do BB lhe pediu para executar.
23. A postura da recorrente não pode ser vista como uma recusa peremptória, antes explicou porque não tinha conhecimentos para realizar as tarefas solicitadas argumentou que existiam outros trabalhadores no departamento financeiro que tinham sido contratados para o efeito e que as poderiam desempenhar.
24. O empregador ao não atender nada disto e ao insistir numa atitude discricionária, autoritária e arbitrária ao nível da demonstração dos requisitos que estão na base do exercício do "jus variandi" não tendo aduzido nenhum interesse específico no mesmo, nem o transmitiu à trabalhadora, razão pela qual o Tribunal da Relação de Évora, no douto Acórdão recorrido, violou o art. 120º, nºs 1 e 3 do C. T., efectuando uma errada interpretação e aplicação da lei face aos factos provados, o que é motivo de recurso impondo-se a revogação do decidido.
25. Assim, devem V: Exªs. reconhecer que no caso dos autos o Tribunal da Relação de Évora efectuou uma incorrecta interpretação e aplicação do art. 120º face à factualidade provada, o que determina a revogação do decidido e a confirmação da douta sentença da 1ª Instância do extinto Tribunal do Trabalho de ..., com o consequente pagamento das quantias que nela constam.
26. O douto Acórdão recorrido aplicou à Autora, ora recorrente, a sanção do despedimento por justa causa como consequência da procedência total da Apelação.
27. Acontece que os requisitos de que depende a verificação e aplicação da sanção de despedimento por justa causa não têm "in casu" qualquer correspondência nos factos que estão provados. Na verdade, não existe qualquer matéria de facto provada da qual se pode extrair a conclusão de que a ruptura do vínculo é irreversível, que existe grave culpa da recorrente, a inviabilidade prática da manutenção do vinculo laboral, o desrespeito pela autoridade do empregador, a afectação do prestígio e do interesse do empregador, o insucesso do departamento financeiro, o prejuízo que ocorreu para entidade patronal da conduta imputada a recorrente ... nada, rigorosamente nada.
28. Não existe no material probatório assente qualquer facto que seja apto a suportar a aplicação da sanção de despedimento por justa causa e nessa medida esta ausência factual face à conclusão a que se chegou constitui uma nulidade da falta de fundamentação da matéria de facto e da sua adequação à conclusão jurídica a que chegou, nulidade essa que ora se invoca ao abrigo do art. 615°, n° 1, b) do C.P.C. e que constitui motivo de recurso da revista nos termos do art. 674° nº 1, b) do mesmo código.
29. Na aplicação da justa causa de despedimento a lei no art. 351º, nº 3 do C. T. manda que se tenha de ponderar o grau de lesão dos interesses do empregador, a relação entre as partes ou entre a trabalhadora e os demais companheiros e outras circunstâncias relevantes.
30. O grau de lesão dos interesses do empregador, como se refere atrás e resulta da factualidade provada no n° 45 e 55°, as funções em causa foram efectivamente resolvidas em tempo útil durante a baixa do CC pela Dra. DD da G... e pelo próprio CC que, tal como ficou provado, durante a baixa foi às instalações da Ré onde trabalhou e realizou tarefas e DD - funcionária da empresa de contabilidade G... - assegurou os trabalhos e transferências do departamento financeiro com a colaboração da funcionária EE, o que é demonstrativo de nenhum prejuízo grave ou irreparável ou incontornável tenha sido sofrido pelo recorrido como decorrência da atitude da Autora, ora recorrente.
31. A relação entre as partes ou entre a trabalhadora e os demais companheiros: neste pondo basta ver-se o que ficou provado no art. 27° no sentido da recorrente ser pessoa de confiança e não se ter provado que a conduta da Autora afectasse o ambiente harmonioso do empregador (alínea k) dos factos não provados). Parece-nos por isso poder dizer que ao nível da relação entre colegas e entre a recorrente e a entidade patronal nada existia de anormal no sentido de se existir um mau relacionamento entre eles ou ter acentuado uma má relação entre as partes ou entre a Autora e os próprios colegas de trabalho.
32. As demais circunstâncias relevantes: a jurisprudência neste aspecto tem considerado como relevante a existência ou inexistência de antecedentes disciplinares do trabalhador. No caso dos autos a recorrente é primária, nunca tinha em 14 anos de trabalho sido alvo de qualquer acção disciplinar, o que resulta da própria decisão disciplinar.
33. Parece-nos pois evidente que o tribunal não atendeu ao previsto no art. 351º, n° 3 do C. T., que inequivocamente violou.
34. Por outro lado, a aplicação da sanção disciplinar deve estar sujeita ao respeito pela circunstância de proporcionalidade prevista no art. 330º do C. T. entre os factos a gravidade adequada da sanção face às circunstâncias concretas.
35. Daqui decorre que devia o tribunal ter ponderado de entre as diversas sanções disponíveis qual a que podia optar para sancionar o comportamento da Autora, sendo certo que a de natureza expulsiva está reservada para situações extremas em que a manutenção do vínculo constitui um sacrifício para o empregador. Não é o caso.
36. No caso dos autos nada disso foi feito e o Tribunal da Relação de Évora avançou para a sanção de natureza de natureza expulsiva como sendo a única possível de ser aplicada, o que face às circunstâncias do caso concreto se nos revela completamente desproporcional, antes devendo ser substituída por uma de natureza conservatória.

Pede assim a revogação do acórdão com a consequente repristinação da sentença da 1ª Instância.

            A Recorrida também alegou, sustentando na sua alegação que:
a) Não pode este Tribunal conhecer da nulidade do acórdão, que a recorrente invoca na sua 28ª conclusão, não só por não o ter feito no requerimento de interposição, como também por não o ter feito de forma expressa e separada, em violação do art. 77° do CPT.
b) Que ocorrem no caso os requisitos do recurso ao “ius variandi”.
c) E que ocorrem os requisitos de que depende a justa causa de despedimento, sendo a trabalhadora licitamente despedida.
            Termina assim pedindo a confirmação do julgado.
            Subidos os autos a este Supremo Tribunal, emitiu o Senhor Procurador-Geral Adjunto parecer no sentido da improcedência da revista, o qual não suscitou qualquer reacção das partes.
            E preparada a decisão, cumpre apreciar.

2---
            Para tanto, as instâncias assentaram na seguinte factualidade, que não foi impugnada no recurso:
            1. A empregadora é reconhecida como pessoa de utilidade pública, e tem como objecto social, “ promover o desenvolvimento das actividades económicas do distrito de ..., nos domínios técnico, económico, comercial associativo e outros, e, em especial assegurar aos associados uma crescente participação nas decisões e nos programas que com essas actividades se relacionem. A associação representará os seus associados e assegurará a sua representação em todos os organismos, privados e públicos, que, por lei ou convite, lhe seja atribuída.”
2. Em 13 de Outubro de 1998, a R. admitiu ao seu serviço a A, mediante contrato individual de trabalho sem termo, que, sob a sua autoridade e direcção, exerceu as funções de técnica superior.
3. Em 2012.02.01, empregadora e trabalhadora, celebraram um aditamento ao CIT, onde se lê “Pelo presente Aditamento, a Primeira Contraente encarrega o Segundo Contraente, e este aceita, de prestar, sob a sua exclusiva direcção e autoridade, com zelo, diligência e competência, as inerentes funções e tarefas correspondentes à Categoria Profissional de Técnica Superior, para que foi contratado nos termos do Contrato de Trabalho, não só no âmbito do exercício das actividades estatutárias da Primeira Outorgante, como também no âmbito do exercício das funções e actividades desenvolvidas por esta em cumprimento do Protocolo de Colaboração ... e enquanto Delegação da ....”,
4. As funções aditadas compreendem o atendimento personalizado a empresários e potenciais empreendedores, nas instalações da associação e nas empresas, visita às empresas associadas e a empresas não associadas no sentido da sua sensibilização para o movimento associativo, recolha e tratamento de informação com interesse para as empresas, nas diversas fontes disponíveis, bem como a sua divulgação junto dos potenciais interessados, elaboração de projectos de investimento e estudos de viabilidade económica, prestação de serviços de consultadoria às empresas, representante da Direcção para os assuntos relacionados com o SGQ.
5. A trabalhadora realizou a sua prestação de trabalho, na sede da empregadora, no parque de feiras e exposições, em ..., no horário de funcionamento desse estabelecimento e com o horário de trabalho das 09:00 horas às 12:30 horas, e das 14:00 horas às 17:30 horas.
6. A A. pertencia aos quadros da empregadora, como efectiva, tinha funções técnicas e de confiança e auferia a retribuição mensal base de 1.360,00 euros, acrescida de um subsídio de alimentação de € 5,12 por dia útil de trabalho. (A expressão a negrito e em itálico foi aditada pela Relação).
7. Em 12 de Setembro de 2012, o presidente do BB, Dr. HH, na sede da empregadora, deu ordens à trabalhadora, para que esta realizasse tarefas financeiras da sua empregadora.
8. O referido em 7) ocorreu em virtude da ausência do colega da A., CC, por razões de saúde, com baixa médica, com início em 2012.09.05 e fim previsto para 2012.09.16.
9. Na data referida em 7), a trabalhadora comunicou ao Dr. HH, presidente e director executivo da Ré, que não se sentia à vontade para desempenhar as funções pedidas e que não tinha competência para as desenvolver.
10. Por e-mail do dia 13 de Setembro de 2012 dirigido ao Dr. HH, a trabalhadora declarou que “As funções que determinou que eu desempenhasse designadamente as respeitantes ao departamento financeiro desta associação, estão fora do objecto da minha prestação de trabalho e do descrito no documento do sistema de gestão da qualidade do BB, as quais pertencem ao departamento financeiro e nessa medida não tenho condições nem conhecimentos para as desempenhar”.
11. No dia 13 de Setembro de 2012, na parte da manhã, a administrativa do BB EE, procurou entregar à A., nas instalações da Ré, na sala onde aquela trabalhava, uma pasta, onde se encontravam arquivados documentos, e correspondência, que eram normalmente tratados pelo trabalhador II, tendo-se a A. recusado a receber a mencionada pasta.
12. No dia 13 de Setembro de 2012, da parte da tarde, foi realizada uma reunião, entre a trabalhadora, o presidente Dr. HH, e o tesoureiro, Sr. FF, na sala de reuniões do BB, que renovaram o pedido à trabalhadora para que cumprisse as ordens que lhe tinham sido transmitidas e as funções solicitadas em 2012.09.12.
13. Em 17 de Setembro de 2012, foi realizada outra reunião, numa sala da R., entre a A., FF e JJ, respectivamente, tesoureiro e vogal do BB, tendo estes ordenado à trabalhadora que desempenhasse tarefas da área financeira e que reconsiderasse a sua posição quanto à realização das mesmas.
14. A trabalhadora, em resposta ao tesoureiro e ao vogal, não aceitou executar as tarefas.
15. Por email de 18.09.2012, a trabalhadora afirmou “As funções que me pedem para desempenhar, mesmo que transitoriamente, requerem um conjunto de conhecimentos técnicos específicos acompanhados com a devida formação, de que não disponho, e uma vez que essas atribuições envolvem movimentação de dinheiro, compensação e conciliação bancária de várias contas bancárias e inclusive realização de pagamentos, entendo que se tratam de funções de elevada responsabilidade para as quais não tenho conhecimentos, nem condições de desempenhar.”
16. As tarefas que estavam a ser pedidas à trabalhadora faziam parte das funções atribuídas ao trabalhador da R., CC e deveriam ter sido realizadas enquanto se mantivesse a sua ausência por doença, como era do conhecimento da trabalhadora.
17. As funções do trabalhador CC consistem no controlo das áreas administrativa e financeira, preparação de documentos contabilísticos para o envido a entidade exteriores, elaboração de pedidos de pagamento de projectos financiados, serviço de facturação e processamento de ordenados.
18. As ordens dadas à A. encontram-se vertidas na nota de ocorrência a fls. 83/85 e no e-mail de fls. 87 que se dão por reproduzidas.
19. A A. já tinha colaborado com o seu colega CC.
20. A A. controlou projectos denominados Promonegócios e observatório regional do turismo.
21. No âmbito da colaboração com o seu colega CC a A. procedeu à elaboração de pedidos de pagamento, bem como ao controlo de projectos, manuseando a plataforma informática.
22. E colaborou na parte da facturação e na elaboração de documentos associados a clientes, como facturas e notas de crédito, o que fazia para auxiliar o CC devido à deficiência visual de que o mesmo padece.
23. Tal auxílio consistiu ainda na preparação de documentos contabilísticos, fazendo a A. a aposição dos carimbos, e na preparação dos processos que enviava para as entidades.
24. Em 2008, 2009 e 2010, a A. ajudava o CC nas mencionadas tarefas e substituía-o na sua ausência nas tarefas de carácter material.
25. CC ensinou a trabalhadora a realizar alguns trabalhos próprios de departamento financeiro, com indicação dos procedimentos.
26. Em 27 de Maio de 2010, a A. remeteu a HH e a CC o e-mail, de fls. 342 a 345, cujo teor se dá por reproduzido, onde se definia a distribuição das actividades do departamento financeiro e do departamento administrativo.
27. A empregadora indicou a A. para desempenhar as funções do departamento financeiro por a considerar uma técnica competente e de confiança.
28. O colega da A, CC, tem formação como técnico de contas.
29. O CC ensinou a EE e o KK, na tarde de 13 de Setembro de 2012, a emitir facturas.
30. A A. tem formação específica em contabilidade.
31. O R. contratou um trabalhador em 4 de Setembro de 2012, por um período de 4 meses, contratação que visou fazer face ao acréscimo de trabalho relativo a pedidos de reembolsos no departamento financeiro.
32. DD, trabalhadora do Gabinete de Contabilidade, G..., exerceu as funções do departamento financeiro da ré atribuídas a GG, trabalhador contratado através do contrato referido no ponto anterior.
33. A A. apresentou-se ao serviço em 10 de Setembro de 2012, após férias.
34. O presidente de ré, HH, enviou em 12 de Setembro de 2012, o correio electrónico constante de fls. 142/143, que se dá por reproduzido, dando informações à A. e dando-lhe indicações para as confirmar com o CC.
35. Entre 10 de Setembro de 2012 e 19 de Setembro de 2012, a trabalhadora não realizou qualquer tarefa do colega CC, como não o contactou, ou procurou saber que tarefas estavam pendentes.
36. As tarefas indicadas no e-mail referido em 34. pertenciam ao CC, estavam em curso e a A. desconhecia por completo o assunto do arrendamento de salas, dos estudos de mercado na área de gestão de patrocínios no departamento automóvel, da prestação de consultadoria e pesquisa comercial no sector do azeite, e dos valores envolvidos, a que se reportava o referido e-mail.
37. O Instrutor do processo disciplinar instaurado pela Ré contra a Autora procedeu nos dias 30 e 31 de Outubro e 5 de Novembro de 2012 à inquirição das testemunhas arroladas pela A.
38. A A. não soube que as testemunhas por si indicadas seriam ouvidas e não foi notificada para estar presente na inquirição das testemunhas.
39. As testemunhas da A. foram inquiridas pela R. no próprio local de trabalho destas – instalações da R. – no decurso da sua jornada laboral.
40. O mandatário da A. foi notificado pelo Instrutor do processo, por missiva datada de 6 de Novembro, onde se lê nomeadamente “Foi admitida toda a prova testemunhal, constando do processo as declarações de todas as testemunhas”.
41. A trabalhadora enviou a HH o e-mail constante de fls. 229 que se dá por reproduzido, e onde se lê nomeadamente “Como o Dr. sabe eu sempre colaborei com o CC mas ao nível do apoio na elaboração de pedidos de pagamento, nunca ao nível das facturações com os prestadores de serviços e controlo bancário das contas. É uma área que desconheço por completo e não posso responsabilizar em dar continuidades aos assuntos que dizem respeito ao departamento financeiro e que até aqui têm sido tratados entre o CC e o Dr. HH (…)”
42. O presidente da R. respondeu no e-mail constante de fls. 229 que se dá por reproduzido.
43. A A enviou ao presidente da R o e-mail em 13 de Setembro de 2012, constante de fls. 231, que se dá por reproduzido.
44. A A. referiu ao presidente da R. que tais funções poderiam ser desempenhadas pela pessoa que tinha sido contratada à G... – GG.
45. No dia 13.09.2012, estiveram em reunião nas instalações da R., CC, DD, da G... e FF – tesoureiro do BB, tendo-se em tal reunião decidido transferir tarefas do trabalhador CC para DD, durante a baixa deste.
46. A A desempenhou funções na R. no Departamento de Investimento e Apoio Empresarial.
47. A A. é licenciada em Economia com mestrado em Gestão Financeira.
48. O departamento financeiro da ré é controlado pelo Presidente HH e por CC.
49. O Presidente HH e CC conhecem as contas bancárias da R, os saldos, os movimentos, os procedimentos de compensação e conciliação bancária, a passagem de cheques e transferências bancárias de uma conta para outra, recebimento de verbas e pagamentos.
50. CC sabe realizar as “tarefas” da área administrativa e financeira, a preparação de documentos contabilísticos para enviar a entidades exteriores, a elaboração de pedidos de pagamentos de projectos e os procedimentos para processamento de vencimentos.
51. CC pratica todos os actos relacionados com as contas bancárias e transferência de dinheiro, pagamento de cheques, transferências, depósitos, preenchimento de cheques que posteriormente são assinados pela Direcção.
52. No exercício das suas funções, CC é coadjuvado pelo Gabinete de contabilidade, G....
53. A A ajudou CC nos termos constantes dos pontos 20. a 24., sob a supervisão e orientação daquele.
54.A autora receava que do exercício das funções de CC algum perigo ou responsabilidade pudesse advir para si ou para a própria entidade empregadora.
55. O CC durante a baixa foi às instalações da R. onde trabalhou e realizou tarefas e DD – funcionária da empresa de contabilidade G... – assegurou os trabalhos e transferências do departamento financeiro com a colaboração da funcionária EE.
56. A A ficou triste e sentiu-se humilhada e sofreu com a decisão de despedimento.
57. A A ficou magoada e humilhada com o processo disciplinar que conduziu ao seu despedimento.
58. Com a decisão de despedimento a A passou a ser uma pessoa triste, refugiando-se em casa junto dos filhos e marido.
59. E passou noites sem dormir.
60. E viu o seu sistema nervoso e emocional alterado.
61. E teve que recorrer a tratamento médico.
            62. A Ré instaurou processo disciplinar contra a A, cuja cópia integral consta de fls. 201 a 338 dos autos, no qual foi elaborada a nota de culpa constante de fls. 202 a 211, processo que culminou na prolação da decisão final de despedimento, constante de fls. 297 a fls. 336, aqui se dando por integralmente reproduzidas quer a nota de culpa, quer a decisão final de despedimento da A.


3---     

Sendo pelas conclusões da recorrente que se afere o objecto do recurso, constatamos que esta suscita as seguintes questões.

a) Nulidade do acórdão;

b) Que não ocorrem no caso os requisitos do recurso ao “ius variandi”.

c) Inexistência de justa causa de despedimento da trabalhadora.

Assim sendo, vejamos então cada uma delas.

3.1---

Na conclusão 28ª alega a recorrente que não existe qualquer facto que seja apto a suportar a aplicação da sanção de despedimento com justa causa, e nessa medida, esta ausência factual constitui uma nulidade por falta de fundamentação do acórdão recorrido, nulidade invocada ao abrigo do art. 615°, n° 1, b) do C.P.C.
No entanto, não pode este Supremo Tribunal tomar conhecimento desta questão.

Efectivamente, e conforme determina o artigo 77º, nº 1 do CPT, a arguição de nulidades da sentença tem de ser feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso.

Donde resulta que a parte que queira recorrer da sentença e queira que no recurso se conheça de uma qualquer nulidade da mesma, tem de dizer no requerimento de interposição que pretende interpor recurso e explicitar também, de forma clara, que pretende arguir a nulidade da decisão recorrida, fundamentando esta arguição separadamente das alegações.

Este regime aplica-se também em sede de arguição de nulidades de acórdãos da Relação, conforme é jurisprudência pacífica[1].

Assim sendo e quanto às nulidades da decisão, têm as mesmas que ser invocadas, de forma explícita e concreta, e fundamentadas ainda no requerimento de interposição do recurso, que constitui uma peça processual diferente das alegações, pois aquele é dirigido ao tribunal recorrido, que poderá eventualmente proceder ao seu conhecimento, enquanto as alegações são dirigidas ao tribunal que há-de apreciar o recurso.

Por isso, a arguição de nulidades de acórdão efectuada fora deste enquadramento, sendo invocada apenas em sede de alegações, tem de ser considerada extemporânea, importando o seu não conhecimento, conforme também é jurisprudência pacífica e constante deste Supremo Tribunal, vendo-se o acórdão de 20.01.2010, in www.dgsi.pt, processo nº 228/09.8YFLSB, cujo sumário é paradigmático:

“II - Tal exigência, ditada por razões de celeridade e economia processual, destina-se a permitir que o tribunal recorrido detecte, rápida e claramente, os vícios arguidos e proceda ao seu eventual suprimento, sendo que a exigência é, igualmente, aplicável à arguição de nulidades assacadas aos acórdãos da Relação, atento o disposto no art. 716.º, nº 1, do CPC.

III - Deste modo, está vedado às partes reservar a sobredita arguição para as alegações de recurso, pois se o fizerem o tribunal ad quem não poderá tomar dela conhecimento, por extemporaneidade invocatória”. 

Face a estas premissas, e consultando o requerimento de interposição do recurso, constatamos que ele é totalmente omisso quanto à invocação desta questão, pois não se refere no mesmo que a decisão recorrida padece da nulidade que a recorrente lhe imputa nas alegações.

E por isso, não pode este Supremo Tribunal conhecer desta questão.

3.2---

            Quanto ao “ius variandi”:

           Conforme consagra o nº 1 do artigo 115º do Código do Trabalho de 2009[2], que é o aplicável à situação presente, às partes compete determinar, por acordo, a actividade para que o trabalhador é contratado, podendo a sua determinação ser feita no próprio contrato através da enunciação das funções que lhe caberão, ou por remissão para uma categoria normativa cujo conteúdo funcional venha definido num instrumento de regulamentação colectiva ou no regulamento da empresa, conforme permite o nº 2 do mencionado preceito.  

           Assim, e em princípio, a entidade empregadora deve atribuir ao trabalhador as funções correspondentes à actividade para que o contratou, conforme doutrina que resulta do nº 1 do artigo 118º, embora a actividade contratada compreenda as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, face ao que resulta do seu nº 2.
Esta regra não é, porém, absoluta, contemplando a lei situações em que lhe é permitido exigir do trabalhador o exercício de funções que exorbitem da actividade contratada, pois “o empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar o trabalhador de exercer temporariamente funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador”, conforme consagra o nº 1 do artigo 120º.

Estamos perante a figura que a doutrina designa por “ius variandi”, por força da qual assiste ao empregador o direito de exigir do trabalhador o desempenho temporário de funções não compreendidas no elenco funcional constante do contrato ou da categoria para que foi contratado, permitindo-se-lhe que proceda a uma alteração unilateral do objecto do contrato, o que constitui um desvio aos princípios da invariabilidade da prestação e do cumprimento pontual dos contratos, genericamente consagrado no artigo 406º do Código do Civil.

E então, pode aquele designar ao trabalhador o desempenho temporário de funções diversas das convencionadas, residindo o fundamento desta faculdade do empregador na necessidade que este tem de proceder a movimentações funcionais dos seus efectivos para fazer face a problemas ocasionais de gestão do seu pessoal para cuja resolução não se justifique a contratação de novos elementos, sendo para satisfazer estas necessidades que se permite ao empregador que imponha ao trabalhador uma actividade não compreendida no seu débito contratual[3].

Esta possibilidade já vinha prevista no nº 2 do artigo 22º da LCT[4], desde que as partes nada tivessem estipulado em sentido contrário, para situações em que o interesse da empresa o exigisse e se tal mudança não implicasse uma diminuição da retribuição nem uma modificação substancial da posição do trabalhador, ressalvando ainda o nº 3 que se lhe coubesse um tratamento mais favorável deveria este beneficiar do mesmo.  

O “ius variand” vinha regulado como uma vicissitude contratual no artigo 314º Código do Trabalho de 2003, preceito que sob a epígrafe “mobilidade funcional” conferia também ao empregador a possibilidade de encarregar, temporariamente, o trabalhador do exercício de funções não compreendidas na actividade para que fora contratado desde que tal não implicasse uma modificação substancial da sua posição (nº1), faculdade que podia ser alargada ou restringida por estipulação das partes (nº 2). No entanto, esta alteração funcional não podia implicar qualquer diminuição da retribuição do trabalhador, devendo a ordem de alteração ser justificada e vir acompanhada da indicação do tempo previsível por que iria durar a mudança.
 
Foi assim com estes antecedentes legislativos que o “ius variandi” passou para a CT/2009, estando previsto no mencionado artigo 120º.
  
De qualquer forma, o recurso a este “direito de variação” do empregador não é arbitrário, constituindo uma faculdade excepcional deste por estar sujeito à verificação de diversos pressupostos, como resulta dos vários números do já mencionado preceito.

Assim:

a) Tem de existir um interesse da empresa que o exija (nº 1);
b) Tem de se tratar duma modificação transitória, nunca superior a 2 anos (nº 2);
c) Não pode implicar uma modificação substancial da posição do trabalhador (nº 1);
d) Não pode implicar qualquer diminuição da retribuição deste nº 4);
e) A ordem de alteração deve ser justificada (nº 3).

 Neste contexto, e verificados estes pressupostos, cuja prova impende sobre o empregador, conforme resulta do artigo 342º, nº 1 do CC, é legítimo a este exigir do trabalhador a prestação de funções não compreendidas no contrato de trabalho.

Na sentença da 1ª instância entendeu-se que não se verificavam os pressupostos para a Ré recorrer ao ius varandi, enquanto o acórdão sujeito decidiu em sentido contrário, tendo concluído que existia um motivo sério, objectivo e transitório da empresa que justificava o recurso àquela faculdade, não ocorrendo uma modificação substancial da posição da trabalhadora, e tendo esta sido suficientemente esclarecida dos motivos que levaram à sua designação.

É contra tal deliberação que reage a recorrente, advogando que se fez incorrecta aplicação do supracitado artigo 120º, sustentando que a demonstração do interesse legítimo da empresa no recurso ao “ius variandi” passa não só pela enunciação das concretas razões que o integram como também pela demonstração que tais razões foram transmitidas ao trabalhador no momento em que o empregador pretende lançar mão daquele instrumento de variação. E pretende ainda que não está demonstrada a transitoriedade da variação funcional que lhe estava a ser exigida.

            Mas não tem razão.
Efectivamente, por força do aditamento ao contrato efectuado em 1/2/2012, a Autora desempenhava as funções correspondentes à categoria profissional de “Técnica Superior” para que havia sido contratada, e que seriam prestadas não só no âmbito do exercício das actividades estatutárias da Ré, como também no âmbito do exercício das funções e actividades desenvolvidas por esta em cumprimento do Protocolo de Colaboração ... e enquanto Delegação da ....

E assim sendo, estas funções compreendiam o atendimento personalizado a empresários e potenciais empreendedores, nas instalações da associação e nas empresas; visita às empresas associadas e a empresas não associadas no sentido da sua sensibilização para o movimento associativo; recolha e tratamento de informação com interesse para estas empresas, bem como a sua divulgação junto dos potenciais interessados; elaboração de projectos de investimento e estudos de viabilidade económica, prestação de serviços de consultadoria a empresas, podendo ainda ser a representante da Direcção para os assuntos relacionados com o SGQ.


No entanto, no dia 12 de Setembro de 2012, o presidente do R deu ordens à recorrente para que esta realizasse tarefas financeiras da empresa, o que fora determinado em virtude da ausência do colega CC, que por razões de saúde não as podia realizar por estar de baixa médica desde 5 de Setembro.

No dia 13 de Setembro de 2012, na parte da manhã, a administrativa EE, procurou entregar à A, na sala onde esta trabalhava, uma pasta onde se encontravam arquivados documentos e correspondência, e que eram normalmente tratados pelo referido CC, tendo a A. recusado recebê-la.

E na parte da tarde deste dia, foi realizada uma reunião entre a trabalhadora, o presidente Dr. HH, e o tesoureiro, Sr. FF, na sala de reuniões do BB, que lhe renovaram o pedido de desempenho de funções financeiras e que cumprisse as ordens que lhe tinham sido transmitidas no dia 12.

E em 17 de Setembro foi realizada nova reunião com a A, FF e JJ, respectivamente tesoureiro e vogal da BB, tendo estes ordenado à trabalhadora que desempenhasse as tarefas da área financeira e que reconsiderasse a sua posição quanto à realização das mesmas.

Em resposta ao tesoureiro e ao vogal, a recorrente não aceitou executar aquela tarefa que consistia, essencialmente, no desempenho das seguintes funções, conforme se colhe da transcrição parcial do documento de fls. 83/85, que se deu como reproduzido no ponto 18 dos factos provados:

Controlo financeiro, e relacionamento bancário, sem possibilidade de movimentação dessas contas, ou de emissão de cheques, fazendo a ponte entre os bancos e a direcção.

Elaboração e apresentação de alguns pedidos de reembolso junto dos diversos programas comunitários em que a BB estava envolvida, e que não pudessem aguardar pelo regresso do seu colega de trabalho.

Preparação de documentos contabilísticos e fiscais, para entrega à administrativa, com indicação do seu encaminhamento para a contabilidade, bancos, fornecedores ou clientes.

É portanto indiscutível que lhe estava a ser determinado o desempenho de funções diversas da actividade a que a A se tinha obrigado.

No entanto, é manifesto o carácter transitório do exercício das novas funções, pois seriam exercidas durante a ausência do funcionário da R do sector financeiro, CC, que estava de baixa, e apenas enquanto este se mantivesse nesta situação, o que era do conhecimento da trabalhadora, conforme resulta inequivocamente do facto 16.

Argumenta a recorrente que não está demonstrada a transitoriedade da variação funcional que lhe estava a ser exigida, em virtude do CC, durante o período de "baixa" ter desempenhado funções no departamento financeiro, conforme advém do facto 55, donde resulta que o CC, durante a baixa, foi às instalações da R. onde trabalhou e realizou tarefas e que DD – funcionária da empresa de contabilidade G... – assegurou os trabalhos e transferências do departamento financeiro com a colaboração da funcionária EE.
Mas esta argumentação improcede.
Efectivamente, durante a baixa por doença as faltas do trabalhador estão justificadas, conforme resulta do artigo 249º, nº 2, alínea d), do CT, ficando este dispensado de prestar a sua colaboração ao empregador, pelo que sendo determinado à recorrente que desempenhasse funções que a este pertenciam, o que aconteceria apenas enquanto se mantivesse ausente por doença, demonstrado está o requisito da transitoriedade exigido pelo artigo 120º, nº 1, sendo absolutamente irrelevante que ele tenha eventualmente ajudado os seus colegas durante a sua baixa.
Por outro lado, a decisão da R tomada na reunião do dia 13.09.2012, de transferir tarefas do trabalhador CC para DD, durante a baixa deste, não afasta o carácter transitório da colaboração que era pedida à A, sendo apenas demonstrativo da necessidade premente que a R tinha na efectivação do serviço respeitante ao seu sector financeiro.
E mesmo que tenha decidido encarregar esta DD do seu desempenho tal não significa que a colaboração da A fosse dispensável, dado que tratando-se duma pessoa estranha à empresa (tratava-se duma funcionária da G...), é absolutamente razoável que a R quisesse ter uma pessoa qualificada da sua organização, como era a recorrente, a orientar e superintender no seu trabalho.
Está assim claramente demonstrado o carácter transitório do exercício de funções no sector financeiro da empresa.
 
            Quanto ao requisito do interesse da empresa no seu desempenho pela A, também temos de concordar com a decisão impugnada quando considerou que as razões que determinaram as ordens que lhe foram transmitidas constituem um motivo justificativo das mesmas, pois foram devidas à ausência, por doença, do trabalhador a quem essas funções estavam entregues (o CC), bem como pela necessidade de nesse período de ausência as mesmas terem que ser realizadas, face à matéria que se colhe do mencionado ponto 16.

Por outro lado, compreende-se perfeitamente que o empregador tivesse interesse na sua realização durante o período da sua baixa por doença, face ao carácter essencial que assume para a vida da empresa o seu controlo financeiro e o relacionamento bancário, bem como a elaboração e apresentação de pedidos de reembolso junto dos diversos programas comunitários em que a BB estava envolvida, e que não pudessem aguardar pelo regresso do seu colega de trabalho, conforme consta do documento de fls. 83/85, que se deu como parcialmente reproduzido no ponto 18.

Além disso, a preparação de documentos contabilísticos para envido a entidade exteriores, bem como a elaboração de pedidos de pagamento de projectos financiados, e a facturação e processamento de ordenados, constituem operações que têm que ser sempre realizados por serem essenciais à actividade diária da empresa.

E o mesmo se diga quanto à necessidade de preparação de documentos contabilísticos e fiscais, para posterior entrega à administrativa para posterior encaminhamento para a contabilidade, bancos, fornecedores ou clientes.

Ademais, a transferência das funções do trabalhador CC para DD, durante a baixa deste, operada na reunião de 13/9, demonstra bem a necessidade premente que a R tinha no seu desempenho.
 
Por outro lado, a trabalhadora tinha perfeito conhecimento destas razões, bem sabendo da necessidade do desempenho de funções financeiras durante a ausência do trabalhador que as exercia, conforme se colhe do facto constante do ponto 16, resultando também dos diversos e-mails que foram trocados que esta apreendeu e se apercebeu perfeitamente da necessidade da empresa assegurar a realização destas funções e a consequente substituição do trabalhador ausente

Improcede assim esta argumentação da recorrente.

3.3 ---

Sustenta ainda esta que lhe deviam ter sido transmitidas as razões pelas quais o empregador decidiu fazer repercutir nela e não noutro trabalhador o recurso ao mecanismo da mobilidade funcional decorrente do “jus variandi”, não estando provado que isso tenha ocorrido.
Sobre esta matéria temos de dizer que o poder de gestão dos efectivos da empresa pertence ao empregador, a ele cabendo, portanto, a faculdade de colocar no desempenho das funções financeiras da empresa o trabalhador cujo perfil considere mais adequado.

 Ora, tendo o trabalhador a substituir formação como técnico de contas, conforme se colhe dos pontos 17 e 28 da factualidade provada, é natural que se escolhesse para sua substituição alguém que tivesse o mínimo de formação nestas áreas.

Por isso, sendo a Autora licenciada em Economia, com um mestrado em Gestão Financeira, conforme decorre do ponto 47 da factualidade provada, e tendo formação específica em contabilidade, conforme se colhe do ponto 30, compreende-se perfeitamente que a empresa tenha optado por ela para o desempenho das funções do trabalhador ausente, tanto mais que já anteriormente tinha colaborado com ele, conforme decorre do ponto 19.

Efectivamente, a A já tinha elaborado pedidos de pagamento, controlado projectos, manuseado a plataforma informática, colaborado na facturação, na elaboração de documentos associados a clientes, como facturas e notas de crédito, e tinha auxiliado na preparação de documentos contabilísticos e de processos que enviava para as respectivas entidades, conforme podemos concluir dos pontos 19, 21, 22 e 23.

Aliás, para além desta ajuda a A chegou a substituir o trabalhador CC nas suas ausências em tarefas de carácter material (ponto 24), tendo inclusivamente sido ensinada por este a realizar alguns trabalhos próprios do departamento financeiro, com indicação dos respectivos procedimentos (ponto 25).

Compreende-se assim que a R tenha optado por solicitar a sua colaboração para o desempenho de funções no sector financeiro, tanto mais que a tinha em especial consideração, assentando também a sua escolha no facto de ser considerada uma técnica competente e de confiança (pontos 6 e 27).

Perante tal curriculum parece-nos óbvia a escolha da A, opção que nada teve de arbitrário face ao perfil da trabalhadora, que conhecia perfeitamente essas razões.

            Pelo exposto, improcede também esta questão.


4---
           Tendo-se concluída pela legalidade da ordem de desempenho temporário de funções financeiras pela recorrente, vejamos agora a questão da justa causa.

           Sobre esta matéria o acórdão recorrido pronunciou-se nos seguintes termos:

“Ao recusar-se a acatar a determinação da entidade empregadora a Autora incorreu, assim, em desobediência ilegítima ao seu empregador, o que configura uma das situações que a lei qualifica de justa causa de despedimento - artº 351º, nº 2, al a) do CT/2009
.
Porém, como é jurisprudência pacífica, para a verificação de justa causa de despedimento não basta demonstrar a ocorrência de um qualquer dos comportamentos a que alude o nº 2 do artº 351º do CT, antes é sempre necessário recorrer à cláusula geral inserta no nº 1 do mesmo artigo para saber se em cada caso concreto do comportamento infractor do trabalhador resulta uma situação de impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho.

Ou seja, a justa causa do despedimento apura-se através de um comportamento culposo e grave do trabalhador, que impossibilite de forma irremediável a manutenção da relação de trabalho, comportamento que deve ser aferido em consonância com o entendimento de homem normal ou médio - o bom pai de família - em face do caso concreto, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade.

A impossibilidade prática da subsistência da relação laboral verifica-se quando o comportamento do trabalhador gere uma situação de absoluta quebra de confiança por parte da entidade patronal, susceptível de criar no espírito do empregador dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele, quebrando-se, deste modo, o pilar de sustento daquela relação.

E na base dessa quebra de confiança da entidade patronal pode estar a violação de determinados deveres, assumidos pelo trabalhador pela celebração do contrato de trabalho, entre os quais apresentam particular relevo os mencionados no artº. 128º do CT/2009.

A necessidade natural de colaboração, no interior da empresa, entre trabalhador e empregador, bem como a obrigação mútua de procederem de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações (artº 126º do CT), tem como imediato corolário a afirmação, entre outros, do dever referido na al. d) do nº 1 do artº 128º mesmo diploma, segundo o qual o trabalhador deve “cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina do trabalho... que não sejam contrárias aos seus direitos e garantias”.

A desobediência constitui, por regra, falta que não é facilmente suportável pela entidade patronal, na medida em que afecta o respectivo prestígio e autoridade, provoca uma quebra na confiança que deve presidir à relação de trabalho e, por isso, pode integrar justa causa de despedimento.

Ora, no caso em apreço, a Autora posta perante uma ordem da entidade empregadora que, como já se referiu, representava o recurso legítimo ao jus variandi, decidiu recusar-se a exercer as tarefas ou funções que lhe eram pedidas, posição essa que manteve insistentemente apesar das diversas abordagens que lhe foram feitas no sentido de reconsiderar.

À primeira abordagem, feita em 12/09/2012 pelo presidente da BB (Dr. HH), para a realização daquelas tarefas atinentes ao departamento financeiro, em virtude da ausência por doença do trabalhador que as desempenhava (CC), a Autora respondeu que não se sentia à vontade para desempenhar as funções pedidas e que não tinha competência para as desenvolver, e no dia seguinte, por e-mail dirigido ao mesmo presidente, insiste que “estão fora da minha prestação de trabalho e do descrito no documento do sistema de gestão de qualidade do BB, as quais pertencem ao departamento financeiro e nessa medida não tenho condições nem conhecimentos para as desempenhar”.

Ainda nesse dia 13/09/2012 recusou-se a receber uma pasta que lhe era apresentada pela funcionária administrativa EE contendo documentos e correspondência normalmente tratados pelo CC; realizaram-se pela menos mais duas reuniões entre a Autora e elementos da direcção da Ré no sentido de convencerem esta a cumprir as ordens que lhe tinham sido dadas, mantendo-se esta intransigente em não aceitar a execução das tarefas, e novamente manifestou, por e-mail de 18/09/2012, “…que não tenho conhecimentos, nem condições de desempenhar”.

A realidade é que entre 10/09/2012 (data em que se apresentou ao serviço após gozo de férias) e 19/09/2012 (data em que foi comunicada à Autora a sua suspensão preventiva – fls. 12 do processo disciplinar, equivalente a fls. 93 dos autos) a Autora não realizou qualquer tarefa que cabia ao colega CC e nem ao menos procurou saber que tarefas estavam pendentes.

As tarefas do CC, durante o período de baixa deste, acabaram por ser entregues a DD que era trabalhadora do G..., uma empresa de contabilidade que costumava coadjuvar o CC no exercício das suas funções.

Acontece que as evasivas invocadas pela Autora para recusar a realização das tarefas que lhe eram pedidas, todas elas atinentes à falta de conhecimentos, de preparação ou de condições para as desempenhar, são contraditadas pela realidade que resultou provada.

Efectivamente, a Autora já anteriormente tinha colaborado com o colega CC e nesse âmbito elaborado pedidos de pagamento, controlado projectos, manuseado a plataforma informática, colaborado na parte da facturação e na elaboração de documentos associados a clientes, como facturas e notas de crédito, preparação de documentos contabilísticos e preparação de processo que enviava para outras entidades, chegando mesmo a substituir aquele colega nas sua ausências. Aliás, o próprio CC tinha ensinado a Autora a realizar alguns trabalhos próprios do departamento financeiro, com indicação dos procedimentos.

Por outro lado, a formação da Autora também não dá cobertura àquelas evasivas.

 De facto, como resultou provado, a Autora é licenciada em Economia, tem mestrado em gestão financeira e tem formação específica em contabilidade.

Por isso não são aceitáveis as razões invocadas para recusar o desempenho das tarefas que lhe eram pedidas no departamento financeiro da Ré que, como já se referiu, eram atinentes ao controlo financeiro, e relacionamento bancário, sem possibilidade de movimentação dessas contas, ou de emissão de cheques, fazendo a ponte entre os bancos e a direcção; a elaborar e apresentar alguns pedidos de reembolso junto dos diversos programas comunitários em que a BB estava envolvida, e que não pudessem aguardar pelo regresso do seu colega de trabalho; preparação de documentos contabilísticos e fiscais, para entrega à administrativa, com indicação do seu encaminhamento à contabilidade, bancos, fornecedores ou clientes.

A Autora, em nosso ver, adoptou um comportamento que é revelador da violação deliberada do seu dever de obediência à sua entidade empregadora.

A indisponibilidade da Autora para com a sua entidade patronal foi tal que necessariamente abalou a relação de confiança que parecia existir e porque obrigou a Ré a recorrer a servidores externos para assegurar o funcionamento do departamento financeiro, acabou por provocar sequelas negativas tão irreversíveis na relação de trabalho que tornou inexigível para a entidade patronal que contemporizasse com a subsistência da relação de trabalho.

Ou seja, o comportamento da Autora provocou uma ruptura irreversível do vínculo laboral por forma que a única sanção adequada a tal comportamento seria a do despedimento com justa causa.

Não nos parece, assim, que a sentença recorrida tenha feito boa aplicação do direito à matéria de facto dada como provada. Estando a ordem emanada da Ré a coberto do exercício legítimo do jus variandi e resultando até algo evidente que as tarefas pedidas nem representariam uma penosidade excessiva para a Autora dada a sua experiência e preparação académica para operar no departamento financeiro, a recusa que esta assumiu apresenta-se grave, pois que colocou em causa a autoridade do empregador, manifestou desprezo e desinteresse pelos seus deveres laborais e pelo sucesso ou insucesso do desempenho do departamento financeiro da Ré, ao que parece nevrálgico na organização desta.

Concluímos, pois, que todo o comportamento da Autora no que respeita à sua indisponibilidade para exercer as tarefas que lhe eram pedidas no departamento financeiro da Ré, consubstancia violação culposa e grave dos seus deveres profissionais, comprometeu em definitivo a confiança mútua que deve nortear qualquer relação laboral, pelo que a sanção de despedimento com justa causa que a entidade empregadora decidiu e lhe aplicou é a adequada e justa.”

Também sufragamos este juízo decisório e aderimos à fundamentação que o suportou.

Efectivamente, embora a nossa lei fundamental consagre a proibição dos despedimentos sem justa causa, conforme resulta do artigo 53º da CRP, o que constitui o corolário do princípio constitucional da “segurança no emprego”, daqui não advém uma proibição absoluta do despedimento do trabalhador, dado que perante situações de crise contratual resultantes duma actuação deste, a lei admite que a empresa o possa despedir com justa causa.

Tem no entanto, de se tratar de situações em que ocorra um “comportamento culposo do trabalhador que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, conforme resulta do artigo 351º, nº 1 do CT., verificando-se uma impossibilidade prática da subsistência da relação laboral quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança entre trabalhador e empregador, em virtude da conduta do trabalhador ser susceptível de criar no espírito daquele a dúvida sobre a sua idoneidade futura, conforme se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Março de 2012, Recurso n.º 196/09.6TTMAI.P1.S1-4ª secção.

Por isso, entendeu-se também neste aresto que a desobediência reiterada é apta a criar no empregador a dúvida sobre a sua idoneidade futura do trabalhador, constituindo por isso justa causa de despedimento.


No caso em apreço, a Autora posta perante uma ordem da entidade empregadora que representava o recurso legítimo ao jus variandi, decidiu recusar-se a exercer as funções que lhe foram solicitadas, posição que manteve apesar das diversas abordagens que lhe foram feitas no sentido de reconsiderar a sua posição.


Por outro lado, as razões que invocou não colhem minimamente, sendo a aduzida falta de conhecimentos, de preparação ou de condições para as desempenhar, contrariadas pela materialidade provada, atenta a sua formação académica e considerando que já anteriormente tinha colaborado com o colega CC e nesse âmbito elaborado pedidos de pagamento, controlado projectos, manuseado a plataforma informática, colaborado na parte da facturação e na elaboração de documentos associados a clientes, tais como facturas e notas de crédito, e na preparação de documentos contabilísticos e de processos que enviava posteriormente para outras entidades, chegando mesmo a substituir aquele colega nas sua ausências. Aliás, o próprio CC tinha ensinado a Autora a realizar alguns trabalhos próprios do departamento financeiro, com indicação dos procedimentos.


E assim, tendo a Autora optado pela violação deliberada do seu dever de obediência à sua entidade empregadora, adoptou um comportamento grave face ao carácter reiterado das condutas desobedientes assumidas voluntária e conscientemente pela trabalhadora, o que denota um elevado grau de culpa.

Por outro lado, face a esse carácter reiterado trata-se duma conduta apta a gerar uma impossibilidade prática da subsistência do contrato de trabalho, em virtude de terem criado no espírito da entidade empregadora a dúvida sobre a idoneidade futura da actuação da trabalhadora, deixando portanto, de existir o suporte psicológico mínimo e necessário ao desenvolvimento da relação laboral, na medida em que pairará sempre o espectro de, no futuro, poderem ocorrer idênticas condutas desobedientes a ordens da R.

Além disso, a R não podia deixar passar em claro esta situação sob pena de se degradar irremediavelmente a posição da sua hierarquia perante os demais trabalhadores.

Pelo exposto, e atenta a repercussão negativa que estas condutas provocaram no futuro da relação laboral, a viabilidade da sua subsistência ficou irremediavelmente comprometida, devido às condutas ostensivamente afrontosas da disciplina da empresa que a A assumiu, sendo absolutamente irrelevante que esta nunca tenha sido disciplinarmente punida e que nenhum prejuízo grave se tenha provado, conforme alega a recorrente.
Por outro lado, o carácter proporcional da sanção advém da extrema gravidade da conduta da trabalhadora, ao não ter aceite (de forma reiterada) as novas funções numa altura em que a empresa dela necessitava para o seu desempenho, nada mais sendo necessário para ficar integrada a justa causa.
E assim sendo, improcede o recurso.

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Termos em que se acorda em negar a revista.

As custas do recurso ficam a cargo da A.

Anexa-se sumário do acórdão

Lisboa, 1 de Outubro de 2015

Gonçalves Rocha (Relator)

Leones Dantas

Melo Lima

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[1] Neste sentido vejam-se os acórdãos do STJ de 25 de Junho de 2014, Processo nº 3098/08.0TTLSB.L1.S1- revista; de 12/3/2008, processo nº 07S3380; e de 30/4/08, processo 07S3658, todos disponíveis em www.dgsi.pt; e ainda os acórdãos de 28/1/98, AD. 436/558; 28/5/97, BMJ 467/412; e 28/6/94, CJS, 284/2.
[2] Compêndio a que pertencerão todos os preceitos legais a que não seja expressamente atribuída outra proveniência.
[3] Neste sentido Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado, parte II, 471, 5ª edição.
[4] De onde passou para os números 7 e 8 com as alterações ao preceito conferidas pela Lei nº 21/96 de 23 de Julho.