Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
19/11.6TAMDL.P1.S2
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: SOUSA FONTE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
ALIMENTOS
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
DIREITO À VIDA
EQUIDADE
INDEMNIZAÇÃO
OBRIGAÇÃO NATURAL
QUANTUM INDEMNIZATÓRIO
RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
RESPONSABILIDADE CIVIL EMERGENTE DE CRIME
UNIÃO DE FACTO
Data do Acordão: 12/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES NATURAIS / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 3.ª Edição, 1980, Almedina, Coimbra, p. 598;
- Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 3.ª Edição, 1966, p.166 e ss.;
- Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 395.
Legislação Nacional:
- CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS N.ºS 402.º, 495.º, N.º 3;
- CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO N.º 674.º, N.º 3 E 682.º, N.º 2;
- CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO N.º 434.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 23-02-2011, PROCESSO N.º 395/03.4GTSTB.L1.S1;
- DE 31-05-2011, PROCESSO N.º 2102/06.0TBAMT.P1.S1;
- DE 12-07-2011, PROCESSO N.º 322/07.0TBARC.P1.S1;
- DE 13-09-2011, PROCESSO N.º 218/07.5TBAVZ.C1.S1;
- DE 10-01-2012, PROCESSO N.º 4524/06.8TBBCL.L1.S1;
- DE 31-01-2012. PROCESSO N.º 875/05.7TBILH.C1.S1;
- DE 08-03-2012, PROCESSO N.º 26/09.PTEVR.E1.S1;
- DE 19-04-2012, PROCESSO N.º 569/10.1TBVNG.P.1.S1;
- DE 27-06-2012, PROCESSO N.º 3283/09.7TACBR.S1;
- DE 16-12-2012, PROCESSO N.º 165/09.6TBALD.C1.S1;
- DE 14-02-2013, PROCESSO N.º 6347/05.0TDLSB.L1.S1;
- DE 07-05-2014, PROCESSO N.º 2575/07.4TBPNF.P3.S1.
Sumário :
I - Se, por um lado, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 434.º do CPP), por outro, nos termos do n.º 2 do art. 682.º do CPC 2013, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, quanto a matéria de facto, não pode ser alterada pelo STJ, salvo no caso excepcional previsto no n.º 3 do art. 674.º.

II - Como não se vislumbra que os factos julgados provados só o pudessem ter sido com base em determinado meio de prova que não se produziu ou que os meios de prova produzidos tenham força probatória que impusesse respostas diferentes das que foram dadas pelas instâncias, é inadmissível, na parte respeitante à decisão sobre a matéria de facto, o recurso interposto para o STJ, pelo que deve ser confirmada a atribuição exclusiva da culpa do arguido na produção do acidente de viação.

III -O art. 495.º, n.º 3, do CC, abrange também as situações de união de facto, ao estabelecer que, em caso de morte ou de lesão corporal, têm direito a indemnização, além das pessoas que podiam exigir alimentos do lesado, aquelas a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.

IV -Sendo obrigação natural a que, nos termos do art. 402.º do CC, se funda num dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento, embora não sendo judicialmente exigível, corresponde a um dever de justiça, é incontornável, face à comunhão de vida entre a vítima e a demandante e ao contributo regular daquele para as despesas do casal, que este contributo assenta no cumprimento de um dever dessa natureza.

V - Deste modo, é indemnizável, nos termos do n.º 3 do art. 495.º do CC, o dano patrimonial futuro resultante da perda de alimentos por parte do membro sobrevivo da união de facto.

VI -Não conflituam com a jurisprudência corrente do STJ a atribuição da quantia de € 70 000 a título de indemnização pela perda do direito à vida e a atribuição das quantias de € 25 000, ao membro sobrevivo da união de facto e à filha do casal, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por elas sofridos em consequência da morte da vítima do acidente.

VII - Se, por um lado, a indemnização pela perda do direito à vida não deve variar em função das especiais qualidades ou aptidões da vítima, porque a dignidade da vida humana é única, por outro lado, nos casos em que a indemnização é fixada segundo a equidade, os tribunais de recurso devem limitar a sua intervenção aos casos em que o tribunal recorrido afronta, manifestamente, as regras da boa prudência, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da via, o que não é o caso.

VIII - Considerando que a filha da vítima tinha 7 anos de idade à data do acidente de viação, que teria direito a exigir alimentos do pai, pelo menos, até aos 18 anos de idade e que também é credora de alimentos por parte da mãe, mostra-se ajustada a quantia de € 60 000, a título de indemnização pela perda de rendimentos.

IX - De igual modo, mostra-se adequada a atribuição da quantia de € 60 000 ao membro sobrevivo da união de facto, a título de indemnização pela perda de alimentos.

Decisão Texto Integral:

            Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

            1. Relatório

            1.1. No Tribunal Judicial de Mirandela, respondeu, no processo em epígrafe, perante o tribunal singular, o arguido DD, com os sinais dos autos, acusado de ter cometido um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 137º, nºs 1 e 2, do CPenal e 35º, nºs 1 e 2, do CEstrada, que vitimou CC .

            AA, por si e na qualidade de representante legal de sua filha, também filha da Vítima, BB, deduziu pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros ..., SA (de ora em diante, ...) em que reclamou a indemnização global de €467.500,00 e juros de mora a partir da citação, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes dos factos constitutivos daquele ilícito (cfr. fls. 298 e segs.).

            Por sua vez, o Instituto de Segurança Social, IP (de ora em diante, ISS), deduziu idêntico pedido contra a mesma Seguradora, pedindo a sua condenação a pagar-lhe €8.053.65, quantia que satisfez às Demandantes, a título de subsídio por morte e pensão de sobrevivência, em consequência da morte do infeliz CC (cfr. fls.339 e segs. e 451).

            A Demandada contestou os pedidos nos termos constantes de fls. 420 e segs.

            Realizado o julgamento, o Senhor Juiz do processo proferiu a sentença de fls. 466 e segs. em que, além do mais,

            a) condenou o arguido DD, pela prática do aludido crime, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de €5,00;

           b) julgou totalmente procedente o pedido deduzido pelo demandante ISS;

            c) julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização deduzido pelas demandantes AA e BB e, consequentemente, condenou  a ... a pagar:

               c1) à BB, como única herdeira do CC, o montante global de €82.500,00;

                 c2) às demandantes AA e BB, «enquanto titulares solidárias do direito à indemnização prevista no artigo 496º, nºs 2 e 3, do Código Civil», o montante de €70.000,00, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a prolação da sentença até pagamento integral, sem prejuízo de aos montantes indemnizatórios assim fixados deverem ser deduzidos todos os montantes que lhes foram pagos pelo ISS.

           1.2. Inconformadas, as Demandantes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto.

            A ... interpôs recurso subordinado da mesma sentença.

            Pelo acórdão de fls. 631 e segs., corrigido pelos despachos de fls. 706, o Tribunal da Relação decidiu (transcrevemos o seu dispositivo, na parte que interessa ao julgamento dos recursos):

           «- negar provimento ao recurso interposto pela demandada Companhia de Seguros ..., S.A.;

                …

            - conceder provimento parcial ao recurso interposto pelas demandantes AA e BB [e, em consequência]:

                    - condenar a demandada Companhia de Seguros ..., S.A. a pagar à demandante BB, como única herdeira de CC , a quantia de noventa mil euros (€ 90.000,00), correspondente à indemnização pelos danos não patrimoniais por este sofridos antes da sua morte e à perda do direito à vida deste, quantia acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da douta sentença recorrida até integral pagamento;

                  - condenar a demandada Companhia de Seguros ..., S.A. a pagar à demandante BB, como única herdeira de CC , a quantia de dois mil e quinhentos euros (€2.500,00), correspondente à indemnização pelo dano do motociclo conduzido por este aquando do acidente a que é relativo o presente processo, quantia acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento;

                        - condenar a Companhia de Seguros ..., S.A. a pagar à demandante BB a quantia de sessenta mil euros (€60.000,00), correspondente à indemnização pela perda de alimentos prestados pela vítima CC Cantos Santos, quantia acrescida de juros, à taxa legal, desde a data deste acórdão até integral pagamento;

                        - condenar a Companhia de Seguros ..., S.A. a pagar à demandante BB a quantia de vinte e cinco mil euros (€ 25.000,00), correspondente à indemnização pelos danos não patrimoniais por ela sofridos em consequência da morte de CC Canto dos Santos, quantia acrescida de juros, à taxa legal, desde a data deste acórdão até integral pagamento;

                        - condenar a Companhia de Seguros ..., S.A. a pagar à demandante AA a quantia de quarenta mil euros (€40.000,00), correspondente à indemnização pela perda de alimentos prestados pela vítima CC Canto Santos, quantia acrescida de juros, à taxa legal, desde a data deste acórdão até integral pagamento;

                        - condenar a Companhia de Seguros ..., S.A. a pagar à demandante AA a quantia de vinte e cinco mil euros (€25.000,00), correspondente à indemnização pelos danos não patrimoniais por ela sofridos em consequência da morte de CC Canto dos Santos, quantia acrescida de juros, à taxa legal, desde a data deste acórdão até integral pagamento;

            …

            - manter, no restante, a douta sentença recorrida» (o negrito é da nossa autoria)

           1.3. Ainda não conformados, Demandada e Demandantes interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, pelo acórdão de 15.01.2004, fls. 801/815, considerando que o Tribunal da Relação havia omitido pronúncia sobre pontos da decisão sobre a matéria de facto impugnados pelas Demandantes (nºs 21 dos “Factos Provados” e nºs 3 e 4 dos “Factos Não Provados”), decidiu anular o acórdão recorrido nesse segmento e invalidá-lo integralmente, com o consequente prejuízo da apreciação das restantes questões por elas suscitadas e do julgamento do recurso da Demandada.    
1.4. Pelo acórdão de 30.04.2014, fls. 848 e segs., o Tribunal da Relação, depois de ter negado provimento ao recurso das Demandantes relativamente a esse segmento, reiterou a decisão anterior, acima transcrita.
1.5. A “...” interpôs recurso independente para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo retirado da motivação as seguintes conclusões (fls. 932 e segs):
«1- Certamente por manifesto lapso, consta da Parte Decisória do Douto Acórdão em recurso, no seu parágrafo IV, a condenação da demandada cível a pagar à demandante cível, a título de danos não patrimoniais sofridos pelo sinistrado falecido antes da sua morte e à perda do direito à vida, a quantia de 90.000,00 €; sucede que, a esse título, foi fixada pela 1ª Instância a quantia de 70.000,00 €, quantia esta que o Douto Tribunal “a quo” não alterou, tendo-se limitado a autonomizar, ou seja, a retirar desses 70.000,00 €, os danos morais próprios das demandantes cíveis.
2 – Trata-se, pois, de um lapso manifesto, pois, por um lado, na fundamentação do Douto Acórdão recorrido, mantém-se o quantitativo de 70.000,00 €, por outro, na parte decisória, condena-se, a esse título, em 90.000,00 €.
3 – Requer-se, por conseguinte, que, corrigindo esse lapso, seja revogada a condenação em 90.000,00 €, devendo ser substituída por uma condenação de 70.000,00 €.
4 – A demandada cível, aderindo, desde já, com a devida vénia, à fundamentação da Douta Sentença de 1ª Instância, para onde se remete, não se conforma com o reconhecimento do direito a alimentos da demandante cível AA, pois entende, como o fez o Douto Tribunal de 1ª Instância, que a tal indemnização não tem essa demandante cível qualquer direito; e, uma vez que a questão é manifestamente de direito (só de direito, mesmo), a demandada cível, até para não estar a repetir a argumentação que já consta dos autos, dá por integralmente reproduzida a argumentação vertida na Douta Sentença de 1ª Instância quanto à inexistência de direito a alimentos, precisamente pelo facto da demandante cível não os poder exigir ao sinistrado falecido.
5 – Requer-se, assim, que o Douto Supremo Tribunal de Justiça, se pronuncie sobre esta questão controvertida, negando a existência do direito a alimentos da demandante cível AA e, em consequência, revogue a condenação de 40.000,00 € fixada a esse título.
5 – De igual modo, e pelos motivos acima expostos, a demandada cível, entendendo que muito bem andou a 1ª Instância ao incluir os danos morais próprios das demandantes cíveis na quantia de 70.000,00 €, dá, igualmente, por reproduzida, sempre com a devida vénia, a argumentação vertida na Douta Sentença de 1ª Instância, para onde se remete; sendo, novamente, e puramente, nova questão de direito, dispensando-se a demandada cível de maçar V. Exªs com a repetição da Douta argumentação já constante dos autos, em sede de Douta Sentença de 1ª Instância.
7 – Deve, por conseguinte, revogar-se a condenação da demandada cível na quantia de 50.000,00 € a título de danos morais próprios das demandantes cíveis.
8 – O que está dado como provado no artº 8º da Matéria de Facto Provada não traduz qualquer facto ou factos, mas simples conclusões de direito ou, se se quiser, traduzem várias alegações de direito; afirmar que o arguido agiu indiferente ao trânsito, alheado do que o rodeia, não prestando atenção à condução que efectuava, distraído e desatento, além de conclusivo, traduz a expressão de puros conceitos de direito (veja-se, distraído e desatento); é, pois, o mesmo que se afirmar, ou dar como provado, que um veículo seguia em velocidade excessiva, sem fazer alusão, em concreto, à velocidade (se a 100 Kms/h, ou mais, ou menos).
9 – Afirmar-se que o arguido agiu indiferente ao trânsito, alheado do que o rodeia, não prestando atenção à condução que efectuava, distraído e desatento, sem enumerar, CONCRETAMENTE, quais as distracções, desatenções, alheamentos e indiferenças, não traduz a alegação e prova de qualquer facto ou factos, mas sim várias conclusões de direito.
10 – Não se deu como provado, por exemplo, que o arguido iniciou a manobra de inversão de marcha sem olhar para a frente atento o seu sentido de marcha, nem se deu como provado que o arguido iniciou essa manobra sem parar o veículo.
11 – Importa eliminar o artº 8º da Matéria de Facto Provada, por manifestamente conter várias conclusões de direito, e não a expressão casuística de um facto ou factos.
12 – Nenhuma das testemunhas indicadas pela Acusação do Ministério Público, e ouvidas nessa qualidade, a saber, ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., presenciou o acidente dos autos.
13 – A reapreciação, em primeira linha, dos depoimentos das testemunhas acima indicadas, na modesta opinião da demandada cível, deverá levar, quer à alteração da resposta dada à Matéria de Facto Provada sob o nº 8 (caso se venha a entender que não contém conclusões nem matéria de direito), quer à alteração da resposta dada à Matéria de Facto Não Provada sob o nº 5.
14 – Não existem testemunhas presenciais, que pudessem descrever a conduta de ambos os intervenientes no acidente dos autos; assim, o Douto Tribunal de 1ª Instância, confirmado pelo Douto Tribunal “a quo”, parece ter-se baseado, para dar como provado o artº 8º da Matéria de Facto Provada, apenas, quer no Auto Policial elaborado pela P. S. P., quer no Estudo Técnico elaborado pela G. N. R.
15 – Quer o Auto Policial da P. S. P., quer o Estudo Técnico da G. N. R, foram elaborados “a posteriori”, sendo certo que o Estudo Técnico da G. N. R. até foi efectuado 4/5 dias após o acidente dos autos, tendo por base, quer uma vistoria ao local do acidente, quer o próprio Auto Policial elaborado pela P. S. P.; ambos se limitaram a relatar ou retratar o cenário no local APÓS a ocorrência do acidente dos autos.
16 – Um acidente de viação é, por definição, e pela sua própria natureza, um acontecimento dinâmico, para o qual contribuem, ou podem contribuir, vários factores.
17 – Nenhuma das testemunhas indicadas na Acusação do Ministério Público, ouvidas nessa qualidade, se pronunciaram acerca da dinâmica do acidente, precisamente porque nenhuma delas o presenciou.
18 – Em face da total ausência de depoimentos presenciais quanto à dinâmica do acidente dos autos, na modesta opinião da demandada cível, a resposta dada ao artº 8º da Matéria de Facto Provada terá que mudar para NÃO PROVADO.
19 – A testemunha ... na qualidade de autor/subscritor do Estudo Técnico da G. N. R., já na parte final do seu depoimento, afirmou o seguinte:
                - A velocidade do motociclo foi calculada exclusivamente com base nos rastos de travagem e nas marcas de derrapagem;
                - Não tiveram em consideração a massa deformada por falta de meios técnicos;
                - Houve arrastamento do veículo automóvel;
                - A deformação nos dois veículos intervenientes não foi levada em consideração;
                . A deslocação do veículo automóvel não foi considerada;
               - Não considerou a deformação dos veículos e a sua deslocação;
               - O impacto e a eventual deslocação do veículo automóvel não foi considerada;
                - Não têm meios técnicos nem formação específica nessa área;
               - Se isso pudesse ser estudado e visto, provavelmente a velocidade do motociclo seria superior à velocidade apurada de mais de 63 Km/h;
                - A velocidade real seria sempre superior a 63 Km/h.
20 – Desde logo resulta do depoimento desta testemunha que, para o cálculo da velocidade apurada, de pelo menos 63 Km/h, apenas foram tidos em consideração dois factores: os rastos de travagem e as marcas de derrapagem; não foram tidos em consideração, nem a deformação de ambos os veículos provocada pelo impacto do motociclo no veículo automóvel, nem a deslocação deste após esse impacto.
21 – Tendo em consideração, quer os danos existentes em ambos os veículos, já largamente documentados através das fotografias constantes dos autos, quer na deslocação do veículo automóvel após ser embatido pelo motociclo, a velocidade deste teria que ser bem superior a 80 Km/h.
22 – Quanto aos danos, o motociclo ficou partido em dois, ao passo que o veículo automóvel, veja-se, ficou com a direcção partida, com as rodas da frente viradas em sentidos opostos.
23 – Quanto à deslocação do veículo automóvel, há que ter em consideração, conforme, aliás, o Estudo Técnico da G. N. R. de fls. 141 confirma, que o choque do motociclo no veículo automóvel provocou uma deslocação deste de cerca de 90 graus em movimento contrário aos ponteiros do relógio.
24 – Objectivamente, existem os danos nos veículos, as consequências (infelizmente) para o condutor do motociclo e a deslocação/arrastamento do veículo automóvel após o embate.
25 – Parcialmente, existe um cálculo de velocidade confessadamente apurado por defeito, sem ter em consideração elementos tão essenciais como sejam o impacto, deformação e deslocação.
26 – Se complementarmos os rastos de travagem e marcas de derrapagem com os danos nos veículos e deslocação do veículo automóvel após o embate em cerca de 90 graus, terá que se dar como provado que o motociclo seguia, seguramente, a mais de 80 Km/h, bem no centro da cidade, onde a velocidade máxima é de 50 Km/h.
27 – Não se pode, como parece ser o entendimento plasmado na Douta Sentença de 1ª Instância, confirmada pelo Douto Acórdão aqui em recurso, aproveitar do Estudo Técnico da G. N. R. aquilo que interessa, e expurgar desse mesmo estudo aquilo que não interessa; ou seja, com base nesse estudo, não se pode ter como assente que o veículo automóvel estava a iniciar a manobra de inversão de marcha, e que o motociclo circulava a velocidade de, pelo menos, 63 Km/h (mas inferior a 80 Km/h), por um lado, e, do mesmo passo, ignorar, quer os danos objectivos nos veículos, quer a deslocação/arrastamento do veículo automóvel, quer, sobretudo, que a velocidade do motociclo não foi correctamente (ou completamente, para ser mais preciso) apurada; ou se considera o dito estudo no seu todo, ou não se considera nada.
28 – O facto descrito no artº 5º da Matéria de Facto Não Provada deverá, pois, passar a figurar com a resposta de PROVADO.
29 – Entende, pois, a demandada cível que houve erro na apreciação e valoração da prova, sendo que os meios probatórios que servem de fundamento ao alegado erro na apreciação e valoração da prova são os depoimentos das testemunhas acima identificadas, bem como o Estudo Técnico elaborado pela G. N. R. de fls...
30 – Em função da alteração à resposta à matéria de facto acima preconizada, terá que ser imputada responsabilidade ao condutor do motociclo, por conduzir este a uma velocidade superior a 80 Km/h, bem no centro da cidade de ..., onde a velocidade máxima é de 50 Km/h.
31 – Responsabilidade essa que nunca poderá ser inferior a 50%, pois, além de ter contribuído para a eclosão do acidente, contribuiu, em igual medida (senão superior) para as suas consequências.
32 – Não se pode ignorar outro facto,: a vítima não era portadora de carta de condução que a habilitasse a conduzir motociclos com cilindrada superior a 125 cc, sendo certo que o motociclo que conduzia, quando teve o acidente, tinha 849 cc.
33 – Se o nosso ordenamento jurídico obriga quem conduz a estar devidamente “encartado”, é porque presume que, quem não tem carta para um tipo de veículo específico, não o está habilitado a conduzir, ou seja, quem não tem carta de pesados, não está habilitado a conduzi-los, quem não tem carta de ligeiros, não está habilitado a conduzi-los, e quem não tem carta de motociclos com cilindrada superior a 125 cc., não está habilitado a conduzi-los.
34 – Por não habilitado, deve entender-se não ser capaz, por falta de formação, teórica e prática, de conduzir um determinado veículo, desde logo porque, no caso concreto, e no que à velocidade diz respeito, conduzir um motociclo de 849 cc. é bem diferente de conduzir o motociclo com “apenas” 125 cc; dominar um e dominar outro são realidades bem distintas.
35 – A vítima colocou-se, voluntariamente, na posição de conduzir um motociclo que sabia perfeitamente não saber conduzir, não saber dominar; e esse facto, além de não poder ser ignorado, pelo contrário, deve ser relevado para efeitos de culpa da vítima, por conduzir um motociclo para o qual sabia não estar legalmente habilitada.
36 – Em função da alteração à resposta à matéria de facto acima preconizada só se poderia ter decidido de uma de duas maneiras:
                - Ou se decidia com base no risco, dividido equitativamente por ambos os intervenientes (50% para cada interveniente), em função da ausência de prova testemunhal quanto à dinâmica do acidente;
                - Ou, relevando TODO o Estudo Técnico elaborado pela G. N. R., complementado com o depoimento do Agente ..., se decidia com base na responsabilidade concorrente de 50% para cada um dos dois condutores intervenientes no acidente dos autos.
37 – É, pois, o que a demandada cível pretende e pede ao Douto Tribunal “ad quem” com o presente recurso: revogar a Douta Decisão recorrida e substitui-la por outra que, ou imputando 50% do risco à circulação do motociclo conduzido pela vítima, ou imputando 50% da responsabilidade a título de culpa à vítima, absolva a demandada cível de metade das quantias em que foi condenada a pagar.
38 – A Douta Sentença recorrida violou, entre outros, os art°s 483° e ss. todos do Código Civil.
NESTES TERMOS, dando provimento ao recurso e, por conseguinte, alterando o Douto Acórdão da seguinte forma:
A) Alterar a condenação da quantia de 90.000,00 € a atribuir à demandante cível menor para a quantia de 70.000,00 €, por manifesto lapso do Douto Tribunal “a quo”;
B) Revogar a condenação no pagamento da quantia de 40.000,00 € à demandante cível AA a título de direito a alimentos;
C) Revogar a condenação no pagamento da quantia de 50.000,00 € às demandantes cíveis a título de danos morais próprios;
D) Revogar o Douto Acórdão recorrido, quanto à dinâmica do acidente, no sentido preconizado da absolvição de 50% das quantias fixadas, alterando-se, deste modo, a condenação da quantia a pagar ao ISSS para metade do peticionado,
V. Exªs estarão a fazer, como aliás é costume INTEIRA JUSTIÇA!»,
1.6. Por sua vez, as Demandantes interpuseram recurso subordinado cuja motivação encerraram com as seguintes conclusões:
«1 – Atenta a factualidade provada, apesar de o acórdão recorrido se socorrer acertadamente dos normativos que determinam a fixação de indemnização a título de alimentos para a demandante BB, com 3 anos de idade quando o pai faleceu vítima do sobredito acidente de viação dos autos, afigura-se equitativo fixar tal indemnização em € 100.000,00.
2 – Por outro lado, o acórdão recorrido fixou em € 40.000,00 a indemnização a atribuir à demandante AA, a título de perda de rendimentos para alimentos, em virtude do óbito do seu companheiro CC.
3 – A este propósito, estipula o artigo 483.º do Código Civil que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer outra disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
4 – Por sua vez, o direito a esta indemnização, quando estão em causa terceiros em relação à vitima, por morte ou lesão corporal desta, está definida no artigo 495.º, tendo aqui relevância o seu n.º 3, segundo o qual “Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.
5 – Daqui emergem duas situações de titularidade do direito a indemnização por alimentos: Uma é respeitante àqueles que podiam vir a exigir uma prestação de alimentos à vítima, outra respeitante àqueles a quem a vítima os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.
6 – A existência de uma união de facto origina a obrigação de prestar alimentos nos termos estabelecidos no n.º 1 do artigo 2020.º do Código Civil, segundo o qual “Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009.º”.
7 – A união de facto juridicamente relevante corresponde, tal como decorre deste último segmento normativo, conjugado com o n.º 1 do artigo 1.º da Lei 7/2001, de 11 de Maio, àquela situação jurídica de duas pessoas que vivam em união de facto há mais de dois anos, como é o caso da AA e do Telmo que viviam nessa situação há cerca de 10 anos.
8 – Outra situação prevista na norma do n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil, seria em relação àqueles a quem o lesado prestava alimentos no cumprimento de uma obrigação natural.
9 – Por obrigação natural, ao abrigo do artigo 402.º do Código Civil, entende-se aquela que se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça.
10 – De resto, tem entendido a jurisprudência, escudada no n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil, para se ter direito à indemnização basta ter a qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos, não relevando que se prove a efectiva necessidade dos mesmos.
11 – Sendo assim, e no que concerne a quem se encontre a conviver há mais de dois anos numa situação de união de facto, também é susceptível de vir a surgir o direito a alimentos com o falecimento do seu convivente, como preceitua o n.º 1 do artigo 2020.º do Código Civil, para além de antes desse decesso ter efectivamente existido um dever moral recíproco para a contribuição das despesas comuns no decurso dessa comunhão de vida, como se extrai do artigo 402.º do Código Civil.
12 – Nesta conformidade, ao abrigo do artigo 562.º do Código Civil a demandada Companhia de Seguros ..., S.A. “deverá reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
13 – Porém, e segundo o disposto no artigo 563.º “A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, sendo o seu cálculo efectuado nos termos do artigo 564.º, o qual abrange tanto os danos emergentes, correspondentes à perda ou diminuição do património, como os lucros cessantes, os quais consistem na quantia que o lesado deixou de obter ou o valor da vantagem patrimonial que perdeu, compreendendo nestes os danos futuros, desde que previsíveis.
14 – Tratando-se de indemnização em dinheiro, por a reconstituição natural não ser possível, a mesma terá como medida, ao abrigo do n.º 2, do artigo 566.º do Código Civil, a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos.
15 – In casu, os lucros cessantes da demandante AA traduzem-se na perda de contribuição da vítima para o sustento da comunhão de vida que tinha com o falecido CC, tanto mais que, enquanto estiveram juntos, como se marido e mulher fossem, ela só trabalhou alguns meses.
16 – Tendo por base a factualidade provada e por fundamento os apontados preceitos e os balizados critérios de equidade, atenta a idade da AA quando o CC faleceu, com 27 anos, cremos que seria ajustado fixar-lhe em € 160.000.00 a indemnização a titulo de perda de rendimentos para alimentos, aqui se incluindo a perda da contribuição da vítima para alimentos, sustento propriamente dito, vestuário, calçado, despesas médicas, medicamentos, renda de casa, bem estar e todas aquelas que eram suportadas pelo CC.
17 – Por seu turno, na sequência dos esclarecimentos solicitados pelas demandantes a fls. 922 e 923 e que, ao abrigo do artigo 380.º, n.º 1, al. b), do Código de processo Penal, foram prestados a fls. 960 dos autos, a decisão recorrida manteve a decisão de dedução nos montantes indemnizatórios devidos às demandantes das quantias que a demandada foi condenada a pagar ao demandante Instituto de Segurança Social, IP.
18 – Com interesse para a presente questão, extrai-se do n.º 1 do artigo 495.º do Código Civil que «No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas (…) sem exceptuar as do funeral», e o n.º 2 acrescenta que «Neste caso (…) têm direito a indemnização (…) as entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima».
19 – É o caso dos autos, em que o demandante Instituto de Segurança Social, I.P., atribuiu subsídio por morte à demandante AA e atribuiu uma pensão de sobrevivência às demandantes AA e BB. E não teria suportado tais montantes, caso não tivesse ocorrido a morte do CC.
20 – De resto, não faz sentido deduzir de qualquer dos montantes arbitrados às demandantes o subsídio por morte do CC, que lhe foi pago pelo demandante Instituto da Segurança Social, I.P. Esta prestação é autónoma em relação às indemnizações que lhe foram fixadas.
21 – Por outro lado, a pensão de sobrevivência que lhe foi paga pelo Instituto da Segurança Social, I.P., apenas poderia ser deduzida na quantia a fixar a título de alimentos. Simplesmente, neste caso, ficaria emagrecida e consumida uma parte substancial da indemnização que lhe será fixada a tal título, e da qual carecem para compensar a perda de rendimentos que tiveram em virtude da morte do CC.
22 – Nestas circunstâncias, cabe à demandada, a responsável pela indemnização do acidente dos autos, o pagamento da sobredita quantia ao demandante Instituto de Segurança Social, I.P., sem operar qualquer dedução nas quantias a fixar às demandantes.
23 – Assim não tendo decidido, a douta sentença recorrida interpretou incorrectamente os citados preceitos».
1.7. As Demandantes responderam (fls. 972 e segs.), pugnando pelo não provimento do recurso da Demandada.
1.8. Os recursos foram recebidos nos termos e com o efeito legais, conforme os despachos de fls. 1014.
1.9. O Senhor Procurador-geral Adjunto do Supremo Tribunal de Justiça teve vista no processo.
             

2. Tudo visto, cumpre decidir.
2.1. Decisão sobre a matéria de facto.
É do seguinte teor a decisão sobre a matéria de facto, tal como acolhida no acórdão do Tribunal da Relação (fls. 858 e segs.):
«II – FUNDAMENTAÇÃO:
A – Matéria de facto provada com relevo para a boa decisão da causa:
Elementos objectivos e subjectivos do ilícito imputado ao arguido:
1. No dia 16/01/2011, cerca das 16h30m, na Rua da República, em Mirandela, ocorreu uma colisão entre o veículo ligeiro de passageiros de marca Audi, de matrícula ...-VI e o motociclo de marca Yamaha, com 849 cc de cilindrada, de matrícula LX-....
2. O motociclo de matrícula LX-... era conduzido por CC , no sentido Norte/Sul e o veículo de matrícula ...-VI era conduzido pelo arguido, no sentido Sul/Norte.
3. A determinado momento o arguido decidiu efectuar inversão do sentido de marcha do veículo de matrícula ...-VI, tendo-o direccionado para a sua esquerda, atravessando perpendicularmente a faixa de rodagem contrária, quando ocorreu o embate com o motociclo de matrícula LX-...3, na faixa de rodagem no sentido Norte/Sul, antes de concluir a manobra que se propusera realizar.
4. No local indicado em 1:
                - a via constitui uma recta, com duas faixas de rodagem, uma no sentido Norte/Sul e a outra no sentido contrário;
               - ambas as faixas de rodagem têm a largura de cerca de quatro metros;
               - o pavimento era betuminoso e encontrava-se em estado razoável de conservação;
                - a velocidade máxima permitida era de 50 km/h.
5. O tempo estava bom.
6. Em consequência do embate o CC sofreu hemorragia interna aguda consecutiva às lesões traumáticas toraco-abdominais descritas a fls. 259-264, por si sofridas, que lhe causaram a sua morte no dia 16/01/2011, pelas 17h45m.
7. O CC não era portador de carta de condução que o habilitasse a conduzir motociclos com cilindrada superior a 125 cc.
8. O arguido actuou do modo descrito em 3, indiferente ao trânsito, alheado do que o rodeava, não prestando atenção à condução que efectuava, distraído e desatento, não representando como possível que ao agir desse modo poderia vir a embater nos veículos que circulassem em sentido contrário e que poderia afectar a segurança e causar lesões físicas ou a morte nos demais utentes da via.
Do pedido de indemnização civil de fls. 298-312:
9. A responsabilidade civil por danos causados a terceiros pela circulação do veículo de matrícula ...-VI encontrava-se transferida para a demandada, através da apólice de seguros com o n.º 000000000.
10. A demandante BB nasceu em ...., em ..., Espanha, e é filha da demandante AA e de CC.
11. A demandante AA nasceu em ..., sendo solteira.
12. O CC nasceu em ... e faleceu no estado de solteiro e sem deixar testamento ou disposição de última vontade.
13. Pelo menos desde o ano de 2001, que a demandante AA e o CC residiam na mesma habitação, tomavam as refeições em conjunto, pernoitavam e dormiam no mesmo leito, relacionando-se afectiva e sexualmente, passeando e saindo juntos, tendo o mesmo círculo de amigos, amparando-se e protegendo-se um ao outro, sendo a demandante quem cuidava do CC quando este se encontrava doente e este dela, auxiliando-se mutuamente no dia-a-dia, como se marido e mulher fossem, assim se tratando mutuamente, o que era conhecido de todos e assim eram considerados por amigos, vizinhos e conhecidos.
14. A demandante BB vivia com a demandante AA e o CC, com eles tomando as refeições e convivendo.
15. A mãe da demandante AA já faleceu e esta desconhece o paradeiro do seu pai e dos seus irmãos.
16. Após o embate, o CC ficou inicialmente consciente, tendo sofrido dores físicas, angústias e aflições, no período que se seguiu até ao seu falecimento.
17. Antes de 2004, o CC trabalhou como segurança no Hipermercado “...” de ....
18. No decurso do ano de 2004, o CC emigrou para Espanha com a demandante AA , onde trabalhou como condutor de camiões, auferindo uma remuneração mensal de cerca de € 2.000,00.
19. O CC regressou a ... no decurso do ano de 2010, com a demandante AA , tendo trabalhado na construção civil, como pintor, e numa empresa de reboques automóveis.
20. A demandante AA trabalhou em Espanha durante alguns meses num lar, e em 16/01/2011 encontrava-se a frequentar um curso de formação profissional, auferindo o montante mensal de € 400,00, a título de bolsa, acrescido da comparticipação com as despesas de infantário da demandante BB.
21. Com as despesas de sustento, alimentação, vestuário, saúde e tudo o mais indispensável à subsistência, bem-estar e satisfação das necessidades diárias do seu agregado familiar, o CC despendia a quantia de € 350,00.
22. O CC despendia a quantia mensal de cerca de € 275,00 com a renda da casa onde residia com as demandantes.
23. A frequência do infantário pela demandante BB implica uma despesa mensal de € 140,60.
24. Por causa da morte do CC as demandantes ficaram desgostosas, angustiadas, amarguradas, desorientadas, com crises de choro e revoltadas, sentiram enorme choque e tristeza profundas, mergulhadas em dor e sofrimento.
25. O motociclo de matrícula LX-... tinha sido adquirido a Jocelino Vaz, no decurso do ano de 2010, pelo preço de € 2.500,00.
26.O motociclo de matrícula LX-... ficou completamente danificado, sendo inviável a sua reparação.
Do pedido de indemnização civil de fls. 339-342:
27. Até 11/06/2012, o I.S.S. pagou:
                - à demandante BB, a título de subsídio por morte, o montante de € 4.272,41 e a título de pensão de sobrevivência, o montante global de € 1.585,95;
               - à demandante AA, a título de pensão de sobrevivência, o montante global de € 3.781,24.
28. O I.S.S. paga às demandantes BB e AA os montantes mensais de € 50,80 e € 152,40, a título de pensão de sobrevivência, pagos em dobro nos meses de Dezembro e de Julho.
Contestação de fls. 417-418:
29. O arguido é uma pessoa respeitada e respeitadora, sendo muito bem visto e considerado no meio social onde se insere.
Condições pessoais do arguido:
30. O arguido encontra-se casado, é agricultor, auferindo uma pensão de reforma no montante de cerca de € 300,00 e a sua esposa aufere uma pensão de reforma no montante de cerca de € 200,00, residindo em casa própria.
31. Por decisão notificada em 20/03/2007, foi aplicada ao arguido a inibição de conduzir pelo período de trinta dias, pela prática em 27/07/2006, da contra-ordenação p. e p. pelo artigo 27.º, n.º 2, al. a), 2.º par., do Código da Estrada.
32. Por decisão notificada em 01/06/2009, foi aplicada ao arguido a inibição de conduzir pelo período de sessenta dias, pela prática em 21/04/2008, da contra-ordenação p. e p. pelo artigo 81.º, n.ºs 2 e 5, al. a), do Código da Estrada.
33. O arguido não possui antecedentes criminais.
B – Matéria de Facto não provada com relevo para a boa decisão da causa:
Despacho de acusação:
1. O arguido representou como possível que ao agir do modo descrito poderia vir a embater nos veículos que circulassem em sentido contrário e que poderia afectar a segurança e causar lesões físicas ou a morte nos demais utentes da via, mas actuou sem se conformar com essa realização.
Do pedido de indemnização civil de fls. 298-312:
2. O CC teve percepção que iria morrer, lembrando-se dos seus entes queridos, designadamente da sua filha e da sua companheira que para sempre iria deixar.
3. Ultimamente o CC auferia a retribuição mensal de cerca de € 1.500,00.
4. A demandante AA Guedes nunca trabalhou desde que passou a viver com o CC.
Contestação de fls. 420-422:
5. O veículo de matrícula LX-... circulava a uma velocidade superior a 80 km/h.
6. O CC seguia sem atenção nem cuidado.
7. O veículo de matrícula ...-VI já se encontrava a concluir a manobra de inversão de marcha.
8. Quando o arguido iniciou a inversão de marcha, o motociclo de matrícula LX-... ainda não era visível.
*
[A sentença da 1ª Instância contém a seguinte referência, acolhida pelo acórdão recorrido: Ao nível da fixação da matéria de facto provada e não provada o tribunal não se pronunciou sobre as demais afirmações contidas no despacho de acusação, nos articulados de pedido de indemnização civil e nas contestações, por constituírem afirmações genéricas e conclusivas e/ou juízos de direito e que não podem ser objecto de uma pronúncia, em termos de serem considerados "provados" ou "não provados".
No que concerne ao pedido de indemnização civil de fls. 298-311, decorre do disposto no artigo 71.º do C.P.P., que o objecto da pretensão civil deduzida no processo penal, tem como facto gerador da obrigação a prática de uma infracção criminal, ou seja, a causa de pedir assenta nos mesmos factos que constituem o pressuposto da responsabilidade criminal [cita, a propósito o Acórdão Uniformizador n.º 7/99, publicado no D.R. I-A, de 03/08/1999]. Assim sendo, quanto aos factos constitutivos do ilícito imputado ao arguido, não foi considerada a alegação do articulado de fls. 298-311, na parte em que constitui uma alteração dos factos descritos na acusação, não permitida pelo nosso sistema processual penal, tanto mais que as demandantes, embora podendo, não deduziram acusação na qualidade de assistentes, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 284.º do C.P.P.»].
2.2. Objecto dos recursos:
2.2.1. Enquadramento legal:
No requerimento de interposição do recurso, o recorrente pode restringir o seu objecto, desde que nele especifique as questões cuja apreciação pretende submeter à apreciação do tribunal superior.
Na falta desta especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença/acórdão for desfavorável ao recorrente.
Porém, o recorrente pode ainda, nas conclusões da motivação – onde terá de resumir as razões do recurso –, restringir, expressa ou tacitamente, o seu objecto inicial, como decorre dos arts. 412º, nº 1, do CPP e 635º, nºs 2, 3 e 4, do CPC2013[1].
Isto é, na falta daquela especificação inicial são as conclusões que acabam por fixar o objecto do recurso.
Deste modo,
2.2.2. O recurso da ..., que não fez qualquer daquelas declarações, tem por objecto as questões que emergem das conclusões da motivação e que são as seguintes, pela ordem por que vêm deduzidas:
1ª – a correcção do lapso verificado no “parágrafo IV” do dispositivo do acórdão recorrido (conclusões 1 a 3);
2ª – a revogação do acórdão recorrido na parte em que reconheceu à demandante AA direito a alimentos, com a consequente eliminação da indemnização que a esse título lhe foi arbitrada (conclusões 4 e 5);
3ª –  a revogação do acórdão recorrido na parte em que a condenou a pagar às Demandantes a quantia de €50.000,00 a título de danos morais próprios (conclusões 6 e 7);
4ª – a eliminação do nº 8 dos “Factos Provados”, por conter conclusões de direito (conclusões 8 a 11);
5ª – o erro na apreciação e valoração da prova, com a consequente alteração da decisão sobre a matéria de facto e da imputação à Vítima de, pelo menos, 50% da responsabilidade na produção do acidente ou da divisão equitativa dessa responsabilidade por ambos os intervenientes, com base no risco (conclusões 12 a 37);
2.2.3. Por sua vez, as Demandantes, logo no intróito da motivação (cfr. fls. 998), restringiram expressamente o objecto do seu recurso às seguintes questões:
«1 – Montante indemnizatório fixado pela perda de rendimentos para sustento das Demandantes e,
2 – Dedução nos montantes indemnizatórios devidos às demandantes, das quantias que a demandada foi condenada a pagar ao demandante Instituto de Segurança Social, IP».

            E as conclusões, coerentemente com essa delimitação, só focam essas duas questões.

            2.3. Apreciação/Fundamentação

            2.3.1. Recurso da ....

            2.3.1.1. Do alegado “lapso” contido no “parágrafo IV” do dispositivo do acórdão recorrido.

           A Demandada alega, como vimos, que, «certamente por manifesto lapso, consta da Parte Decisória do Douto Acórdão em recurso, no seu parágrafo IV, a condenação da demandada cível a pagar à demandante cível, a título de danos não patrimoniais sofridos pelo sinistrado falecido antes da sua morte e à perda do direito à vida, a quantia de 90.000,00 €; sucede que, a esse título, foi fixada pela 1ª Instância a quantia de 70.000,00 €, quantia esta que o Douto Tribunal “a quo” não alterou, tendo-se limitado a autonomizar, ou seja, a retirar desses 70.000,00€, os danos morais próprios das demandantes cíveis».

            Vejamos:

           As Demandantes atribuíram ao dano decorrente das dores, angústias e aflições sofridas pelo infeliz CC antes de falecer, o valor de €20,000,00 e ao dano pela perda do direito à vida o valor de €70.000,00 (cfr. artigos 77º e 86º do pedido civil, fls. 306 e relatório da sentença, fls.507).

           A 1ª Instância fixou em €20.000,00 a indemnização do dano pelo sofrimento vivido pela Vítima, acrescentando que o direito a essa indemnização, tendo nascido na sua esfera jurídica, se transmitiu à filha, a demandante BB (fls. 515 e 516).

           Quanto aos demais danos não patrimoniais peticionados – sofrimento das Demandantes e supressão do direito à vida do Telmo –, que entendeu não serem cumuláveis, considerou «equitativa a fixação da compensação pelo dano morte e pelo sofrimento vivenciado pelas demandantes, no montante de €70.000,00 (…) de que são solidariamente credoras» (fls. 516 e 517; sublinhado nosso).

            Tanto o acórdão do Tribunal da Relação que foi anulado como o agora em recurso, concedendo provimento a esse segmento do recurso das Demandantes e considerando «que se deve distinguir entre, por um lado, o dano pela perda do direito à vida de que era titular a vítima, sendo o direito de indemnização desse dano transmitido à demandante BB … e, por outro lado, os danos sofridos diretamente por cada uma das demandantes em consequência dessa morte, danos cuja indemnização cabe a cada uma delas por direito próprio», fixou em €70.000,00 a indemnização pelo primeiro. E, entendendo ser «algo escasso incluir nesse montante o dos danos directamente sofridos por cada uma das demandantes», fixou em €25.000,00 «o montante da indemnização devida, a este título, a cada um das demandantes» (fls.689 e 907, respectivamente).

            Quer dizer: os apontados €70.000,00 que, ao contrário do que alega a Demandada, nunca incluíram os «danos não patrimoniais sofridos pelo sinistrado» em vida – danos que, como vimos, a 1ª Instância autonomizou e fixou em €20.000,00 – passaram, por decisão do Tribunal da Relação, a referir-se apenas à indemnização pela perda do direito à vida.

            Por isso é que à demandante BB foi atribuída, como herdeira de seu falecido Pai, a quantia de €90.000,00 – «correspondentes à indemnização pelos danos não patrimoniais por este sofridos antes da sua morte [€20.000.00] e à perda do direito à vida deste [€70.000,00] …» – a que acresce a quantia de €25.000,00 «correspondente à indemnização pelos danos não patrimoniais por ela sofridos», como consta do 7º parágrafo do mesmo dispositivo.

            Não há, pois, qualquer lapso a corrigir … a não ser o próprio lapso da Recorrente/demandada.

           O recurso é, assim, nesta parte, manifestamente improcedente.      

            2.3.1.2. Do «erro na apreciação e valoração da prova» e da eliminação do nº 8 dos “Factos Provados” e suas consequências na responsabilidade pela produção do acidente

            Nos termos do artº 434º do CPP, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.

           Por outro lado, nos termos do artº 682º, nº 2, do CPC2013, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação quanto à matéria de facto não pode ser alterada pelo Supremo Tribunal de Justiça, salvo no caso excepcional previsto no nº 3 do artº 674º que prescreve justamente que «o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».

           Ora, a Recorrente não alega qualquer circunstância que possa autorizar o Supremo Tribunal de Justiça a sindicar a decisão sobre a matéria de facto e, pela nossa parte, não vemos que os factos julgados provados, ou algum deles, só o pudessem ter sido com base em determinado meio de prova que não se produziu ou que os meios de prova produzidos e relevados, ou algum deles, tenham força probatória que impusesse respostas diferentes das que foram dadas pelas instâncias.

            Assim, o recurso é, nesta parte, inadmissível.

            Consequentemente, não podendo ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, a culpa na produção do acidente, atribuída em exclusivo à conduta do Arguido, tem de ser agora confirmada.

           Vejamos agora se o nº 8 dos “Factos Provados”, que não pode ser eliminado por via do reexame da matéria de facto, o poderá ser pela consideração de que contém conclusões de direito.

            Trata-se de reiteração de questão já suscitada no recurso para o Tribunal da Relação que, nesta parte, lhe negou provimento, considerando que a Demandada «confunde a alusão a um facto do foro interno (a distração e desatenção, a consciência de determinado facto, ou falta dela) com conclusões ou conceitos jurídicos. À prova dos factos internos chega-se através de factos externos indiciários (como serão dados objetivos relativos à ocorrência do acidente e suas consequências, factos que, na douta sentença em apreço também constam do elenco dos factos provados). Mas nem por isso deixamos de estar perante factos e passamos a estar perante conceitos conclusivos ou jurídicos. Os factos em causa são, pura e simplesmente, a desatenção e distração perante o trânsito. Nada há a concretizar ou especificar para além disso (nem se compreende o que pretende a recorrente quando alude à necessidade de “enumerar concretamente” as desatenções e distrações em causa)».

           Sufragamos por inteiro esta consideração e a subsequente decisão, porquanto, também entendemos que a «desatenção» ou a «distracção» são conceitos do discurso social, sem referência a qualquer norma jurídica ou conceito de direito, e como tal, constituem matéria de facto, entendida esta como «o apuramento das ocorrências da vida real, dos eventos materiais e concretos, de quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, bem como do estado, qualidade ou situação real das pessoas e coisas» (sublinhamos), como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08.11.1995, citado por Teixeira de Sousa no seu “Estudos sobre o novo processo penal”, 422.

           Também nesta parte o recurso é, pois, manifestamente improcedente.       

            2.3.1.3. Do direito da demandante AA a alimentos.

           Nesta matéria, a Demandada remete-se para a fundamentação da decisão da 1ª Instância para concluir que a Demandante não tem esse direito.

           De facto, o Tribunal de Mirandela, a propósito da perda de rendimentos que o falecido Telmo auferiria durante a vida activa, depois de concluir que «não poderá ser reconhecido aos herdeiros do “de cuiús” o direito a virem exigir, nessa qualidade, a título de lucros cessantes, o correspondente ao rendimento que aquele deixou de auferir», considerou que «a sua posição [dos herdeiros] não se encontra totalmente desprovida de tutela», atento o disposto no artº 495º, nº 3, do CCivil. E, assim, prosseguiu, se, quanto à Demandante BB não existem dúvidas de que teria direito a alimentos, enquanto menor, já quanto à Demandante AA, considerando que nos arts. 2020º, nº 1, e 2009º,alíneas a) a d), do CCivil «não se estabelece qualquer direito a alimentos na vigência da união de facto, em termos análogos aos dos cônjuges», decidiu que «não poderá ser reconhecida qualquer pretensão indemnizatória a esta demandante, a título de perda de rendimento do CC, pois não poderia exigir-lhe alimentos, caso não tivesse ocorrido o seu falecimento» (cfr. fls. 512).

            Todavia, o Tribunal da Relação teve opinião diferente.

           Comungando embora do entendimento de que «não pode uma pessoa exigir alimentos de outra com quem vive (ou viveu) em união de facto, ao contrário do que se verifica entre pessoas casadas (ou que o foram)», atendeu, porém, ao disposto no artº 495º, nº 3, do Código Civil quando estabelece que, em caso de morte ou lesão corporal, têm direito a indemnização, além das pessoas que podiam exigir alimentos ao lesado, aquelas a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.

Ora, prossegue, depois de recordar o conceito de obrigação natural e o artº 402º do CCivil, «já desde tempos recuados (anteriores à progressiva equiparação de casamento e união de facto em relação a vários direitos e benefícios) se vem entendendo que a prestação de alimentos a pessoa com quem se vive em união de facto pode corresponder ao cumprimento de uma obrigação natural (ver, neste sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 3ª edição, 1980, Almedina, Coimbra, pg. 598). Na verdade, entre duas pessoas que vivem em união de facto, é natural que sejam repartidas tarefas e que aquele que eventualmente não trabalhe fora de casa (ou o faça com menor regularidade e auferindo menores rendimentos) se dedique predominantemente a tarefas domésticas e (se os houver) ao cuidado e educação dos filhos. A prestação desses alimentos é, inegavelmente, um dever moral que corresponde a um dever de justiça. Por outro lado, e embora o direito consagrado no referido artigo 2020º do Código Civil não se confunda com um direito a exigir alimentos à própria pessoa com quem se vive (ou viveu) em união de facto (trata-se, antes, de exigir esses alimentos da herança aberta por óbito dela), é certo que tal direito só se compreende porque a prestação de alimentos em vida dessa pessoa (embora não judicialmente exigível) normalmente corresponde a um dever de justiça».

Assim, verificando, face à matéria de facto provada, que a Vítima efectivamente prestava alimentos à demandante AA, com quem vivia em união de facto, no cumprimento de uma obrigação natural, teve por «razoável considerar que a demandante AA continuaria a receber alimentos do seu companheiro se este não tivesse falecido, embora esses alimentos não cobrissem integralmente todas as despesas com a sua alimentação, habitação e vestuário (pois que também é previsível que no futuro ela viesse a obter rendimentos próprios). E atribuiu-lhe uma indemnização a esse título que fixou em €40.000,00.

Pois bem.

O nº 1 do artº 483º do CCivil estabelece, como princípio geral em matéria de responsabilidade por factos ilícitos, como é o caso em julgamento, o de que a indemnização pelos danos causados cabe ao lesado, ao titular do direito violado. Mas o artº 495º seguinte admite a indemnização por danos patrimoniais a favor de terceiros, no caso de morte ou de lesão corporal. O seu nº 3 – a norma que nos interessa considerar – prevê justamente que, nesse caso, têm direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.

O problema que o caso sub judice nos coloca é o de saber se este preceito – o nº 3 do artº 495º – abrange ou não as situações de união de facto, como a comprovadamente vivida pelo falecido CC e pela demandante AA.

Como refere o acórdão deste Tribunal de 08-03-2012, Pº nº 26/09.PTEVR.E1.S1-3ª Secção, o disposto neste preceito cedo gerou controvérsia sobre se abrangia ou não essas situações. E, depois de um exaustivo levantamento da evolução do seu reconhecimento pelo ordenamento jurídico nacional e das posições da doutrina e da jurisprudência sobre o tema, concluiu que «o direito a indemnização do dano patrimonial futuro previsível de perda de alimentos por parte do membro sobrevivo de união de facto, dissolvida por falecimento de um dos membros, configurando obrigação natural, é indemnizável, nos termos do artigo 495º, nº 3, do CC», entendimento este muito recentemente reiterado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 07.05.2014, Pº nº 2575/07.4TBPNF.P3.S1-6ª Secção.

De facto, sendo obrigação natural a que, nos termos do artº 402º do CCivil, se funda no dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento, embora não sendo judicialmente exigível, corresponde a um dever de justiça, cremos ser incontornável que, face à comunhão de vida entre a Vítima e a demandante AA, tal como espelhada nos nºs 13, 14 e 18 dos “Factos Provados” e ao contributo regular daquele para as despesas do casal, como nos dizem os nºs 20 e 21 seguintes, este contributo assenta, sem dúvida, no cumprimento de um dever daquela natureza.       

Consequentemente, o recurso é, nesta parte, improcedente.

2.3.1.4. Da indemnização das Demandantes «a título de danos morais próprios»

Vimos, com a transcrição da conclusão 6, qual o teor da alegação da Demandada a este propósito. A motivação (fls. 936) não adianta qualquer outro fundamento da impugnação desta parte da decisão do Tribunal da Relação.

E também vimos, quando nos debruçamos sobre o alegado lapso contido no “parágrafo IV” do dispositivo do acórdão recorrido (cfr. 2.3.1.1., supra) as razões por que o Tribunal da Relação autonomizou a indemnização em epígrafe e a fixou em €25.000,00 em benefício de cada uma das Demandantes. 

A Demandada, porém, não esgrime um único argumento contra a decisão recorrida. Limita-se, com efeito, a apelar para a decisão da 1ª Instância, que reputa ter andado bem. Só que, como se vê da fundamentação de fls. 516 e 517, o Tribunal de Mirandela, apesar de ter considerado que os danos decorrentes do sofrimento das Demandantes e da supressão do direito à vida do CC não eram cumuláveis, acabou por englobar no montante de €70.000,00 a compensação por uns e por outros, sem qualquer destrinça.

Quer dizer, a Demandada limita-se a impugnar o montante deste segmento da indemnização e, por reflexo, também o relativo à perda do direito à vida, sem adiantar qualquer fundamento (aquele apelo para a boa decisão da 1ª Instância, nada acrescenta, como vimos).

Como assim, o recurso cai, nesta parte, nas malhas da rejeição por falta de motivação, nos termos dos arts. 411º, nº 3, 414º, nº 2 e 420º, nº 1, alínea b), do CPP, sabido que a motivação é, nos termos do nº 2 do artº 412º do mesmo Código, a peça fundamental do recurso em que o recorrente tem de enunciar especificamente os fundamentos da sua divergência em relação à decisão impugnada.

Sem prescindir.

Se a 1ª Instância procedeu da forma que referimos, o Tribunal da Relação, distinguiu, e bem, entre as duas espécies de dano, diferentes uma da outra, e, usando naturalmente critérios de equidade (cfr. artº 496º, nº 4, do CCivil), fixou os primeiros em €25.000,00, para cada uma das Demandantes, e o segundo em €70.000,00, quantitativos estes que não conflituam com a jurisprudência corrente do Supremo Tribunal de Justiça, como se pode ver, quanto ao dano por morte, pelo decidido, entre outros, nos acórdãos de 19.04.2012, Pº, nº 569/10.1TBVNG.P.1.S1-2ª Secção, de 31.01.2012, Pº nº 875/05.7TBILH.C1.S1-6º Secção, de 12.07.2011, Pº nº 322/07.0TBARC.P1.S1-6ª Secção, de 23.02.2011, Pº nº 395/03.4GTSTB.L1.S1-3ª Secção, em que os montantes indemnizatórios fixados pela perda do direito à vida, para Vítimas com idades próximas da do CC, oscilam entre os €60.000,00 e os €80.000,00 e, quanto ao dano sofrido pelas Demandantes, pelos valores atribuídos nos acórdãos de 31.05.2011, Pº nº 2102/06.0TBAMT.P1.S1-2ª Secção, de 13.09.2011, Pº nº 218/07.5TBAVZ.C1.S1-6ª Secção e de 31.01.2012, Pº nº 875/05.7TBILH.V1.S1-6ª Secção (relativamente ao cônjuge) ou de 16.12.2012, Pº nº 165/09.6TBALD.C1.S1-2ª Secção e de 10.01.2012, Pº nº 4524/06.8TBBCL.L1.S1-6ª Secção (relativamente à filha)[2].

Ora, como já ensinava Manuel de Andrade (“Teoria Geral das Obrigações”, 3ª edição, 1966, 166 e segs.), embora o dano moral não possa ser pago (apagado) com dinheiro, pode, todavia, ser compensado. Possibilitando o dinheiro satisfações de vária ordem, deve dar-se ao ofendido, no caso de danos morais, uma quantia que se considere adequada a proporcionar-lhe alegrias ou satisfações que de algum modo contrabalancem as dores, pesares ou sofrimentos que o ofensor lhe tenha causado.

Uma indemnização assim concebida será de cálculo difícil. Poderá mesmo dizer-se que nunca ela poderá ser computada com inteiro rigor e precisão e dependerá sempre, em larga medida, do prudente arbítrio do juiz. Mas, como vem sendo sublinhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, essa indemnização nunca se poderá reconduzir a um papel meramente simbólico, antes devendo representar uma adequada compensação, aferida segundo critérios de equidade. A jurisprudência vem, de resto, acentuado cada vez com mais insistência a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. A indemnização tem de ser significativa, o que não quer dizer que possa ser arbitrária. O legislador manda, como vimos, fixar a indemnização de acordo com a equidade, sem perder de vista as circunstâncias referidas no art. 494º – o que significa que o juiz deve procurar um justo grau de “compensação» (cfr., entre outros, os Acórdãos de 11.02.09, Pº nº 3980/08-3ª, de 30.10.08, Pº nº 2989/08-2ª, de 18.12.2007, Pº nº 3751/07-2ª, de 06.11-2010, Pº nº 55/06.4PTFAR.E1.S1-3ª).

Ora, se por um lado, a indemnização pela perda do direito á vida não deve variar em função das especiais qualidades ou aptidões da vítima, porque a dignidade da vida humana é única, por outro lado, nos casos em que, como aqui, a indemnização é fixada segundo a equidade, «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras de boa prudência, de senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida»[3]. E já vimos, pelo confronto com anteriores decisões, que não é esse o caso da decisão recorrida, relativamente a qualquer das espécies de dano que aqui se discutem.

Consequentemente, se o recurso não tivesse de ser rejeitado nesta parte, sempre teria de ser julgado improcedente.

 2.3.2. Recurso subordinado das Demandantes

2.3.2.1. Do montante indemnizatório pela perda de rendimentos

2.3.2.1.1. Relativamente ao montante indemnizatório que lhe foi atribuído a este título – €60.000,00, que o Tribunal da Relação confirmou – a demandante BB alega que o Tribunal, muito embora se tenha socorrido acertadamente dos normativos que determinam os pressupostos da fixação da indemnização a este título, falhou na hora de a quantificar, pois entende que, atenta a sua idade, deveria ter-lhe sido atribuída uma indemnização de €100.000,00 como, de resto, já havia pedido no recurso para a Relação.

O acórdão recorrido considerou exagerado o montante peticionado, sobretudo porque «não eram muito elevadas as quantias habitualmente despendidas pela vítima com o sustento do seu agregado familiar (€350,00, acrescidos de €275,00 de renda de casa, sendo, além disso, o valor pago pela frequência do infantário pela demandante BB de €140,60, e também o facto de a demandante beneficiar do recebimento do capital de uma só vez (…)».

Face a estes fundamentos, afigura-se-nos que se apurou a indemnização em função da situação actual, em que o sustento da Demandante, com 7 anos de idade, não importará grande dispêndio, olvidando, parece-nos, as suas necessidades futuras, necessariamente de maior custo, sendo certo que ela teria direito a exigir alimentos do pai pelo menos até aos 18 anos (cfr-arts. 1874º, 1878º, 1879 e 1880º, do CCivil).

Porém, e por outro lado, sendo a medida dos alimentos devidos aos filhos, balizada pelos recursos dos pais, não é possível determinar como evoluiriam os rendimentos da Vítima.

Deste modo, considerando ainda que a Demandante também é credora de alimentos por parte da mãe, consideramos ajustado o montante que lhe vem atribuído, por corresponder sensivelmente a uma prestação mensal de cerca de €400,00, durante 15 anos (<60.000,00x1,2:15:12).     

O recurso, improcede, pois, nesta parte.

2.3.2.1.2. Por sua vez, a demandante AA reclama €160,000,00 de indemnização por perda de alimentos, contra os €40.000,00 que lhe foram atribuídos pelo Tribunal da Relação. Invoca essencialmente os quantitativos com que o falecido companheiro comparticipava para as despesas do agregado familiar e a sua idade.       

O Tribunal da Relação fundamentou a sua decisão na seguinte ordem de considerações:

«Do elenco dos factos provados consta que esta demandante, desde que   passou a viver maritalmente com a falecida vítima trabalhou durante alguns meses num lar e, em 16 de janeiro de 2011, encontrava-se a frequentar um  curso de formação profissional, auferindo o montante mensal de €400,00, a título de bolsa, acrescido da comparticipação com as despesas do infantário da outra demandante, sua filha. Não considerou a douta sentença recorrida   provado que esta demandante nunca trabalhou desde que passou a viver com  a falecida vítima. Consta da própria motivação que essa sentença se baseou,   neste aspeto, no próprio depoimento desta demandante (e é, na verdade, isso que resulta desse depoimento, cuja gravação está junta aos autos)

Destes factos pode concluir-se que a falecida vítima em grande parte (não totalmente) suportou (a título de prestação de alimentos e no cumprimento de um dever decorrente da natural divisão de tarefas entre duas pessoas que  vivem em união de facto e têm uma filha comum) as despesas de alimentação, habitação e vestuário da demandante AA, sua companheira. O facto de esta frequentar um curso de formação profissional   aquando da morte da vítima, auferindo uma bolsa de €400,00, acrescida de uma comparticipação com as despesas de infantário da sua filha, não anula   que a prestação de alimentos continuasse mesmo nessa altura, dada a exiguidade do montante dessa bolsa e a provisoriedade da situação. É previsível que a prestação de alimentos por parte do companheiro da      demandante continuasse no futuro, embora também seja previsível que a referida formação profissional venha permitir que a demandante possa auferir no futuro rendimentos decorrentes dessa formação (uma previsão certamente   frágil, no atual contexto social e considerando o infeliz resultado de muitos cursos de formação profissional).

Em conclusão, parece razoável considerar que a demandante AA          AA continuaria a receber alimentos do seu companheiro se este não tivesse falecido, embora esses alimentos não cobrissem integralmente todas as  despesas com a sua alimentação, habitação e vestuário (pois que também é  previsível que no futuro ela viesse a obter rendimentos próprios).

Mas não pode ignorar-se, também, que a união de facto, porque não implica os vínculos jurídicos do casamento, não oferece as garantias de estabilidade deste e poderia cessar a todo o tempo (cessando também o dever de    alimentos, o que pode não suceder quando há vínculos conjugais). Este facto    não pode ser ignorado, sendo certo que a existência de uma filha comum, e o   facto de a convivência ter durado cerca de dez anos também são factores que não podem ser ignorados e permitem vaticinar uma maior estabilidade.

Atendendo a estes factos e a todos os outros factores a considerar (a idade da falecida vítima e da demandante, o período de vida ativa previsível de um e   outro, e o facto de esta beneficiar do recebimento do capital de uma só vez), entende-se adequado fixar o montante da indemnização devida à demandante   AA, a título de perda de alimentos, em €40.000,00.

A quantia reclamada pela demandante (de €200.000,00) afigura-se algo exagerada, desde logo porque não está demonstrado que a demandante nunca auferiria rendimentos próprios, mas considerando, também o montante      habitualmente recebido pela demandante da vítima (não muito elevado) e o  facto de ela beneficiar com o recebimento do capital de uma só vez»

Pois bem.

O artº 495º, nº 3 do CCivil apenas atribui ao companheiro do falecido o direito de indemnização do dano da perda de alimentos, cujo montante não pode naturalmente exceder, quer em valor quer na duração, a medida dos alimentos que o lesado teria sido obrigado a prestar, se fosse vivo[4].   

           Já vimos atrás os montantes com que o CC contribuía para as despesas do agregado familiar, que naturalmente não se destinavam apenas aos gastos próprios da Demandante.

           Por outro lado, como também já dissemos atrás, não é possível determinar como evoluiriam os rendimentos da Vítima e as próprias necessidades da Demandante.      

           De qualquer modo, temos por exígua a indemnização arbitrada, mesmo em função dos valores actuais pois, ainda que esse capital, porque recebido de uma só vez, possa ser rentabilizado – com rendimento sempre exíguo, nos dias de hoje – o montante de €40.000,00 não corresponderá a mais de €400,00/mês, durante 10 anos, quando é certo que a despesa com a renda de casa se mantém e que recai sobre ela a obrigação de contribuir também monetariamente para o sustento da filha.

           Assim, considerando a idade da Vítima e a vaticinada estabilidade da sua união com a Demandante, temos por mais ajustado fixar a indemnização em causa em €60.000.00 (sessenta mil euros).

            Nesta parte, recurso procede, pois, parcialmente.

           2.3.2.2. Da impugnação da dedução dos montantes pagos ao ISS.

           A sentença da 1ª Instância decidiu que aos montantes indemnizatórios atribuídos às Demandantes seriam deduzidos as importâncias que a Demandada fora condenada a pagar ao ISS – os montantes que pagou às Demandantes a título de subsídio por morte e pensão de sobrevivência (cfr. fls. 523, alínea c).

           No recurso para o Tribunal da Relação as Demandantes alegaram que «não lhe tendo sido atribuída indemnização para alimentos, também a demandante segurança Social não deve ser ressarcida das importâncias que a demandante AA dela recebeu para esse efeito, isto é, para sobrevivência» (cfr. conclusão 23, como transcrita a fls. 850 do acórdão recorrido).

          Isto é, a impugnação da dedução daquelas importâncias cingiu-se ao que o ISS pagou à Demandante AA e foi subordinada ao facto de não ter sido indemnizada por perda de alimentos. E assim é que o acórdão recorrido, tendo revogado a decisão da 1ª Instância e atribuído à demandante AA uma indemnização por esse dano, não se pronunciou sobre aquela alegação, naturalmente por a questão ter ficado prejudicada por essa decisão. E o certo é que, proferido o primeiro acórdão da Relação, a Demandante nada disse. Aliás, no recurso interposto desse acórdão (o que foi anulado), as Demandantes não suscitaram a questão (cfr. fls.751 e segs.) 

           Agora, a impugnação da dedução estende-se às quantias que o ISS pagou às duas Demandantes.

           Trata-se evidentemente de questão nova não colocada nem decidida pelo Tribunal a quo. E, no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que foi proferida, ou seja, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada perante o tribunal recorrido ou sobre pedidos que nele não foram formulados, pois que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas[5].

            Consequentemente, o recurso é, nesta parte rejeitado por não ser admissível – arts. 420º, nº 1, alínea b) e 414º, nº 2, do CPP.

 

           3. Nestes termos, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

            3.1. quanto ao recurso da demandada ...:

                 3.1.1. negar-lhe provimento na parte em que pugnava pela revogação da indemnização atribuída à demandante AA a título de perda de alimentos (nº 2.3.1.3., supra);

                3.1.2. rejeitá-lo, na parte restante, por ser manifestamente improcedente  ou não ser inadmissível (nºs 2.3.1.1., 2.3.1.2. e 2.3.1.4., supra);

           3.2. quanto ao recurso das Demandantes AA Guedes e BB:

                   3.2.1. negar-lhe provimento na parte em que incide sobre a indemnização atribuída à demandante BB a título de alimentos (nº 2.3.2.1.1., supra);

                     3.2.2. conceder-lhe parcial provimento na parte em que incide sobre a indemnização atribuída à demandante AA a título de perda de alimentos e, em consequência (nº 2.3.2.1.2.., supra):

                  3.2.2.1. condenar a demandada ... a pagar-lhe, a esse título, a quantia de €60.000,00 (sessenta mil euros) e

                  3.2.2.2. revogar o acórdão recorrido neste segmento;

          3.2.3. rejeitá-lo, na parte em que incide sobre a pretendida revogação das deduções dos montantes pagos ao ISS, por não ser admissível (nº 2.3.2.2., supra);

            3.3. Confirmar, no mais, o acórdão recorrido.

            Custas pelas Recorrentes.

           a) A taxa de justiça a cargo da “...” é fixada em 8 (oito) UC’s, nos termos dos arts. 523º do CPP, 527º e 530º, do CPC2013 e 6º nº e do RCP e Tabela IB a ele anexa.

        Nos termos do nº 7 do referido artº 6º, dispensamos a Recorrente do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor da acção que excede os €275.000,00, considerando que, nos termos do nº 7 do artº 530º do CPC, o recurso não se mostra de especial complexidade.

           A Recorrente pagará ainda a quantia de 6 (seis) UC’s, nos termos do nº 3 do artº 420º do CPP;

           b) As Recorrentes/demandantes pagarão taxa de justiça que, em função do parcial provimento do seu recurso fixamos em 1/3 da taxa de 8 UC´s, nos termos daquelas mesmas disposições legais e com a dispensa também concedida à Demandada, porque também o seu recurso não se mostra de especial complexidade. As recorrentes AA e Mara pagarão ainda a quantia de 3 (três) UC’s, nos termos do nº 3 do artº 420º do CPP.

                   

Lisboa, 03-12-2014

Processado e revisto pelo Relator


Sousa Fonte (relator)
Santos Cabral

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[1] O pedido foi deduzido em 16.01.2012 (fls. 298) e a decisão recorrida foi proferida em 30-04.2014 (cfr. arts. 7º, nº,1 e 8º, da Lei 41/2013, de 26 de Junho.  
[2] Dados retirados do acórdão de 27.06.2012, Pº nº 3283/09.7TACBR.S1.
[3] Cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.02.2013, Pº nº 6347/05.0TDLSB.L1.S1-5ª Secção.    
[4] Vaz Serra, RLJ, 108º, 185, e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.10.2004, Pº nº 2619/04-6ª Secção, citados no já referido acórdão também do Supremo Tribunal de Justiça de 08.03.2012
[5] Cfr. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 395