Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | SOUSA FONTE | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ALIMENTOS COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DANOS NÃO PATRIMONIAIS DANOS PATRIMONIAIS DIREITO À VIDA EQUIDADE INDEMNIZAÇÃO OBRIGAÇÃO NATURAL QUANTUM INDEMNIZATÓRIO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO RESPONSABILIDADE CIVIL EMERGENTE DE CRIME UNIÃO DE FACTO | ||
Data do Acordão: | 12/03/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES NATURAIS / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO. | ||
Doutrina: | - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 3.ª Edição, 1980, Almedina, Coimbra, p. 598; - Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 3.ª Edição, 1966, p.166 e ss.; - Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 395. | ||
Legislação Nacional: | - CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS N.ºS 402.º, 495.º, N.º 3; - CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO N.º 674.º, N.º 3 E 682.º, N.º 2; - CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO N.º 434.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 23-02-2011, PROCESSO N.º 395/03.4GTSTB.L1.S1; - DE 31-05-2011, PROCESSO N.º 2102/06.0TBAMT.P1.S1; - DE 12-07-2011, PROCESSO N.º 322/07.0TBARC.P1.S1; - DE 13-09-2011, PROCESSO N.º 218/07.5TBAVZ.C1.S1; - DE 10-01-2012, PROCESSO N.º 4524/06.8TBBCL.L1.S1; - DE 31-01-2012. PROCESSO N.º 875/05.7TBILH.C1.S1; - DE 08-03-2012, PROCESSO N.º 26/09.PTEVR.E1.S1; - DE 19-04-2012, PROCESSO N.º 569/10.1TBVNG.P.1.S1; - DE 27-06-2012, PROCESSO N.º 3283/09.7TACBR.S1; - DE 16-12-2012, PROCESSO N.º 165/09.6TBALD.C1.S1; - DE 14-02-2013, PROCESSO N.º 6347/05.0TDLSB.L1.S1; - DE 07-05-2014, PROCESSO N.º 2575/07.4TBPNF.P3.S1. | ||
Sumário : | I - Se, por um lado, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 434.º do CPP), por outro, nos termos do n.º 2 do art. 682.º do CPC 2013, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, quanto a matéria de facto, não pode ser alterada pelo STJ, salvo no caso excepcional previsto no n.º 3 do art. 674.º. II - Como não se vislumbra que os factos julgados provados só o pudessem ter sido com base em determinado meio de prova que não se produziu ou que os meios de prova produzidos tenham força probatória que impusesse respostas diferentes das que foram dadas pelas instâncias, é inadmissível, na parte respeitante à decisão sobre a matéria de facto, o recurso interposto para o STJ, pelo que deve ser confirmada a atribuição exclusiva da culpa do arguido na produção do acidente de viação. III -O art. 495.º, n.º 3, do CC, abrange também as situações de união de facto, ao estabelecer que, em caso de morte ou de lesão corporal, têm direito a indemnização, além das pessoas que podiam exigir alimentos do lesado, aquelas a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural. IV -Sendo obrigação natural a que, nos termos do art. 402.º do CC, se funda num dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento, embora não sendo judicialmente exigível, corresponde a um dever de justiça, é incontornável, face à comunhão de vida entre a vítima e a demandante e ao contributo regular daquele para as despesas do casal, que este contributo assenta no cumprimento de um dever dessa natureza. V - Deste modo, é indemnizável, nos termos do n.º 3 do art. 495.º do CC, o dano patrimonial futuro resultante da perda de alimentos por parte do membro sobrevivo da união de facto. VI -Não conflituam com a jurisprudência corrente do STJ a atribuição da quantia de € 70 000 a título de indemnização pela perda do direito à vida e a atribuição das quantias de € 25 000, ao membro sobrevivo da união de facto e à filha do casal, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por elas sofridos em consequência da morte da vítima do acidente. VII - Se, por um lado, a indemnização pela perda do direito à vida não deve variar em função das especiais qualidades ou aptidões da vítima, porque a dignidade da vida humana é única, por outro lado, nos casos em que a indemnização é fixada segundo a equidade, os tribunais de recurso devem limitar a sua intervenção aos casos em que o tribunal recorrido afronta, manifestamente, as regras da boa prudência, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da via, o que não é o caso. VIII - Considerando que a filha da vítima tinha 7 anos de idade à data do acidente de viação, que teria direito a exigir alimentos do pai, pelo menos, até aos 18 anos de idade e que também é credora de alimentos por parte da mãe, mostra-se ajustada a quantia de € 60 000, a título de indemnização pela perda de rendimentos. IX - De igual modo, mostra-se adequada a atribuição da quantia de € 60 000 ao membro sobrevivo da união de facto, a título de indemnização pela perda de alimentos. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
1. Relatório 1.1. No Tribunal Judicial de Mirandela, respondeu, no processo em epígrafe, perante o tribunal singular, o arguido DD, com os sinais dos autos, acusado de ter cometido um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 137º, nºs 1 e 2, do CPenal e 35º, nºs 1 e 2, do CEstrada, que vitimou CC . AA, por si e na qualidade de representante legal de sua filha, também filha da Vítima, BB, deduziu pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros ..., SA (de ora em diante, ...) em que reclamou a indemnização global de €467.500,00 e juros de mora a partir da citação, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes dos factos constitutivos daquele ilícito (cfr. fls. 298 e segs.). Por sua vez, o Instituto de Segurança Social, IP (de ora em diante, ISS), deduziu idêntico pedido contra a mesma Seguradora, pedindo a sua condenação a pagar-lhe €8.053.65, quantia que satisfez às Demandantes, a título de subsídio por morte e pensão de sobrevivência, em consequência da morte do infeliz CC (cfr. fls.339 e segs. e 451). A Demandada contestou os pedidos nos termos constantes de fls. 420 e segs. Realizado o julgamento, o Senhor Juiz do processo proferiu a sentença de fls. 466 e segs. em que, além do mais, a) condenou o arguido DD, pela prática do aludido crime, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de €5,00; b) julgou totalmente procedente o pedido deduzido pelo demandante ISS; c) julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização deduzido pelas demandantes AA e BB e, consequentemente, condenou a ... a pagar: c1) à BB, como única herdeira do CC, o montante global de €82.500,00; c2) às demandantes AA e BB, «enquanto titulares solidárias do direito à indemnização prevista no artigo 496º, nºs 2 e 3, do Código Civil», o montante de €70.000,00, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a prolação da sentença até pagamento integral, sem prejuízo de aos montantes indemnizatórios assim fixados deverem ser deduzidos todos os montantes que lhes foram pagos pelo ISS. 1.2. Inconformadas, as Demandantes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto. A ... interpôs recurso subordinado da mesma sentença. Pelo acórdão de fls. 631 e segs., corrigido pelos despachos de fls. 706, o Tribunal da Relação decidiu (transcrevemos o seu dispositivo, na parte que interessa ao julgamento dos recursos): «- negar provimento ao recurso interposto pela demandada Companhia de Seguros ..., S.A.; … - conceder provimento parcial ao recurso interposto pelas demandantes AA e BB [e, em consequência]: - condenar a demandada Companhia de Seguros ..., S.A. a pagar à demandante BB, como única herdeira de CC , a quantia de noventa mil euros (€ 90.000,00), correspondente à indemnização pelos danos não patrimoniais por este sofridos antes da sua morte e à perda do direito à vida deste, quantia acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da douta sentença recorrida até integral pagamento; - condenar a demandada Companhia de Seguros ..., S.A. a pagar à demandante BB, como única herdeira de CC , a quantia de dois mil e quinhentos euros (€2.500,00), correspondente à indemnização pelo dano do motociclo conduzido por este aquando do acidente a que é relativo o presente processo, quantia acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento; - condenar a Companhia de Seguros ..., S.A. a pagar à demandante BB a quantia de sessenta mil euros (€60.000,00), correspondente à indemnização pela perda de alimentos prestados pela vítima CC Cantos Santos, quantia acrescida de juros, à taxa legal, desde a data deste acórdão até integral pagamento; - condenar a Companhia de Seguros ..., S.A. a pagar à demandante BB a quantia de vinte e cinco mil euros (€ 25.000,00), correspondente à indemnização pelos danos não patrimoniais por ela sofridos em consequência da morte de CC Canto dos Santos, quantia acrescida de juros, à taxa legal, desde a data deste acórdão até integral pagamento; - condenar a Companhia de Seguros ..., S.A. a pagar à demandante AA a quantia de quarenta mil euros (€40.000,00), correspondente à indemnização pela perda de alimentos prestados pela vítima CC Canto Santos, quantia acrescida de juros, à taxa legal, desde a data deste acórdão até integral pagamento; - condenar a Companhia de Seguros ..., S.A. a pagar à demandante AA a quantia de vinte e cinco mil euros (€25.000,00), correspondente à indemnização pelos danos não patrimoniais por ela sofridos em consequência da morte de CC Canto dos Santos, quantia acrescida de juros, à taxa legal, desde a data deste acórdão até integral pagamento; … - manter, no restante, a douta sentença recorrida» (o negrito é da nossa autoria) 1.3. Ainda não conformados, Demandada e Demandantes interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, pelo acórdão de 15.01.2004, fls. 801/815, considerando que o Tribunal da Relação havia omitido pronúncia sobre pontos da decisão sobre a matéria de facto impugnados pelas Demandantes (nºs 21 dos “Factos Provados” e nºs 3 e 4 dos “Factos Não Provados”), decidiu anular o acórdão recorrido nesse segmento e invalidá-lo integralmente, com o consequente prejuízo da apreciação das restantes questões por elas suscitadas e do julgamento do recurso da Demandada. E as conclusões, coerentemente com essa delimitação, só focam essas duas questões. 2.3. Apreciação/Fundamentação 2.3.1. Recurso da .... 2.3.1.1. Do alegado “lapso” contido no “parágrafo IV” do dispositivo do acórdão recorrido. A Demandada alega, como vimos, que, «certamente por manifesto lapso, consta da Parte Decisória do Douto Acórdão em recurso, no seu parágrafo IV, a condenação da demandada cível a pagar à demandante cível, a título de danos não patrimoniais sofridos pelo sinistrado falecido antes da sua morte e à perda do direito à vida, a quantia de 90.000,00 €; sucede que, a esse título, foi fixada pela 1ª Instância a quantia de 70.000,00 €, quantia esta que o Douto Tribunal “a quo” não alterou, tendo-se limitado a autonomizar, ou seja, a retirar desses 70.000,00€, os danos morais próprios das demandantes cíveis». Vejamos: As Demandantes atribuíram ao dano decorrente das dores, angústias e aflições sofridas pelo infeliz CC antes de falecer, o valor de €20,000,00 e ao dano pela perda do direito à vida o valor de €70.000,00 (cfr. artigos 77º e 86º do pedido civil, fls. 306 e relatório da sentença, fls.507). A 1ª Instância fixou em €20.000,00 a indemnização do dano pelo sofrimento vivido pela Vítima, acrescentando que o direito a essa indemnização, tendo nascido na sua esfera jurídica, se transmitiu à filha, a demandante BB (fls. 515 e 516). Quanto aos demais danos não patrimoniais peticionados – sofrimento das Demandantes e supressão do direito à vida do Telmo –, que entendeu não serem cumuláveis, considerou «equitativa a fixação da compensação pelo dano morte e pelo sofrimento vivenciado pelas demandantes, no montante de €70.000,00 (…) de que são solidariamente credoras» (fls. 516 e 517; sublinhado nosso). Tanto o acórdão do Tribunal da Relação que foi anulado como o agora em recurso, concedendo provimento a esse segmento do recurso das Demandantes e considerando «que se deve distinguir entre, por um lado, o dano pela perda do direito à vida de que era titular a vítima, sendo o direito de indemnização desse dano transmitido à demandante BB … e, por outro lado, os danos sofridos diretamente por cada uma das demandantes em consequência dessa morte, danos cuja indemnização cabe a cada uma delas por direito próprio», fixou em €70.000,00 a indemnização pelo primeiro. E, entendendo ser «algo escasso incluir nesse montante o dos danos directamente sofridos por cada uma das demandantes», fixou em €25.000,00 «o montante da indemnização devida, a este título, a cada um das demandantes» (fls.689 e 907, respectivamente). Quer dizer: os apontados €70.000,00 que, ao contrário do que alega a Demandada, nunca incluíram os «danos não patrimoniais sofridos pelo sinistrado» em vida – danos que, como vimos, a 1ª Instância autonomizou e fixou em €20.000,00 – passaram, por decisão do Tribunal da Relação, a referir-se apenas à indemnização pela perda do direito à vida. Por isso é que à demandante BB foi atribuída, como herdeira de seu falecido Pai, a quantia de €90.000,00 – «correspondentes à indemnização pelos danos não patrimoniais por este sofridos antes da sua morte [€20.000.00] e à perda do direito à vida deste [€70.000,00] …» – a que acresce a quantia de €25.000,00 «correspondente à indemnização pelos danos não patrimoniais por ela sofridos», como consta do 7º parágrafo do mesmo dispositivo. Não há, pois, qualquer lapso a corrigir … a não ser o próprio lapso da Recorrente/demandada. O recurso é, assim, nesta parte, manifestamente improcedente. 2.3.1.2. Do «erro na apreciação e valoração da prova» e da eliminação do nº 8 dos “Factos Provados” e suas consequências na responsabilidade pela produção do acidente Nos termos do artº 434º do CPP, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito. Por outro lado, nos termos do artº 682º, nº 2, do CPC2013, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação quanto à matéria de facto não pode ser alterada pelo Supremo Tribunal de Justiça, salvo no caso excepcional previsto no nº 3 do artº 674º que prescreve justamente que «o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova». Ora, a Recorrente não alega qualquer circunstância que possa autorizar o Supremo Tribunal de Justiça a sindicar a decisão sobre a matéria de facto e, pela nossa parte, não vemos que os factos julgados provados, ou algum deles, só o pudessem ter sido com base em determinado meio de prova que não se produziu ou que os meios de prova produzidos e relevados, ou algum deles, tenham força probatória que impusesse respostas diferentes das que foram dadas pelas instâncias. Assim, o recurso é, nesta parte, inadmissível. Consequentemente, não podendo ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, a culpa na produção do acidente, atribuída em exclusivo à conduta do Arguido, tem de ser agora confirmada. Vejamos agora se o nº 8 dos “Factos Provados”, que não pode ser eliminado por via do reexame da matéria de facto, o poderá ser pela consideração de que contém conclusões de direito. Trata-se de reiteração de questão já suscitada no recurso para o Tribunal da Relação que, nesta parte, lhe negou provimento, considerando que a Demandada «confunde a alusão a um facto do foro interno (a distração e desatenção, a consciência de determinado facto, ou falta dela) com conclusões ou conceitos jurídicos. À prova dos factos internos chega-se através de factos externos indiciários (como serão dados objetivos relativos à ocorrência do acidente e suas consequências, factos que, na douta sentença em apreço também constam do elenco dos factos provados). Mas nem por isso deixamos de estar perante factos e passamos a estar perante conceitos conclusivos ou jurídicos. Os factos em causa são, pura e simplesmente, a desatenção e distração perante o trânsito. Nada há a concretizar ou especificar para além disso (nem se compreende o que pretende a recorrente quando alude à necessidade de “enumerar concretamente” as desatenções e distrações em causa)». Sufragamos por inteiro esta consideração e a subsequente decisão, porquanto, também entendemos que a «desatenção» ou a «distracção» são conceitos do discurso social, sem referência a qualquer norma jurídica ou conceito de direito, e como tal, constituem matéria de facto, entendida esta como «o apuramento das ocorrências da vida real, dos eventos materiais e concretos, de quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, bem como do estado, qualidade ou situação real das pessoas e coisas» (sublinhamos), como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08.11.1995, citado por Teixeira de Sousa no seu “Estudos sobre o novo processo penal”, 422. Também nesta parte o recurso é, pois, manifestamente improcedente. 2.3.1.3. Do direito da demandante AA a alimentos. Nesta matéria, a Demandada remete-se para a fundamentação da decisão da 1ª Instância para concluir que a Demandante não tem esse direito. De facto, o Tribunal de Mirandela, a propósito da perda de rendimentos que o falecido Telmo auferiria durante a vida activa, depois de concluir que «não poderá ser reconhecido aos herdeiros do “de cuiús” o direito a virem exigir, nessa qualidade, a título de lucros cessantes, o correspondente ao rendimento que aquele deixou de auferir», considerou que «a sua posição [dos herdeiros] não se encontra totalmente desprovida de tutela», atento o disposto no artº 495º, nº 3, do CCivil. E, assim, prosseguiu, se, quanto à Demandante BB não existem dúvidas de que teria direito a alimentos, enquanto menor, já quanto à Demandante AA, considerando que nos arts. 2020º, nº 1, e 2009º,alíneas a) a d), do CCivil «não se estabelece qualquer direito a alimentos na vigência da união de facto, em termos análogos aos dos cônjuges», decidiu que «não poderá ser reconhecida qualquer pretensão indemnizatória a esta demandante, a título de perda de rendimento do CC, pois não poderia exigir-lhe alimentos, caso não tivesse ocorrido o seu falecimento» (cfr. fls. 512). Todavia, o Tribunal da Relação teve opinião diferente. Comungando embora do entendimento de que «não pode uma pessoa exigir alimentos de outra com quem vive (ou viveu) em união de facto, ao contrário do que se verifica entre pessoas casadas (ou que o foram)», atendeu, porém, ao disposto no artº 495º, nº 3, do Código Civil quando estabelece que, em caso de morte ou lesão corporal, têm direito a indemnização, além das pessoas que podiam exigir alimentos ao lesado, aquelas a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural. Ora, prossegue, depois de recordar o conceito de obrigação natural e o artº 402º do CCivil, «já desde tempos recuados (anteriores à progressiva equiparação de casamento e união de facto em relação a vários direitos e benefícios) se vem entendendo que a prestação de alimentos a pessoa com quem se vive em união de facto pode corresponder ao cumprimento de uma obrigação natural (ver, neste sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 3ª edição, 1980, Almedina, Coimbra, pg. 598). Na verdade, entre duas pessoas que vivem em união de facto, é natural que sejam repartidas tarefas e que aquele que eventualmente não trabalhe fora de casa (ou o faça com menor regularidade e auferindo menores rendimentos) se dedique predominantemente a tarefas domésticas e (se os houver) ao cuidado e educação dos filhos. A prestação desses alimentos é, inegavelmente, um dever moral que corresponde a um dever de justiça. Por outro lado, e embora o direito consagrado no referido artigo 2020º do Código Civil não se confunda com um direito a exigir alimentos à própria pessoa com quem se vive (ou viveu) em união de facto (trata-se, antes, de exigir esses alimentos da herança aberta por óbito dela), é certo que tal direito só se compreende porque a prestação de alimentos em vida dessa pessoa (embora não judicialmente exigível) normalmente corresponde a um dever de justiça». Assim, verificando, face à matéria de facto provada, que a Vítima efectivamente prestava alimentos à demandante AA, com quem vivia em união de facto, no cumprimento de uma obrigação natural, teve por «razoável considerar que a demandante AA continuaria a receber alimentos do seu companheiro se este não tivesse falecido, embora esses alimentos não cobrissem integralmente todas as despesas com a sua alimentação, habitação e vestuário (pois que também é previsível que no futuro ela viesse a obter rendimentos próprios). E atribuiu-lhe uma indemnização a esse título que fixou em €40.000,00. Pois bem. O nº 1 do artº 483º do CCivil estabelece, como princípio geral em matéria de responsabilidade por factos ilícitos, como é o caso em julgamento, o de que a indemnização pelos danos causados cabe ao lesado, ao titular do direito violado. Mas o artº 495º seguinte admite a indemnização por danos patrimoniais a favor de terceiros, no caso de morte ou de lesão corporal. O seu nº 3 – a norma que nos interessa considerar – prevê justamente que, nesse caso, têm direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural. O problema que o caso sub judice nos coloca é o de saber se este preceito – o nº 3 do artº 495º – abrange ou não as situações de união de facto, como a comprovadamente vivida pelo falecido CC e pela demandante AA. Como refere o acórdão deste Tribunal de 08-03-2012, Pº nº 26/09.PTEVR.E1.S1-3ª Secção, o disposto neste preceito cedo gerou controvérsia sobre se abrangia ou não essas situações. E, depois de um exaustivo levantamento da evolução do seu reconhecimento pelo ordenamento jurídico nacional e das posições da doutrina e da jurisprudência sobre o tema, concluiu que «o direito a indemnização do dano patrimonial futuro previsível de perda de alimentos por parte do membro sobrevivo de união de facto, dissolvida por falecimento de um dos membros, configurando obrigação natural, é indemnizável, nos termos do artigo 495º, nº 3, do CC», entendimento este muito recentemente reiterado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 07.05.2014, Pº nº 2575/07.4TBPNF.P3.S1-6ª Secção. De facto, sendo obrigação natural a que, nos termos do artº 402º do CCivil, se funda no dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento, embora não sendo judicialmente exigível, corresponde a um dever de justiça, cremos ser incontornável que, face à comunhão de vida entre a Vítima e a demandante AA, tal como espelhada nos nºs 13, 14 e 18 dos “Factos Provados” e ao contributo regular daquele para as despesas do casal, como nos dizem os nºs 20 e 21 seguintes, este contributo assenta, sem dúvida, no cumprimento de um dever daquela natureza. Consequentemente, o recurso é, nesta parte, improcedente. 2.3.1.4. Da indemnização das Demandantes «a título de danos morais próprios» Vimos, com a transcrição da conclusão 6, qual o teor da alegação da Demandada a este propósito. A motivação (fls. 936) não adianta qualquer outro fundamento da impugnação desta parte da decisão do Tribunal da Relação. E também vimos, quando nos debruçamos sobre o alegado lapso contido no “parágrafo IV” do dispositivo do acórdão recorrido (cfr. 2.3.1.1., supra) as razões por que o Tribunal da Relação autonomizou a indemnização em epígrafe e a fixou em €25.000,00 em benefício de cada uma das Demandantes. A Demandada, porém, não esgrime um único argumento contra a decisão recorrida. Limita-se, com efeito, a apelar para a decisão da 1ª Instância, que reputa ter andado bem. Só que, como se vê da fundamentação de fls. 516 e 517, o Tribunal de Mirandela, apesar de ter considerado que os danos decorrentes do sofrimento das Demandantes e da supressão do direito à vida do CC não eram cumuláveis, acabou por englobar no montante de €70.000,00 a compensação por uns e por outros, sem qualquer destrinça. Quer dizer, a Demandada limita-se a impugnar o montante deste segmento da indemnização e, por reflexo, também o relativo à perda do direito à vida, sem adiantar qualquer fundamento (aquele apelo para a boa decisão da 1ª Instância, nada acrescenta, como vimos). Como assim, o recurso cai, nesta parte, nas malhas da rejeição por falta de motivação, nos termos dos arts. 411º, nº 3, 414º, nº 2 e 420º, nº 1, alínea b), do CPP, sabido que a motivação é, nos termos do nº 2 do artº 412º do mesmo Código, a peça fundamental do recurso em que o recorrente tem de enunciar especificamente os fundamentos da sua divergência em relação à decisão impugnada. Sem prescindir. Se a 1ª Instância procedeu da forma que referimos, o Tribunal da Relação, distinguiu, e bem, entre as duas espécies de dano, diferentes uma da outra, e, usando naturalmente critérios de equidade (cfr. artº 496º, nº 4, do CCivil), fixou os primeiros em €25.000,00, para cada uma das Demandantes, e o segundo em €70.000,00, quantitativos estes que não conflituam com a jurisprudência corrente do Supremo Tribunal de Justiça, como se pode ver, quanto ao dano por morte, pelo decidido, entre outros, nos acórdãos de 19.04.2012, Pº, nº 569/10.1TBVNG.P.1.S1-2ª Secção, de 31.01.2012, Pº nº 875/05.7TBILH.C1.S1-6º Secção, de 12.07.2011, Pº nº 322/07.0TBARC.P1.S1-6ª Secção, de 23.02.2011, Pº nº 395/03.4GTSTB.L1.S1-3ª Secção, em que os montantes indemnizatórios fixados pela perda do direito à vida, para Vítimas com idades próximas da do CC, oscilam entre os €60.000,00 e os €80.000,00 e, quanto ao dano sofrido pelas Demandantes, pelos valores atribuídos nos acórdãos de 31.05.2011, Pº nº 2102/06.0TBAMT.P1.S1-2ª Secção, de 13.09.2011, Pº nº 218/07.5TBAVZ.C1.S1-6ª Secção e de 31.01.2012, Pº nº 875/05.7TBILH.V1.S1-6ª Secção (relativamente ao cônjuge) ou de 16.12.2012, Pº nº 165/09.6TBALD.C1.S1-2ª Secção e de 10.01.2012, Pº nº 4524/06.8TBBCL.L1.S1-6ª Secção (relativamente à filha)[2]. Ora, como já ensinava Manuel de Andrade (“Teoria Geral das Obrigações”, 3ª edição, 1966, 166 e segs.), embora o dano moral não possa ser pago (apagado) com dinheiro, pode, todavia, ser compensado. Possibilitando o dinheiro satisfações de vária ordem, deve dar-se ao ofendido, no caso de danos morais, uma quantia que se considere adequada a proporcionar-lhe alegrias ou satisfações que de algum modo contrabalancem as dores, pesares ou sofrimentos que o ofensor lhe tenha causado. Uma indemnização assim concebida será de cálculo difícil. Poderá mesmo dizer-se que nunca ela poderá ser computada com inteiro rigor e precisão e dependerá sempre, em larga medida, do prudente arbítrio do juiz. Mas, como vem sendo sublinhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, essa indemnização nunca se poderá reconduzir a um papel meramente simbólico, antes devendo representar uma adequada compensação, aferida segundo critérios de equidade. A jurisprudência vem, de resto, acentuado cada vez com mais insistência a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. A indemnização tem de ser significativa, o que não quer dizer que possa ser arbitrária. O legislador manda, como vimos, fixar a indemnização de acordo com a equidade, sem perder de vista as circunstâncias referidas no art. 494º – o que significa que o juiz deve procurar um justo grau de “compensação”» (cfr., entre outros, os Acórdãos de 11.02.09, Pº nº 3980/08-3ª, de 30.10.08, Pº nº 2989/08-2ª, de 18.12.2007, Pº nº 3751/07-2ª, de 06.11-2010, Pº nº 55/06.4PTFAR.E1.S1-3ª). Ora, se por um lado, a indemnização pela perda do direito á vida não deve variar em função das especiais qualidades ou aptidões da vítima, porque a dignidade da vida humana é única, por outro lado, nos casos em que, como aqui, a indemnização é fixada segundo a equidade, «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras de boa prudência, de senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida»[3]. E já vimos, pelo confronto com anteriores decisões, que não é esse o caso da decisão recorrida, relativamente a qualquer das espécies de dano que aqui se discutem. Consequentemente, se o recurso não tivesse de ser rejeitado nesta parte, sempre teria de ser julgado improcedente. 2.3.2. Recurso subordinado das Demandantes 2.3.2.1. Do montante indemnizatório pela perda de rendimentos 2.3.2.1.1. Relativamente ao montante indemnizatório que lhe foi atribuído a este título – €60.000,00, que o Tribunal da Relação confirmou – a demandante BB alega que o Tribunal, muito embora se tenha socorrido acertadamente dos normativos que determinam os pressupostos da fixação da indemnização a este título, falhou na hora de a quantificar, pois entende que, atenta a sua idade, deveria ter-lhe sido atribuída uma indemnização de €100.000,00 como, de resto, já havia pedido no recurso para a Relação. O acórdão recorrido considerou exagerado o montante peticionado, sobretudo porque «não eram muito elevadas as quantias habitualmente despendidas pela vítima com o sustento do seu agregado familiar (€350,00, acrescidos de €275,00 de renda de casa, sendo, além disso, o valor pago pela frequência do infantário pela demandante BB de €140,60, e também o facto de a demandante beneficiar do recebimento do capital de uma só vez (…)». Face a estes fundamentos, afigura-se-nos que se apurou a indemnização em função da situação actual, em que o sustento da Demandante, com 7 anos de idade, não importará grande dispêndio, olvidando, parece-nos, as suas necessidades futuras, necessariamente de maior custo, sendo certo que ela teria direito a exigir alimentos do pai pelo menos até aos 18 anos (cfr-arts. 1874º, 1878º, 1879 e 1880º, do CCivil). Porém, e por outro lado, sendo a medida dos alimentos devidos aos filhos, balizada pelos recursos dos pais, não é possível determinar como evoluiriam os rendimentos da Vítima. Deste modo, considerando ainda que a Demandante também é credora de alimentos por parte da mãe, consideramos ajustado o montante que lhe vem atribuído, por corresponder sensivelmente a uma prestação mensal de cerca de €400,00, durante 15 anos (<60.000,00x1,2:15:12). O recurso, improcede, pois, nesta parte. 2.3.2.1.2. Por sua vez, a demandante AA reclama €160,000,00 de indemnização por perda de alimentos, contra os €40.000,00 que lhe foram atribuídos pelo Tribunal da Relação. Invoca essencialmente os quantitativos com que o falecido companheiro comparticipava para as despesas do agregado familiar e a sua idade. O Tribunal da Relação fundamentou a sua decisão na seguinte ordem de considerações: «Do elenco dos factos provados consta que esta demandante, desde que passou a viver maritalmente com a falecida vítima trabalhou durante alguns meses num lar e, em 16 de janeiro de 2011, encontrava-se a frequentar um curso de formação profissional, auferindo o montante mensal de €400,00, a título de bolsa, acrescido da comparticipação com as despesas do infantário da outra demandante, sua filha. Não considerou a douta sentença recorrida provado que esta demandante nunca trabalhou desde que passou a viver com a falecida vítima. Consta da própria motivação que essa sentença se baseou, neste aspeto, no próprio depoimento desta demandante (e é, na verdade, isso que resulta desse depoimento, cuja gravação está junta aos autos) Destes factos pode concluir-se que a falecida vítima em grande parte (não totalmente) suportou (a título de prestação de alimentos e no cumprimento de um dever decorrente da natural divisão de tarefas entre duas pessoas que vivem em união de facto e têm uma filha comum) as despesas de alimentação, habitação e vestuário da demandante AA, sua companheira. O facto de esta frequentar um curso de formação profissional aquando da morte da vítima, auferindo uma bolsa de €400,00, acrescida de uma comparticipação com as despesas de infantário da sua filha, não anula que a prestação de alimentos continuasse mesmo nessa altura, dada a exiguidade do montante dessa bolsa e a provisoriedade da situação. É previsível que a prestação de alimentos por parte do companheiro da demandante continuasse no futuro, embora também seja previsível que a referida formação profissional venha permitir que a demandante possa auferir no futuro rendimentos decorrentes dessa formação (uma previsão certamente frágil, no atual contexto social e considerando o infeliz resultado de muitos cursos de formação profissional). Em conclusão, parece razoável considerar que a demandante AA AA continuaria a receber alimentos do seu companheiro se este não tivesse falecido, embora esses alimentos não cobrissem integralmente todas as despesas com a sua alimentação, habitação e vestuário (pois que também é previsível que no futuro ela viesse a obter rendimentos próprios). Mas não pode ignorar-se, também, que a união de facto, porque não implica os vínculos jurídicos do casamento, não oferece as garantias de estabilidade deste e poderia cessar a todo o tempo (cessando também o dever de alimentos, o que pode não suceder quando há vínculos conjugais). Este facto não pode ser ignorado, sendo certo que a existência de uma filha comum, e o facto de a convivência ter durado cerca de dez anos também são factores que não podem ser ignorados e permitem vaticinar uma maior estabilidade. Atendendo a estes factos e a todos os outros factores a considerar (a idade da falecida vítima e da demandante, o período de vida ativa previsível de um e outro, e o facto de esta beneficiar do recebimento do capital de uma só vez), entende-se adequado fixar o montante da indemnização devida à demandante AA, a título de perda de alimentos, em €40.000,00. A quantia reclamada pela demandante (de €200.000,00) afigura-se algo exagerada, desde logo porque não está demonstrado que a demandante nunca auferiria rendimentos próprios, mas considerando, também o montante habitualmente recebido pela demandante da vítima (não muito elevado) e o facto de ela beneficiar com o recebimento do capital de uma só vez» Pois bem. O artº 495º, nº 3 do CCivil apenas atribui ao companheiro do falecido o direito de indemnização do dano da perda de alimentos, cujo montante não pode naturalmente exceder, quer em valor quer na duração, a medida dos alimentos que o lesado teria sido obrigado a prestar, se fosse vivo[4]. Já vimos atrás os montantes com que o CC contribuía para as despesas do agregado familiar, que naturalmente não se destinavam apenas aos gastos próprios da Demandante. Por outro lado, como também já dissemos atrás, não é possível determinar como evoluiriam os rendimentos da Vítima e as próprias necessidades da Demandante. De qualquer modo, temos por exígua a indemnização arbitrada, mesmo em função dos valores actuais pois, ainda que esse capital, porque recebido de uma só vez, possa ser rentabilizado – com rendimento sempre exíguo, nos dias de hoje – o montante de €40.000,00 não corresponderá a mais de €400,00/mês, durante 10 anos, quando é certo que a despesa com a renda de casa se mantém e que recai sobre ela a obrigação de contribuir também monetariamente para o sustento da filha. Assim, considerando a idade da Vítima e a vaticinada estabilidade da sua união com a Demandante, temos por mais ajustado fixar a indemnização em causa em €60.000.00 (sessenta mil euros). Nesta parte, recurso procede, pois, parcialmente. 2.3.2.2. Da impugnação da dedução dos montantes pagos ao ISS. A sentença da 1ª Instância decidiu que aos montantes indemnizatórios atribuídos às Demandantes seriam deduzidos as importâncias que a Demandada fora condenada a pagar ao ISS – os montantes que pagou às Demandantes a título de subsídio por morte e pensão de sobrevivência (cfr. fls. 523, alínea c). No recurso para o Tribunal da Relação as Demandantes alegaram que «não lhe tendo sido atribuída indemnização para alimentos, também a demandante segurança Social não deve ser ressarcida das importâncias que a demandante AA dela recebeu para esse efeito, isto é, para sobrevivência» (cfr. conclusão 23, como transcrita a fls. 850 do acórdão recorrido). Isto é, a impugnação da dedução daquelas importâncias cingiu-se ao que o ISS pagou à Demandante AA e foi subordinada ao facto de não ter sido indemnizada por perda de alimentos. E assim é que o acórdão recorrido, tendo revogado a decisão da 1ª Instância e atribuído à demandante AA uma indemnização por esse dano, não se pronunciou sobre aquela alegação, naturalmente por a questão ter ficado prejudicada por essa decisão. E o certo é que, proferido o primeiro acórdão da Relação, a Demandante nada disse. Aliás, no recurso interposto desse acórdão (o que foi anulado), as Demandantes não suscitaram a questão (cfr. fls.751 e segs.) Agora, a impugnação da dedução estende-se às quantias que o ISS pagou às duas Demandantes. Trata-se evidentemente de questão nova não colocada nem decidida pelo Tribunal a quo. E, no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que foi proferida, ou seja, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada perante o tribunal recorrido ou sobre pedidos que nele não foram formulados, pois que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas[5]. Consequentemente, o recurso é, nesta parte rejeitado por não ser admissível – arts. 420º, nº 1, alínea b) e 414º, nº 2, do CPP.
3. Nestes termos, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em: 3.1. quanto ao recurso da demandada ...: 3.1.1. negar-lhe provimento na parte em que pugnava pela revogação da indemnização atribuída à demandante AA a título de perda de alimentos (nº 2.3.1.3., supra); 3.1.2. rejeitá-lo, na parte restante, por ser manifestamente improcedente ou não ser inadmissível (nºs 2.3.1.1., 2.3.1.2. e 2.3.1.4., supra); 3.2. quanto ao recurso das Demandantes AA Guedes e BB: 3.2.1. negar-lhe provimento na parte em que incide sobre a indemnização atribuída à demandante BB a título de alimentos (nº 2.3.2.1.1., supra); 3.2.2. conceder-lhe parcial provimento na parte em que incide sobre a indemnização atribuída à demandante AA a título de perda de alimentos e, em consequência (nº 2.3.2.1.2.., supra): 3.2.2.1. condenar a demandada ... a pagar-lhe, a esse título, a quantia de €60.000,00 (sessenta mil euros) e 3.2.2.2. revogar o acórdão recorrido neste segmento; 3.2.3. rejeitá-lo, na parte em que incide sobre a pretendida revogação das deduções dos montantes pagos ao ISS, por não ser admissível (nº 2.3.2.2., supra); 3.3. Confirmar, no mais, o acórdão recorrido. Custas pelas Recorrentes. a) A taxa de justiça a cargo da “...” é fixada em 8 (oito) UC’s, nos termos dos arts. 523º do CPP, 527º e 530º, do CPC2013 e 6º nº e do RCP e Tabela IB a ele anexa. Nos termos do nº 7 do referido artº 6º, dispensamos a Recorrente do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor da acção que excede os €275.000,00, considerando que, nos termos do nº 7 do artº 530º do CPC, o recurso não se mostra de especial complexidade. A Recorrente pagará ainda a quantia de 6 (seis) UC’s, nos termos do nº 3 do artº 420º do CPP; b) As Recorrentes/demandantes pagarão taxa de justiça que, em função do parcial provimento do seu recurso fixamos em 1/3 da taxa de 8 UC´s, nos termos daquelas mesmas disposições legais e com a dispensa também concedida à Demandada, porque também o seu recurso não se mostra de especial complexidade. As recorrentes AA e Mara pagarão ainda a quantia de 3 (três) UC’s, nos termos do nº 3 do artº 420º do CPP.
Lisboa, 03-12-2014 Processado e revisto pelo Relator -------------------
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