Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
673/13.4TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: DESPACHO SANEADOR
INTERESSE EM AGIR
EXCEÇÃO DILATÓRIA
CONHECIMENTO OFICIOSO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 05/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES.
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / DIREITO COLECTIVO / CONFLITOS COLECTIVOS DE TRABALHO / GREVE E PROIBIÇÃO DE LOCK-OUT / GREVE.
Doutrina:
-Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, anotado, Volume I, 3.ª Edição, reimpressão, Coimbra Editora, p. 21 e 22;
-Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, p. 179;
-Fernando Pereira Rodrigues, Noções Fundamentais de Processo Civil, 2017, Almedina, p. 63;
-Humberto Theodoro Júnior, Curso de Processo Civil, volume I, Forense, Rio de Janeiro, 1990, p. 59;
-Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos Notas ao Código de Processo Civil, 3.ª Edição, Revista e atualizada, volume I, Lisboa, 1999, p. 51;
-Jorge Augusto Paes de Amaral, Direito Processual Civil, 2013, 11.ª Edição, p.132;
-José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3.ª Edição, Coimbra Editora, p. 29 e 30;
-Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objeto e a Prova na Ação Declarativa, p. 97;
-Rita Lobo Xavier, Inês Folhadela e Gonçalo Andrade e Castro, Elementos de Direito Processual Civil, Teoria Geral dos Pressupostos, Universidade Católica Editora – Porto, 2014, p. 171.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 278.º, N.º 1, ALÍNEA E), 575.º, N.ºS 1 E 2, 577.º E 578.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 537.º E 538.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 16-09-2008, PROCESSO N.º 08A2210, IN WWW.DGSI.PT.;
-DE 06-09-2011, PROCESSO N.º 660/07.1XLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
-PROCESSO N.º 496/11.5TTMTS.P1.
Sumário :       
I) O despacho saneador que apenas enuncia, sem apreciar concretamente, os pressupostos processuais, não faz caso julgado e não obsta a que a questão venha numa fase subsequente, em sede de recurso, a ser fundadamente ponderada e decidida.

II) O interesse processual, apesar de a lei não lhe fazer referência, de forma direta, porque o Código de Processo Civil não o contempla como exceção dilatória nominada, continua a constituir um pressuposto processual relativo às partes.

III) Só se pode afirmar que há interesse processual quando a situação de incerteza, ou de dúvida, acerca da existência, ou não, de um direito ou de um facto, contra as quais o autor pretende reagir através da ação de simples apreciação, reunir objetividade e gravidade.

IV) A falta de interesse em agir constitui uma exceção dilatória, é de conhecimento oficioso e dá lugar à absolvição da instância.

V) Um Autor/Empregador que teve a oportunidade de pugnar pela ilicitude de um determinado modelo de greve, em sede de contestação, nas várias ações propostas contra ele, por vários trabalhadores a quem não pagou a remuneração relativa a alguns dias seguidos à greve, não tem interesse em agir em ação de simples apreciação negativa que intenta contra os Sindicatos que a decretaram, e na qual pede que seja declarado ilícito esse mesmo modelo de greve.                                                                                                                                                                                                                 
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 673/13.4TTLSB.L1.S1[1] (Revista) – 4ª Secção

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

           

            - Relatório[2]:

                

        A Autora “AA — AA, S.A. ("AA”)” instaurou, em 20.02.2013, na Comarca de Lisboa, no 5º Juízo, 2ª Secção, do Tribunal do Trabalho, a presente Ação Declarativa de Simples Apreciação, sob a forma de processo comum, contra “Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgicas, Químicas, Eléctricas, Farmacêutica, Celulose, Papel, Gráfica, Imprensa, Energia e Minas ("FIEQUIMETAL")” e “Sindicato da Indústria e do Comércio Petrolífero ("SICOP")”, peticionando que seja proferida sentença:
- Declarando ilícito o modelo adotado nas greves realizadas nas refinarias de Sines e Matosinhos, em abril de 2010, e em setembro e outubro de 2012, atenta a forma como as mesmas foram decretadas pelas RR. e postas em prática pelos trabalhadores a elas aderentes.

Alegou, em síntese, que tem legitimidade processual para propor esta ação dada a existência de um conflito atual, sério e concreto com os RR., derivado do modelo de greve por estes adotado nas Refinarias de Sines e de Matosinhos nos anos de 2010 e 2012, por haver uma incerteza objetiva e grave sobre a sua legalidade e por não se verificar a exceção da litispendência entre a presente ação e as outras ações propostas, contra si, pelos seus trabalhadores aderentes às greves, por causa de não lhes ter pago a retribuição referente aos dias em que as refinarias estiveram “sem lograr alcançar a atividade produtiva planeada”.

Alegou, ainda, que o modelo da greve convocada pelos réus, e executada pelos trabalhadores que a ela aderiram, nas refinarias de Sines e Matosinhos, nos dias 19, 20 e 21 de abril de 2010, 17, 18 e 19 de setembro e 18, 19, 20, 21 e 22 de outubro de 2012, é ilícito porque viola os princípios da proporcionalidade, boa-fé e sinalagma contratual e colide com outros bens e direitos constitucionalmente protegidos.

A Ré “FIEQUIMETAL” contestou a ação, pugnando pela licitude do modelo de greve e requereu a condenação da autora como litigante de má-fé.

Também, contestou o Réu “SICOP”, excecionando a litispendência e defendendo a licitude do modelo de greve.

A autora respondeu.

Proferiu-se despacho saneador tabelar, tendo-se apenas, em concreto, julgado improcedente a exceção de litispendência.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e, em 08.09.2014, foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente e que, consequentemente, não declarou ilícito o modelo de greve convocada pelos réus e executada pelos trabalhadores que a ela aderiram nas refinarias de Sines e Matosinhos, nos dias 19, 20 e 21 de abril de 2010, 17, 18 e 19 de setembro e 18, 19, 20, 21 e 22 de outubro de 2012.

Decidiu-se, também, inexistirem fundamentos para decretar a condenação da Autora como litigante de má-fé.

Como seu fundamento consta que “[t]endo os trabalhadores laborado no período subsequente ao período formal da greve, no seu local e horário de trabalho e no cumprimento de operações essenciais ao rearranque produtivo das refinarias, tarefas que fazem parte do seu descritivo funcional, cumpriu-se o sinalagma do contrato de trabalho referente à prestação laboral a cargo dos trabalhadores, que titula o correspondente direito à retribuição”.

Concluiu-se, assim, que “[o] modelo da greve convocada pelos réus e executada pelos trabalhadores que a ela aderiram nas refinarias de Sines e Matosinhos, nos dias 19, 20 e 21 de abril de 2010, 17, 18 e 19 de setembro e 18, 19, 20, 21 e 22 de outubro de 2012, não viola os princípios da proporcionalidade, do contrato e da boa-fé e não colide com outros bens e direitos constitucionalmente protegidos, designadamente, os direitos à integridade física, à iniciativa económica privada e ao ambiente e qualidade de vida”.

II

            Inconformada com esta decisão, a Autora “AA” dela interpôs recurso de apelação, impugnando a decisão da 1.ª instância quanto à matéria de facto, ínsita nos pontos 60º, 63º, 68º, 69º e 70º dos factos provados e 6º dos dados como não assentes, e pugnando pela ilicitude do modelo de greve convocado pelos RR.

Terminou a sua alegação e conclusões pedindo que a sentença recorrida fosse revogada em virtude de ter adotado “[…] uma interpretação normativa dos artigos 530º, 536º, 537º, n.º 3, 538º, 539º e 541º, todos do Código do Trabalho[3], que consente que o direito à greve possa afetar, de modo excessivo e desproporcionado outros direitos constitucionalmente protegidos, designadamente os direitos ínsitos nos artigos 25º, 61º e 66º, estes da Constituição da República Portuguesa[4], o que, “in casu”, acabou por, efetivamente, suceder”.

            Por acórdão de 28 de junho de 2017, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foram eliminados os pontos 60º e 63º da matéria de facto assente, e, com um voto de vencido[5], julgou-se a apelação procedente e, em consequência, revogou-se a decisão recorrida, declarando-se ilícito o modelo adotado nas greves realizadas nas refinarias de Sines e Matosinhos, em Abril de 2010 e em Setembro e Outubro de 2012, por não permitirem o cumprimento do disposto no n.º 3, do artigo 537º do CT.

III

            Inconformados com o acórdão ficaram, agora, os RR. “SICOP” e “FIEQUIMETAL” que dele interpuseram recurso de revista, concluindo a respetiva alegação da seguinte forma:

            Recurso do “SICOP”:


A. O presente recurso vem interposto do douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) que decidiu, revogando a decisão proferida na 1ª Instância, declarar ilícito o modelo de greve adotado nas greves realizadas nas refinarias de Sines e de Matosinhos da Autora, em abril de 2010 e em setembro e outubro de 2012, por não permitirem o cumprimento do disposto no n.º 3, do artigo 537º, do CT.
B. No entender do TRL, a paralisação das refinarias decorrentes daquelas greves acarreta riscos acrescidos para a segurança e manutenção dos equipamentos e instalações, do meio ambiente e das pessoas, bastando que esses riscos sejam potenciais para se entender que o modelo de greve então utilizado não cumpre a obrigação que recai sobre os trabalhadores de garantir os serviços necessários à segurança e manutenção e equipamentos e instalações, prevista naquele n.º 3, do artigo 537º.
C. Para o Acórdão recorrido tais serviços terão de ser os "mínimos técnicos", pretendidos pela Autora, situação em que os equipamentos se mantêm ligados e em funcionamento, por estes mínimos técnicos minimizarem os riscos de ocorrência de acidentes e avarias nos mesmos.
D. Salvo o devido respeito, tal tese é incompatível com o disposto nos artigos 57º e 18º, da CRP, e faz uma incorreta aplicação dos artigos 530º, 531º, 537º e 538º, do CT.
E. Com efeito, o direito à greve é um direito fundamental garantido aos trabalhadores pelo artigo 57º, da CRP.
F. Embora direito fundamental, não é um direito absoluto, pelo que existindo a possibilidade de confronto ou colisão entre o direito de greve e outros direitos fundamentais, esse direito pode sofrer alguma sorte de restrição nas situações definidas por lei e com observância de determinados limites, como dispõe o artigo 18º da CRP.
G. A lei, no artigo 537º, do CT, em sintonia com a CRP, permite que o direito de greve sofra limitação desde que estejam em causa, como é o caso dos autos, empresas ou estabelecimentos cujas atividades se desenvolvam em sectores vitais da vida em sociedade, que digam a bens constitucionais coletivos.
H. Mas, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, “in Obra citada, pág. 757 e 353”, as medidas definidoras dos serviços mínimos e dos serviços necessários à segurança e manutenção dos equipamentos e instalações, consubstanciando medidas restritivas do direito de greve devem pautar-se pelos princípios da necessidade, da adequação e proporcionalidade. O que significa que as mesmas devem situar-se numa "justa medida" impedindo-se a adoção de medidas desproporcionadas e excessivas em relação aos fins obtidos, sendo que, sempre, existe um limite absoluto a essas consentidas restrições que é o conteúdo essencial do respetivo direito, não podendo a definição dos serviços mínimos e dos serviços necessários à segurança e manutenção dos equipamentos e instalações, traduzir-se na anulação do direito de greve, ou reduzir substancialmente a sua eficácia, mas sim evitar prejuízos externos e injustificados, comprimindo-o por via do recurso à figura de conflito de direitos - cf. Ac. RL de 25/05/2011 (Desembargadora Albertina Pereira), www.dgsi.pt.\
I. Assim, não é possível afirmar que a greve deve ser proporcionada - limite que aliás não se mostra em lado algum da Constituição ou da lei - mas sim - por respeito aos outros direitos constitucionalmente protegidos - que não deve ser excessivamente desproporcionada e, por isso, existem legalmente serviços mínimos e a obrigação de assegurar os serviços necessários à segurança de equipamentos e instalações. E em relação a estes expressamente encontramos uma obrigação de proporcionalidade - artigo 538º, n.º 5 do CT - de par com a necessidade e adequação, de modo a que não se perca a eficácia da própria greve.
J. Porém, salvo o devido respeito, entendemos que, tal como ficou exarado no voto de vencido da Exma. Senhora Juíza Desembargadora, "os riscos invocados pela recorrente, ponderados é certo, atendendo à atividade desenvolvida, não são de molde a pôr em causa o exercício do direito de greve, atenta a sua configuração constitucional.".
K. Entre o mais, mostra-se provado nos autos que,
i) Não houve consenso entre as associações sindicais e a Autora relativamente à fixação de serviços mínimos que, igualmente, não foram fixados administrativamente, tendo-se os sindicatos comprometido a assegurar a segurança e manutenção dos equipamentos e instalações, nos termos do artigo 537º, n.º 3, do CT.
ii) As refinarias de Sines e de Matosinhos da Recorrida são empresas de laboração contínua, cuja complexidade técnica impede que os trabalhadores adotem uma forma de greve em que simplesmente eles não compareçam ao trabalho. Os trabalhadores têm de se assegurar que alguns deles continuam a manter os equipamentos em funcionamento, mesmo sem produção, ou que alguns deles cumprem as guides lines de paragem total dos equipamentos, o que têm de fazer em função da prevenção de riscos de segurança e de ambiente.
iii) E, durante o período de greve os trabalhadores estiveram nos seus locais de trabalho a desligar as máquinas segundo os procedimentos e a assegurar as condições de segurança da paragem e dos equipamentos.
L. Os autos não demonstram factualmente a ocorrência de quaisquer prejuízos ambientais nem de segurança - e nesse sentido, as paragens das refinarias de Sines e de Matosinhos de acordo com os procedimentos instituídos pela Autora (guide lines) - artigo 61º dos factos provados - tendo os trabalhadores durante os períodos de greve, estado nos seus locais de trabalho a desligar as máquinas segundo os procedimentos e a assegurar as condições de segurança da paragem e dos equipamentos - artigos 62º, 64º, 65º, 67º e 68º dos factos provados - foi a condição, cumprida, pela qual foram assegurados, com as greves realizadas nos termos concretos em que o foram, os interesses constitucionalmente protegidos à integridade física e ao ambiente e qualidade de vida.
M. Com o devido respeito, julgamos não ser adequado, neste contexto, exacerbar os "potenciais" riscos do perigo da greve para as pessoas, equipamento e instalações da empresa decorrentes do processo de paragem das refinarias porquanto, não só desde o início as associações sindicais se prontificaram a salvaguardar tais riscos, como de facto cumpriram - de modo responsável e eficiente - os procedimentos instituídos tendentes à paragem com segurança.
N. Ademais, estes riscos não [são] substancialmente diferentes dos registados aquando das paragens calculadas e programadas por iniciativa da Autora com vista à manutenção dos equipamentos e instalações, e assim da sua produtividade económica, e nem por isso estas operações deixam de ser realizadas.
O. Neste contexto, tendo os trabalhadores assegurado durante o período de greve e nos processos de paragem e rearranque das refinarias, os serviços mínimos e os serviços necessários à segurança e manutenção dos equipamentos e instalações, o que fizeram de modo correto, eficiente e responsável, observando os procedimentos instituídos pela autora (guide line) e não tendo existido acidentes pessoais e ambientais, afigura-se que o exercício do direito de greve pelos grevistas não foi abusivo e não foi contrário à boa-fé, aos bons costumes e ao seu destino social e económico, não implicando qualquer prejuízo desmesurado aos direitos fundamentais de terceiros, previstos nos artigos 24º, 25º e 66º, da CRP.
P. E, tendo os grevistas exercido o direito à greve nos termos anteriormente explicitados, não estavam obrigados a assegurar os mínimos técnicos pretendidos pela autora.
De facto, não sendo estes mínimos técnicos normativamente reconduzíveis ao conceito legal de serviços mínimos, as associações sindicais não estavam obrigadas a vincular-se ao modo como a autora unilateralmente pretendia que a greve decorresse.
A ser assim, tal consubstanciaria claramente uma nova restrição ao direito de greve, sem enquadramento no citado artigo 537º, nºs 1 e 3, do CT.
Q. O douto Acórdão recorrido, decidindo e bem, que não estamos perante uma greve de maior prejuízo, acolhe contudo a pretensão da Autora de a greve dever ser realizada com cumprimento dos "mínimos técnicos", ao colocar o ênfase nos potenciais riscos advenientes da paralisação da atividade, potencialidade que, reitera-se, igualmente advém da paralisação decorrente das paragens programadas, necessárias para a normal prossecução da atividade económica da Autora, o que, no limite, leva a considerar que, para o Acórdão recorrido, o direito à iniciativa económica se sobrepõe quer ao direito à greve, quer ao direito à vida, à integridade física e ao ambiente e qualidade de vida, previstos nos artigos 24º, 25º e 26º, da CRP.
R. Porém, as restrições legais impostas ao direito de greve com vista à salvaguarda de outros direitos com idêntica dignidade constitucional, não devem ter como objetivo assegurar o funcionamento próximo do normal ou diminuído da empresa, mas apenas o seu funcionamento mínimo.
S. A proceder a tese plasmada no Acórdão recorrido, o modo de exercício do direito de greve passaria a ser determinado pela vontade da empresa e não pelas associações representativas dos trabalhadores, como determinam os artigos 530º e 531º, do CT.
T. O entendimento adotado no Acórdão recorrido retira ao exercício do direito de greve a sua eficácia, a sua potencialidade enquanto meio de negociação, o que é no fundo a sua essência.
U. A aceitar-se tal tese, estar-se-ia a permitir a frustração ou o esvaziamento do direito à greve constitucionalmente garantido; os trabalhadores da Autora e de empresas similares não seriam mais senhores de definir o âmbito da greve e do seu exercício - que por força da consagração constitucional e da própria noção de greve lhes compete -, estariam obrigados a mais do que os serviços mínimos, estariam obrigados a uma forma específica de greve, determinada pelas entidades patronais, e não pelas associações sindicais como determinam os artigos 530º e 531º do CT, forma específica de greve que, em última análise, lhes enfraqueceria decisivamente o poder negocial realizado através da greve.
V. Por tudo o acima exposto, impõe-se concluir que o Acórdão de que ora se recorre viola o disposto nos artigos 57º e 18º da CRP, e fez uma incorreta aplicação dos preceitos legais atinentes, nomeadamente, os artigos 530º, 531º, 537º, n.º 3, e 538º, n.º 5, do CT, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02, devendo, em consequência, o mesmo ser revogado e substituído por outro que, tal como na exemplar Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, considere que o modelo de greve convocada pelos réus e executada pelos trabalhadores que a ela aderiram nas refinarias de Sines e Matosinhos, nos dias 19, 20 e 21 de abril de 2010, 17, 18 e 19 de setembro e 18, 19, 20, 21, e 22 de outubro de 2012, é lícito e não viola os princípios da proporcionalidade, do contrato e da boa-fé e não colide com outros bens e direitos constitucionalmente protegidos, designadamente, os direitos à vida, à integridade física e ao ambiente e qualidade de vida, previstos nos artigos 24º, 25º e 66º da CRP.”

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                 Do recurso da “FIEQUIMETAL”:


A. O Tribunal “a quo” decide que o modelo de greve então utilizado pelos trabalhadores da ora recorrida não PERMITEM CUMPRIR O DISPOSTO NO ARTIGO 537º, N.º 3, DO CT.
B. Salvo o devido respeito, tal decisão infundamentada contém em si uma clara violação do Direito à greve, consignado no artigo 57/2º, da CRP. e no artigo 530º, do CT.
C. Carecendo de todo e qualquer fundamento tal asserção.
D. Como decorre do voto de vencido ínsito no Acórdão ora recorrido que se acompanha na íntegra.
E. Concorrendo também para tal posição o vertido no Douto ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO, proferido no proc. n.º 496/11.5TTMTS.P1 em que se aprecia esta mesma matéria, sendo a aqui Recorrida parte naqueles autos e versando sobre idêntica questão de Direito, que sufraga a sentença então recorrida.
F. Dizer ainda que a aqui recorrida e os trabalhadores grevistas cumpriram a lei ordinária, implementando e cumprindo os serviços mínimos, tal como consta dos pré-avisos de greve legalmente publicitados, e que constam dos autos.
G. Não foi decretada a observação de quaisquer tipos de serviços mínimos, por via do estabelecido no artigo 538º, n.º 4, do CT.
H. O que concorre também para conferir argumentos que dão por suficientes os serviços mínimos então elencados pela aqui recorrida.
I. A sentença da primeira instância apreciou devidamente a prova produzida em sede de julgamento e subsumiu os factos provados ao Direito.
J. Aliás, tal vem sendo, e sempre que esta de questão de Direito é suscitada pela Recorrente nas várias instâncias, decisão unânime.
K. As greves ocorridas em 2010 e 2012, nas refinarias da Recorrente em Sines e Matosinhos, foram legal e legitimamente convocadas e levadas à prática.
L. Nunca esteve em causa qualquer potencial risco introduzido pela paragem em período de greve,
M. Que no ver do Acórdão ora recorrido será bastante para a violação grosseira do Direito à greve,
N. Por absurdo sempre se dirá que a atividade produtiva exercida pela Recorrida é ela própria um enorme risco, não sendo por isso argumento bastante para que a mesma não seja exercida em Portugal e por esse mundo fora.
O. Será assim uma mera falácia tal argumento que serviu tão só para estribar indevidamente a decisão aqui posta em crise, absurdamente pugnando ao arrepio da doutrina de Gomes Canotilho e Vital Moreira, “in Constituição da República Portuguesa, Anotada, Vol. I, 4ª edição revista, pág. 757 e 353”, as medidas definidoras dos serviços mínimos e dos serviços necessários à segurança e manutenção dos equipamentos e instalações, consubstanciando medidas restritivas do direito de greve devem pautar-se pelos princípios da necessidade, da adequação e proporcionalidade. O que significa que as mesmas devem situar-se numa "justa medida" impedindo-se a adoção de medidas desproporcionadas e excessivas em relação aos fins obtidos, sendo que, sempre, existe um limite absoluto a essas consentidas restrições que é o conteúdo essencial do respetivo direito, não podendo a definição dos serviços mínimos e dos serviços necessários à segurança e manutenção dos equipamentos e instalações, traduzir-se na acumulação do direito de greve, ou reduzir substancialmente a sua eficácia, mas sim evitar prejuízo externos e injustificados.
P. Ora a decisão recorrida faz exatamente a defesa, estribando-se num suposto risco hipotético, da redução substancial da eficácia do Direito à greve,
Q. Esmagando-o muito para além do constitucionalmente admissível, em violação do artigo 57º da CRP.
R. Olvidando que as refinarias de Sines e de Matosinhos da Recorrida são empresas de laboração contínua, cuja complexidade técnica impede que os trabalhadores adotem uma forma de greve em que simplesmente eles não compareceram ao trabalho. Os trabalhadores têm de se assegurar que alguns deles continuaram a manter os equipamentos em funcionamento, mesmo sem produção, ou que alguns dele cumprem as guides lines de paragem total dos equipamentos, o que têm de fazer em função da prevenção de riscos de segurança e de ambiente.
S. Tal como ficou provado e assente na prova produzida em julgamento.
T. E, desde o início as associações sindicais se prontificaram a salvaguardar tais riscos, como de facto cumpriram - de modo responsável e eficiente - os procedimentos instituídos tendentes à paragem com segurança.
U. Os autos não demonstram factualmente a ocorrência de quaisquer prejuízos ambientais nem de segurança - e nesse sentido, as paragens das refinarias de Sines e de Matosinhos de acordo com os procedimentos instituídos pela Autora (guide lines) – artigo 61º - tendo os trabalhadores durante os períodos de greve, estado nos seus locais de trabalho a desligar as máquinas segundo os procedimentos e a assegurar as condições de segurança da paragem e dos equipamentos – artigos 62º, 64º, 65º, 67º e 68º - foi a condição, cumprida, pela qual foram assegurados, com as greves realizadas nos termos em que o foram, os interesses constitucionalmente protegidos à integridade física e ao ambiente e qualidade de vida, previstos nos artigos 24º e 26º, da CRP.
V. A posição acolhida na Acórdão recorrido para além de violar o texto constitucional, “de per si”, admite de forma clara uma outra manifesta inconstitucionalidade, por violação dos artigos 18º e 57º, da CRP, e ilegalidade, já que o exercício do Direito à greve não pode ser limitado por vontade de entidades privadas.

Termina dizendo que o recurso deve proceder e, em consequência, revogar-se o acórdão recorrido e manter-se a decisão da primeira instância.

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           A Autora “AA” respondeu aos dois recursos, apresentando duas contra-alegações.

            Concluiu em ambas as contra-alegações dizendo o seguinte[6]:

           


A. Em face da perigosidade inerente aos complexos industriais em que é desenvolvida a atividade de refinação a que se dedica a A. e ora Recorrida, em caso de greve é necessário que os trabalhadores aderentes à mesma satisfaçam não só os serviços mínimos destinados à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, como também os serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, previstos no artigo 537º, n.º 3, do Cód. do Trabalho, os quais implicam, necessariamente, uma compressão, na estrita medida do necessário, do direito à greve, a qual dever-se-á guiar pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, a que expressamente alude o artigo 538º, n.º 5, do Cód. do Trabalho.
B. Resulta dos factos exarados nos pontos 14 a 19 da decisão sobre a matéria de facto que as manobras de paragem e rearranque das refinarias de Sines e Matosinhos aumentam os riscos de ocorrência de acidentes e de avarias em equipamentos, os quais são potenciados quando a paragem é realizada em contexto de greve, na medida em que os níveis de tensão de todos os intervenientes, em especial dos trabalhadores, se encontram em patamares superiores aos normais, potenciando, ainda mais, as probabilidades de ocorrência de acidentes e avarias por falhas humanas ou técnicas.
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Resulta, pois, infirmada a asserção do R. SICOP, de que os riscos decorrentes de uma paragem das refinarias no âmbito de uma greve são idênticos aos subjacentes a uma paragem antecipadamente programada e planeada pela A., e ora Recorrida, sendo certo que estas, como bem se frisa no acórdão recorrido, pese embora "não deixem de envolver os riscos acima salientados, são inevitáveis, pois visam a manutenção dos equipamentos e instalações, sendo que a sua não realização acarretaria, seguramente, outros ainda mais graves e poria em causa o funcionamento das refinarias[7]."


C. O exercício do direito à greve, através da paragem não programada e subsequente rearranque das refinarias, acarreta riscos acrescidos para a segurança dos trabalhadores, das populações residentes nas áreas circundantes das refinarias de Sines e Matosinhos, das próprias instalações/equipamentos de ambos os complexos industriais, bem como do meio ambiente, os quais, como decorre, de forma clara, dos artigos 22.º a 25.º dos factos provados, resultam minimizados na situação de "mínimos técnicos", em que os equipamentos e unidades produtivas se mantêm ligados e em funcionamento, no menor do seu regime técnico operacional.
O exercício do direito à greve deve ser um ato de autotutela responsável, não sendo admissível que as estruturas sindicais e, concomitantemente, os trabalhadores aderentes coloquem, de forma consciente, em perigo a vida dos próprios, dos colegas e dos moradores nas imediações das refinarias, bem como o meio ambiente e as instalações da empresa, quando dispõem de uma alternativa - os «mínimos técnicos» - que minimiza o risco de ocorrência de acidentes e avarias e permite assegurar, “in totum”, os serviços de segurança e manutenção dos equipamentos e instalações, cumprindo, assim, com o disposto no artigo 537º, n.º 3, do Cód. do Trabalho.


D. Do recurso ao modelo de «mínimos técnicos» não resulta a anulação do direito à greve, nem uma compressão do mesmo para além do razoável, dado que, ainda assim, a A. ora Recorrida, para além de ver a sua atividade e organização perturbada, sempre sofrerá avultados prejuízos económicos decorrentes da suspensão da atividade produtiva planeada, circunstância que é apta a gerar no empregador disponibilidade para dialogar sobre o conflito laboral subjacente à greve, pelo que também este argumento aduzido pelo R. “SICOP”/pela R. ”FIEQUIMETAL” terá de improceder[8].
E. A circunstância de não terem ocorrido acidentes no âmbito das greves realizadas nas refinarias de Sines e Matosinhos em abril de 2010 e setembro e outubro de 2012 afigura-se irrelevante. Com efeito, não visando o artigo 537º, n.º 3, do Cód. do Trabalho, acautelar «rasgos de fortuna», o facto de o comportamento das RR. potenciar o risco de ocorrência de acidentes, avarias ou falhas técnicas é mais do que suficiente para se concluir, como bem fez o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que o modelo de greve em análise nos presentes autos se afigura ilícito, por não se mostrar conforme com o mencionado preceito legal.
F. O facto de os trabalhadores terem estado nos seus locais de trabalho a desligar as máquinas/equipamentos em obediências às guide lines vigentes não abala tal entendimento na medida em que tal constitui uma “conditio sine qua non” para evitar a ocorrência de acidentes. Também não releva que as RR. tenham, alegadamente, cumprido a "promessa" de "salvaguardarem os riscos" subjacentes ao modelo de greve que resolveram adotar, até porque tal poderá ficado a dever-se não ao correto manuseamento dos equipamentos durante o processo de paragem, como se sustenta nas alegações sob resposta, mas também seguramente a um «momento de sorte» que, no futuro, poderá não ocorrer.
Por tudo o acima exposto, impõe-se concluir que o Tribunal da Relação de Lisboa não exacerbou os riscos decorrentes do modelo de greve adaptado pelas RR., antes tendo efetuado uma análise cuidada/ponderada dos mesmos, tendo concluído, de forma acertada, que os serviços previstos no art.º 537.º, n.º 3, do Cód. do Trabalho, "terão que ser aqueles que minimizem os riscos de ocorrência de acidentes e avarias nos mesmos, como acontece na situação de ''mínimos técnicos'; em que os equipamentos se mantêm ligados e em funcionamento".
G. O acórdão recorrido efetuou uma correta conciliação entre o direito à greve, que não é absoluto, e os direitos à vida, à integridade física e ao ambiente e qualidade de vida, todos consagrados na Lei Fundamental, não podendo deixar de se concordar com o Tribunal da Relação de Lisboa quando decide que "sempre se deveria revelar desconforme com os aludidos preceitos constitucionais [artigos 24.º, 25.º e 66.º da CRP] uma interpretação normativa dos artigos 530º e 537º, nº 3, do CT, que considerasse lícita uma greve realizada com recurso a um modelo de serviços mínimos “latu sensu”, que crie uma perigosidade acrescida para as pessoas, incluindo os próprios trabalhadores da Autora, equipamento e instalações do estabelecimento da empresa em que é realizada e, bem assim, para o meio ambiente e para as populações residentes nas imediações das refinarias".
H. O argumento aventado pelo R. SICOP, de que a proceder o entendimento sufragado no acórdão recorrido os trabalhadores deixarão de ser "senhores da greve" evidencia, de forma muito clara, que permitir que sejam as associações sindicais a definir/escolher livremente a forma como deverão ser assegurados os serviços mínimos e/ou os serviços destinados a assegurar a segurança das instalações e equipamentos coloca os interesses de terceiros prejudicados com a greve numa situação de grande vulnerabilidade, tanto mais se a greve estiver a ser executada no âmbito de um sector destinado à satisfação de necessidades sociais impreteríveis[9].
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H. Os presentes autos evidenciam que, permitir que sejam as associações sindicais a definir/escolher livremente a forma como deverão ser assegurados os serviços mínimos elou os serviços destinados a assegurar a segurança das instalações e equipamentos coloca os interesses de terceiros prejudicados com a greve numa situação de grande vulnerabilidade, tanto mais se a greve estiver a ser executada no âmbito de um sector destinado à satisfação de necessidades sociais impreteríveis[10].

No entender da A. e ora Recorrida, uma interpretação dos artigos 537º, n.ºs 1, 3 e 4, e 538º, n.º 5, do Cód. do Trabalho que atribui aos promotores de uma greve, realizada no âmbito de um sector destinado à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a definição do nível, conteúdo e extensão dos serviços mínimos indispensáveis à comunidade e, bem assim, à segurança e manutenção dos equipamento e instalações, viola o disposto nos artigos 57º, n.º 3, e 18º, n.º 2, da CRP, na medida em que faz perigar a defesa dos direitos fundamentais e a proteção dos interesses de terceiros que, pela sua relevância, se devem sobrepor ao direito à greve.

I. Face a tudo o acima exposto, nenhuma censura merece a decisão tomada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de declarar ilícito o modelo adotado pelas RR. nas greves realizadas nas refinarias de Sines e Matosinhos em abril de 2010 e em setembro em outubro de 2012, mostrando-se a interpretação dos artigos 530º, 531º, 537º, n.º 3. e 538º, n.º 5, do Cód. do Trabalho efeituada pelos Venerandos Desembargadores correta e em estrita conformidade com o disposto nos artigos 18º, 24º, 25º, 57º e 66º da Lei Fundamental, devendo, em consequência o acórdão recorrido ser integralmente mantido pelo Supremo Tribunal de Justiça.”

Termina em ambas as respostas pedindo que as duas revistas sejam julgadas improcedentes.

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Parecer do Ministério Público:

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Supremo Tribunal de Justiça emitiu “parecer, nos termos do artigo 87º, n.º 3, do CPT, levantando a “Questão Prévia”, da falta de interesse em agir da Autora.

           Refere que não fazendo o despacho saneador tabelar, relativamente aos pressupostos processuais (nele genericamente) enunciados, caso julgado formal, e que “a exigência do interesse processual, do interesse em agir, pressuposto processual relativo às partes”, sendo, de acordo com o disposto no artigo 578º, do CPC, do conhecimento oficioso, e configurando, a sua falta, uma exceção dilatória, uma vez assegurado o contraditório, deve declarar-se a absolvição dos RR. da instância.

            Para o efeito, assinala que se destinando as ações declarativas de simples apreciação negativa “[a] a obter a declaração da existência ou inexistência de um facto [(…) artigo 10º, n.ºs 2 e 3, alínea a), do CPC], a dissipar um estado de incerteza séria, juridicamente relevante, acerca de um direito ou de um facto, tem-se entendido que não basta qualquer situação objetiva de dúvida ou incerteza acerca da existência do direito ou do facto para que haja interesse processual na ação. Por isso se tem sustentado que nas ações de simples apreciação a incerteza contra a qual o autor pretende reagir deve ser objetiva e grave, de molde a justificar a intervenção judicial, sem o que não existe interesse em agir”.

           Ora, no caso em apreço, o pedido e pretensão da Autora/recorrida de que seja "declarado ilícito o exercício da greve, nos moldes em que a mesma vem sendo convocada pelos RR. e posteriormente executada pelos trabalhadores aderentes" não radica em qualquer interesse atual: as greves em causa foram convocadas e levadas a cabo em abril de 2010, setembro e outubro de 2012, e a ação foi proposta em (20) fevereiro de 2013. Trata-se de greves passadas, uma delas há cerca de três anos à data da propositura da ação, não se sabendo nem se, nem quando, nem como, se sucederá nova greve, e muito menos se o "modelo" que virá a ser adotado será idêntico ao "modelo" das greves em causa, tanto mais que existem, e nada garante que não sejam utilizados, mecanismos administrativos e de natureza arbitral para ultrapassar diferendos nesta matéria. O que está em causa não é mais do que uma situação meramente eventual, um interesse meramente hipotético e potencial e não atual.

Por outro lado, segundo resulta da petição inicial, inexiste qualquer situação de dúvida ou incerteza relativamente ao direito/facto que a Autora pretende ver reconhecido e declarado: a Autora não tem qualquer dúvida sobre a ilicitude da greve, tanto assim, que, como afirma, respaldada em pareceres jurídicos que assim concluíram […], decidiu não pagar aos trabalhadores aderentes à(s) greve(s) (concretamente à greve de 2010 a que se referem as 84 ações pendentes mencionadas pela Autora), além da retribuição referente aos dias de greve, também a retribuição referente aos dias "em que as refinarias estiveram sem lograr alcançar a atividade produtiva planeada", o que determinou, por banda dos visados, o recurso aos meio judiciais competentes, com a propositura de ações contra a Autora/recorrida, ações essas nas quais a Autora teve oportunidade de pugnar pela sua posição e interpretação que tem por correta.

O que significa, e demonstra, que a suposta situação de dúvida ou incerteza ou ameaça de um direito que legitima o recurso a este tipo de ações, não foi criada por qualquer atuação dos Réus/recorrentes ou dos seus associados, mas foi devida e é imputável, única e exclusivamente, a atuação da própria Autora, falecendo, também por isso, o interesse em agir da mesma.”

Quanto ao mérito dos recursos, emitiu parecer no sentido da sua procedência e, consequentemente, da revogação do acórdão recorrido e da repristinação da sentença da 1ª instância.

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                   A Autora “AA” apresentou resposta ao “parecer” em causa e, relativamente à invocada falta em agir, aduz o seguinte:

   […]

II. Da alegada falta de interesse em agir:

 
5. Após tecer diversas considerações sobre o fito e escopo das ações de simples apreciação, em particular as de simples apreciação negativa, e sobre o pressuposto processual de interesse em agir, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta aduz que, a seu ver, o pedido/pretensão da A, de declaração da ilicitude do modelo de greve posto em prática pelas RR. nas greves realizadas nas refinarias de Sines e Matosinhos nos anos de 2010 e 2012, não será atual.
6. Isto porque, de acordo com a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, em causa estão greves passadas, não se sabendo «nem se, nem quando, nem como se sucederá nova greve e muito menos se o "modelo" que virá a ser adotado será idêntico ao "modelo" das greves em causa, tanto mais que existem, e nada garante que não sejam utilizados, mecanismos administrativos e de natureza arbitral para ultrapassar diferendos nesta matéria.».
7. Assim, segundo a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, o que está em causa nos presentes autos "não é mais do que uma situação meramente eventual, um interesse meramente hipotético e potencial e não atual."
8. Salvo o devido respeito, qualquer cidadão médio, que esteja minimamente atento às notícias que diariamente são veiculadas pela comunicação social, poderá atestar que tais asserções carecem de sustentação.
9. Com efeito, só desde a data em que o Tribunal de Trabalho de Lisboa proferiu sentença nos presentes autos, o que ocorreu a 8 de setembro de 2014, foram diversas as greves convocadas e realizadas pelas RR. nas refinarias de Sines e Matosinhos.
10. Só no ano passado foram convocadas três greves, tendo a primeira ocorrido entre os dias 6 e 10 de maio de 2017, a segunda entre os dias 26 e 30 de julho, tendo a última tido início às 22:00 horas do dia 10 de dezembro e término às 06:00 horas do dia 18 de dezembro de 2017.
11. Com exceção da greve de julho de 2017, na qual houve fixação dos serviços mínimos por parte dos ministérios competentes, as demais greves foram realizadas com recurso ao modelo de greve cuja (i)licitude se discute nos presentes autos, resultando, pois, evidente a improcedência desta linha de argumentação aventada pela Senhora Procuradora-Geral Adjunta.
12. Note-se que, no caso da greve de julho de 2017, atenta a impossibilidade de as partes alcançarem um qualquer entendimento quanto aos serviços mínimos a observar, foi emitido um despacho conjunto pelos Ministérios do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e da Economia procedendo à sua definição.
13. Todavia, tal despacho não foi suficiente para, utilizando as palavras do Ministério Público, «ultrapassar o diferendo» relativamente a esta matéria já que a “Fiequimetal”, R. nos presentes autos, insurgiu-se judicialmente contra o referido despacho governamental por considerar que os serviços mínimos decretados pelos ministérios acima identificados se afiguravam "excessivos."
14. O facto de, só no ano passado, terem sido realizadas 3 (três) greves nas refinarias de Sines e Matosinhos nas quais as RR., com exceção da greve de julho de 2017, recorreram ao modelo de greve posto em crise no âmbito dos presentes autos demonstra que não nos deparamos perante uma mera situação hipotética ou eventual, com poucas probabilidades de ocorrer no futuro, como a senhora Procuradora Geral Adjunta sustenta, mas antes perante um conflito relativamente à forma de exercício do direito à greve que é perfeitamente atual e está, permita-se-nos a expressão, na «ordem do dia».
15. O conflito entre a A. e as RR. relativamente ao “modus faciendi” do direito à greve nas refinarias de Sines e Matosinhos permanece, pois, atual, sendo de crucial importância a obtenção de uma decisão judicial que esclareça, perentória e definitivamente, se o modelo de greve que tem vindo a ser adotado pelas RR. é ou não lícito.
16. Neste contexto, ter-se-á de concluir que a questão que a A. pretende dilucidar com a interposição e prossecução da presente ação de simples apreciação permanece atual, "no sentido de que a expectativa em termos de utilidade que se atende na sentença deve subsistir até ao momento da sua emanação", o que sucede na situação “sub judice”.
17. Com efeito, persiste uma situação de incerteza objetiva, séria e grave quanto ao modo/forma de exercício do direito à greve nas refinarias de Sines e Matosinhos, que justifica que a A. prossiga com o presente pleito, cuja decisão final revestirá grande utilidade e servirá de bitola para o futuro, sendo certo que, como acima se demonstrou, tendo em conta a dimensão, sector e génese da empresa, as greves acontecem com alguma periodicidade.
18. Ainda em benefício do seu entendimento de que a A. carecerá de interesse em agir, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta argui que “in casu” inexistirá qualquer situação de dúvida ou incerteza porquanto a A, alicerçada em pareceres jurídicos, não pagou aos trabalhadores a retribuição atinente aos dias imediatamente subsequentes ao período formal de greve, o que os levou a intentar ações judiciais contra a A, que, nessa sede, terá tido oportunidade de pugnar pela interpretação da Lei que considera correta.
19. Trata-se, salvo o devido respeito, perante um argumento falacioso, dado que em tais litígios visava-se, apenas e tão-somente, determinar se eram ou não devidas a cada um dos trabalhadores demandantes as quantias peticionadas pelos mesmos a titulo de retribuição pelo trabalho que alegavam ter realizado nos dias identificados em cada uma das petições iniciais apresentadas em juízo.
20. Nessas ações não estava em causa a apreciação ilicitude do modelo de greve adotado pelas ora RR., mas a verificação de um direito que dizia respeito a cada um dos Autores, pelo que é totalmente desprovido de sentido que a Senhora Procuradora Geral-Adjunta invoque as mencionadas ações judiciais em prol da sua tese de que inexistirá qualquer situação de dúvida ou incerteza que justifique a interposição e prossecução da presente ação.
21. De igual modo, o facto de a A. ter solicitado a emissão de um Parecer a um eminente jurisconsulto não pode, evidentemente, conduzir à conclusão que não nos deparamos perante uma situação de incerteza objetiva e grave, desde logo porquanto se trata de um direito que lhe assiste e de cujo exercício não se podem retirar as despropositadas consequências pretendidas pelo Ministério Público.
22. Da circunstância de a A. ter solicitado a emissão de um Parecer […] apenas se pode extrair a conclusão que a mesma fez preceder a sua decisão de proceder a descontos na retribuição dos trabalhadores que aderiram às greves de 2010 e 2012 de uma criteriosa análise jurídica da situação com que se confrontava, tendo consultado renomados jurisconsultos externos e obtido deles pareceres jurídicos no sentido de que a greve teria perdurado para além do período formal de greve, justificando-se, por isso, a não remuneração dos trabalhadores nos dias imediatamente subsequentes.
23. Também não poderá colher o argumento, esgrimido no Parecer sob resposta, que a situação de incerteza ou dúvida objeto dos presentes autos "foi devida e é imputável, única e exclusivamente, a atuação da própria Autora" em virtude de esta ter decidido proceder aos supramencionados descontos na retribuição dos trabalhadores.
24. A situação de incerteza “sub judice” decorre, única e exclusivamente, da forma como as RR. vêm realizando as greves que convocam para as refinarias de Sines e Matosinhos, que vêm sendo concretizadas de acordo com um modelo que implica a paralisação total dos referidos complexos industriais, cujo processo de paragem e rearranque não é compatível com os períodos formais declarados para as referidas greves.
25. A Senhora Procuradora-Geral Adjunta alega, ainda, que ao interpor e prosseguir com a presente ação a A. mais não pretenderá do que "obter uma consulta, de valor reforçado, com a chancela deste Supremo Tribunal, para brandir nas ações pendentes", as quais foram desencadeadas pela sua decisão de proceder a descontos na retribuição dos trabalhadores que aderiram às greves que se discutem nestes autos.
26. Convirá, contudo, salientar que, atualmente, já não se encontra pendente nenhuma das ações judiciais intentadas contra a ora A. pelos trabalhadores a quem foram realizados descontos retributivos, o que, por si só e sem necessidade de considerações adicionais, evidencia a falta de fundamento desta linha de raciocínio do Ministério Público.
27. Em suma, o interesse da A. em propor e fazer seguir a presente ação permanece atual, na medida em que continua a existir uma incerteza objetiva, séria e grave relativamente à (i)licitude do modelo de greve que vem sendo convocado e levado a cabo pelas RR. nas greves realizadas nas refinarias de Sines e Matosinhos, incerteza essa que a A. pretende ver resolvida, perentória e definitivamente, mediante pronúncia judicial.
28. Impõe-se, pois, concluir pela improcedência da exceção dilatória de falta de interesse em agir suscitada pela Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Parecer sob resposta, devendo os autos prosseguir os seus termos com vista à prolação de acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça.”

Respondendo “ao parecer” de procedência dos dois recursos e à consequente revogação do acórdão recorrido e repristinação da sentença da 1ª instância, reafirmou aquilo que vem dizendo ao longo dos autos – na petição inicial, nas alegações do recurso de apelação e nas contra-alegações aos recursos de revista interpostos pelos RR.

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            A presente ação foi proposta em 20 de fevereiro de 2013 e o acórdão recorrido foi proferido em 28 de junho de 2017.

            Nessa medida, é aqui aplicável:


· O Código de Processo Civil (CPC), anexo e aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, dado o disposto no seu artigo 5º, n.º 1;
· O Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março (retificado pela Declaração de Retificação n.º 5-C/2003, de 30 de abril) e 295/2009, de 13 de outubro (retificado pela Declaração de Retificação n.º 86/2009, de 23 de novembro).

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Há que conhecer da questão prévia, suscitada pela Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta, no seu douto parecer, até porque se for julgada procedente, fica prejudicado o conhecimento de ambas as revistas.

Questão prévia[11]:

a) - Falta de interesse processual ou de interesse em agir da Autora:

1). O despacho saneador dos autos:

O despacho saneador proferido nos autos tem o seguinte teor:

 “O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem no seu todo.

As partes gozam de personalidade judiciária e de legitimidade ad causam e encontram-se regularmente representadas e patrocinadas.”


Seguidamente, conheceu-se da exceção de litispendência, invocada pelo Réu Sindicato, a qual foi julgada improcedente.

Após, declarou-se inexistir “[o]utras exceções, nulidades ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa e de que cumpra conhecer”.

De acordo com o disposto no artigo 595º, n.º 1, alínea a), do CPC, o despacho saneador destina-se a conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente.

Neste caso, estipula o n.º 3, que o despacho constitui, logo que transite, caso julgado fornal quanto às questões concretamente apreciadas.

                                       

Assim sendo, o despacho saneador tabelar que apenas enuncie, sem apreciar concretamente os pressupostos processuais, não faz caso julgado (material e nem formal), e não obsta a que o assunto – que é de conhecimento oficioso – possa vir, numa fase subsequente, a ser ponderado e fundamentadamente decidido [mesmo em sede de recurso], nos temos das normas conjugadas dos artigos 510º, n.º 3, início, 495º, início, 660º, n.º 1, início, 663º, n.º 2, parte final, e 679º, todos do CPC.

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Por o despacho saneador ter sido, nestes autos, proferido de forma meramente tabelar e sendo a questão prévia, colocada pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, a de que falta à Autora interesse em agir, enquanto pressuposto processual, nada impede o Supremo Tribunal de Justiça de a conhecer.

2). Interesse processual – interesse em agir:

               O interesse processual, apesar de a lei não lhe fazer referência, de forma direta, porque o CPC não o contempla como exceção dilatória nominada, continua a constituir um pressuposto processual relativo às partes.

                Ora, mesmo omisso na lei processual civil como pressuposto, é exigido pela doutrina e pela jurisprudência maioritária a fim de se evitar a proposição de ações referentes a pretensões que manifestamente não carecem de tutela judiciária.

Esse interesse, também chamado interesse em agir, pode ser definido, segundo Miguel Teixeira de Sousa[12], “[c]omo o interesse da parte ativa em obter a tutela judicial de uma situação subjetiva através de um determinado meio processual e o correspondente interesse da parte passiva em impedir a concessão daquela tutela”.

O seu objeto consiste “[n]a providência requerida ao tribunal, através da qual se procura a satisfação de um direito ou interesse juridicamente protegidos, interesse colocado em causa por uma situação de facto objetivamente existente gerada pelo comportamento da parte requerida[13]”. 

Nas palavras de Antunes Varela[14], o interesse processual consiste “[n]a necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação.

(…)

Relativamente ao Autor, tem-se entendido que a necessidade de correr às vias judiciais, como substractum do interesse processual, não tem de ser uma necessidade absoluta, a única ou a última via aberta para a realização da pretensão formulada. Mas também não bastará para o efeito a necessidade de satisfazer um mero capricho (de vindicta sobre o réu) ou o puro interesse subjetivo (motivo, científico ou académico) de obter um pronunciamento judicial.

O interesse processual constitui um requisito a meio termo entre os dois tipos de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a ação. ”

Para se justificar o recurso à tutela jurisdicional tem que se verificar uma situação objetiva de carência, em que o titular de uma relação material controvertida se encontra.

Ora, para o demandante, o interesse processual consiste na necessidade do recurso aos tribunais para, através da instauração da respetiva ação, obter a tutela judicial de uma situação subjetiva.

Por fim, interesse processual e legitimidade não se confundem, ou seja, são diferentes porque o autor pode ser titular da relação material controvertida, tendo, por isso, um interesse potencial em demandar, e não ter, face às circunstâncias concretas da sua situação, necessidade efetiva de recorrer à tutela jurisdicional.

Ou seja, uma coisa é ser titular da relação material litigada, base da legitimidade das partes; outra coisa, substancialmente distinta, é a necessidade de lançar mão da demanda, em que consiste o interesse em agir.

Apesar dessa diversidade, têm em comum a necessidade de deverem ser aferidos objetivamente pela posição alegada pelo autor.

3). Ações de simples apreciação negativa:

É nas ações de simples apreciação que o problema do apuramento do interesse processual tem mais acuidade e mais relevância.

Neste tipo de ação, refere José Lebre de Freitas[15], “[o] autor pede ao tribunal que declare a existência de um direito ou dum facto jurídico. É uma ação de utilização rara […], que reveste manifesta utilidade em certos casos em que se pretende obter o reconhecimento dum direito […]. Com ela, a declaração do direito encontra-se, se assim se pode dizer, no seu estado mais puro”.

                As ações de simples apreciação são, pois, aquelas que, de acordo com o artigo 10º, n.º 3, alínea a), do CPC, visam obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto.

                As primeiras designam-se de simples apreciação positiva e as segundas de simples apreciação negativa.

A justificação das ações de simples apreciação consiste na necessidade de se reagir contra uma situação de incerteza acerca da existência ou inexistência de um direito ou de um facto, ao contrário do que sucede nas ações de condenação, em que o motivo para a sua instauração reside na falta de cumprimento de qualquer obrigação por parte do réu.

Mas, nelas, o interesse em agir não se pode ter como verificado com a constatação de qualquer situação subjetiva de dúvida ou de incerteza acerca da existência do direito ou do facto.

Exige-se que a incerteza ou a dúvida, relativamente às quais o Autor pretende reagir e que, a proceder, a ação se revista de utilidade prática, sejam objetivas, concretas e graves.

                Por isso, nas ações de simples apreciação o autor solicita ao tribunal que aprecie essa situação de incerteza jurídica e que ponha fim a tal insegurança, declarando se determinado direito, ou facto, existe ou não, de acordo com o que foi peticionado.

               O interesse processual, nestas ações, depende, pois, da invocação de uma situação de incerteza, que deve ser grave e objetiva e mais não é do que uma interação entre uma relação de necessidade e uma relação de adequação.

                De necessidade porque, para a solução do conflito deve ser indispensável a atuação jurisdicional, e adequação porque o caminho escolhido deve ser apto a corrigir a lesão perpetrada ao autor tal como ele a configura.

               Para Alberto dos Reis[16], “[n]a ação de simples apreciação não se exige do réu prestação alguma, porque não se lhe imputa a falta de cumprimento de qualquer obrigação. O autor tem simplesmente em vista pôr termo a uma incerteza que o prejudica […]”.

                Jorge Augusto Paes de Amaral[17] refere que “[n]as ações de simples apreciação, torna-se mais difícil concluir pela existência do interesse em agir. Trata-se de ações em que ainda não se verificou qualquer violação do direito. O autor apenas propõe a ação para pôr termo a uma situação de incerteza ou de dúvida acerca da existência ou inexistência de um direito ou de um facto.
               Qual o grau de incerteza ou de dúvida que se deve exigir para que se possa dizer que o autor tem interesse processual?

                A dúvida tem que ser objetiva e não subjetiva. Tem de ser fundamentada em factos concretos, não sendo suficiente que exista apenas na mente do autor. Por outro lado, não basta que a ação tenha por objeto a discussão de uma questão de cariz meramente académica.

                […]
                A gravidade da dúvida depende do prejuízo (material ou moral) que a situação de incerteza pode gerar.”
               Por sua vez, para Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos[18] as ações de simples apreciação visam unicamente a obter a declaração de existência ou inexistência de um direito ou de um facto.
                (…)
                As ações desta espécie destinam-se, pois, a acabar com a incerteza, obtendo uma decisão que declare se existe ou não certa vontade da lei, ou se determinado facto ocorreu; com isso se satisfaz; as respetivas decisões não são exequíveis. A incerteza a que nos referimos deve ter carater objetivo; não interessa a simples dúvida existente no espírito do Autor, desde que não se projete no exercício normal dos seus direitos.”
               
               Será, deste modo, objetiva a incerteza que nasce de circunstâncias externas e de factos exteriores, podendo ser da mais variada natureza, nomeadamente, a afirmação ou negação de um facto.
               Por outro lado, a gravidade da dúvida medir-se-á pelo prejuízo (material ou moral) que a situação de incerteza possa causar ao autor.
               Só quando a situação de incerteza, contra a qual o autor pretende reagir através da ação de simples apreciação, reunir objetividade, por um lado, e gravidade, do outro lado, é que se pode afirmar que há interesse processual.

            4). A jurisprudência sobre o interesse processual:

Relativamente ao que se deve entender por interesse em agir, enquanto pressuposto processual, nas ações de simples apreciação negativa, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido de sentido idêntico ao da doutrina.

                A título exemplificativo, indicam-se os seguintes acórdãos:

               
- Acórdão de 06.09.2011, proferido no processo n.º 660/07.1XLSB.L1.S1[19]:


I. A ação de apreciação não pode ter como objeto, salvo em casos excecionalmente previstos na lei, uma mera situação de facto, antes deve tender à apreciação de um direito que seja já sugerido ou suscitado, em presença de um prejuízo atual e não meramente potencial.
II. O interesse em agir, que é uma condição presente em todo o tipo de ações (substanciando-se na requesta de tutela judicial), adquire, com referência às ações de apreciação, o significado de verdadeiro e próprio limite de admissibilidade.
III. Para que possam ser admitidas torna-se necessária uma contestação ao direito suscitado, que seja objetiva e atual, idónea a lesar o interesse para que se invoca a tutela. Só assim será possível distinguir as ações de apreciação das ações vexatórias ou de jactância ou diretas à resolução de questões meramente académicas, não admitidas no nosso ordenamento.


- Acórdão de 16.09.2008, proferido no processo n.º 08A2210[20]:


I. O Código de Processo Civil vigente não contempla o interesse em agir como exceção dilatória nominada, pelo que apenas, doutrinalmente, o conceito tem sido objeto de tratamento.
II. O interesse em agir, sendo diferente da legitimidade tem, todavia, em comum com este conceito o dever ser aferido, objetivamente, pela posição alegada pelo Autor que tem de demonstrar a necessidade do recurso a juízo como forma de defender um seu direito.
III. O interesse de agir não é mais que uma inter-relação de necessidade e de adequação; de necessidade porque, para a solução do conflito deve ser indispensável a atuação jurisdicional, e adequação porque o caminho escolhido deve ser apto a corrigir a lesão perpetrada ao autor tal como ele a configurou.
IV. Porque se exige um real interesse do Autor e porque os Tribunais devem julgar questões concretas de relevante interesse, exige-se como requisito de tais ações, que o demandante demonstre a necessidade de usar o meio que a ação exprime, pois que, de outro modo, os Tribunais seriam enxameados de pleitos para se obterem decisões a que poderiam corresponder meros caprichos, ou propósitos de solução de questões puramente académicas, transformando os Tribunais em órgãos de consulta.

                5). Consequências da falta do interesse processual:

A falta do interesse em agir, como a falta de qualquer pressuposto processual, constitui uma exceção dilatória, que é, nos termos dos artigos 575º nºs 1 e 2, 577º e 578º, todos do CPC, de conhecimento oficioso, aliás, “em correspondência com as razões que subjazem à imposição de um interesse sério para o recurso a juízo.”[21]

                Ora, as exceções dilatórias dão lugar ao não conhecimento do mérito da causa e à absolvição do réu da instância – artigo 278º, n.º 1, alínea e), do CPC.

               

Por fim, se o despacho saneador tiver sido proferido tabelarmente, não se forma caso julgado, podendo, em sede de recurso, conhecer-se da exceção dilatória da falta de interesse em agir.

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                       b) - Pressuposto processual no caso concreto e modelo de greve decretada pelos RR:

                        Em 20 de fevereiro de 2013, a autora “AA — AA, S.A. ("AA")” intentou a presente ação declarativa de simples apreciação negativa contra “Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgicas, Químicas, Eléctricas, Farmacêutica, Celulose, Papel, Gráfica, Imprensa, Energia e Minas ("FIEQUIMETAL") e contra “Sindicato da Indústria e do Comércio Petrolífero ("SICOP")”, pedindo que “se declare ilícito o modelo adotado nas greves realizadas nas refinarias de Sines e Matosinhos, em Abril de 2010, e em Setembro e Outubro de 2012, atenta a forma como as mesmas foram decretadas pelas RR. e postas em prática pelos trabalhadores a elas aderentes”.

           
                   Na petição inicial a Autora alegou que está numa situação de incerteza objetiva e concreta relativamente ao modelo adotado pelos RR quanto às greves em causa, ou seja, de paragem total da atividade e subsequente reativação das refinarias, com os consequentes riscos que daí podem advir para a segurança das pessoas, bens e meio ambiente.

                               Com efeito, alegou que o processo de paragem e rearranque das refinarias, quer em Sines quer em Matosinhos, provoca instabilidade nos equipamentos e materiais por causa da variação das condições operacionais.

Ora, a variação das condições operacionais aumenta a ocorrência de falhas e avarias técnicas em equipamentos e/ou circuitos que, por sua vez, potenciam a ocorrência de acidentes aptos a provocar danos em pessoas e bens e aptos a provocar danos ambientais, como a queima de produtos no facho ou as purgas para o sistema de drenagem, com a consequente libertação de compostos orgânicos voláteis.

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                              Mais alegou a Autora que sempre que a paragem total da atividade não seja imperiosa, designadamente para reparação ou manutenção de equipamentos e instalações, as refinarias permanecem no denominado regime de "mínimos técnicos".
                              Neste regime, os equipamentos e unidades de produção mantêm-se ligados e em funcionamento “no menor do seu regime técnico operacional”.
                                Estando as refinarias nos “mínimos técnicosnão se verifica qualquer produção decorrente da atividade planeada, sendo que, findo esse período de "adormecimento", permitem eles que as refinarias se encontrem, de imediato, em condições para retomar a produção normal, sem necessidade de se efetuar um moroso e arriscado processo de rearranque.
Atendendo a que os equipamentos e unidades produtivas se mantêm ligados e em funcionamento, com este regime são minimizados os riscos de ocorrência de acidentes e avarias.
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Ora, os RR, rejeitaram esta possibilidade, de “mínimos técnicos”, nas greves que decretaram e que se realizaram em abril de 2010, em setembro e em outubro de 2012, nas refinarias de Sines e de Matosinhos, alegando, para o efeito, quea pretensão da Direção da Refinaria em manter em laboração praticamente normal o funcionamento das instalações não assenta nos parâmetros definidos na Lei (Código do Trabalho) e como tal não tem qualquer fundamento. Nesse sentido estas Organizações declaram que vão assegurar os Serviços Mínimos nos termos da Lei e da Declaração do Pré-aviso de greve sobre esta matéria”.

                                Para a Autora, essas greves com paralisação total da atividade, ou seja, sem estarem a operar os “Mínimos Técnicos”, foram decretadas, pelos RR. e executadas pelos trabalhadores, de forma ilícita.
Aduziu que este seu entendimento tem por suporte e por base pareceres jurídicos por si solicitados.
                               Ora, considerando ela as greves ilícitas, não pagou aos trabalhadores que a elas aderiram a retribuição relativa aos dias de greve (formalmente decretadas), bem como não pagou a retribuição dos dias que mediaram entre o final da greve até ao dia em que as unidades que compõem as refinarias retomaram a produção nos mesmos níveis em que se encontravam no momento anterior ao início da greve.

                                Assim, e a título exemplificativo, na greve de 19 a 21 de abril de 2010 não foram pagos 5 dias na refinaria de Sines [a greve iniciou-se a 19 de abril e a produção foi retomada apenas a 24 de abril], e na refinaria de Matosinhos não foram pagos 10 dias [a greve começou a 19 de abril e a produção recomeçou somente a 29 de abril].


                              
                              Para os RR. e para os trabalhadores que aderiram às greves, o não pagamento da retribuição dos dias que mediaram entre o fim da greve e o da retoma da produção, é ilegal.
Por tal motivo, 80 trabalhadores da Refinaria de Matosinhos e 4 da Refinaria de Sines propuseram ações judiciais contra a Autora pugnando pela ilicitude do seu comportamento ao não efetuar o pagamento desses dias.

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               Não são, pois, as sobreditas greves o objeto desta ação mas tão só o modelo que nelas foi adotado.
               Este é que constitui a causa de pedir e que faz parte do respetivo pedido.

               Do alegado na petição inicial e dos elementos juntos aos autos, verifica-se que, no caso em apreço, as consequências deste modelo de greve, com paragem total das máquinas, são idênticas às de outras greves efetuadas no mesmo modelo, nomeadamente, em instalações industriais perigosas, em instalações produtivas de laboração contínua, em indústrias siderúrgicas, em minas, etc.

               Como consequência da paragem total dessas empresas, a realização e a conclusão do rearranque das máquinas demora algum tempo, mesmo dias, não se conseguindo recomeçar a produção logo que termine a greve.
               
               As greves resultantes desse modelo são greves clássicas pois verifica-se a abstenção concertada do trabalho por um grupo de trabalhadores como meio de realizar objetivos comuns, promovida pelas organizações sindicais representativas desses trabalhadores, e visando forçar o empregador a satisfazer reivindicações de natureza profissional que se recusa a conceder.       
               
               Ora, o modelo de greve aqui em causa é o das greves declaradas e efetuadas em abril de 2010 e em setembro e outubro de 2012, nas refinarias, pertencentes à Autora e sediadas em Sines e Matosinhos.

               Verifica-se que a presente ação foi instaurada em 20 de fevereiro de 2013, decorridos quase três anos sobre a primeira greve indicada.

Ou seja, a Autora deixou passar 3 anos, após ter sido efetuada a primeira greve cujo modelo pretende que aqui se declare ilícito, para pedir a tutela jurisdicional.
Só sentindo necessidade de recorrer aos tribunais nessa altura, significa que, antes, não sentiu objetivamente essa necessidade e entendeu não haver gravidade bastante para o fazer, pois não tinha incertezas e nem dúvidas sobre a licitude/ilicitude do modelo usado pelos seus trabalhadores naquela greve[22].
              
               Acresce que, do alegado, não resulta que o grau de incerteza jurídica e de insegurança sobre a legalidade/ilegalidade desse modelo de greve, com paragem total das máquinas das refinarias, revista para a Autora uma necessidade justificada, razoável e fundada de usar a tutela jurisdicional, ou seja, necessite desta reação/proteção através da propositura duma ação de simples apreciação negativa.
                Com efeito, é o que resulta do artigo 13º, da petição inicial, ao alegar que, devidamente suportada em pareceres jurídicos e por anteriores precedentes, concluiu pela ilicitude dessa greve[a efetuada em abril de 2010], tendo inclusive junto, com a petição inicial, um desses pareceres jurídicos, subscrito por jurisconsulto em direito laboral.

                Por ter chegado a essa conclusão, “entendeu, entre outras decorrências legais, não ser devida retribuição aos trabalhadores aderentes à greve até que as unidades que compõem as refinarias retomassem a produção nos mesmos níveis em que se encontravam no momento anterior ao início da greve”.

               Consequentemente, não pagou aos trabalhadores, a ela aderentes, a retribuição dos dias de greve, a retribuição dos dias de rearranque, bem como a retribuição referente aos dias em que as refinarias, apesar de já estarem a produzir, estiveram sem alcançar a atividade produtiva planeada.

               Em resultado deste comportamento omissivo, 80 trabalhadores grevistas da refinaria de Matosinhos moveram, em 2010 e 2011, 80 ações judiciais, contra a Autora, nas quais peticionaram as remunerações desses dias posteriores à greve e que não lhes foram pagas.
                Na refinaria de Sines foram propostas 4 ações judiciais do mesmo teor e com o mesmo objetivo.
               
               Ora, a Autora teve, nessas 84 (oitenta e quatro) ações, oportunidade, nas respetivas contestações, de pugnar pela interpretação que reputa ser a juridicamente a correta, ou seja, pela ilicitude desse modelo de greve e, consequentemente, pela licitude do não pagamento aos trabalhadores aderentes à greve das retribuições supramencionadas.
               
               Com efeito, a licitude ou ilicitude da atuação da Autora, ao não pagar aos trabalhadores aderentes às greves as remunerações referidas, dependia do reconhecimento judicial da licitude ou ilicitude do modelo de greve utilizado.

               A Autora teve, igualmente, oportunidade de lutar pela interpretação que entende ser a certa no processo n.º 496/11.5TTMTS.P1, de Contraordenação, em que o Centro Local do Grande Porto da Autoridade das Condições do Trabalho lhe aplicou uma coima, por não ter pago as sobreditas retribuições na greve de abril de 2010, na refinaria de Matosinhos.

               Neste processo, a Autora impugnou judicialmente a decisão da autoridade administrativa e recorreu para o Tribunal da Relação da sentença proferida em 1ª instância.

               Do exposto resulta que a questão colocada, nesta ação de simples apreciação negativa, com a finalidade do tribunal declarar a existência, ou não, do direito dos trabalhadores fazerem greve segundo aquele modelo, já foi, por diversas vezes, objeto de avaliação, conhecimento e decisão judiciais, ou seja, já foi objeto de tutela jurisdicional, pois, como refere a Autora, na resposta ao Parecer[23] do Ministério Público, neste momento já inexiste qualquer ação pendente intentada contra ela.

               Em situação muito idêntica, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 16.09.2008, decidiu que não se verificava o interesse em agir “quando as AA. têm outros meios de fazer vingar a sua tese, tanto mais que parece resultar dos autos que a aqui Ré intentou ações executivas; se assim for as AA., enquanto executadas, poderão, na oposição que lhes é consentida legalmente, pugnar pela interpretação que reputam ser a juridicamente correta.”

               Como escreveu o tratadista brasileiro Humberto Theodoro Júnior[24]:

“O interesse de agir, que é instrumental e secundário, surge da necessidade de obter através do processo a proteção ao interesse substancial.
Entende-se, dessa maneira, que há interesse processual se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais.
Localiza-se o interesse processual não apenas na utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto, pois a tutela jurisdicional não é jamais outorgada sem uma necessidade, como adverte Allorio.
Essa necessidade se encontra naquela situação que nos leva a procurar uma solução judicial, sob pena de, se não o fizermos, vermo-nos na contingência de não podermos ter satisfeita uma pretensão (o direito de que nos afirmamos titulares).
Vale dizer: o processo jamais será utilizável como simples instrumento de indagação ou consulta académica. Só o dano ou o perigo de dano jurídico, representado pela efetiva existência de uma lide, é que autoriza o exercício do direito de ação.”
                                              
                               Em suma: Para se verificar se, no caso concreto, a Autora tem interesse em agir importa saber, partindo do princípio de que são verdadeiras e aceites pelas partes contrárias as suas alegações, se, somente, através da ação de simples apreciação negativa a sua pretensão pode ser satisfeita.

               Como vimos, a Autora já teve a oportunidade de, através da tutela jurisdicional, procurar obter essa pretensão, não na qualidade de Autora, mas como Ré e de acoimada.
               
Acresce que, a questão da licitude/ilicitude deste modelo de greve depende do critério adotado quanto aos serviços mínimos e aos serviços essenciais que os grevistas devem obrigatoriamente prestar durante a greve, como decorre do artigo 537º, do CT.

Para solucionar estes problemas, não estando definidos esses serviços nos respetivos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e não havendo acordo entre empregadores e trabalhadores, o artigo 538º, do CT, estabelece como os mesmos podem ser definidos.

Essa concretização pode ser feita pela via administrativa e pela via da arbitragem.
Assim:
«[…]
2. Na ausência de previsão em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou de acordo sobre a definição dos serviços mínimos previstos no n.º 1 do artigo anterior, o serviço competente do ministério responsável pela área laboral, assessorado sempre que necessário pelo serviço competente do ministério responsável pelo sector de atividade, convoca as entidades referidas no número anterior para a negociação de um acordo sobre os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar.
3. Na negociação de serviços mínimos relativos a greve substancialmente idêntica a, pelo menos, duas greves anteriores para as quais a definição de serviços mínimos por arbitragem tenha igual conteúdo, o serviço referido no número anterior propõe às partes que aceitem essa mesma definição, devendo, em caso de rejeição, a mesma constar da ata da negociação.
4. No caso referido nos números anteriores, na falta de acordo nos três dias posteriores ao aviso prévio de greve, os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar são definidos:

a. Por despacho conjunto, devidamente fundamentado, do ministro responsável pela área laboral e do ministro responsável pelo sector de atividade;
b. Tratando-se de empresa do sector empresarial do Estado, por tribunal arbitral, constituído nos termos de lei específica sobre arbitragem obrigatória.

5. A definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
6. O despacho e a decisão do tribunal arbitral previstos no número anterior produzem efeitos imediatamente após a sua notificação às entidades a que se refere o n.º 1 e devem ser afixados nas instalações da empresa, estabelecimento ou serviço, em locais destinados à informação dos trabalhadores.
7. Os representantes dos trabalhadores em greve devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços mínimos definidos e informar do facto o empregador, até vinte e quatro horas antes do início do período de greve ou, se não o fizerem, deve o empregador proceder a essa designação.»

Por aqui se verifica que a pretensão da Autora, para ser satisfeita, não precisa, necessariamente, do recurso à tutela jurisdicional, através da ação de simples apreciação negativa.
 
Conclui-se, assim, que a incerteza e a insegurança da Autora sobre a licitude/ilicitude do modelo das greves decretadas e efetuadas em abril de 2010 e em setembro e outubro de 2012, não exigem, fundadamente, o recurso à tutela jurisdicional através da ação de simples apreciação negativa.


Carece, pois, à Autora, nesta ação, interesse processual, isto é, interesse em agir.

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            Deliberação:

            Termos em que se delibera:

- Conceder as revistas e, consequentemente, revogar o acórdão recorrido, que declarou ilícito o modelo adotado nas greves realizadas nas refinarias de Sines e Matosinhos, em abril de 2010 e em setembro e outubro de 2012;
- Não conhecer do mérito da ação, por falta de interesse em agir por parte da Autora, assim se absolvendo os RR. da instância.
- Custas da revista e nas instâncias pela Autora.

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Lisboa, 2018.05.09

Ferreira Pinto (Relator)

Chambel Mourisco

Pinto Hespanhol

______________________
[1] Revista 2017/027 - (FP) – CM/PH.
[2] - Negrito e sublinhados nossos.
Relatório feito com base nos Relatórios da sentença e do acórdão recorrido.
[3] - Doravante CT.
[4] - Doravante CRP.
[5] - O voto de vencido tem o seguinte teor:
“Voto vencida, subscrevendo, no essencial, as considerações tecidas no tribunal de 1ª instância; os riscos invocados pela recorrente, ponderados é certo, atendendo à atividade desenvolvida, não são de molde a pôr em causa o exercício do direito de greve, atenta a sua configuração constitucional”.
[6] - As conclusões das duas respostas são exatamente iguais, à exceção de duas conclusões, que se destacará, apenas se transcreverá uma delas.
[7] - O 2º § respeita apenas à revista interposta pelo “SICOP”.
[8] - A alínea D), refere-se aos dois recorrentes.
[9] - Esta alínea H) é resposta ao recurso do R. “SICOP”.
[10] - Esta alínea H) é da resposta da R: “FIEQUIMETAL”.
[11] - O contraditório já foi exercido com a notificação do Parecer do Mº Pº às partes que a ele puderam responder.
[12] - “As Partes, o Objeto e a Prova na Ação Declarativa”, página 97 [obra citada no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 16.09.2008, proferido no processo n.º 08A2210 – em www.dgsi.pt].
[13] - Fernando Pereira Rodrigues, Noções Fundamentais de Processo Civil, 2017, Almedina, página 63.
[14] - Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora,1985, página 179.
[15] - Introdução ao Processo Civil, Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3ª edição, Coimbra Editora, páginas 29/30.
[16] - Código de Processo Civil, anotado volume I, 3ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, páginas 21/22.
[17] - Direito Processual Civil, 2013 – 11ª edição, página 132.
[18]- Notas ao Código de Processo Civil, 3ª edição, revista e atualizada, volume I, Lisboa 1999, página 51
[19]http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1d0e17fb1de776418025790b00530820?OpenDocumnt
[20]http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9216e0d2ab711116802574c60047161c?OpenDocument
[21] - Elementos de Direito Processual Civil – Teoria Geral dos Pressupostos, Rita Lobo Xavier, Inês Folhadela e Gonçalo Andrade e Castro, Universidade Católica Editora – Porto, 2014, página 171.
[22] - Não se sabe se esse modelo foi utilizado pela primeira vez nas greves de abril de 2010 ou se já havia sido usado, antes, noutras greves, uma vez que a Autora nada refere a esse respeito.
[23] - Ponto 27 – “Convirá, contudo, salientar que, atualmente, já não se encontra pendente nenhuma das ações judiciais intentadas contra a ora A, pelos trabalhadores a quem foram realizados descontos retributivos”.
[24] - Curso de Processo Civil, volume I, Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 59, citado no acórdão de 19.09.2008.