Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1086/09.8TJVNF.G1.S1-A
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
RECURSO SUBORDINADO
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
ANALOGIA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Data do Acordão: 11/27/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Referência de Publicação: DR I SÉRIE, Nº 21, DE 30-01-2020 - P. 4-21
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (CÍVEL)
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
- A. Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126;
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, p. 284 e ss.;
- António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 3.ª Edição, 2016, p. 85 ; 4.ª Edição, 2017, p. 92, 93, 349 e 352 ; 5.ª Edição, 2018, p. 97-106;
- António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, volume I - Parte geral e processo de declaração, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, p. 757-759;
- Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil (reforma de 2007), 2009, p. 79 a 80;
- Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1994, p. 181e182;
- Miguel Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, n.º 21 – Janeiro / Março de 2008, Dupla conforme: critério e âmbito da conformidade, p. 21-27, https://blogippc.blogspot.pt/2014/07/dupla-conforrne-e-recurso-subordinado.html;
- Oliveira Ascensão, O Direito Introdução e Teoria Geral, 13ª Edição Refundida, p. 407;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, p. 16.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 633.º, N.º 5 E 671.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 09-11-2017, PROCESSO N.º 26399/09.5T2SNT.L1.S1, IN, WWW.DGSI.PT;
- DE 16-11-2017, PROCESSO N.º 576/14.5TBSJM.P1.S1;
- DE 20-12-2017, PROCESSO N.º 2909/10.4TBVCD.P1-A.S1;
- DE 03-05-2018, PROCESSO N.º 428/12.3TVLSB.L1.S1;
- DE 13-11-2018, PROCESSO N.º 1086/09.8TJVNF.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-12-2018, PROCESSO N.º 456/14.4TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-03-2019, PROCESSO N.º 9913/15.4T8LSB.L1.S1,IN, WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 31/87, IN ATC, VOL. 9, P. 463;
- ACÓRDÃO N.º 340/90, IN ATC, VOL. 17, P. 349.
Sumário :
O recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do art. 671.º do CPC, a isso não obstando o n.º 5 do art. 633.º do mesmo Código.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, no Pleno das secções cíveis




I – RELATÓRIO


Os presentes autos subiram a este Supremo Tribunal de Justiça em razão da interposição de recurso (revista independente) da Ré/Infraestruturas de Portugal, SA., e dos Autores/AA e BB (revista independente e revista subordinada), sobre o acórdão da Relação proferido nestes autos, no qual, conhecendo da apelação interposta pelos Autores/AA e outra, decidiu alterar a sentença proferida em 1ª Instância, apenas relativamente ao decidido quanto aos pedidos formulados pelos Autores/AA e BB, sob as alíneas e) e f) do petitório da petição inicial, confirmando a decisão da 1ª Instância relativamente ao decidido sobre os demais pedidos, nomeadamente, a absolvição da Ré dos pedidos identificados sob as alíneas c), d), g), h), ou seja, a Relação, alterando o decidido em 1ª Instância, condenou a Ré/Infraestruturas de Portugal, SA. “a indemnizar os Autores pelos prejuízos decorrentes dos danos identificados nos pontos 32) a 34) da fundamentação de facto, resultantes do processo construtivo identificado no ponto 31), em montante a apurar em incidente de liquidação até ao valor máximo de €175.161,50” e bem assim a “indemnizar os Autores pelo prejuízo decorrente da ocupação ilícita do subsolo em montante a apurar em incidente de liquidação”, sendo que a 1ª instância, quanto ao pedido da alínea e), declarou-se materialmente incompetente para conhecer de tal pedido, quanto ao pedido da alínea f) decidiu condenar a Ré “a indemnizar os Autores pelos prejuízos decorrentes dos danos identificados nos pontos 32) a 34) da fundamentação de facto, resultantes do processo construtivo identificado no ponto 31), em montante a apurar em incidente de liquidação até ao valor máximo de €88.500”.

Os Autores/AA e BB haviam formulado os seguintes pedidos:

a) Que a R. seja condenada a reconhecer que o prédio urbano identificado no articulado, nos artigos 1° a 4°, lhes pertence (com excepção da área de 155 m2 que foi expropriada e após renúncia da Ré em relação à parte restante) e que dele são donos e legítimos possuidores;

b) Que seja reconhecido que ocupou sem título, nem autorização sua, uma área de terreno subterrâneo, com uns 700 metros ou mais ainda, aí colocando “espias” ou “ancoragens”, obras estas que vão desde o limite da linha férrea até passarem a estar sob o seu edifício;

c) Que seja decretado que, atenta a ilicitude de tais obras (não autorização, nem aceitação prévia sua), as mesmas deverão ser desmanteladas pela Ré;

d) Que a R. seja igualmente condenada a repor a situação do terreno no seu estado anterior a tais obras, deixando o mesmo subsolo livre de quaisquer equipamentos;

e) A indemnizá-los por todos os prejuízos derivados da ocupação abusiva da referida parcela do seu prédio, a liquidar em execução de sentença, por tal liquidação só ser possível após ter cessado a mesma ocupação;

f) A indemnizá-los por todos os prejuízos causados no edifício existente em tal prédio, que se avaliam em quantia não inferior a €175.162,50, que se encontram descritos no articulado e nos documentos juntos;

g) A pagar-lhes uma sanção pecuniária compulsória, não inferior a €l.000 diários, após o trânsito em julgado da sentença condenatória por cada dia que a R demore a iniciar os trabalhos de reposição do prédio no seu estado inicial, devendo ser fixado, igualmente, um prazo não superior a noventa dias para os mesmos trabalhos terminarem e com idêntica cominação;

h) E a compensá-los pelos danos não patrimoniais sofridos em quantia não inferior a €10.000.


Interpostos os aludidos recursos o Mmº. Juiz Conselheiro relator, proferiu despacho onde consignou:

“a) Que nada obstava ao conhecimento da revista da ré Infraestruturas de Portugal, S.A., na medida que incidindo a mesma sobre o acórdão da Relação na parte em que nele se procedeu à alteração do decidido na 1ª instância, se não verificava o obstáculo da dupla conforme (e uma vez que se mostram verificados os demais requisitos);

b) Que, relativamente a ambas as revistas dos autores (principal e subordinada), estamos perante uma situação de dupla conforme, uma vez que incidem (ambas) sobre a mesma parte do acórdão da Relação em que houve confirmação do decidido na 1ª instância, “sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente";

c) E, assim, com fundamento na dupla conforme (art. 671º, n° 3 do CPC), não foi admitida a revista subordinada dos autores;

d) E por se considerar que a revista independente dos autores foi interposta como revista excecional, determinou-se a remessa dos autos à Formação a que alude o nº 3 do art. 673° do CPC para efeitos de verificação dos invocados pressupostos da revista excepcional.”


Inconformados com tal despacho na parte em que não admitiu a revista subordinada, vieram os Autores/AA e BB, reclamar para a Conferência, pugnando pela revogação do despacho reclamado e consequente admissão do interposto recurso subordinado, tendo este Supremo Tribunal de Justiça proferido acórdão em cujo dispositivo foi consignado:

“Termos em que se acorda em indeferir a reclamação e em confirmar o despacho reclamado. Custas pelos reclamantes.”


Irresignados com o proferido acórdão, os Autores/AA e BB, vieram interpor recurso para o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça com vista à uniformização de jurisprudência, nos termos dos artºs. 688º e seguintes do Código de Processo Civil, invocando como fundamento, a contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2016 (Processo n.º 3/13.5TBVLR.G1-A.S1), tendo formulado as seguintes conclusões:

“A.- Existe uma clara identidade e essencialidade da questão que foi objecto de respostas divergentes pelo Supremo. Existindo também identidade de legislação em que se insere a questão: art. 633º/5 do CPC.

Os Recorrentes entendem que a questão deverá ser decidida de acordo com o decidido no Acórdão fundamento: o art. 633º/5 permite a interposição de recurso subordinado, mesmo no caso de dupla conforme (Ac. STJ de 19/10/2017, proc. n° 3/13.5BVRG1-A.51).

B.- a interpretação do art. 671º/3 do CPC no sentido da inadmissibilidade do recurso subordinado, acolhida no acórdão em apreço viola o direito à igualdade de armas por permitir que, havendo duas partes vencidas uma decisão judicial (neste caso, num Acórdão) somente urna delas possa interpor recurso.

C.- Por outro lado, importa considerar vários Acórdãos do STJ que admitem o recurso subordinado, mesmo no caso de dupla conforme. Entre os quais o Acórdão fundamento.

D.- A própria letra do art. 633º/5 refere “Se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será”.

E.- O facto de referir na norma expressamente a irrelevância da sucumbência da parte, não significa que se pretendeu afastar a irrelevância do critério da dupla conforme.

F.- Apenas significa que esta questão está prevista na previsão geral da norma: Se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, haja ou não dupla conforme.

Nestes termos, requer que o Acórdão seja revogado e seja admitido o Recurso Subordinado.”


A Recorrida/Ré/Infraestruturas de Portugal, SA., não contra alegou.


O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência foi admitido, liminarmente, por decisão proferida a fls. 49 a 53, por se reconhecer que o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento (Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2016 [Processo n.º 3/13.5TBVLR.G1-A.S1]), foram proferidos no domínio da mesma legislação e se entender que ocorre, entre ambos, a invocada contradição quanto à mesma questão fundamental de direito.

Consignou-se a propósito: “Transitado em julgado o Acórdão da conferência, deste STJ, de 13.11.2018 (constante de fls. 1835 e seguintes dos autos principais) que, indeferindo a reclamação dos autores, AA e esposa, manteve o despacho do Relator de 18.09.2018 (constante de fls. 1808 e seguintes), no qual se decidiu não admitir o recurso de revista subordinada dos mesmos:

Vieram os autores interpor recurso para uniformização de jurisprudência, invocando para o efeito que aquele acórdão está em contradição com o Acórdão do STJ (acórdão fundamento), datado de 09.10.2016, proferido no processo n° 3/13.5TBVR.G I.S1 - cuja cópia juntou e cujo trânsito se presume nos termos do n° 2 do art. 688° do CPC.

Invocam para o efeito a existência de contradição entre ambos os acórdãos no que respeita à interpretação do nº 5 do art. 633º do CPC: um no sentido da admissibilidade do recurso subordinado no caso de haver dupla conforme (tese do Acórdão fundamento) e outro no sentido da não admissibilidade (tese do Acórdão recorrido).

E pretendem que se fixe jurisprudência no sentido da interpretação do Acórdão fundamento.

Nesse sentido, formulou as seguintes conclusões:

A - Existe uma clara identidade e essencialidade da questão que foi objeto de respostas divergentes pelo Supremo.

Existindo também identidade de legislação em que se insere a questão: art. 633°/5 do CPC.

Os Recorrentes entendem que a questão deverá ser decidida de acordo com o decidido no Acórdão fundamento: o art. 633°/5 permite a interposição de recurso subordinado, mesmo no caso de dupla conforme (Ac. STJ de 19/10/2017, proc. nº 3/13.5 BVR.G1-A.S1),

B - A interpretação do art. 671º/3 do CP'C no sentido da inadmissibilidade do recurso subordinado, acolhida no acórdão em apreço viola o direito à igualdade de armas por permitir que, havendo duas partes vencidas uma decisão judicial (neste caso, num Acórdão) somente uma delas possa interpor recurso,

C - Por outro lado, importa considerar vários Acórdãos do STJ que admitem o recurso subordinado, mesmo no caso de dupla conforme, Entre os quais o Acórdão fundamento.

D - A própria letra do art. 633°/5 refere “Se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será”.

E - O facto de referir na norma expressamente a irrelevância da sucumbência da parte, não significa que se pretendeu afastar a irrelevância do critério da dupla conforme.

F - Apenas significa que esta questão está prevista na previsão geral da norma:

Se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, haja ou não dupla conforme.

Nestes termos, requer que o Acórdão seja revogado e seja admitido o Recurso Subordinado.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Nada obstando à admissão do recurso à luz do disposto no n° 2 do art. 641º e no art. 690°, e não ocorrendo a situação prevista no nº 3 do art. 688°, todos do CPC, importa verificar se existe a invocada contradição de acórdãos (art. 692°, nº 1 do CPC).

Ambos os acórdãos versam sobre a interpretação do nº 5 do artigo 633° do CPC, que (na sequência do que consta do nº 1, no sentido de que “se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado”) estabelece o seguinte:

“Se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, ainda que a decisão impugnada seja desfavorável para o respetivo recorrente em valor igualou inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre”.

O Acórdão recorrido tem subjacente a seguinte situação factual:

a) O Acórdão da Relação revogou parcialmente a sentença da 1ª instância;

b) Dele recorreu de revista (recurso independente), o réu, IP, SA (o único réu a ser condenado) relativamente a segmentos decisórios nos quais foi revogada a sentença (inexistindo por isso dupla conforme nessa parte) - recurso esse que foi admitido;

c) E os autores (ora recorrentes) recorreram do mesmo, relativamente a segmentos decisórios em que há dupla conforme (confirmação do decidido na sentença, sem fundamentação essencialmente diferente):

i. Por revista excecional, que acabou por vir a ser rejeitada pela Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC;

ii. E por recurso subordinado;

d) O recurso subordinado foi rejeitado neste STJ, no âmbito do Acórdão recorrido (que conhecendo de reclamação para a conferência, confirmou o despacho do Relator proferido nesse sentido);

e) E isto por ali se considerar que tal recurso não era admissível, face à existência de dupla conforme, por se entender que a exceção estabelecida no n° 5 do artigo 633º do CPC (relativa ao valor da sucumbência com referência ao valor da alçada), não é aplicável às situações de dupla conforme.

Por sua vez, o Acórdão fundamento tem subjacente a seguinte situação factual:

a) O Acórdão da Relação revogou parcialmente a sentença recorrida;

b) Dele recorreu de revista (recurso independente) a ré Companhia de Seguros BB, SA - recurso esse que foi admitido;

c) A autora, contra-alegando, interpôs recurso subordinado de revista;

d) Este recurso (após ter sido rejeitado pelo Relator - com fundamento na existência de dupla conforme) veio a ser admitido no âmbito do Acórdão fundamento (onde se conheceu, em conferência, da correspondente reclamação da autora);

e) Tal recurso foi admitido, por ali se considerar que a existência de dupla conforme não obstava à admissão de tal recurso subordinado, por via da aplicação analógica do disposto no nº 5 do art. 633º do CPC,

Vide sumário: “1 - Sendo admissível a revista principal, é admissível a revista subordinada, ainda que, quanto a esta, haja dupla conforme. II - Muito embora não conste da lei (n° 5 do art. 633º do CPC) o apetecido expresso sinal literal a determiná-lo, é este o real pensamento legislativo, que só não foi explicitamente consagrado porque disso se não terá apercebido o legislador no momento em que procedeu à sua redação, dizendo menos do que pretendia”

Verifica-se assim que ambos os acórdãos incidiram sobre a mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação e: sendo essencialmente idêntico o quadro factual subjacente à aplicação da mesma norma, tendo chegado a entendimentos opostos, entendimentos esses que foram essenciais para chegarem às decisões (opostas) a que chegaram.

Verificando-se assim os respetivos requisitos, impõe-se a admissão do recurso.

Nestes termos, admito o recurso de uniformização de jurisprudência.

Oportunamente, à distribuição.

Sem custas.”


Estabelece o art.º 688º do Código de Processo Civil como fundamento do Recurso para Uniformização de Jurisprudência: “1- As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito”, encerrando, assim, como pressuposto substancial de admissibilidade deste recurso, a existência de uma contradição decisória entre dois acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação, e sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que a enunciada contradição dos julgados, não implica que os mesmos se revelem frontalmente opostos, mas antes que as soluções aí adoptadas, sejam diferentes entre si, ou seja, que não sejam as mesmas, neste sentido, Pinto Furtado, in, Recursos em Processo Civil (de acordo com o Código de Processo Civil de 2013), Quid Juris, página 141, importando, pois, que as decisões, e não os respectivos fundamentos, sejam atinentes à mesma questão de direito, e que haja sido objecto de tratamento e decisão, quer no Acórdão recorrido, quer no Acórdão fundamento, e, em todo o caso, que essa oposição seja afirmada e não subentendida, ou puramente implícita.

De igual modo, é necessário que a questão de direito apreciada se revele decisiva para as soluções perfilhadas num e noutro acórdão, desconsiderando-se argumentos ou razões que não encerrem uma relevância determinante.

Por outro lado, exige-se, ao reconhecimento da contradição de julgados, a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, dos mesmos normativos legais ou institutos jurídicos, sendo que as soluções em confronto, necessariamente divergentes, têm que ser encontradas no “domínio da mesma legislação”, de acordo com a terminologia legal, ou seja, exige-se que se verifique a “identidade de disposição legal, ainda que de diplomas diferentes, e, desde que, com a mudança de diploma, a disposição não tenha sofrido, com a sua integração no novo sistema, um alcance diferente, do que antes tinha”, neste sentido Pinto Furtado, ob. cit., página 142.

Revertendo ao caso sub iudice, como resulta do segmento das alegações de recurso, a divergência assinalada pelos Recorrentes recai sobre a interpretação do n.º 5 do art.º 633º do Código de Processo Civil, no âmbito do recurso subordinado, verificado que seja a dupla conforme.

Os quadros factuais, considerados no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento, considerado o respectivo enquadramento, consignados na decisão liminar, proferida no âmbito do presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência, revelam, que existe, entre aquelas decisões, e no essencial, a exigida identidade substancial do núcleo factual, ou seja, têm em consideração facticidade que se subsume à aplicação da mesma norma adjectiva civil, cuja aplicação se invoca, outrossim, sobre a questão decidenda que aqui importa, ambos os acórdãos estão em clara oposição, na medida em que se conclui no sentido da admissibilidade do recurso subordinado no caso de haver dupla conforme (Acórdão Fundamento) e outro no sentido da não admissibilidade do recurso subordinado no caso de haver dupla conforme (Acórdão Recorrido), adoptando, Acórdão Recorrido e Acórdão Fundamento, enquadramentos jurídicos diversos.

Na verdade, no Acórdão fundamento, entendeu-se que sendo admissível a revista principal, é admissível a revista subordinada, ainda que, quanto a esta, haja dupla conforme, muito embora não conste da lei - n.º 5 do art.º 633º do Código de Processo Civil - o apetecido expresso sinal literal a determiná-lo, sendo este o real pensamento legislativo, que só não foi explicitamente consagrado porque disso se não terá apercebido o legislador no momento em que procedeu à sua redacção, dizendo menos do que pretendia, ao passo que no Acórdão Recorrido foi reconhecido, conquanto seja admissível a revista principal, o recurso subordinado não é admissível, verificada a existência de dupla conforme, uma vez que a excepção estabelecida no n.º 5 do art.º 633º do Código de Processo Civil, relativa ao valor da sucumbência com referência ao valor da alçada, não é aplicável às situações de dupla conforme.

Como se depreende dos enunciados enquadramentos jurídicos, quer do Acórdão Recorrido, quer do Acórdão Fundamento, tendo em devida conta a respectiva facticidade adquirida processualmente, reveladora de uma identidade substancial do núcleo factual, e, perante as consignadas constatações e resultados interpretativos, colhemos que o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento enfrentaram a mesma questão solvenda de modo divergente, mostrando-se, assim, verificada a essencialidade da contradição entre o Acórdão Recorrido e Acórdão Fundamento, donde, concluímos pela verificação dos pressupostos substanciais para a admissibilidade do Recurso de Uniformização da Jurisprudência, respaldando a decisão liminar, entretanto proferida.

Assim sendo, importa enunciar que a questão a resolver consiste em saber: “Se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, não obstante o acórdão recorrido ser confirmativo de decisão anterior, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente?”


O Digno Agente do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal de Justiça, cumprido que foi o disposto no n.º 1 do art.º 687º ex vi art.º 695º, ambos do Código de Processo Civil, emitiu parecer no sentido de que o conflito jurisprudencial em causa deverá ser resolvido através de emissão de acórdão uniformizador de jurisprudência, para o qual sugere a seguinte formulação: “Nos termos do disposto no artigo 633.º n.º 5, do Cód. Proc. Civil, o recurso subordinado de revista está sujeito à regra da inadmissibilidade em caso de dupla conforme, estabelecida no n.º 3 do art.º 671.º do mesmo diploma legal.


Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pelos Recorrentes/Autores/AA e BB, consiste em saber:

(1) Se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, não obstante o acórdão recorrido ser confirmativo de decisão anterior, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente?


II. 2. Da Matéria de Facto


Está adquirida processualmente a seguinte facticidade:

“1. AA e BB interpuseram acção declarativa, com processo comum, contra Infraestruturas de Portugal, SA., formulando os seguintes pedidos:

a) Que a R. seja condenada a reconhecer que o prédio urbano identificado no articulado, nos artigos 1° a 4°, lhes pertence (com excepção da área de 155 m2 que foi expropriada e após renúncia da Ré em relação à parte restante) e que dele são donos e legítimos possuidores;

b) Que seja reconhecido que ocupou sem título, nem autorização sua, uma área de terreno subterrâneo, com uns 700 metros ou mais ainda, aí colocando “espias” ou “ancoragens”, obras estas que vão desde o limite da linha férrea até passarem a estar sob o seu edifício;

c) Que seja decretado que, atenta a ilicitude de tais obras (não autorização, nem aceitação prévia sua), as mesmas deverão ser desmanteladas pela Ré;

d) Que a R. seja igualmente condenada a repor a situação do terreno no seu estado anterior a tais obras, deixando o mesmo subsolo livre de quaisquer equipamentos;

e) A indemnizá-los por todos os prejuízos derivados da ocupação abusiva da referida parcela do seu prédio, a liquidar em execução de sentença, por tal liquidação só ser possível após ter cessado a mesma ocupação;

f) A indemnizá-los por todos os prejuízos causados no edifício existente em tal prédio, que se avaliam em quantia não inferior a €175.162,50, que se encontram descritos no articulado e nos documentos juntos;

g) A pagar-lhes uma sanção pecuniária compulsória, não inferior a €l.000 diários, após o trânsito em julgado da sentença condenatória por cada dia que a R demore a iniciar os trabalhos de reposição do prédio no seu estado inicial, devendo ser fixado, igualmente, um prazo não superior a noventa dias para os mesmos trabalhos terminarem e com idêntica cominação;

h) E a compensá-los pelos danos não patrimoniais sofridos em quantia não inferior a €10.000.

2. Calendarizada e realizada a audiência final foi proferida sentença.

3. Entretanto, foi proferido, nestes autos, acórdão pela Relação de Guimarães, que conhecendo da apelação interposta pelos Autores/AA e BB, quanto à sentença proferida nestes autos, decidiu alterar a aludida sentença proferida em 1ª Instância, apenas relativamente ao decidido quanto aos pedidos formulados pelos Autores/AA e BB, sob as alíneas e) e f) do petitório da petição inicial, e confirmando a decisão da 1ª Instância relativamente ao decidido sobre os demais pedidos, nomeadamente, a absolvição da Ré dos pedidos identificados sob as alíneas c), d), g), h), ou seja, a Relação, alterando o decidido em 1ª Instância, condenou a Ré/Infraestruturas de Portugal, SA. “a indemnizar os Autores pelos prejuízos decorrentes dos danos identificados nos pontos 32) a 34) da fundamentação de facto, resultantes do processo construtivo identificado no ponto 31), em montante a apurar em incidente de liquidação até ao valor máximo de €175.161,50” e bem assim a “indemnizar os Autores pelo prejuízo decorrente da ocupação ilícita do subsolo em montante a apurar em incidente de liquidação”, sendo que a 1ª Instância, quanto ao pedido da alínea e), declarou-se materialmente incompetente para conhecer de tal pedido e, quanto ao pedido da alínea f) decidiu condenar a Ré “a indemnizar os Autores pelos prejuízos decorrentes dos danos identificados nos pontos 32) a 34) da fundamentação de facto, resultantes do processo construtivo identificado no ponto 31), em montante a apurar em incidente de liquidação até ao valor máximo de €88.500”.

4. Inconformados com o predito acórdão da Relação de Guimarães, dele interpôs recurso de revista independente, a Ré/Infraestruturas de Portugal, SA., outrossim, os Autores/AA e BB interpuseram recurso de revista independente e subordinado.

5. Os Recorrentes/Autores/AA e BB interpuseram recurso de revista independente e subordinado, aduzindo as seguintes conclusões:

“A.- Considerando-se o decidido na audiência prévia quanto à competência do tribunal, que não foi objecto de apelação autónoma (art. 644° al/b do CPC) e por isso transitou em julgado, o decidido na sentença quanto à incompetência do tribunal, viola o caso julgado formal.

B.- Segundo o disposto no art. 625°, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que transitou em julgado em primeiro lugar, ou seja, a decisão posterior sobre questão já decidida é ineficaz.

C.- A competência dos tribunais fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevante as modificações de facto e de direito (art. 38° da Lei da Organização do Sistema Judiciário).

D.- Não é pelo facto de ter havido um alargamento da jurisdição administrativa, na reforma de 2015, que se verifica a incompetência dos tribunais judiciais para apreciar este pedido. A partir de 1/12/2015 a alínea i) foi alterada pelo art. 4º do DL 214-G/2015, de 2/10, passando a ter a seguinte redacção:

“i) Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime”

E.- A este propósito o Ac. do TCA - Sul de 22/11/2012, p. 5515/09, (in dgsi.pt) julgou que os tribunais administrativos são incompetentes para garantir os direitos dos particulares em situações de “via de facto”:

F.- A data da propositura da acção, os tribunais judiciais eram competentes para apreciar todos os pedidos, tal como foi decidido na audiência prévia.

G.- Quanto à prescrição do pedido da alínea e), em relação à Ré Intraestruturas, a douta sentença de primeira instância concluiu pela prescrição das pretensões compensatória e indemnizatória de 10.000C (damos morais) e 86.662,50€ (trabalhos complementares resultantes do relatório de vistoria de 21/4/2008). A Recorrente pretende que se mantenha este entendimento.

H.- Os Autores, ora Recorrentes manifestaram no processo de expropriação a 5/11/2004 a intenção de exercer o direito a obter o ressarcimento dos prejuízos relacionados com as consequências das obras para o seu edifício.

L.- Pedindo a condenação da Refer a pagar todas as despesas derivadas da reparação do prédio na quantia mínima de 88.500€.

J.- Apesar deste pedido, a primeira instância entendeu que não foram pedidos os pagamentos dos trabalhos complementares (constantes do relatório de vistoria de 21/4/2008) e que a quantia mínima pedida no processo de expropriação era afinal a quantia máxima).

L.- Não se pode considerar este direito de indemnização prescrito,

M.- nem limitado ao montante de 88.500C.

N.- Até porque os Autores não necessitavam de indicar a quantia exacta em que avaliavam os danos ou pedir os danos complementares que resultaram do relatório de vistoria de 21/4/2008 (posteriores ao articulado superveniente de 5/11/2204). O que prescreve é o direito (direito de indemnização) e não o seu montante.

QUANTO AO RECURSO SUBORDINADO

O.- É de extrema importância a questão “do desmantelamento” das obras, como forma de possível reintegração do direito de propriedade dos Autores/Recorrentes, violado pela Ré.

P.- Para os Autores/Recorrentes a questão fundamental a apreciar é a reintegração do seu direito de propriedade (que sabem que não será inteiramente possível dada a impossibilidade repor o terreno no seu estado anterior).

Q.- Esta questão fundamental não é compatível com jogos de palavras, nomeadamente com o subjectivismo da palavra desmantelar.

R.- Mesmo no significado que o douto Acórdão atribui à palavra “desmantelar”, a sua decisão viola o princípio do dispositivo (princípio estruturante do nosso processo civil).

S.- O douto acórdão em apreço atende apenas a um dos significados possíveis da palavra “desmantelar” não atendendo à vontade real dos Autores manifestada na petição inicial

T.- Se os Autores pediram a destruição da obra (na interpretação do douto Acórdão em apreço); o tribunal poderá condenar na eliminação da tensão produzida pelas espias introduzidas no subsolo dos Autores de forma a eliminar o efeito negativo causadas pelas mesmas na habitação dos Autores.

U.- Estamos perante uma condenação que se assume como um “minus”, em termos qualitativos, com referência ao pedido formulado de “desmantelamento”, que se reconduz à aplicação do princípio de “quem pede o mais, pede o menos”.

V.- Assim, deve o pedido da alínea c) ser considerado provado e procedente ou condenar-se a Ré/Recorrida na eliminação da tensão das ancoragens.

NESTES TERMOS deverá ser revogada a decisão em apreço apenas quanto aos pedidos das alíneas C e G, mantendo-se no demais.”

6. Interpostos os aludidos recursos o Mmº. Juiz Conselheiro relator, proferiu despacho onde consignou:

“a) Que nada obstava ao conhecimento da revista da ré Infraestruturas de Portugal, S.A., na medida que incidindo a mesma sobre o acórdão da Relação na parte em que nele se procedeu à alteração do decidido na 1ª instância, se não verificava o obstáculo da dupla conforme (e uma vez que se mostram verificados os demais requisitos);

b) Que, relativamente a ambas as revistas dos autores (principal e subordinada), estamos perante uma situação de dupla conforme, uma vez que incidem (ambas) sobre a mesma parte do acórdão da Relação em que houve confirmação do decidido na 1ª instância, “sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente";

c) E, assim, com fundamento na dupla conforme (art. 671º, n° 3 do CPC), não foi admitida a revista subordinada dos autores;

d) E por se considerar que a revista independente dos autores foi interposta como revista excecional, determinou-se a remessa dos autos à Formação a que alude o nº 3 do art. 673° do CPC para efeitos de verificação dos invocados pressupostos da revista excepcional.”

7. A interposta revista excepcional foi rejeitada pela Formação a que alude o n.º 3 do art.º 672º do Código de Processo Civil.

8. O interposto recurso subordinado foi rejeitado neste Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Acórdão da Conferência, proferido em 13 de Novembro de 2018, já transitado em julgado que conhecendo da reclamação para a conferência, confirmou o predito despacho do Mmº. Juiz Conselheiro relator, proferido nesse sentido, constante de fls. 1808 e seguintes dos autos principais, e isto por ali se considerar que tal recurso não era admissível, face à existência de dupla conforme, por se entender que a excepção estabelecida no n.º 5 do art.º 633º do Código de Processo Civil (relativa ao valor da sucumbência com referência ao valor da alçada), não é aplicável às situações de dupla conforme.”


II. 3. Do Direito


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.


II. 3.1. Se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, não obstante o acórdão recorrido ser confirmativo de decisão anterior, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente?(1)

3.1.1.A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer estar vedado ao legislador suprimir, sem mais, em todo e qualquer caso, a prerrogativa ao recurso, admitindo-se, todavia, que o mesmo estabeleça regras/normas sobre a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

A este propósito o Tribunal Constitucional sustenta que “Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210º), terá de admitir-se que “o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos” (cfr., a este propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349).

Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (…)”. (Acórdão n.º 159/2019 de 13 de Março de 2019).

Assim, a lei processual civil estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, reconhecendo-se que a admissibilidade dum recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.

3.1.2. No caso que nos ocupa está em causa um recurso subordinado interposto ao abrigo da prerrogativa adjectiva civil consagrada no art.º 633º do Código de Processo Civil, impondo-se, por isso, breve alusão a este meio recursivo.

Estatui o art.º 633º do Código de Processo Civil sob a epígrafe “Recurso independente e recurso subordinado”:

“1 - Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado.

2 - O prazo de interposição do recurso subordinado conta-se a partir da notificação da interposição do recurso da parte contrária.

3 - Se o primeiro recorrente desistir do recurso ou este ficar sem efeito ou o tribunal não tomar conhecimento dele, caduca o recurso subordinado, sendo todas as custas da responsabilidade do recorrente principal.

4 - Salvo declaração expressa em contrário, a renúncia ao direito de recorrer ou a aceitação, expressa ou tácita, da decisão por parte de um dos litigantes não obsta à interposição do recurso subordinado, desde que a parte contrária recorra da decisão.

5 - Se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, ainda que a decisão impugnada seja desfavorável para o respetivo recorrente em valor igual ou inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre.”

Como é sabido, pacificamente aceite pela Doutrina e Jurisprudência, a figura do recurso subordinado encontra fundamento em razões de “justiça processual e igualdade das partes”, permitindo que interponha recurso da decisão, após decurso do prazo geral de impugnação, a parte que inicialmente se conformara com ela, aceitando-a nos termos em que ficou vencida, daí o recurso subordinado depender sempre, não só da admissibilidade, mas também da subsistência do recurso independente, caducando quando o tribunal não tome conhecimento do objecto deste último, regra que é corolário lógico de se estar perante um recurso que só é interposto porque a outra parte antes recorreu da decisão, tudo a justificar que a impugnação subordinada caduque se o recurso principal não for julgado quanto ao mérito, neste sentido, Teixeira de Sousa, in, Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, página 496.

A propósito do recurso independente e do recurso subordinado, Alberto dos Reis, in, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, páginas 284 e seguintes, em anotação ao art.º 682º do Código de Processo Civil de 1961,condizente ao actual art.º 633º do Código de Processo Civil que em substância suporta redacção semelhante, sustentou:

“Perante uma sentença em parte favorável ao autor e em parte favorável ao réu, a disposição psicológica, o estado de espírito de qualquer dos litigantes pode apresentar-se nestes termos:

1) Resolução firme e decidida de impugnar a decisão naquilo em que lhe foi desfavorável;

2) Inclinação e tendência para se conformar com a decisão, caso a parte contrária não recorra.

Porque as realidades são estas, o art. 682.º pôs à disposição do vencido, meios de dar satisfação a cada um dos interesses desenhados.

Efectivamente, a parte vencida pode lançar mão ou de recurso independente ou de recurso subordinado.

A 1.ª espécie ajusta-se à disposição psicológica descrita em primeiro lugar; a 2.ª espécie quadra perfeitamente ao estado de espírito definido em segundo lugar”

Sufragando idêntico entendimento, defende Fernando Amâncio Ferreira, in, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª edição, página 80:

“Havendo sucumbência recíproca, as partes podem assumir uma de três atitudes:

a) Não impugnarem a decisão, acabando esta por transitar em julgado;

b) Impugnarem ambas, em paralelo, a decisão, na sequência da sua notificação;

c) Apenas uma das partes impugnar inicialmente a decisão, só o fazendo a outra parte depois de notificada da admissão do recurso da contra-parte (…).

Os dois recursos previstos na alínea b) e na primeira parte da alínea c) são recursos independentes; o recurso previsto na segunda parte da última alínea é recurso subordinado.

(…) A igualdade das partes e a justiça processual justificam a admissão do recurso subordinado, interposto pela parte que se conformara inicialmente com a decisão e que terá sido surpreendida com a interposição do recurso pelo seu adversário”.


Outrossim, Armindo Ribeiro Mendes, in, Recursos em Processo Civil (reforma de 2007), 2009, páginas 79 a 80, ao pronunciar-se sobre o normativo adjectivo civil - art.º 682º do Código de Processo Civil na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto, que o texto do art.º 633º do actual Código de Processo Civil reproduz, sem alterações - defende ser pressuposto que uma e outra das partes conheçam decaimento na decisão proferida. Ao invés de reagir imediatamente, interpondo o natural recurso (chamado independente ou principal), pode alguma das partes querer fazer depender essa sua reacção da reacção da parte contrária; abster-se-á de recorrer se a contraparte também assim proceder, mas caso esta interponha recurso não prescindirá também de impugnar a parte decisória que a desfavorece (neste caso em recurso subordinado).

Do regime estatuído no art.º 633º n.º 1 do Código de Processo Civil decorre que a lei adjectiva civil disponibiliza a favor de cada uma das partes vencidas, face a uma decisão parcialmente favorável a cada um dos intervenientes processuais, quer o recurso independente, quer o recurso subordinado, sendo que pelo recurso independente, o interessado impugna a decisão seja qual for a atitude processual da parte contrária, ao passo que, pelo recurso subordinado, o interessado só interpõe recurso, na parte em que a decisão lhe é desfavorável, no caso de a parte contrária impugnar a decisão.

3.1.3. Relembrando as regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso que exigem o preenchimento cumulativo quanto à legitimidade de quem recorre, ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito, e ser a decisão proferida recorrível, temos por reconhecido, pacificamente aceite pelos litigantes, a tempestividade e legitimidade dos Recorrentes/Autores/AA e BB, e, naquele concreto pressuposto, uma vez que o requerimento de interposição de recurso obedeceu ao prazo legalmente estabelecido, sendo incontestado, outrossim, que a decisão de que recorrem lhes foi desfavorável (Acórdão proferido que decidiu alterar a sentença proferida em 1ª Instância, apenas relativamente ao decidido quanto aos pedidos formulados pelos Autores/AA e BB, sob as alíneas e) e f) do petitório da petição inicial, confirmando a decisão da 1ª Instância relativamente ao decidido sobre os demais pedidos, nomeadamente, a absolvição da Ré dos pedidos identificados sob as alíneas c), d), g), h), ou seja, a Relação, alterando o decidido em 1ª Instância, condenou a Ré/Infraestruturas de Portugal, SA., “a indemnizar os Autores pelos prejuízos decorrentes dos danos identificados nos pontos 32) a 34) da fundamentação de facto, resultantes do processo construtivo identificado no ponto 31), em montante a apurar em incidente de liquidação até ao valor máximo de €175.161,50” e bem assim a “indemnizar os Autores pelo prejuízo decorrente da ocupação ilícita do subsolo em montante a apurar em incidente de liquidação”, sendo que a 1ª Instância, quanto ao pedido da alínea e), declarou-se materialmente incompetente para conhecer de tal pedido e, quanto ao pedido da alínea f) decidiu condenar a Ré “a indemnizar os Autores pelos prejuízos decorrentes dos danos identificados nos pontos 32) a 34) da fundamentação de facto, resultantes do processo construtivo identificado no ponto 31), em montante a apurar em incidente de liquidação até ao valor máximo de €88.500”, encontrando-se a divergência quanto a ser a decisão proferida recorrível, subordinadamente.

3.1.4. O Acórdão Recorrido reconheceu que o recurso subordinado de revista incide sobre o decidido pela Relação quanto aos pedidos formulados sob as alíneas d) e g) da petição inicial, e, afigurando-se haver dupla conforme, na ausência de norma em contrário, o recurso subordinado de revista está sujeito à regra genérica da inadmissibilidade em caso de dupla conforme, estabelecida no n.º 3 do art.º 671º do Código de Processo Civil, daí a sua inadmissibilidade.

3.1.5. Por seu turno, o Acórdão Fundamento está em clara oposição com o Acórdão Recorrido, porquanto, concluindo no sentido da admissibilidade do recurso subordinado de revista, sustentou que sendo admissível a revista principal, é admissível a revista subordinada, ainda que, quanto a esta, haja dupla conforme.

3.1.6. O recurso subordinado de revista incide sobre o decidido pela Relação quanto aos pedidos formulados sob as alíneas d) e g) da petição inicial (d) Que a R. seja igualmente condenada a repor a situação do terreno no seu estado anterior a tais obras, deixando o mesmo subsolo livre de quaisquer equipamentos; g) A pagar-lhes uma sanção pecuniária compulsória, não inferior a €1.000 diários, após o trânsito em julgado da sentença condenatória por cada dia que a R. demore a iniciar os trabalhos de reposição do prédio no seu estado inicial, devendo ser fixado, igualmente, um prazo não superior a noventa dias para os mesmos trabalhos terminarem e com idêntica cominação), no sentido da confirmação da decisão em 1ª Instância, ou seja, a absolvição da Ré quanto às assinaladas alíneas d) e g) do petitório, confirmando o julgado na 1ªInstância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, pelo que, a Relação reconheceu a verificada situação de dupla conforme, entendimento, aliás, tão pouco questionado pelos Recorrentes/Autores/AA e BB.

3.1.7. Neste conspecto há que convocar as regras recursivas adjectivas civis, concretamente o art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil, atinente à irrecorribilidade das decisões do Tribunal da Relação em consequência da dupla conforme, nos precisos termos aí concretizados (…não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância …).

Do art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil condizente ao n.º 3 do art.º 721º do anterior Código de Processo Civil, com a redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, decorre, importar agora que a decisão da Relação não tenha uma fundamentação essencialmente diferente da decisão da 1ª Instância para que produza a dupla conforme, ao contrário do que acontecia com a alteração adjectiva civil, imposta pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, em que se abstraía da fundamentação do acórdão da Relação para que se verificasse a dupla conforme.

Levado a cabo a interpretação do consignado normativo adjectivo civil o Supremo Tribunal de Justiça tem perfilhado o entendimento de que somente deixa de actuar a dupla conforme a verificação de uma situação, conquanto o acórdão da Relação, conclua pela confirmação da decisão da 1ª Instância, em que o âmago fundamental do respectivo enquadramento jurídico seja diverso daqueloutro assumido e plasmado pela 1ª Instância, quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a decisão proferida na sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada.

Torna-se necessário, pois, para que a dupla conforme deixe de actuar, a aquiescência, pela Relação do enquadramento jurídico sufragado em 1ª Instância, suportada numa solução jurídica inovatória, que aporte preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros enunciados no aresto apelado (neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 2014; de 18 de Setembro de 2014; de 8 de Janeiro de 2015; de 19 de Fevereiro de 2015, de 30 de Abril de 2015, de 28 de Maio de 2015, de 26 de Novembro de 2015, e de 16 de Junho de 2016, in, http://www.dgsi.pt/stj).

Neste particular, sustenta António Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, página 349, “que com o CPC de 2013 foi introduzida uma nuance: deixa de existir dupla conforme, seguindo a revista as regras gerais, quando a Relação, para a confirmação da decisão da 1ª instância, empregue “fundamentação essencialmente diversa”.

A admissibilidade do recurso de revista, no caso do acórdão da Relação ter confirmado, por unanimidade, a decisão da 1ª instância, está, assim, dependente do facto de ser empregue “fundamentação substancialmente diferente”.

Aclarando o sentido e alcance da expressão “fundamentação essencialmente diferente”, elucida António Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, página 352, que “a aferição de tal requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe ou não uma real diversidade nos aspectos essenciais”.

3.1.8. No caso sub iudice, confrontadas as decisões proferidas, em 1ª e 2ª Instâncias, divisamos, com nitidez, que tendo recaído o recurso subordinado de revista sobre o decidido pela Relação quanto aos pedidos formulados sob as alíneas d) e g) da petição inicial, no sentido da confirmação do decidido na sentença proferida em 1ª Instância, que absolveu a Ré quanto às assinaladas alíneas d) e g) do petitório da demanda trazida a Juízo, colhendo-se a confirmação do decidido na 1ª Instância (na parte em questão) pela Relação, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, impondo-se reconhecer a verificada situação de dupla conforme. Assim, ter-se-á que considerar da admissibilidade, ou não, do interposto recurso subordinado de revista, pelos Recorrentes/Autores/AA e BB, tendo presente que o acórdão recorrido foi confirmativo da sentença proferida em 1ª Instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, encerrando dupla conforme quanto às assinaladas alíneas d) e g) do petitório desta demanda.

3.1.9. Como decorre da admissão do Recurso para Uniformização de Jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem assumido entendimentos opostos na interpretação do art.º 633° n.º 5 do Código de Processo Civil, daí reconhecer que o consignado n.º 5 do art.º 633° do Código de Processo Civil ao deixar de estabelecer expressamente na sua letra que o recurso subordinado é admissível mesmo havendo dupla conforme, é porque tal pressuposto é exigido como requisito negativo de admissibilidade do recurso subordinado, donde, verificada a dupla conforme, é inadmissível o recurso subordinado, ao invés, recorrendo à interpretação extensiva do preceito ou com recurso à analogia, decorre doutros arestos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça que, embora a letra da lei não o diga expressamente, o sentido do enunciado preceito adjectivo é o de que, sendo admissível a revista principal, é sempre admissível a revista subordinada, ainda que, quanto à decisão, haja dupla conforme, divergência que, de resto, é acompanhada pela Doutrina.

3.1.10. Na Doutrina, interpretando o art.º 633° n.º 5 do Código de Processo Civil no sentido de reconhecer que o consignado preceito adjectivo civil, ao deixar de estabelecer expressamente na sua letra que o recurso subordinado é admissível mesmo havendo dupla conforme, é porque tal pressuposto é exigido como requisito negativo de admissibilidade do recurso subordinado, donde, verificada a dupla conforme, é inadmissível o recurso subordinado, veja-se, António Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 3.ª Edição, 2016, página 85, ao sustentar: “Contudo, esta possibilidade [de recurso subordinado] apenas abarca as situações de irrecorribilidade em função do valor. Já se esta decorrer de ausência de outros requisitos (v.g. por ser vedado o recurso para o Supremo atenta a existência de dupla conforme relativamente à concreta questão decidida desfavoravelmente ou por outro motivo de ordem legal), a interposição do recurso principal não pode ser invocada como fundamento para a admissão de recurso subordinado. Ou seja, parece-me que o disposto no n.º 5 apenas atenua os efeitos ligados ao pressuposto de recorribilidade em função da sucumbência, não tendo, por si, a virtualidade de abrir múltiplos graus de jurisdição, ainda que por via subordinada, quanto a decisões cuja irrecorribilidade encontre na lei outros motivos”, entendimento reiterado pelo mesmo Autor, em anotação ao art.º 633ºdo Código de Processo Civil, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, páginas 92 e 93, e Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, páginas 97-106 (101-103), onde consignou: “Suscita-se, porém, uma dúvida em torno da interpretação e aplicação do preceituado no n.º 5, tudo se passando por saber se esse regime especial é aplicável exclusivamente aos casos em que o único obstáculo ao recurso autónomo advém do facto de o valor da sucumbência ser inferior a metade da alçada do tribunal a quo ou se pelo contrário, é de alargar às situações (que apenas surgem no recurso de revista) em que a parte se confronta com uma situação de dupla conforme. Considero que esta possibilidade que emerge de uma norma excepcional apenas abarca as limitações ao recurso subordinado que derivam do valor da sucumbência, nos termos do art. 629.º, n.º 1. Já se tiverem outra causa e, mais concretamente, se o recurso de revista (subordinado) for condicionado pela existência de dupla conforme, a interposição do recurso principal não despoleta necessariamente a admissibilidade daquele. Ou seja, o disposto no n.º 5 apenas atenua os efeitos ligados ao pressuposto da recorribilidade conexo com o valor da sucumbência, não tendo, por si, virtualidade de abrir o acesso a outro grau de jurisdição quanto a decisões submetidas a outro condicionalismo.

Esta foi a solução acolhida também no Ac. do STJ de 10-3-16, 1602/10, www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere que “face ao disposto na parte final do n.º 5 do art. 633.°, a ocorrência de dupla conforme, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do art. 671.°, mantém-se como requisito de inadmissibilidade do recurso de revista subordinado”.

Consta da respectiva motivação que “não se afigura que, face ao lapidarmente disposto na parte final do n.º 5 do art. 633.°, se possa concluir pela ocorrência de lacuna a preencher por via analógica de modo a contemplar, para os mesmos efeitos, a irrelevância da dupla conforme, sendo de salientar que aquela disposição foi mantida aquando da introdução deste novo limite de recorribilidade da revista”.

Outra foi, porém, a solução seguida nos Acs. do STJ de 4-6-15, 1166/10 e de 19-10-16, www.dgsi.pt, ambos defendendo o recurso à analogia, referindo o sumário deste último que, “sendo admissível a revista principal, é também admissível a revista subordinada, ainda que, quanto a esta, haja dupla conforme. Embora essa solução não decorra expressamente do n.º 5 do art.633.º do CPC, ela justifica-se pela ratio legis envolvente da disciplina ínsita no recurso subordinado”.

Também para Teixeira de Sousa, “a circunstância de ambas as partes terem ficado vencidas e de uma delas não poder sequer interpor um recurso subordinado viola o princípio da igualdade das partes”, concluindo que “a igualdade das partes impõe a irrelevância do regime da dupla conforme no recurso subordinado, de acordo com o princípio de que, se uma das partes recorre, a outra pode sempre recorrer de forma subordinada”

Não me parece que valha para o caso o recurso à analogia (que se debate, além do mais, com o obstáculo criado pelo art. 11.º do CC quando estão em causa normas excecionais) ou as razões extraídas do princípio da igualdade.

O primeiro argumento será difícil de sustentar, na medida em que a norma do n.º 5 do art. 633.º foi introduzida na reforma do CPC de 1961, ocorrida em 1985, quando nem sequer se previam ainda limitações ao recurso de revista sustentadas na figura da dupla conforme (elemento histórico), parecendo abusivo considerar que, então, o legislador terá pretendido mais do que aquilo que ficou expresso na norma. Ademais, não existe correspondência entre a falta de previsão normativa e a lacuna legis, já que esta corresponde a uma situação à qual, nos termos do art. 10.º do CC, são aplicáveis as mesmas razões que levaram o legislador a estabelecer determinada previsão. Se é certo que a verificação de uma lacuna legis pode ser determinada por uma alteração legal posterior, sempre será necessário que procedam para as novas situações as razões justificativas que estiveram na base da primitiva previsão, o que, como se disse, não se verifica.

Quanto ao segundo argumento em torno do princípio da igualdade, poderá retorquir-se que ao regime especial de admissibilidade do recurso subordinado subjazem motivos que não são equiparáveis aos que marcam a restrição ao recurso de revista em situações de dupla conformidade. O filtro legal correspondente às situações de dupla conforme encontra uma motivação bem diversa daquela que presidiu ao impedimento Sustentado no critério da sucumbência: a limitação constante do n.º 1 do art, 629.°, que o n.º 5 do art. 633.ºafastou, assenta num fator meramente quantitativo que o legislador - e bem - desconsiderou nos casos em que a outra parte interpõe recurso; já a limitação que decorre da verificação de uma situação de dupla conforme traduz uma opção legislativa de âmbito mais vasto e com raízes mais profundas que levaram a considerar que a confirmação da decisão da 1.ª instância, sem voto de vencido e com fundamentação substancialmente idêntica, confere suficientes garantias de segurança (art, 671.º, n.º 3).

Considero, assim que inexiste fundamento para sujeitar ao regime do n.º 5 do art. 633.º os casos em que a parte não recorrente se debata com uma situação de dupla conforme, a qual apenas pode ser contornada através do mecanismo da revista excecional previsto no art. 672.º. Com efeito, para além da falta de apoio na letra da lei para a solução oposta (elemento literal; não se verificam nas situações de dupla conforme as razões que levaram o legislador a admitir a agregação ao recurso principal do recurso subordinado impulsionado pela contraparte cujo decaimento seja inferior a metade da alçada da Relação (elemento racional ou teleológico). Enfim, estabelecida para a parte interessada uma situação de dupla conforme, a admissibilidade do recurso subordinado que pretenda interpor ficará condicionada às exigências e requisitos da revista excecional. Confrontada com uma situação de dupla conforme, a parte que for confrontada com recurso de revista apresentado pela parte contrária, se pretender recorrer subordinadamente, deve submeter-se ao regime da revista excecional, nos termos do art. 672.º”, outrossim, reiterando a consignada orientação, António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, em anotação ao art.º 633º do Código de Processo Civil, in, Código de Processo Civil anotado, volume I - Parte geral e processo de declaração, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, páginas 757-759 (758), onde se sublinha somente a irrelevância do valor da sucumbência em relação ao recurso subordinado, a que alude o direito adjectivo civil no n.º 5 do art.º 633º do Código de Processo Civil, defendendo a propósito:“(…) esta faculdade é restrita aos casos em que o impedimento ao recurso deriva do valor da sucumbência, excluindo outros fatores impeditivos, como o que decorre da situação de dupla conforme…”.

3.1.11. Na Doutrina, em sentido contrário (conquanto previna que a problemática da relevância da dupla conforme no recurso subordinado merece ser aprofundada e enriquecida com outras reflexões), Miguel Teixeira de Sousa, in, Cadernos de Direito Privado, n.º 21 – Janeiro / Março de 2008, Dupla conforme: critério e âmbito da conformidade, páginas 21-27 (25) sustenta a irrelevância do regime da dupla conforme no recurso subordinado, no sentido de que sendo admissível a revista principal, é sempre admissível a revista subordinada, ainda que, quanto à decisão, haja dupla conforme, ao pronunciar-se sobre o normativo adjectivo civil atinente ao recurso independente e recurso subordinado, concretamente o art.º 682º do Código de Processo Civil na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto, que o texto do art.º 633º do novo Código de Processo Civil reproduz, sem alterações, expondo o seu pensamento, aduzindo a seguinte argumentação: “Do exposto decorre a necessidade de construir um critério pelo qual se possa aferir em que condições as decisões das instâncias, respeitantes a diferentes montantes pecuniários, estão abrangidas pelo regime da “dupla conforme”.

O critério proposto desdobra-se nas seguintes premissas:

- O apelante que é beneficiado com o acórdão da Relação relativamente à decisão da 1ª instância – isto é, o réu que é condenado em “menos” do que na decisão da 1ª instância ou o autor que obtém “mais” do que conseguiu na 1ª instância – nunca pode interpor recurso de revista para o Supremo, porque ele também o não poderia fazer de um acórdão da Relação que tivesse mantido a – para ele menos favorável . decisão da 1ª instância;

- O apelado que é prejudicado pelo acórdão da Relação relativamente aquilo que tinha obtido na 1ª Instância só pode interpor recurso de revista se a sua sucumbência for superior a metade da alçada do tribunal da Relação, isto é, exceder €15.000 (cfr. art. 678.º, n.º 1); se assim suceder e se esse apelado interpuser recurso de revista, o apelante pode beneficiar da aplicação analógica do disposto no art. 682.º, n.º 5, e interpor recurso subordinado.

Importa procurar justificar esta aplicação analógica do art. 682.º, n.º 5, à situação em análise. Este preceito dispõe que, se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, ainda que a decisão impugnada seja desfavorável para o respectivo recorrente em valor igual ou inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre. Isto é: a parte que decai num valor que é inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre não pode interpor um recurso independente (cfr. art. 678.º, n.º 1), mas pode recorrer, de forma subordinada, se a contraparte interpuser o seu recurso. Esta solução é ditada pela igualdade e pelo equilíbrio entre as partes: já que uma parte recorre da decisão, a outra também o pode fazer no quantum em que essa decisão lhe é desfavorável. Ora, é esta mesma igualdade e este mesmo equilíbrio que é preciso assegurar quando o apelado esteja impedido de recorrer da decisão da Relação, apesar de lhe ser desfavorável, lhe ser menos desfavorável do que a decisão da 1ª instância. É este o fundamento para a aplicação analógica do art. 682.º, n.º 5, ao caso em apreciação.”      

O mesmo Autor procedeu à publicitação de variados post sobre a temática em referência, no blogue do IPPC, merecendo ser consignado o post no blogue do IPPC, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2016, in, https://blogippc.blogspot.com/2014/07/dupla-conforme-e-recurso-subordinado, adiante reproduzido, que aglutina toda a justificação exposta para sustentara irrelevância do regime da dupla conforme no recurso subordinado, enunciando a este respeito: “1. O art. 671.º, n.º 3, CPC manteve, embora com algumas alterações, o regime da chamada dupla conforme instituído pelo DL 303/2007, de 24/8 (art. 721.º, n.º 3, do CPC). A dupla conforme é um mau regime para cumprir uma função indispensável: a de impor um “filtro” à admissibilidade do recurso de revista, isto é, do recurso a interpor para o STJ. O regime da dupla conforme levanta vários problemas, nomeadamente quando a parte recorrente obtém na Relação uma decisão mais favorável do que aquela que tinha obtido na instância recorrida. A jurisprudência, seguindo a única orientação possível, tem entendido – pelo menos, recentemente – que a situação não impede o funcionamento da regra da dupla conforme (cf., por exemplo, STJ 12/7/2011). A justificação desta solução é evidente: se, na 1.ª instância, o autor obtivera €50.000 e consegue obter €75.000 na 2.ª instância, é claro que não pode recorrer para o STJ; afinal, se tivesse obtido na 2.ª instância os mesmos € 50.000 também não poderia recorrer, porque a isso obstaria o regime da dupla conforme.

2. A regra acima enunciada vale para o caso em que a parte pretende interpor um recurso independente. Importa verificar se a mesma regra de irrecorribilidade também vale quando a parte pretende interpor um recurso subordinado. O problema coloca-se porque, segundo o disposto no art. 633.º, n.º 5, CPC, o recurso subordinado não fica dependente da regra da sucumbência, isto é, a sua admissibilidade não é condicionada pela circunstância de a parte ter ficado vencida em montante que é igual ou inferior a metade da alçada do tribunal a quo. Interessa saber se deste regime pode ser retirado algo para a hipótese em que, atendendo ao critério da dupla conforme, o recurso é admissível para uma das partes, mas inadmissível para a outra parte. Imagine-se a seguinte situação: o autor pede € 100.000 e obtém € 80.000 na 1.ª instância; ambas as partes recorrem (o autor ficou vencido em € 20.000, o réu em € 80.000); a Relação baixa para € 60,000 a condenação do réu; o autor pode recorrer (ficou agora vencido em € 40.000), mas funciona o critério da dupla conforme para o réu (fora condenado em € 80.000, agora é apenas condenado em € 60.000, pelo que é beneficiado pela decisão da Relação); o que se pode perguntar é se, interpondo o autor recurso de revista, o réu pode interpor um recurso subordinado, procurando uma decisão mais favorável do que a condenação em € 60.000.Pode responder-se à questão colocada dizendo que os problemas nada têm em comum: a relevância ou irrelevância da sucumbência refere-se à legitimidade da parte para recorrer; a relevância ou irrelevância da dupla conforme respeita à recorribilidade da decisão. Não parece, no entanto, que esta orientação puramente formal deva ser seguida.

3. Atendendo à regra que se encontra no art. 633.º, n.º 5, CPC, há que considerar duas hipóteses: - A parte que interpõe o recurso subordinado ficou vencida em valor superior a metade da alçada da Relação (isto é, em mais de €15.000);- A parte que interpõe o recurso subordinado ficou vencida em valor igual ou inferior a metade da alçada da Relação.

4. No primeiro caso, a irrelevância do critério da dupla conforme significa apenas que se concede à parte a possibilidade de procurar obter no STJ uma decisão ainda mais favorável do que aquela que conseguiu na 2.ª instância. Por exemplo: o autor pede em 1.ª instância €150.000; nesta instância obtém € 50.000; ambas as partes recorrem para a Relação e esta condena o réu em € 40.000; o autor interpõe recurso de revista; a irrelevância do “filtro” da dupla conforme permite que o réu possa recorrer subordinadamente, procurando obter uma absolvição total.

A favor desta irrelevância há um forte argumento: se se atribuir relevância ao sistema da dupla conforme no recurso subordinado (isto é, se se admitir que a dupla conforme pode obstar a esse recurso), uma das partes pode interpor o recurso com a garantia de que a outra parte (igualmente vencida) não pode recorrer, nem que seja de forma subordinada. No entanto, a circunstância de ambas as partes terem ficado vencidas e de uma delas não poder sequer interpor um recurso subordinado viola o princípio da igualdade das partes. Foi aliás o respeito desta igualdade que impôs a irrelevância da sucumbência da parte no art. 633.º, n.º 5, CPC: como se estabelece neste preceito, se o recurso independente for admissível, também o é o recurso subordinado, ou seja, se uma das partes fizer uso da faculdade de recorrer, a outra parte também tem igual faculdade. A igualdade das partes impõe a irrelevância do regime da dupla conforme no recurso subordinado, de acordo com o princípio de que, se uma das partes recorre, a outra pode sempre recorrer de forma subordinada.

5. O segundo caso implica a conjugação da regra da irrelevância da sucumbência da parte com o regime da dupla conforme. Em relação a esse caso vale igualmente o argumento relativo à igualdade das partes, mas a sua particularidade reside em que se pode perguntar se, apesar de não relevar no recurso subordinado o montante da sucumbência da parte, ainda assim este recurso pode ser considerado inadmissível por força do regime da dupla conforme. Mais em concreto, o que importa determinar é se o regime da dupla conforme se pode sobrepor ao regime da irrelevância da sucumbência da parte.

Se, no recurso subordinado, é irrelevante que a parte tenha ficado vencida numa quantia igual ou inferior a metade da alçada da Relação, ou seja, se o art. 633.º, n.º 5, CPC estabelece um favor impugnationis, não é sistematicamente coerente destruir esse favor impugnationis com o regime da dupla conforme. Por exemplo: o autor pede em 1.ª instância € 150.000; em 1.ª instância obtém € 50.000; ambas as partes recorreram para a Relação e esta condenou o réu apenas em € 10.000; o autor interpõe recurso de revista; o réu pode recorrer subordinadamente, apesar de o valor da sua sucumbência ser inferior a metade da alçada da Relação (€15.000) e de o critério da dupla conforme tornar inadmissível o recurso.

6. Desconhece-se se o legislador de 2007 anteviu todas as consequências da introdução do regime da dupla conforme, mas o art. 9.º, n.º 3, CC impõe que se presuma que o legislador não pretendeu nem violar o princípio da igualdade das partes, permitindo apenas que, havendo duas partes vencidas, somente uma delas possa interpor recurso, nem criar uma incongruência entre a irrelevância do montante da sucumbência no recurso subordinado e a relevância da dupla conforme nesse mesmo recurso.

7. Não é preciso acrescentar que a problemática da relevância da dupla conforme no recurso subordinado merece ser aprofundada e enriquecida com outras reflexões.”

De igual modo, seguindo de perto este entendimento que sufraga a irrelevância do regime da dupla conforme no recurso subordinado, Rui Pinto, em anotação ao art.º 633º do Código de Processo Civil, in, Código de Processo Civil anotado, volume II, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, páginas 247-256 (253-255), sustenta: “I. Naturalmente que o recurso subordinado deve cumprir os pressupostos da legitimidade do artigo 631.º (incluindo não renúncia (cf. artigo 632.°), recorribilidade (incluindo quanto ao valor da causa e sucumbência) dos artigos 629.º e 630.º e a tempestividade, conforme o artigo 638.°.

No entanto, a lei expressamente “aligeirou" esses pressupostos, nos n.ºs 2, 4 e n.º 5, por meio de:

- o início do prazo de interposição do recurso subordinado ter lugar com a notificação da interposição do recurso principal (n.º 2);

- a ineficácia da renúncia ao recurso ou da aceitação tácita da decisão (n.º 4), ou seja entende-se que a parte renunciou a um recurso independente, mas não ao recurso subordinado (cf. artigo 632.º);

- a irrelevância do valor da sucumbência não ser superior a metade da alçada do tribunal de que se recorre (cf artigo 629.º n.º 1 segunda parte), desde que o recurso independente seja admissível (n.º 5).

Veja-se, pois, que, a lei quis assegurar que sempre que uma parte pudesse recorrer a título principal a, outra também o poderia, desde que subordinadamente (assim, TEIXEIRA DE SOUSA, Dupla conforme e recurso subordinado, https://blogippc.blogspot.pt/2014/07/dupla-conforrne-e-recurso-subordinado.html). Efectivamente, enquanto os pressupostos recursórios objetivos (valor da causa, recorribilidade da decisão) sempre dariam recorribilidade a ambas as partes ou a nenhuma, já o mesmo não sucederia com os pressupostos recursórios objetívos: o recorrente principal poderia ter sucumbência suficiente - e não ter renunciado, mas o mesmo poderia não suceder do lado oposto. Daí a salvaguarda dada pela lei nos n.ºs 4 e 5.

II. Sucede que em sede de revista a lei prevê, adicionalmente, o pressuposto negativo da dupla conforme, do artigo 671.º n.º 4. Está dele dispensado o recorrente subordinado? A lei não determina expressamente; o que se pode retirar deste silêncio do legislador? 

Na doutrina, TEIXEIRA DE SOUSA, Dupla conforme e recurso subordinado, https://blogippc.blogspot.pt/2014/07/dupla-conforme-e-recurso-subordinado.html, defende que a “igualdade das partes impõe a irrelevância do regime da dupla conforme no recurso subordinado, de acordo com o princípio de que, se uma das partes recorre, a outra pode sempre recorrer de forma subordinada”.

Neste sentido, na jurisprudência o ac. STJ 18-6-2014/Proc. 4189/09.5TBOER.L1.S1 (ÁLVARO RODRIGUES) decidiu que “[s]e o recurso independente for admissível, também o será o recurso subordinado - ainda que relativamente a este se verifique uma dupla conformidade entre a decisão da primeira instância e a da Relação - sendo de acolher a aplicação analógica do n.º 5 do art. 682.º do. NCPC (2013)”, o que o ac. STJ 19-1-2017 (Proc. 3/13.5TBVR.G1-A.S1 (ANTÓNIO DA SILVA GONÇALVES) justifica por “o real pensamento legislativo, que só não foi explicitamente consagrado porque disso se não terá apercebido o legislador no momento em que procedeu à sua redação, dizendo menos do que pretendia”.

Pensamos que, na dúvida interpretativa, há que seguir a via mais conforme ao direito ao recurso, segundo o princípio pro actione ou favor actionis decorrente do artigo 20.° n.ºs 1 e 4 da Constituição, com suporte ordinário no artigo 2.º N.º 1. Como tal, aderimos ao entendimento de TEIXEIRA DE SOUSA, como posição de princípio.

III. Dito isto, não pode deixar de ser notado que, porventura, as situações, em que TEIXEIRA DE SOUSA se depara com a necessidade de afastar o limite da dupla conforme, não o serão, sequer. Nomeadamente, a situação em que o Réu vê baixada pela Relação a sua condenação inicial no pagamento de quantia certa, pode não configurar uma situação de dupla conforme (ver anotação ao artigo 671.° n.º 4). Se assim for, a necessidade teórica de afastar o limite da dupla conforme, resulta de a aferição da dupla conforme ser (exclusivamente) realizada com raciocínios de inclusão quantitativa entre decisão da primeira instância e acórdão da Relação, que, porventura não será de seguir. Para que se perceba o que estamos a dizer imagine-se o seguinte: se a Relação confirmar uma divisão de coisa comum, apesar do réu ter legitimidade recursória (cf. artigo 631.º n.º 1), ele tem contra si a dupla conforme; ora, como autor foi vencedor – e, por isso, ao contrário do réu, não pode recorrer (cf. artigo 631.º n-º 1) – ergo também o réu não pode recorrer a título subordinado, porquanto falece o pressuposto de “ambas as partes ficarem vencidas” (n.º 1 do artigo). Ou seja: são os efeitos menos positivos do entendimento da dupla conforme nas situações de inclusão entre os efeitos das decisões que colocam a doutrina na necessidade de afastar a própria dupla conforme em sede de recurso subordinado.”

3.1.12.Na Jurisprudência, interpretando o art.º 633° n.º 5 do Código de Processo Civil no sentido de reconhecer que este preceito adjectivo civil, ao deixar de estabelecer expressamente na sua letra que o recurso subordinado é admissível mesmo havendo dupla conforme, é porque tal pressuposto é exigido como requisito negativo de admissibilidade do recurso subordinado, donde, verificada a dupla conforme, é inadmissível o recurso subordinado, identificámos diversos arestos proferidos, mencionando-se, a propósito os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Março de 2015 (Processo n.º 46/09.3TBSLV.E1.S1,com voto de vencido); de 9 de Julho de 2015 (Incidente n.º 17/11.0TVPRT.P1.S1); de 10 de Março de 2016 (Processo nº. 1602/10.2TBVFR.P1.S1); de 19 de Maio de 2016 (Processo n.º 645/12.6TVLSB.L1.S1); de 9 de Novembro de 2017 (Processo n.º 549/08.7TBAMR.G1.S1); de 9 de Novembro de 2017 (Processo n.º 26399/09.5T2SNT.L1.S1); de 16 de Novembro de 2017 (Processo n.º 576/14.5TBSJM.P1.S1); de 20 de Dezembro de 2017 (Processo n.º 2909/10.4TBVCD.P1-A.S1); de 13 de Novembro de 2018 (Processo n.º 1086/09.8TJVNF.G1.S1); e de 6 de Dezembro de 2018 (Processo n.º 456/14.4TVLSB.L1.S1, com voto de vencido).

A consignada Jurisprudência, trilhando o caminho percorrido, sustentada pela Doutrina, e sem esquecer que outros arestos têm feito diferenciada reflexão sobre a interpretação do art.º 633° n.º 5 do Código de Processo Civil, reconhece que o enunciado normativo adjectivo civil, ao deixar de estabelecer declaradamente na sua letra que o recurso subordinado é admissível mesmo havendo dupla conforme, é porque tal pressuposto é exigido como requisito negativo de admissibilidade do recurso subordinado, sendo inadmissível o recurso subordinado, quando a Relação confirma a sentença da 1ª Instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente.

Na verdade, perfilha a aludida Jurisprudência, conquanto se atenda que o recurso deve cumprir os pressupostos da legitimidade do art.º 631º do Código de Processo Civil; da recorribilidade, incluindo quanto ao valor da causa e sucumbência, conforme prevenido art.º 629º do Código de Processo Civil; e da respectiva tempestividade, decorrente do art.º 638° do Código de Processo Civil, a lei adjectiva civil, não deixou de alijar estes pressupostos, estando em causa a interposição de recurso subordinado, conforme decorre dos n.ºs 2, 4 e 5 do art.º 633º do Código de Processo Civil, concretamente, a irrelevância do valor da sucumbência mesmo quando não seja superior a metade da alçada do tribunal de que se recorre (art.º 629º n.º 1 do Código de Processo Civil), desde que o recurso independente seja admissível (art.º 633º n.º 5 do Código de Processo Civil).

Trata-se de um desvio à regra da admissibilidade em função do valor da sucumbência, permitindo que o recorrente subordinado possa recorrer por dependência do recurso principal da contraparte, ainda que o não pudesse fazer autonomamente, dada a limitação derivada do valor da sucumbência.

No entanto, sufraga a afirmada Jurisprudência que a possibilidade de alijar os pressupostos de admissibilidade do recurso, nomeadamente, a recorribilidade, estando em causa a interposição de recurso subordinado, apenas abarca as situações de irrecorribilidade em função do valor da sucumbência, pois, se esta decorrer de ausência de outros requisitos, verbi gratia, por ser vedado o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça atenta a existência de dupla conforme relativamente à concreta questão decidida desfavoravelmente, ou por outro motivo de ordem legal, a interposição do recurso principal não pode ser invocada como fundamento para a admissão de recurso subordinado.

A enunciada Jurisprudência assume a interpretação do art.º 633° n.º 5 do Código de Processo Civil no sentido de que este preceito adjectivo civil, apenas atenua os efeitos ligados ao pressuposto de recorribilidade em função da sucumbência, não admitindo abrir múltiplos graus de jurisdição, ainda que por via subordinada, quanto a decisões cuja irrecorribilidade encontre na lei outros motivos, designadamente, quando está em causa um acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão da 1.ª Instância, obstando a discussão do objecto do recurso, em razão do regime jurídico estabelecido para a dupla conforme - n.º 3 do art.º 671.º do Código de Processo Civil - .

3.1.13. Mencionamos, adiante, segmentos dos citados arestos:

“(…) Nesta conformidade, havendo dupla conforme na situação desenhada pela recorrida, é inadmissível a ampliação subsidiária do âmbito do recurso, que mais não é do que um recurso subordinado, como aliás, deixa subentendido na sua justificação com vista à admissibilidade do recurso ampliado, invocando o disposto no artigo 633º nº 5 do Código de Processo Civil.” Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2018 (Processo n.º456/14.4TVLSB.L1.S1), in, www.dgsi.pt., com declaração de voto de vencido da Senhora Juiz Conselheira Maria dos Prazeres Beleza “Vencida quanto à não admissão do recurso subordinado, apresentado pela recorrida como ampliação subsidiária do âmbito do recurso. Como se decidiu, nomeadamente, nos acórdãos desta secção de 4 de Junho de 2015, www.dgsi.pt, proc. n.º1166/0.7TBVCD.P1.S1 ou de 19 de Outubro de 2016, www.dgsi.pt, proc. n.º 3/13.5TBVR.G1-A.S1, “sendo admissível a revista principal, é admissível a revista subordinada, ainda que, quanto a esta, haja dupla conforme”, aplicando-se “por analogia o regime previsto pelo nº 5 do artigo 633º do Código de Processo Civil para a eventualidade de ser interposto recurso principal e de se questionar a possibilidade de recurso subordinado, por falta de sucumbência suficiente” (acórdão de 4 de Junho de 2015). Discordo ainda do pressuposto em que assentou a afirmação da existência de dupla conforme, que é a sua aferição por segmentos decisórios; como tenho entendido, a diferenciação só será admissível quanto a objectos materialmente autónomos.”

“O recurso de revista subordinado está sujeito à regra da inadmissibilidade do recurso em caso de dupla conforme, estabelecida no n.º 3 do art. 671.º, não sendo aplicável, neste caso, o disposto no n.º 5 do art. 633.º, ambos do CPC.”Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 2018 (Processo n.º 1086/09.8TJVNF.G1.S1),in, www.dgsi.pt.

“I - Carece de legitimidade para recorrer, ainda que subordinadamente, do acórdão da Relação, a parte, reclamante, que não tenha ficado vencida.

II - Em todo o caso, o recurso subordinado de revista interposto seria inadmissível por existir dupla conforme à questão decidida desfavoravelmente.” Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Dezembro de 2017 (Processo n.º 2909/10.4TBVCD.P1-A.S1)

“II - A possibilidade consagrada no art. 633.º, n.º 5, do CPC – que constitui um desvio à regra da admissibilidade do recurso em função do valor da sucumbência, permitindo ao recorrente subordinado recorrer, por dependência do recurso principal, ainda que não o pudesse fazer autonomamente dado o referido valor – apenas abarca as limitações ao recurso subordinado em função da sucumbência, não se estendendo à ausência de outros requisitos, como sucede com o condicionamento decorrente da existência de dupla conforme.” Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2017 (Processo n.º 576/14.5TBSJM.P1.S1)

“Por tudo isto e porque a decisão do acórdão recorrido constitui dupla conforme em relação à ré, nos termos e para os efeitos do nº3 do art. 671º do CPC, impõe-se concluir pela procedência da questão prévia suscitada pela autora e, consequentemente, pela inadmissibilidade do recurso subordinado interposto pela ré/reconvinte.”. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 2017 (Processo n.º 26399/09.5T2SNT.L1.S1), in, www.dgsi.pt.

“III - A dupla conformidade relevante respeita à decisão e não aos seus fundamentos. 

IV - Decidindo as instâncias, coincidentemente, absolver do pedido a interveniente seguradora, existe dupla conforme – art. 671.º, n.º 3, do NCPC (2013) – obstativa do conhecimento, quanto a esta, do recurso subordinado interposto pela ré. (…)” Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2016(Processo n.º 645/12.6TVLSB.L1.S1), in, www.dgsi.pt.

“I - Face ao disposto na parte final do n.º 5 do art. 633.º do NCPC (2013), a ocorrência de dupla conforme, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do art. 671.º do mesmo Código, mantém-se como requisito de inadmissibilidade do recurso de revista subordinado. (…)” Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2016(Processo n.º 1602/10.2TBVFR.P1.S1), in, www.dgsi.pt.

“I - O art. 671.º, n.º 3, do NCPC (2013), reporta-se à confirmação da “decisão proferida na 1.ª instância” que conheça do pedido ou que tome posição sobre o seu não conhecimento. 

III - Verificando-se os pressupostos de admissibilidade do recurso relativamente a uma parte e não relativamente à outra, o quadro de diversidade substancial de posições admite, sem violação do princípio da igualdade, o deferimento num caso e o indeferimento no outro. 

IV - O artigo 633.º, n.º 5, do NCPC – que impõe a admissão do recurso subordinado, independentemente da sucumbência, se o principal for admissível –, sendo uma norma excecional, não comporta interpretação analógica (art. 11.º do CC).”Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2015 (Incidente n.º 17/11.0TVPRT.P1.S1).

“I - Para que se verifique a dupla conforme impeditiva do recurso de revista, é necessário que exista uma coincidência do juízo normativo e valorativo que possa ser oposta à parte que recorre e que lhe transmita a ideia de que, tendo dois tribunais, sem divergência, repetido o mesmo juízo essencial sobre a questão que lhes foi colocada, não se justifica que se lhe abra um terceiro juízo. (…)

III - Porém, tendo em ambas as instâncias se concluído pela existência de responsabilidade da ré “F., Lda.”, verifica-se dupla conforme, o que conduz à inadmissibilidade do recurso subordinado interposto pela ré seguradora, unicamente com esse fundamento.” Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Março de 2015 (Processo n.º 46/09.3TBSLV.E1.S1), com voto de vencido da Senhora Juiz Conselheira Maria dos Prazeres Beleza.

3.1.14. Na Jurisprudência, distinguimos também arestos com entendimento divergente daqueloutro acabado de afirmar quanto à interpretação do art.º 633° n.º 5 do Código de Processo Civil, apelando à interpretação extensiva deste preceito adjectivo civil ou à analogia, assumindo que, embora a letra da lei não o diga expressamente, o sentido da lei é o de que, sendo admissível a revista principal, é sempre admissível a revista subordinada, ainda que, quanto à decisão, haja dupla conforme.

Esta orientação jurisprudencial, quer adoptando uma aplicação indirecta da regra ínsita no n.º 5 do art.º 633º do Código de Processo Civil, quer avocando uma aplicação directa deste normativo, por interpretação extensiva, sustentando sobretudo a semelhança entre as hipóteses de inadmissibilidade da revista por dupla conforme e por falta de sucumbência, aceita que embora a letra da lei não o diga expressamente, o seu sentido é o de que, sendo admissível a revista independente é sempre admissível a revista subordinada, ainda que, quanto à decisão, haja dupla conforme, como se colhe de alguns arestos do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Março de 2019 (Processo n.º 9913/15.4T8LSB.L1.S1); de 3 de Maio de 2018 (Processo n.º 428/12.3TVLSB.L1.S1): de 19 de Outubro de 2016 (Processo n.º 3/13.5TBVRL.G1-A.S1); de 21 de Janeiro de 2016 (Processo n.º 76/12.8T2AND.P1.S1); de 4 de Junho de 2015 (Processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1);e de 18 de Junho de 2014 (Processo n.º 4189/09.5TBOER.L1.S1).

Citamos, neste âmbito, segmentos destes arestos:

“I - O princípio da igualdade exige a aplicação da regra do n.º 5 do art. 633.º do CPC aos casos em que a decisão impugnada através do recurso subordinado preencha os pressupostos do n.º 3 do art. 671.º do CPC; sendo admissível a revista principal, é admissível a revista subordinada, ainda que quanto a esta, haja dupla conforme. (…)” Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Março de 2019(Processo n.º 9913/15.4T8LSB.L1.S1),in, www.dgsi.pt.

“Conhecer-se-á do recurso subordinado interposto pelo Réu, não obstante a existência de dupla conforme, relativamente ao segmento autónomo da decisão da Relação sobre que incide, atento o especial regime garantístico constante do n.º 5 do art. 633.º do CPC.” Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 2018 (Processo n.º 428/12.3TVLSB.L1.S1)

“V - O regime previsto pelo n.º 5 do art. 633.º do NCPC (2013) para a eventualidade de ser interposto recurso principal e de se questionar a possibilidade de recurso subordinado, por falta de sucumbência suficiente – em função do qual, sendo admissível revista principal, é admissível a revista subordinada – deve ter-se por aplicável, ainda que quanto a matéria especificamente controvertida no recurso subordinado haja dupla conforme. (…)”Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 2016(Processo n.º 76/12.8T2AND.P1.S1)

“I - Apesar das instâncias terem coincidido quanto à determinação do momento do início da contagem dos juros de mora, se a Relação aumentou, em relação à decisão da 1.ª instância, as indemnizações a que os juros respeitam, tal não chega para se afirmar existir dupla conformidade.

II - Ainda que assim não fosse, aplicar-se-ia, por analogia, o regime previsto pelo n.º 5 do art. 655.º do NCPC (2013) para a eventualidade de ser interposto recurso principal e de se questionar a possibilidade de recurso subordinado, por falta de sucumbência suficiente: sendo admissível a revista principal, é admissível a revista subordinada, ainda que quanto a esta, haja dupla conforme. (…)” Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho 2015 (Processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1), in, www.dgsi.pt.

I - Se o recurso independente for admissível, também o será o recurso subordinado – ainda que relativamente a este se verifique uma dupla conformidade entre a decisão da primeira instância e a da Relação –, sendo de acolher a aplicação analógica do n.º 5 do art. 682.º do NCPC (2013), preconizada pelo ilustre processualista que é Miguel Teixeira de Sousa. (…)”Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Junho 2014 (Processo n.º 4189/09.5TBOER.L1.S1).

3.1.15. Como decorre da anunciada Jurisprudência e Doutrina que encerram entendimentos opostos na interpretação do art.º 633° n.º 5 do Código de Processo Civil, não se torna simples reconhecer uma ou outra orientação interpretativa do mencionado normativo adjectivo civil, exigindo cuidadosa reflexão sobre a argumentação esgrimida na respectiva defesa.


Não deixamos, porém, de concluir que o pressuposto da dupla conforme é exigido como requisito negativo de admissibilidade do recurso subordinado, importando a inadmissibilidade do recurso subordinado, verificado que seja que o acórdão recorrido foi confirmativo da sentença proferida em 1ª Instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, em detrimento daqueloutra orientação que defende a interpretação extensiva do preceito ou o recurso à analogia, na medida em que, embora a letra da regra adjectiva civil não o diga expressamente, o sentido da mesma é o de que, sendo admissível a revista principal, é sempre admissível a revista subordinada.

3.1.16. Como já adiantamos, a lei processual civil estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, determinando que a admissibilidade dum recurso depende da legitimidade de quem recorre; ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito; e ser a decisão proferida recorrível, não se questionando, pois, que o recurso subordinado deve cumprir os pressupostos da legitimidade, decorrentes do art.º 631º do Código de Processo Civil; a respectiva tempestividade estabelecida no art.º 638° do Código de Processo Civil, bem como a recorribilidade, tendo em atenção o estatuído no art.º 629º do Código de Processo Civil, sendo que, neste particular do regime recursivo consagrado, entendeu o legislador, por bem, atenuar os respectivos pressupostos (recurso subordinado),concretamente, declarando expressamente a irrelevância do valor da sucumbência, desde que o recurso independente seja admissível - art.º 633º n.º 5 do Código de Processo Civil -

Na verdade, por razões de política legislativa, entendeu o legislador que um prejuízo de valor igual ou inferior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão era insignificante e não justificava o investimento de meios humanos e materiais nos Tribunais Superiores que a interposição, tramitação e julgamento de um recurso implicava, daí que condicionou a admissibilidade do recurso à verificação desse valor mínimo, importando que, sempre que a medida da sucumbência não exceda esse limite, a parte vencida está impedida de interpor recurso principal ou independente para apreciar e sindicar a respectiva decisão (art.º 629º do Código de Processo Civil), porém, independentemente do valor da sucumbência, o recurso de revista, quando interposto subordinadamente, pode ser apreciado, reconhecendo a irrelevância da sucumbência na interposição de recurso subordinado, caso em que, por expressa previsão da lei (art.º 633º n.º 5 do Código de Processo Civil) aquele recurso será admissível.

Esta regra recursiva encerra, em si, como adiantamos, um desvio aos pressupostos da admissibilidade do recurso, especificamente em função do valor da sucumbência, admitindo o recurso subordinado a quem se insurja contra o acórdão recorrido, por dependência do recurso principal da contraparte, ainda que o não pudesse fazer autonomamente, dada a limitação derivada do valor da sucumbência.

Discute-se, no entanto, se este alijar dos pressupostos de admissibilidade do recurso subordinado é aplicável, exclusivamente, aos casos em que o único obstáculo ao recurso autónomo advém do facto do valor da sucumbência ser inferior a metade da alçada do Tribunal a quo, ou também a outras situações de irrecorribilidade, nomeadamente, quando verificada a dupla conforme, enquanto impedimento à apreciação do recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça, bastando a invocação da interposição e admissibilidade do recurso principal, como fundamento para a admissão de recurso subordinado.

À enunciada questão, sopesada que foi toda a argumentação trazida à discussão, com vista a suportar as enunciadas interpretações do art.º 633° n.º 5 do Código de Processo Civil, temos por nós, reiteramos, que este preceito adjectivo civil, enquanto norma excepcional, apenas mitiga o efeito atinente ao pressuposto de recorribilidade em função da sucumbência, não admitindo múltiplos graus de jurisdição, ainda que por via subordinada, designadamente, quando está em causa um acórdão da Relação que, relativamente ao recorrente, confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª Instância, impondo-se, por isso, em razão do regime jurídico estabelecido para a dupla conforme decorrente do art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil, o não conhecimento do objecto do recurso interposto subordinadamente.

Em abono do reconhecimento desta orientação, importa realçar que na interpretação das leis, conforme decorre do direito substantivo civil “o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” - art.º 9º n.º 3 do Código Civil -.

A este propósito, Pires de Lima e Antunes Varela, in, Código Civil anotado, Volume I, página 16, em anotação ao aludido preceito substantivo civil sustentam que “o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios”, destacando-se, por isso, que na exegese da lei, descortinando o respectivo sentido e alcance, não se deverá atender somente à letra da lei, sendo pacificamente aceite que na respectiva interpretação também intervêm elementos lógicos, de ordem sistemática (condizente à ordem jurídica em que se integra a norma jurídica a interpretar, importando a consideração da unidade do sistema jurídico), histórica (reconhecimento e consideração dos acontecimentos históricos que aclaram a criação da lei, concretamente, os trabalhos preparatórios e todo a realidade social que envolveu o seu aparecimento) e racional ou teleológica (a razão de ser da lei sustentada na respectiva justificação e no objectivo pretendido com a sua criação).

A interpretação da lei exige, assim, a consideração do elemento literal que necessariamente encerra o primeiro passo, todavia, importa atender que deverá ser obrigatoriamente acompanhado daqueles enunciados elementos lógicos, que integram “todos os restantes factores a que se pode recorrer para determinar o sentido da norma”, nas palavras de Oliveira Ascensão, in, O Direito Introdução e Teoria Geral, 13ª Edição Refundida, página 407, que afirma ainda, a propósito, “Antes devemos distinguir uma apreensão literal do texto, que é o primeiro e necessário momento de toda interpretação da lei, pois a letra é o ponto de partida. Procede-se já a interpretação, mas a interpretação não fica ainda completa. Há só uma primeira reacção em face da fonte, e não o apuramento do sentido, E ainda que venha a concluir-se que esse sentido é de facto coincidente com a impressão literal, isso só se tomou possível graças a uma tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal”, ibidem, página 406, o que, de resto, se identifica com o pensamento de Baptista Machado, in, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1994, páginas 181e182quando declara “Convém salientar, porém, que o elemento gramatical (“letra da lei”) e o elemento lógico (“espírito da lei”) têm sempre que ser utilizados conjuntamente. Não pode haver, pois, uma modalidade de interpretação gramatical e uma outra lógica; pois é evidente que o enunciado linguístico que é a “letra da lei” é apenas um significante, portador de um sentido (“espírito”) para que nos remete.”

Interiorizados estes ensinamentos, e revertendo ao caso sub iudice, acentuamos que o legislador disse o que queria ao não incluir a possibilidade de recurso subordinado nos casos de dupla conforme, sendo este o sentido decisivo do preceito adjectivo civil em análise - n.º 5 do art.º 633º do Código de Processo Civil -desde logo porque não se distingue por que razão é que, pretendendo mais este regime de excepção, o legislador não o consignou igualmente na lei, daí que, tratando-se de concordância dos julgados nas Instâncias, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, e na ausência de norma em contrário, o recurso subordinado de revista está sujeito à regra genérica da inadmissibilidade.

Por outro lado, sendo incontroverso que o preceito adjectivo civil não estatui expressamente na sua letra que o recurso subordinado é admissível, havendo dupla conforme, afirmamos, salvo o devido respeito por opinião contrária, não ser judicioso o recurso à analogia, por uma aplicação indirecta da regra do n.º 5 do art.º 633º do Código de Processo Civil, ou por uma aplicação directa, por interpretação extensiva, com o argumento, notadamente, da semelhança entre as hipóteses de inadmissibilidade da revista por dupla conforme e por falta de sucumbência, a par de que tão pouco se justifica esta solução pela ratio legis envolvente da disciplina ínsita no recurso subordinado.

A orientação que defende a interpretação extensiva do n.º 5 do art.º 633º do Código de Processo Civil ou o recurso à analogia, não é, a nosso ver convincente, porquanto, desde logo, esta regra adjectiva civil foi introduzida, corria o ano de 1985, na reforma do Código de Processo Civil de 1961, quando tão pouco se antecipava a limitação ao recurso de revista sustentada na figura da dupla conforme (contemplada, mais tarde, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto), não se alcançando, assim, como é que se poderá afirmar que o legislador se se tivesse apercebido, teria estendido ao recurso subordinado a irrelevância da dupla conforme, acrescentando ao valor da sucumbência também a dupla conforme, continuando, assim, a equiparação da disciplina do recurso subordinado ao regime adstrito ao recurso independente quanto à irrecorribilidade no caso de se verificar a dupla conforme, tanto mais que jamais se poderá cogitar a verdadeira vontade do legislador quando, como dissemos, a regra recursiva atinente ao n.º 5 do art.º 633º do Código de Processo Civil, introduzida pela reforma do Código de Processo Civil de 1961, no ano de 1985, ocorreu mais de 20 anos antes da consagrada limitação ao recurso de revista sustentada na figura da dupla conforme.

Outrossim, como sabemos, a analogia recebe acolhimento no art.º 10º do Código Civil que estatui sobre a integração das lacunas da lei ao consignar “1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos” e “2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.” “3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema”.

Estando em causa a chamada analogia, exige-se encontrar o respectivo critério numa premissa lógico-jurídica, dirigida directamente à determinação de um princípio geral do Direito, obtido por abstracção a partir do conjunto de normas em causa através de um processo de indução universal ou generalizante, porque sem deixar de pressupor a mediação de uma pluralidade de normas e institutos jurídicos invoca imediatamente um princípio geral.

Assim sendo, sempre se dirá que não vemos como contornar a previsão substantiva civil do art.º 11º do Código Civil ao estatuir que as normas excepcionais não comportam aplicação analógica, precisamente o caso do n.º 5 do art.º 633º do Código de Processo Civil que reconhecemos como uma norma excepcional, pois, como sabemos, o direito, como qualquer outra ordem normativa, possui várias regras que se aplicam aos acontecimentos comuns, porém, para circunstâncias concretas, como no caso, atinente às regras do recurso subordinado, importou legislar um outro preceito, sendo este especifico e aplicável apenas a certa ou certas hipóteses, ao que aqui interessa as regras recursivas do recurso subordinado, daí a sua excepcionalidade.

Ademais, ao interpretarmos o n.º 5 do art.º 633° do Código de Processo Civil, no sentido de que este preceito adjectivo civil, ao deixar de estabelecer expressamente na sua letra que o recurso subordinado é admissível, havendo dupla conforme, ditando o pressuposto da dupla conforme como requisito negativo de admissibilidade do recurso subordinado, e, assim, a inadmissibilidade do recurso subordinado, não importa esta exegese a violação do princípio da igualdade das partes e/ou tratamento discriminatório, face à circunstância de ambas as partes terem ficado vencidas e de uma delas não poder sequer interpor um recurso subordinado.

Neste particular, poder-se-ia argumentar que se uma das partes recorre, a outra pode sempre recorrer de forma subordinada, sob pena de ao deixar de reconhecer a irrelevância do regime da dupla conforme no recurso subordinado, estar-se-ia a postergar o princípio da igualdade das partes, constitucionalmente garantido, como advogam aqueles que recorrendo à interpretação extensiva do n.º 5 do art.º 633º do Código de Processo Civil ou com recurso à analogia sustentam que, embora a letra da lei não o diga expressamente, o sentido da lei é o de que, sendo admissível a revista principal, é sempre admissível a revista subordinada, ainda que, quanto à decisão, haja dupla conforme.

Não o entendemos assim.

Não distinguimos em que medida é que, sendo admissível a revista independente, a não admissão do seu recurso subordinado, em razão da dupla conforme, poderia colocar em causa o princípio da igualdade das partes a que alude o direito adjectivo civil - art.º 4º do Código de Processo Civil - pois, como já antecipamos ao conceptualizarmos o recurso subordinado, facilmente se colhe que o recurso independente e o recurso subordinado encerram duas realidades distintas, na medida em que o objecto do recurso independente incide sobre a decisão de Relação na parte em que revogou o decidido na 1ª Instância, havendo divergência nas duas instâncias de recurso nessa parte, e o objecto do recurso subordinado recai sobre o acórdão recorrido mas numa parte em que ambas as Instâncias se pronunciaram no mesmo sentido.

Acresce, respeitando sempre opinião contrária, não nos parecer que o princípio da igualdade das partes imponha, por si só, a irrelevância do regime da dupla conforme no recurso subordinado, nem que ocorra tratamento discriminatório ao deixar de equiparar a sucumbência e a dupla conforme, enquanto circunstâncias irrelevantes à admissibilidade do recurso subordinado, bastando recordar que a irrecorribilidade em função do valor da sucumbência e em virtude da dupla conforme, ainda que sustentada em razões que importam a limitação de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, assenta, numa e noutra hipótese, em pressupostos claramente diferenciados, sendo a limitação condizente ao valor da sucumbência, de índole quantitativa e portanto acentuadamente formal, ao invés da limitação atinente à dupla conforme que é de natureza substantiva, circunscrita à revista, determinada pela concordância dos julgados nas Instâncias, encerrando, reconhecidamente, e nesta medida, garantias de segurança jurídica face ao crivo revelado pelas Instâncias que dirimiram no mesmo sentido.

Também aqui aprovamos a argumentação de António Santos Abrantes Geraldes, vertida na anotação ao art.º 633º do Código de Processo Civil, in, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, páginas 97-106 (101-103) quando afirma “poderá retorquir-se que ao regime especial de admissibilidade do recurso subordinado subjazem motivos que não são equiparáveis aos que marcam a restrição ao recurso de revista em situações de dupla conformidade. O filtro legal correspondente às situações de dupla conforme encontra uma motivação bem diversa daquela que presidiu ao impedimento sustentado no critério da sucumbência: a limitação constante do n.º 1 do art, 629.°, que o n.º 5 do art. 633.ºafastou, assenta num fator meramente quantitativo que o legislador - e bem - desconsiderou nos casos em que a outra parte interpõe recurso; já a limitação que decorre da verificação de uma situação de dupla conforme traduz uma opção legislativa de âmbito mais vasto e com raízes mais profundas que levaram a considerar que a confirmação da decisão da 1.ª instância, sem voto de vencido e com fundamentação substancialmente idêntica, confere suficientes garantias de segurança (art.º 671.º n.º 3).


Considero, assim que inexiste fundamento para sujeitar ao regime do n.º 5 do art. 633.º os casos em que a parte não recorrente se debata com uma situação de dupla conforme, a qual apenas pode ser contornada através do mecanismo da revista excecional previsto no art. 672.º.

Com efeito, para além da falta de apoio na letra da lei para a solução oposta (elemento literal; não se verificam nas situações de dupla conforme as razões que levaram o legislador a admitir a agregação ao recurso principal do recurso subordinado impulsionado pela contraparte cujo decaimento seja inferior a metade da alçada da Relação (elemento racional ou teleológico).”

Neste mesmo sentido, a respaldar a orientação acolhida de que ao deixar de equiparar a sucumbência e a dupla conforme, enquanto circunstâncias irrelevantes à admissibilidade do recurso subordinado, não se coloca, de todo, em crise, o princípio da igualdade das partes, tão pouco encerra qualquer tratamento discriminatório, também invocamos o raciocínio vertido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2016 (1602/10.2TBVFR.P1.S1) que demonstra, a nosso ver, por forma esclarecida, argumentação bastante que infirma que a orientação adoptada (o valor da sucumbência e a dupla conforme não devem ser equiparadas enquanto circunstâncias irrelevantes à admissibilidade do recurso subordinado) viola o princípio da igualdade das partes, constitucionalmente garantido, ou encerra tratamento discriminatório, enunciando-se, a propósito o seguinte trecho jurisprudencial: “não nos parece que o princípio da igualdade das partes imponha, por si só, “a irrelevância do regime da dupla conforme no recurso subordinado”, como vem sustentado por Teixeira de Sousa in blogippc.blogspot.pt.[...], nem que ocorra tratamento discriminatório, tanto mais que a irrecorribilidade em função do valor da sucumbência e em virtude da dupla conforme, ainda que repousando em razões de economia da jurisdição dos tribunais superiores, em especial, do Supremo Tribunal de Justiça, assenta, numa e noutra hipótese, em pressupostos algo distintos: aquela, de cariz quantitativo e portanto acentuadamente formal; esta de natureza substancial, confinada ao âmbito da revista, ditada pela concordância dos julgados nas instâncias.”

Recentrando a questão da interpretação do art.º 633º n.º 5 do Código de Processo Civil ao perscrutar o sentido decisivo deste preceito adjectivo civil, enxergamos que o mesmo não declara, nem na sua letra, nem no seu sentido, que a dupla conforme seja irrelevante para a admissibilidade do recurso subordinado, ao invés, prevê, declaradamente, apenas uma excepção ao regime legal de admissão do recurso, permitindo a admissibilidade do recurso subordinado, mesmo nos casos em que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor inferior a metade da alçada do tribunal de que recorre, o que, de resto, vai ao encontro da razão de ser da norma, no fim visado pelo legislador ao criar a norma, nas soluções que teve em vista e que pretende realizar, no caso, a racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça por via do regime da dupla conforme como obstáculo à revista, estatuindo que este regime legal da dupla conforme é imperativo e específico da revista, prevendo taxativamente os casos em que, apesar da dupla conforme, a revista será excepcionalmente conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça, sendo esses casos, apenas e só, aqueles em que o recurso é sempre admissível, conforme decorre do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil, não se descortinando o regime da dupla conforme, como excepção da inadmissibilidade de revista, quando está em causa o recurso de revista subordinado, realçando-se o lugar sistemático da norma interpretada no ordenamento jurídico, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca do ordenamento jurídico, entendido como um todo, e, por isso, o art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil, enquanto norma específica da revista, não deixará de concorrer com o art.º 633º n.º 5 do Código de Processo Civil, excluindo a possibilidade de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, do recurso subordinado, em casos de dupla conforme.

Tudo visto, levado a cabo a apreensão literal do texto, enquanto ponto de partida necessário à interpretação do preceito adjectivo civil - art.º 633º n.º 5 do Código de Processo Civil - conjugada com os declarados elementos lógicos, de ordem sistemática, histórica e racional, não vemos como não deixar de concluir que o aludido preceito adjectivo civil apenas mitiga o efeito atinente ao pressuposto de recorribilidade em função da sucumbência, não admitindo múltiplos graus de jurisdição, ainda que por via subordinada, designadamente, quando está em causa um acórdão da Relação que, relativamente ao recorrente, confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª Instância.

3.1.17. Perfilhada a consignada interpretação do n.º 5 do art.º 633° do Código de Processo Civil no sentido de reconhecer a relevância da dupla conforme, enquanto pressuposto exigido como requisito negativo de admissibilidade do recurso subordinado, é chegado o momento de adiantar a resposta uniformizadora que se afigura em resultado do enquadramento jurídico adoptado e que se antolha para resolver o caso sub iudice:O recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do art.º 671º do Código de Processo Civil, a isso não obstando o n.º 5 do art.º 633º do mesmo Código”

3.1.18. Considerando a natureza extraordinária do recurso para uniformização de jurisprudência ao ditar, não só a decisão que verifica a existência da contradição jurisprudencial, proferindo resposta uniformizadora, mas também que decida a questão controvertida no aresto recorrido, impõe-se concluir que tendo o acórdão recorrido reconhecido que o recurso subordinado de revista incide sobre o decidido pelo Tribunal da Relação quanto aos pedidos formulados sob as alíneas d) e g) da petição inicial, em concordância com o julgado em 1ª Instância, que absolveu a Ré/Infraestruturas de Portugal, SA.,dos pedidos formulados naquelas alíneas d) e g) do petitório, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, e, nessa medida não admitiu o interposto recurso subordinado, assumindo que o recurso subordinado de revista está sujeito à regra genérica da inadmissibilidade em caso de dupla conforme, estabelecida no n.º 3 do art.º 671º do Código de Processo Civil, dúvidas não se colocam de que o aresto em escrutínio assumiu a orientação condizente à agora acolhida na resposta uniformizadora, impondo-se, pois, confirmar o acórdão recorrido.


III. DISPOSITIVO

Nestes termos e pelos fundamentos invocados, acorda-se no Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:

a) Uniformizar a Jurisprudência nos seguintes termos:

O recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do art.º 671º do Código de Processo Civil, a isso não obstando o n.º 5 do art.º 633º do mesmo Código

b) Confirmar o Acórdão recorrido.

c) Custas pelos Recorrentes/Autores/AA e BB.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Novembro de 2019


Oliveira Abreu (Relator)

(a redacção deste acórdão não obedeceu ao novo acordo ortográfico)

Fernando Samões

Bernardo Domingos

Ilídio Sacarrão Martins

Moura Magalhães

Raimundo Queirós

Ricardo Costa

Fernando Jorge Dias

João Bernardo

Abrantes Geraldes

Ana Paula Boularot

Tomé Gomes

José Rainho

Alexandre Reis

Pedro Lima Gonçalves

Rosa Tching

Maria do Rosário Morgado

Rosa Ribeiro Coelho

Henrique Araújo

Maria Olinda Garcia

Acácio das Neves

Maria João Tomé (revendo a posição, votei vencida, aderindo às declarações de voto dos Senhores Conselheiros Maria dos Prazeres Beleza e Maria da Graça Trigo)

Maria da Assunção Raimundo (vencida subscrevendo a posição assumida pelo Cons. Pinto de Almeida)

Maria dos Prazeres Beleza (Vencida, nos termos da declaração junta)

Maria Clara Sottomayor (vencida de acordo com a declaração de voto da Exmª Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza)

Pinto de Almeida (vencido conforme declaração de voto que apresento)

Maria da Graça Trigo (vencida conforme declaração junta)

Olindo Geraldes (Vencido, nos termos da declaração de voto da Exmª Conselheira Maria dos Prazeres Beleza)

Maria de Fátima Gomes (vencida, nos termos da declaração de voto da Exmª Srª Conselheira Maria dos Prazeres Beleza)

António Joaquim Piçarra (vencido, nos termos da declaração de voto da Exmª Conselheira Maria dos Prazeres Beleza e do acórdão fundamento que subscrevi)


***


Processo nº 1086/09.8TJVNF.G1.S1-A



Voto de vencida



1.        A exigência de que a parte que pretende recorrer tenha ficado vencida num montante que justifique a intervenção do tribunal superior foi introduzida no Código de Processo Civil então vigente pelo Decreto-Lei no 242/85, de 9 de Julho (diploma que ficou conhecido como reforma intercalar do processo civil), com o objectivo de restringir a admissibilidade de recurso sem subir as alçadas.

Verificando não ser aceitável o desequilíbrio que ocorreria se, por razões de insuficiência da sucumbência, a parte que pretendesse interpor recurso subordinado — sendo admissível e tendo sido interposto recurso a título principal pela parte contrária — ficasse impossibilitada de recorrer, o legislador afastou este obstáculo à admissibilidade do recurso subordinado no (então) n.º 5 do artigo 682.º do Código de Processo Civil, correspondente ao actual n.º 5 do artigo 633º.

Na verdade, está frequentemente em causa, em ambos os recursos, principal e subordinado, a mesma questão, vista pelo prisma de uma ou da outra parte. Assim sucede, com frequência e por exemplo, quando as duas questionam o valor da indemnização atribuída na instância recorrida pelos mesmos danos, uma considerando-a excessiva e a outra tendo-a como insuficiente.

2.         A meu ver, ao introduzir o filtro da dupla conformidade de decisões das instâncias como obstáculo ao recurso de revista, sem ter considerado a eventualidade de ocorrer dupla conforme quanto ao recurso subordinado, mas não quanto ao recurso principal interposto pela parte contrária, o legislador deixou por regular uma hipótese carecida de regulamentação, já que me parece que não terá pretendido que o jogo das regras gerais conduzisse a um tratamento injustificadamente desigual das partes (ambas vencidas, pelo menos em parte, e ambas pretendendo a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça).

Ora o (actual) n.º 5 do artigo 633.º do Código de Processo Civil não é mais do que um afloramento ou uma manifestação do princípio geral da igualdade das partes, no que toca à oportunidade de controlo por um tribunal superior de uma decisão que lhe foi Penso, assim, que deve ser aplicado por analogia à hipótese de se verificar dupla conforme quanto ao recurso subordinado, isoladamente considerado, mas não quanto ao recurso interposto a titulo principal, por proceder a mesma razão justificativa do afastamento do obstáculo da sucumbência.

 


Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

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DECLARAÇÃO DE VOTO:


A norma do art. 633.º, n.º 5, do CPC consagra expressamente este princípio: se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será.

Este princípio tem subjacente o propósito de assegurar a igualdade das partes e o equilíbrio entre o estatuto destas, que seriam postergados se, numa situação em que ambas as partes ficaram vencidas, fosse reconhecido o direito de recorrer a uma delas e o mesmo não sucedesse em relação à outra, mesmo que subordinadamente.

Reflexo desse favor impugnationis é o regime que consta do n.º 4 do mesmo artigo: por regra, nem a renúncia ao direito de recorrer, nem a aceitação da decisão obstam à interposição do recurso subordinado.

Aliás, se o objectivo do legislador fosse apenas o de afastar o impedimento resultante da sucumbência, sem consagrar o aludido princípio, teria uma forma bem mais simples de o dizer: o recurso subordinado admissível, independentemente do valor da sucumbência.


Decorre do disposto no art. 9.º, n.º 1, do CC que um dos factores a considerar na interpretação são as condições especificas do tempo em que a lei é aplicada, transpondo-se assim, para as condições do momento actual, o juízo de valor que levou à sua elaboração.

Como é evidente, não pode dizer-se que o legislador tenha pretendido dizer mais do que aquilo que ficou consignado na norma do art. 633.º , n.º 5, no que respeita à dupla conforme, que é de génese posterior. Mas também daí decorre necessariamente que a não excluiu.

Porém, mais do que a vontade do legislador histórico, interessa sobretudo perscrutar o sentido objectivo e actual da lei.

Ora, o sentido inequívoco da referida norma é o de permitir o recurso subordinado quando seja admissível o recurso principal; assim se justifica a irrelevância ao valor da sucumbência.

Dai que se me afigure que a limitação ao recurso que resulta da dupla conforme se deva considerar também abrangida pelo espírito da norma e pela finalidade por ela visada, ajustando-se o sentido desta à evolução legal entretanto verificada, numa extensão teleológica, objectiva e actualista (cfr., BAPTISTA MACHADO, ao Direito e ao Discurso Legitimador, 185 e 191; SANTOS JUSTO, Introdução ao Estudo do Direito, 7ª ed., 374).


Admito que se entenda — como tem sido defendido — que esta questão extravasa o domínio tradicional da interpretação e que se esteja perante uma verdadeira lacuna.

Encarada a questão nesta perspectiva, deve reconhecer-se que procedem, em relação à limitação ao recurso decorrente da dupla conforme, as mesmas razões que justificam o regime estabelecido no art. 633.º , n.º 5: a igualdade e o equilíbrio entre as partes a impor que o recurso subordinado seja admissível sempre que o for o recurso principal. Existe, pois, fundamento para aplicar por analogia esse regime àquela situação (art. 10.º , n.º 2, do CC) — cfr. doutrina e jurisprudência citadas no Acórdão.

A tal não obsta o carácter excepcional que tem sido atribuído à norma do art. 635.º, n.º 5, uma vez que, mesmo a entender-se assim, essa excepcionalidade seria formal, por não contrariar quaisquer valores fundamentais do sistema jurídico (neste sentido, preconizando uma interpretação restritiva do art. 1 1.º do CC, TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, 400; cfr. também BAPTISTA MACHADO, Ob. Cit., 327). Aliás, o entendimento contrário, isto é, a afirmação da relevância da dupla conforme, impeditiva do recurso subordinado, ê que, como se referiu, violaria o princípio da igualdade, que é estruturante do sistema.


Entendo, por conseguinte, que se deveria uniformizar a jurisprudência neste sentido: sendo admitido o recurso principal, é também admissível o recurso subordinado, ainda que, quanto à decisão, exista dupla conforme.


Fernando Pinto de Almeida


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Processo n.º 1086/09.8TJVNF.G1.S1-A

Recurso para Uniformização de Jurisprudência


Votei vencida, por, mantendo orientação assumida anteriormente na decisão sumária de 23-02-2018 (proferida no processo nº 567/11.8TVLSB.L1.S2 e disponível em www.dgsi.pt), entender o seguinte:

1. A questão controvertida a resolver pelo Pleno das Secções Cíveis resultou da ampliação do conceito de “dupla conforme” enquanto obstáculo à admissibilidade do recurso de revista. Com efeito, a jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal evoluiu no sentido de equiparar às situações de plena coincidência entre as decisões das instâncias aquelas outras situações em que o recorrente obteve na Relação uma decisão quantitativamente mais favorável do que a decisão da primeira instância.

2. Este alargamento do âmbito da dupla conforme implica necessariamente que, perante a mesma decisão da Relação, se considere que, no segundo tipo de situações indicadas em 1., se verifica dupla conforme para uma das partes e não para a outra. O que suscita a dúvida de saber se, interposto recurso de revista pela parte em relação à qual não ocorre dupla conforme, será ou não admissível o recurso subordinado interposto pela contraparte em relação à qual se entende ocorrer dupla conforme.

3. Considero que tal questão deveria ser resolvida da seguinte forma:

3.1. Se o regime geral da relevância da sucumbência cede perante as exigências do princípio, estruturante do processo civil, da igualdade das partes, analogamente deverá o respeito por tal princípio prevalecer sobre a regra da dupla conforme, enquanto impedimento à admissibilidade da revista, salvo se estiverem em causa objectos recursórios materialmente autónomos, que, precisamente por o serem, não exigem igual tratamento das partes.

3.2. Afigura-se ser esta orientação tanto mais conveniente e razoável quanto, incidindo o recurso subordinado sobre objecto materialmente não autónomo em relação ao objecto do recurso independente, estarão em causa, num e noutro, questões conexas ou até mesmo sobreponíveis, pelo que o seu conhecimento constitui condição necessária para o justo desfecho da lide; situação paradigmática será aquela em que tanto no recurso independente como no recurso subordinado vem impugnada decisão de fixação de montante indemnizatório.

3.3. A admissibilidade, como regra, do recurso subordinado é pois imposta pelo respeito pelo princípio da igualdade das partes, vertente essencial da garantia de um processo equitativo, consagrada no nº 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

Maria da Graça Trigo