Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4451/17.3T8AVR.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
VIOLAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 11/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. No âmbito dos deveres impostos ao intermediário financeiro, destacam-se os deveres de informação, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo ilícita a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado quando tem lugar a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, actualidade, clareza, objectividade e licitude.

II. Para o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, impõe-se a prova: do facto ilícito (omissão ou prestação de informação errónea pelo intermediário financeiro); da culpa (que se presume); do dano (perda do capital entregue para a subscrição do produto financeiro); e do nexo de causalidade entre o facto e o dano. E incide sobre o investidor o ónus da prova desse nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível



I – RELATÓRIO


AA intentou contra o Banco B.I.C. PORTUGUÊS, S.A., acção de processo comum com vista à sua condenação no pagamento de € 117.504,11 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência das aplicações feitas pelo Réu do montante de € 100 000, ali depositado pelo Autor.

Invocou para tanto e em resumo, que efectuou aplicações em tudo iguais a um depósito a prazo, sendo o seu dinheiro aplicado em "Obrigações SLN Rendimento Mais 2004", sem que o A. soubesse em concreto em que consistia tal produto, desconhecendo que a SLN era uma empresa, tendo dado autorização para a sua aplicação pelo facto de lhe ter sido assegurado pelo gestor de conta que o capital era garantido pelo banco R., com juros semestrais, e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a R. com três dias de antecedência, tendo o A. actuado convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com características de depósito a prazo. Acrescentou que a falta de informação sobre o produto em causa leva à obrigação de ressarcimento dos prejuízos por si sofridos e, subsidiariamente, caso assim não se entenda, que seja declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os € 100.000,00.

Concluiu pedindo, em qualquer dos casos, o pagamento do capital investido acrescido de juros de mora vencidos desde o dia seguinte à obrigação de restituição do capital, em 26-10-2014 (que importam em € 12.504,11), bem como os juros vincendos, a ainda a ressarci-lo pelos danos morais sofridos com a perda do seu capital, para o que pede indemnização de € 5.000,00.

O Banco Réu contestou, excepcionando a prescrição do direito do Autor, por terem decorrido mais de dois anos sobre o conhecimento pelos mesmos da conclusão do negócio e respectivos termos, com invocação do Art. 324° do Cod. dos Valores Mobiliários. Mais impugna o R. a pretensão do Autor, alegando em síntese que o Autor deu instruções para que procedesse à aplicação dos valores em causa tal como foi feita e relatando que subscreveu as obrigações por si, adquiridas enquanto intermediário financeiro, por sua livre e esclarecida vontade, agindo de acordo com a vontade do subscritor, sabendo perfeitamente que não tinha um depósito a prazo ou algo parecido, pois que foi prestada ao A. informação completa quanto às obrigações por aquele subscritas.


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O A. veio responder à excepção de prescrição, no sentido da sua inexistência, por considerar ser inaplicável o prazo de 2 anos previsto no art. 324°, n° 2 do CMVM, devendo ser aplicado o prazo de 20 anos previsto no art. 309° do Código Civil.

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Findos os articulados, foi designada data para realização da audiência prévia na qual, resultou frustrada a tentativa de conciliação, tendo sido relegado para final o conhecimento da excepção de prescrição.

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Realizado o Julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

Nestes  termos julga-se   a  acção parcialmente procedente por provada  e,   em consequência:

1 - Condeno o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 112.504,11 (Cento e doze mil quinhentos e quatro euros e onze cêntimos) a que acrescem juros vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, sobre € 100. 000 (Cem mil euros) desde 11 de Dezembro de 2017 e até efectivo e integral pagamento.

2 -Absolvo o Réu do demais pedido.

O Réu interpôs recurso de apelação, tendo a Relação do Porto, em acórdão, confirmado a sentença.


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De novo inconformado, vem o Réu Banco BIC Português, S.A., interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes

CONCLUSÕES

1) O Recurso ora interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.

2) Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.

3) O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

4) Pontifica a este propósito as diferentes posições quanto à necessidade e grau de informação do risco de insolvência da entidade emitente e mormente quanto ao risco de insolvência da entidade emitente.

5) Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.

6) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.

Além disso,

7) O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

8) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672º nº 1 . als. a), b) e c) do Código de Processo Civil.

Dito isto,

9) A menção à expressão capital garantido, ou de capital garantido pelo Banco, não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer sentido de desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF.PINTOMONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

10) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

11) A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de  ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. De facto, esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

12) Ora, a apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia! Apenas são o que parecem, uma enumeração de características de um produto! Portanto, devem ser lidas ou interpretadas de forma literal, não se prestando a variações tão relevantes que conduzam a uma desinformação a um ponto que se julgue a informação falsa e omissa!

13) O mesmo vale para a menção de que o capital seria garantido pelo Banco. De facto, o Banco era uma sociedade-filha da entidade emitente, detido a 100% por esta! E por essa simples circunstância, o Banco sempre asseguraria o bom cumprimento de todas os deveres e obrigações da entidade emitente, por integrar o património desta!

14) O certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

15) Nunca é demais sublinhar que o douto aresto recorrido parece fundar a sua posição exclusivamente na existência de um suposto risco de cumprimento que não teria sido informado, e mais, que teria sido dissimulado por via do recurso às expressões capital garantido ou capital garantido pelo Banco.

Ora,

16) Como acabamos de verificar, não corresponde à verdade que aquelas expressões tivessem qualquer tipo de intuito enganoso, correspondendo, ao contrário, à verdade de que um produto que era, de facto, conservador e seguro!

De resto

17) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente  densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

18) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

19) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme. Até porque que defenda que deveria o intermediário financeiro transmitir a informação das primeiras páginas do prospecto não pode deixar de defender que a mesma diligência deveria ser obrigatória quanto ao restante conteúdo do mesmo documento!

20) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

21) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

22) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

23) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

24) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

25) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

26) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

27) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

28) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

29) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

30) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

31) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

32) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

33) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

34) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

35) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

36) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

37) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

38) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

39) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312º do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.

Por outro lado,

40) Sobre a verificação do nexo de causalidade, a decisão recorrida versa apenas a seguinte passagem: “o Autor encontra-se privado do dinheiro que aplicou no produto financeiro acima identificado. Tal privação constitui um dano. Esse dano adveio da inobservância do dever de informação que impendia sobre o BPN como intermediário financeiro. Com efeito, o Autor acedeu a subscrever o produto financeiro - Obrigações SLN Rendimento Mais 2004- por lhe tersido dito e assegurado, pelo gestor de conta, que o capital era garantido (facto 6); e se tivesse percebido que estava a adquirir um produto de risco nãoteria assinado as ordens de compra das obrigações (factos 8 e 16). Verifica-se um nexo da causalidade entre a violação do dever de informação e o dano sofrido pelo Autor.”

41) Daqui, todavia, não podemos retirar que o pai/marido dos AA. procedesse de forma diferente acaso tivesse acesso a uma dita informação exaustiva, nomeadamente se tivesse, em 2004 tido acesso à explicação exaustiva da emissão obrigacionista em causa.

42) A ilicitude imputada ao Banco ocorre no âmbito de uma relação de intermediação financeira, pela qual se estabelece uma relação contratual específica e determinada entre o Banco e os seus clientes, especificamente relativa à negociação de valores mobiliários.

43) Já o dano dos Recorrentes corresponde à falta de reembolso, na respectiva data de vencimento, da emissão daqueles valores mobiliários, por parte da SLN.

44) De todo o modo, desde já afirmaremos que sempre seria essencial aferir se, em face de informação sobre o mesmo produto, prestada de forma legalmente exigível e tal qual o Tribunal entendeu que deveria ser prestada, os AA. deixariam de subscrever o instrumento financeiro em causa.

45) O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e o dano!

46) Mas também resulta necessário demonstrar, a afim de dar cumprimento à teoria da causalidade adequada, que aquele concreto ilícito é em geral e abstracto, adequado à produção daquele dano, o que no caso obrigaria à demonstração de que acaso não se verificasse e o A. não subscreveria as duas obrigações que subscreveu.

47) A prestação de informação falsa (ou a falta de prestação de informação), no que diz respeito ao nexo causalidade, está umbilicalmente ligada ao regime do erro.

De facto

48) Na verdade, aquele nexo de causalidade parte dos mesmos exatos termos em que existe a essencialidade do erro.

49) Ou seja, num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão – nada disso foi aqui feito!

50) Não basta, portanto, que se diga que existia um risco acrescido na subscrição proposta... é, além do mais, preciso que se demonstre que se o investidor soubesse daquele concreto risco que existia e que ele desconhecia, ele nunca teria investido como fez!

51) No caso concreto, além de não demonstrar alegado ou provado aquele facto negativo, ainda nos atreveremos a dizer que o contrário é relativamente óbvio... ou seja, em 2006 (sim, porque o contexto é o de 2006), ninguém relevava a eventualidade de uma situação de insolvência de um Banco ou de uma sociedade dona de um Banco – e como esse cenário não era sequer concebível, nunca ninguém duvidaria em investir mesmo em dívida subordinada, só por ser subordinada!

Por fim, e em bom rigor,

52) A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

53) Não podemos, por tudo o que vimos de expor, deixar de concluir que não apenas o Banco-R. não praticou qualquer acto ilícito, como mesmo que o houvesse praticado, tal qual identificado pelas instâncias, e ele nunca seria causal relativamente ao dano alegado.

54) Além das normas já referenciadas, incorreu a decisão recorrida em violação do disposto no art.º 563º do Código Civil.


Termos em que se conclui pela admissão e procedência do presente recurso, e em consequência, pela revogação do douto acórdão recorrido, e sua substituição por outro que absolva o Réu do pedido, assim se fazendo...

... JUSTIÇA!


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Foram apresentadas contra-alegações, nas quais se conclui pela improcedência do recurso, mantendo-se o acórdão recorrido.

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A Formação admitiu a revista excepcional.


Vistos os autos e após um período de suspensão da instância, cumpre proferir decisão.


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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO


Nada obsta à apreciação do mérito da revista.

Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).


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Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), temos como questão a decidir:
    • Aferir da verificação dos requisitos ou pressupostos de responsabilidade civil do Réu – com a consequente obrigação de indemnizar o Autor, nos termos do disposto no artigo 483.º, n.º 1 do C.C. –, enquanto Intermediário Financeiro na subscrição pelo Autor de obrigações designadas como “obrigações SLN 2006”.

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III – FUNDAMENTAÇÃO


III. 1. FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS


Matéria de facto provada (fixada na Relação, após decisão da impugnação da decisão da matéria de facto):

1. O Banco R. resultou da fusão por incorporação das sociedades comerciais anónimas BPN - Banco Português de Negócios, S.A. (sociedade incorporante, doravante BPN) e Banco BIC Português, S.A. (sociedade incorporada, doravante BIC), em resultado do que aquele passou a adotar a sua atual denominação social "Banco BIC Português, S.A."

2. O A. era cliente do R. (BPN), na sua agência de ..., com a conta à ordem n.° ...01, onde movimentava parte dos seus dinheiros, realizava pagamentos e efetuava poupanças.

3. Em outubro de 2004, o funcionário (gestor da sua conta) do Banco R. da agência de ..., BB, disse ao A. que tinha uma aplicação, com capital garantido pelo Banco BPN e rentabilidade assegurada (após alteração pela Relação).

4. O dito funcionário do Banco R. sabia que o A. não possuía qualificações ou formação técnica que lhe permitissem, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.

5. O dinheiro do A. - € 100.000,00 - viria a ser colocado em obrigações SLN Rendimento Mais 2004, sem que o A. soubesse, em concreto, em que consistia tal produto (após alteração pela Relação).

6. O que motivou a sua autorização para tal foi o facto de lhe 'ter sido dito e assegurado, pelo gestor de conta, que o capital era garantido pelo Banco R., com juros semestrais, e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias.

7. O A. atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características similares de um depósito a prazo, num produto com risco exclusivamente do Banco.

8. Caso o A. tivesse percebido que, com a assinatura daqueles papéis que lhe foram apresentados pelo funcionário do R., poderia estar a dar ordens de compra de obrigações SLN Rendimento Mais 2004 – um produto de risco, em que o capital não era garantido pelo BPN – , jamais os teria assinado.

9. Nunca foi intenção do A. investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gestor de conta e funcionários do Réu,

10. O A. sempre esteve convicto de que o R. lhe restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.

11. O R., através do seu funcionário BB, sempre assegurou que as aplicações em causa tinham a mesma garantia de um depósito a prazo.

12. O A. ficou com a plena convicção da segurança da aplicação em causa, cujos juros foram sendo semestralmente pagos, o que deu tranquilidade ao A. e nunca o alertou para qualquer irregularidade, nomeadamente face ao que lhe tinha sido dito pelo referido funcionário BB.

13. Tal segurança manteve-se até momento em que o A. tentou resgatar o seu dinheiro, acrescido dos respetivos juros.

14. (eliminado pela Relação).

15. O A. não sabia o que era a SLN, (após alteração pela Relação).

16. O A., caso soubesse que se tratava de um produto de risco, nunca o teria adquirido.

17. Nunca o gerente ou funcionários do R. (ou qualquer outra pessoa) leu ou explicou ao A. em que se traduzia adquirir obrigações e quais as suas implicações.

18. O A. é depositário de € 100.000,00, que mantém aplicados em obrigações SLN Rendimento Mais 2004 (cfr. doe. junto como 1 com a petição para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido),

19. Dinheiro esse que deveria ter sido aplicado, com capital e juros disponíveis de 6 em 6 meses.

20. O R. colheu a assinatura do A. em subscritos que foram preenchidos pelo funcionário do Banco.

21. Nunca qualquer contrato foi lido ou explicado ao A., nem entregue a este cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN ou prazos de resolução unilateral pelo A.

22. Foi completamente omitido o processo informativo quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, os quais o A. nunca aceitaria se, acaso, o R. lhe tivesse explicado que o dinheiro era para investir em obrigações SLN Rendimento Mais 2004, sem que o capital fosse garantido pelo Banco R.

23. O A. já pretendeu levantar o seu dinheiro, quer em momento anterior ao do alegado vencimento do aludido produto financeiro, quer em momento posterior, sendo que o R. não lhe disponibilizou tal quantia.

24. O R. não tem cumprido com o pagamento dos juros acordados.

25. O R. foi apresentado pelo seu funcionário/gerente como garante da aplicação financeira em causa.

26. Tal constava da própria documentação interna criada, veiculada e distribuída pelo Réu aos seus funcionários.

27. Um dos argumentos invocados pela Direção Comercial do BPN e repetido pelos funcionários da rede de balcões do Banco R. junto dos seus clientes, como o fez com o A., era o de que se tratava de um investimento seguro e, por isso, o R. assegurava o reembolso do capital investido, bem como de juros.

As orientações e comunicações internas existentes no BPN, que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões, consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e, bem assim, que o Banco (ora Réu) garantia o capital investido.

29. Daqui resulta que o Réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos;

30. O A., face ao não pagamento do capital e juros que tinha dado para data certa, ficou impedido de usar o seu dinheiro como bem entendesse.

31. O A. passou a estar num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver ou de não saber quando irá reaver o seu dinheiro.

32. Tal facto tem provocado no A. ansiedade e tristeza.

33. O A. encontra-se permanentemente angustiado e em estado de "stress", por recear ser desapossado das economias que tinha.

34. No mês seguinte à da operação supra, o A. recebeu por correio vários extractos periódicos onde lhe apareciam essas obrigações como integrando as suas carteiras de títulos de forma separada dos depósitos a prazo.

35. Como também foi recebendo, desde então, um extracto periódico onde lhe apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos, separadas dos depósitos, com menção expressa ao facto de se tratar de obrigações depositadas na sua carteira de títulos.

36. Foram-lhe sendo creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, o que originava igualmente o competente registo no seu extracto.

37. O A. subscreveu Obrigações BPN 2003 ou Unidades de Participação no Fundo de Investimento BPN Tesouraria - cfr. Fls. 34 v. junto aos autos para o qual se remete e aqui se dá por reproduzido.

38. O que era possível, comum e rápido, uma vez que o produto tinha elevada procura.


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Matéria de facto não provada (após impugnação da decisão da matéria de facto):

a) - Nunca o Banco réu através dos seus colaboradores transmitiu aos seus clientes que o banco garantia a emissão.

b) - O produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco.

c) - O Réu prestou ao subscritor informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita quanto às obrigações por este subscritas.

d) - No momento da subscrição o Autor foi informado que as obrigações em causa eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu - a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.

e) - E que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A. a partir do 5° ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

f) - O A. foi informado de que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.

g) - Uma Obrigação era um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente.

h) - Que ademais se encontrava disponível para consulta pelos mesmos.

h) Em Outubro de 2004 o gestor de conta do A. no Banco R. disse ao Autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo [aditado pelo Tribunal da Relação].

i) O Autor pensava que SLN era o BPN [aditado pelo Tribunal da Relação].

j) O Banco R. atribui actualmente a responsabilidade pelo pagamento do capital investido pelo Autor à SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. (agora Galilei, SGPS, S.A.) [aditado pelo Tribunal da Relação].

k) O Autor julgava que SLN se tratava de uma mera denominação que o Banco BPN utilizava [aditado pelo Tribunal da Relação].


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III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO


§ Estão preenchidos todos os requisitos ou pressupostos da obrigação de indemnizar, nos termos do disposto no artigo 483.º, n.º 1 do C.C., a justificar e impor a condenação da Ré no peticionado?


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Regista-se, desde já, que seguir-se-á aqui, muito de perto, o que se escreveu noutros processos já relatados pelo aqui relator, em que era manifesta a similitude das questões ali e aqui tratadas.

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Os contratos de intermediação financeira têm como objecto a prestação de serviços financeiros, podendo assumir diversas espécies, consoante o respectivo conteúdo (cf. Arts. 325.º, 335.º e 337.º do CVM [1]), mas todos assumem a natureza de um contrato de prestação de serviços ou de mandato, consoante a natureza da obrigação assumida pelo intermediário financeiro (um resultado ou actos jurídicos): art. 1154.º e 1157.º do Código Civil.

E, dado que tais actos são praticados em nome do mandante, o mandato diz‑se mandato com representação, ao qual se aplicam as regras do instituto da representação (art. 1178.º, n.º 1, do CC).

Temos, assim, que o contrato de intermediação financeira encerra um negócio jurídico celebrado entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor), relativo à prestação de actividades de intermediação financeira, enunciando-se, a propósito que, nos termos do n.º 1 do art.º 289.º do Código dos Valores Mobiliários, são actividades de intermediação financeira: a) Os serviços de investimento em valores mobiliários; b) Os serviços auxiliares dos serviços de investimento; c) A gestão de instituições de investimento colectivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições, sublinhando, outrossim, que os serviços de investimento compreendem: a) A recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem; b) A execução de ordens por conta de outrem; c) A gestão de carteiras por conta de outrem; d) A colocação em ofertas públicas de distribuição.

O objectivo essencial da actividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, expressos no Código dos Valores Mobiliários, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, actualidade, clareza, objectividade e licitude.


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Não vem questionada a qualificação jurídica do Banco Réu - Banco BIC Português, S.A. - ou do seu antecessor BPN - Banco Português de Negócios, S.A. - como intermediários financeiros na venda ou comercialização, em 2006, das chamadas ‘Obrigações SLN 2006’ na óptica dos artºs 1º, nº 1, al. b); 289º, nº 1, al. a), e 290º, nº 1, al. a), todos do CVM, aprovado pelo Dec. Lei nº 486/99, de 13/11, na redação vigente em 2006 (DL nº 66/2004, de 24/03), nem está em causa o conceito de deveres de informação (do intermediário financeiro) que daí resultava e resulta para o Banco Réu na data de 2006, perante o aqui Autor, enquanto seu cliente na aquisição desse tipo de produtos.

E não parece haver qualquer dúvida de que o BPN, relativamente ao Autor AA, levou a cabo actos de intermediação financeira (o BPN além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, tratando da comercialização, aos seus balcões, nomeadamente, de obrigações da SLN, executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas).


Atenta a data em que ocorreu a subscrição dos produtos pelo Autor, são aplicáveis a essa atividade as normas constantes do Código de Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-lei n.º 486/99, de 13 de novembro, com as alterações que se seguiram, até à alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de Março, nos termos das regras de aplicação da lei no tempo contantes do artigo 12.º do Código Civil, sendo essa a versão do Código de Valores Mobiliários que doravante será aqui mencionada.

Impõe-se, então, de seguida aferir se o Banco/Réu violou, quanto ao Autor, os deveres que sobre si impendiam, enquanto intermediário financeiro, aquando da aquisição, por este, do alegado e provado produto financeiro, e, consequentemente, apurar se o Banco/Réu responde pelo ressarcimento ao Autor do aqui peticionado.

Neste aspecto dos deveres de informação, importa salientar, desde logo, que a extensão e a profundidade da informação, a cargo do intermediário financeiro, devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa), o que pressupõe o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado, assentando o cumprimento do dever de informação num princípio de proporcionalidade, o que, de resto, este Tribunal de recurso reconhece, e não questiona.


Mas atentemos nos normativos legais que devem orientar os intermediários financeiros no exercício da respectiva actividade, nos deveres de informação, mormente os deveres comuns, e, de igual modo, nos preceitos legais respeitantes à responsabilidade civil dos intermediários financeiros, por danos causados a qualquer pessoa, em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.


Sobre estes aspectos gerais, transcreve-se o que ficou dito no (recentíssimo) acórdão do STJ de 10.11.2022, também relatado pelo ora relator, produzido no processo nº 2165/19.9T8LRA.C1.S1:

«O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (R.G.I.CS.F. - DL 298/92, de 31/12, na redação vigente à data dos factos introduzida pelo DL n.º 252/2003, de 17/10) estabelece a regulação pública da atividade das instituições de crédito e instituições financeiras, contendo um conjunto de "Regras de Conduta" (no respetivo Título VI, Capítulo I), balizados com o seguinte dispositivo de ordem geral:

"As instituições de crédito devem assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência. " (cfr. art. 73.º). Sequencialmente, os artigos 74.º e 75.º, entre outros deveres de conduta, determinam que os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder "com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados." e, obrigando a um elevado nível de competência técnica, que "devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral. "


As regras de conduta previstas no referido R.G.I.C.S.F. traduzem-se claramente num código de conduta financeira.

A Associação Portuguesa de Bancos elaborou em 1993 um "Código de Conduta", versando precisamente sobre intermediação de valores mobiliários.

Entretanto surgiram outros códigos de conduta, designadamente os elaborados pela "Interbolsa – Sociedade Gestora de Sistemas de Liquidação e de Sistemas Centralizados de Valores Mobiliários, S.A.", "APFIPP - Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios", "APAF - Associação Portuguesa de Analistas Financeiros" e "Associação Portuguesa de Bancos".

E já com os artigos 10.º-B e 10.º-C do Regulamento da CMVM n.º 3/2010 relativo aos "Deveres de Conduta e Qualificação Profissional dos Analistas Financeiros e Consultores para Investimento" vieram promover a elaboração de "códigos de conduta e ou deontológicos" tendentes a "(...) definir as políticas e procedimentos de atuação a ser respeitados no exercício da atividade de consultoria para investimento (...)." e necessariamente "(...) suscetíveis de proporcionar que as recomendações de investimento sejam emitidas com competência, independência e objetividade."

Feito este enquadramento geral, vejamos agora mais de perto os deveres específicos dos intermediários financeiros, interpretados à luz do antecedente enquadramento:

Há uma generalidade de princípios que as partes devem respeitar durante a negociação e execução dos contratos de intermediação financeira, desde logo os princípios do direito civil comum que são transportados para o âmbito comercial sem perder a sua força impositiva, em especial o princípio geral da boa-fé previsto respetivamente nos artigos 227.º e 762.º do Código Civil.

no âmbito do CVM (sempre na redação vigente à data dos factos, como acima já referido), importa destacar as seguintes normas com relevo para o caso concreto em apreciação:

Artigo 7.º

(Qualidade da Informação)

1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.

2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.

3 - O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.

4 - À publicidade relativa a valores mobiliários e a atividades reguladas neste Código é aplicável o regime geral da publicidade.

Artigo 304.º (Princípios)

1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário, sem prejuízo das exceções previstas na lei, nomeadamente o cumprimento do disposto no artigo 382.º.

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação.

Artigo 312.º

(Deveres de Informação)

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou

que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

E do disposto no art. 39.º, n.º 1, do Regulamento da CMVM n.º 12/2000:

Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro:

a) fornece ao investidor informação adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou de desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiência do investidor em causa;

b) entrega ao investidor documento sobre os riscos gerais do investimento em valores mobiliários ou noutros instrumentos financeiros;

c) fornece ao investidor informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado;

d) informa o investidor sobre a existência e modo de funcionamento do serviço do intermediário financeiro destinado a receber a analisar as reclamações dos investidores e da possibilidade de reclamação junto da entidade de supervisão.

Artigo 304.º-A

1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.


Na versão original do CVM o legislador assumia ter privilegiado a consagração de princípios e de regras gerais, recorrendo com frequência a conceitos indeterminados e a cláusulas gerais, justificando que a sua "densificação se espera que seja continuada pela jurisprudência, pela prática das autoridades administrativas e pela doutrina." (cfr. preâmbulo).

Entretanto, já no atual CVM, a transposição da Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21/04/04, através do D.L. nº 357-A/2007 de 31/10 (que entrou em vigor já posteriormente à data dos factos em causa), veio densificar e intensificar estes deveres de conduta, estando em causa essencialmente disposições legais destinadas à proteção do próprio mercado e dos investidores.

Neste âmbito, é essencial a disposição legal do art. 101.º da Constituição da República Portuguesa, segundo a qual "O sistema financeiro deve ser estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social."

Uma das principais atribuições da CMVM (cfr. art. 358.º, alínea b), do CVM) é precisamente garantir a eficiência e regularidade de funcionamento dos mercados de instrumentos financeiros.

O CVM contém, no n.º 2 do art. 304.º do CVM, um princípio geral nesta matéria, com a consagração de um dever geral de lealdade e de boa fé, ao enunciar que “Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência."

De seguida contém duas disposições legais diretamente respeitantes à defesa do mercado (cfr. artigos 310.º e 311.º), onde se procuram sintetizar as diretrizes gerais deste princípio estruturante do direito dos valores mobiliários com um conjunto de deveres impostos aos intermediários financeiros.


Noutra perspetiva, ..., é consequência do reconhecimento de um interesse público inerente ao correto funcionamento do mercado de valores mobiliários a prevalência deste mesmo interesse sobre o interesse privado de um participante em tal mercado, seja ele intermediário financeiro ou investidor. Ou seja, trata-se de proteger o mercado em si mesmo e não o agente do mercado.


No entanto, é evidente que os investidores individuais sairão reflexamente beneficiados com uma cabal e consistente proteção do sistema financeiro, designadamente por esta conferir segurança e eficácia aos investimentos. O princípio da proteção dos interesses do investidor em valores mobiliários é o segundo elemento modelador e estruturante do regime jurídico do mercado de valores mobiliários, sendo já um princípio de carácter privado, encarando o investidor sob uma perspetiva individual.

O CVM estabelece, como princípio orientador geral, o de o intermediário financeiro dever pautar a sua atuação no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, os quais se identificam com o melhor interesse do cliente na sua vertente económico-financeira.

O art. 7.º do CVM equipara, em termos gerais, a informação de qualidade com aquela que é completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

Ou seja, a informação deve ser casuisticamente adaptada e compreender todos os elementos relevantes, ser fiel à realidade, ser apresentada no momento oportuno, ser percetível e isenta de elementos subjetivos e conformada com a lei, a ordem pública e os bons costumes. Estas características da informação aplicam-se seja qual foi o meio de divulgação, e inclusivamente a conselhos, recomendações, mensagens publicitárias ou relatórios de notação de risco (art. 7.º, n.º 2, do CVM).


Posteriormente, estes específicos deveres de informação foram sequencialmente concretizados no Aviso do Banco de Portugal n.º 10/2008, de 09 de Dezembro (in D.R. II Série n.º 246, de 22/12/08).


Concretizando: o intermediário financeiro deve, em primeiro lugar, informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiências na área e, em seguida, promover uma atuação pedagógica, tendo presente que este dever de informar é tanto mais premente quanto menos experiente for o cliente.

Assim sendo, é, desde logo, essencial a categorização dos clientes, depois, em execução deste "teste de adequação", o intermediário deverá indicar ao investidor os instrumentos financeiros "adequados" ao seu perfil de risco. Na sua vertente negativa, temos que, verificando o intermediário que o cliente não tem perfil para aquela concreta operação financeira ou não tem possibilidade de apreender as características e riscos de uma certa operação financeira, deverá aconselhar o cliente a não investir nesse produto específico.».


Acrescenta-se que, em matéria de conflitos de interesses e realização de operações pessoais, o art.º 309º do CVM prevê os seguintes princípios gerais:

“1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 - Sempre que o intermediário financeiro realize operações para satisfazer ordens de clientes, deve pôr à disposição destes os valores mobiliários pelo mesmo preço por que os adquiriu.”.


Acresce sublinhar que o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, prevenido no Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de Dezembro, impõe, nos seus artºs. 73º, a 76º, às instituições de crédito, em quaisquer das actividades que pratiquem, que garantam aos seus clientes, superlativos graus de tecnicidade, provendo a respectiva organização com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência, devendo os seus administradores e empregados proceder com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados, pelos clientes, informando-os sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos prestados, devendo sempre e em todo o caso proceder com a diligência de um gestor criterioso.

Aqui é de salientar o estatuído no nº1 do art.º 77.º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro – que dispõe:

“As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”.


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Dos normativos citados, emerge com toda a clareza que a relação contratual obrigacional estabelecida entre o cliente e o intermediário financeiro, deve estar sempre pautada pela lealdade, sustentada no rigor informativo pré-contratual e contratual por parte do intermediário financeiro, condizente a uma informação objectiva, completa, verdadeira, actual, clara, e lícita, sendo de salientar que entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

E também a Jurisprudência e Doutrina têm como assente que as aludidas normas legais  salientam à evidência a imposição ao intermediário financeiro, para além do dever de transmitir uma informação, clara e relevante para a opção que o investidor pretenda tomar, o dever de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objectivos do mesmo investidor, seu cliente, sendo certo, afinal, que o dever contratual de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro no interesse legítimo dos seus clientes, resulta no dever de agir de boa-fé[2].


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No que respeita à responsabilidade civil do intermediário financeiro, por danos causados ao investidor em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, remete-se para o já citado art.º 304º-A do CVM.

Porém, como é evidente, a responsabilidade ali prevista pressupõe a verificação/prova dos (todos os) pressupostos da responsabilidade civil: o facto ilícito (omissão ou prestação de informação errónea, no quadro de relação contratual bancária e intermediação financeira); a culpa (esta que se presume nos termos do art.º 799.º n.º 1 do Código Civil e art.º 304º-A do Código dos Valores Mobiliários); o dano (que equivale à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); o nexo de causalidade entre o facto e o dano (sendo que o ónus da prova da existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano incide sobre quem alega o direito, não havendo lugar a presunção, quer do nexo de causalidade, quer do dano, e daí que para se responsabilizar o intermediário financeiro pelo dano sofrido pelo investidor, impõe-se que este/investidor consiga fazer a prova do nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, prova essa que tem de resultar dos factos provados).


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Sobre esta temática da responsabilidade dos intermediários financeiros, foi recentemente uniformizada jurisprudência, no recurso de Uniformização formulado e admitido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022 - Diário da República n.º 212/2022, Série I de 2022-11-03), o qual, sobre o pressuposto da ilicitude, deu a seguinte resposta uniformizadora:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

1. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.”.


E, da mesma forma, no mesmo acórdão de Uniformização de Jurisprudência, agora acerca do nexo de causalidade entre o facto e o dano, consignou-se que a demonstração desse nexo de causalidade é um ónus a cargo do investidor, mesmo que não qualificado, como se vê no ponto 1 do sumário desse AUJ, explanado nos pontos 3 e 4 da respectiva resposta uniformizador:

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”[3]


Ficaram assim dissipadas as dúvidas acerca do ónus da prova do nexo causal: é sobre o interessado que recai esse ónus, não podendo dispensar-se os factos integrantes deste pressuposto, ao invés do entendimento que alguns Autores têm sustentado, de que a ilicitude (a violação dos deveres de informação) presume a causalidade (esta resultaria, e automaticamente, daquela).


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Regressemos aos factos.


DA ILICITUDE


Antes de mais, importa aferir da violação, ou não, pelo Réu dos deveres respeitantes ao exercício da sua actividade de intermediário financeiro, impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública e em particular dos deveres de informação vigentes aquando da subscrição do produto financeiro.

Ora, parece evidente que teve lugar, in casu (ao nível do caso concreto, considerando o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação), a violação dos deveres de informação, por parte Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro.

Basta atentar, v.g., na factualidade ínsita nos pontos de facto provados sob os números 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 21, 22, 27, 28 e 29, para se concluir, sem a mais pequena dúvida, que aqueles específicos deveres do Banco Réu (constituído – em 2012 – mediante a fusão, por incorporação, do anterior Banco BIC Português, S.A., no BPN - Banco Português de Negócios, S.A., e com a alteração da denominação social deste último para a daquele primeiro) foram por ele violados, enquanto intermediário financeiro perante o Autor.

Efectivamente, cremos resultar destes factos que o BPN, de forma deliberada, pautou a sua conduta, enquanto intermediário financeiro, na colocação em mercado das chamadas Obrigações SLN 2006, por uma clara e deliberada omissão dos seus deveres de conduta e de informação para com o Autor, seu cliente, que nele confiava, pois que se limitou a acenar ao cliente com uma taxa de juros apelativa e dizendo-lhes tratar-se de uma aplicação “com capital garantido pelo Banco BPN e rentabilidade assegurada”, que se tratava de uma “aplicação …com as características similares de um depósito a prazo”, para assim o mobilizar a investir, e sem jamais lhe falar em obrigações e no risco associado a este tipo de produto, para, desse modo manifestamente desinformativo e potencialmente lesivo do cliente, o não informar com verdade, por forma completa, objectiva e de forma clara sobre o tipo de produto em questão e riscos a ele associados.

Assim, portanto, temos como seguro que o Réu violou, de forma grave, os seus deveres de informação, ínsitos nas normas mencionadas supra, nomeadamente, nos artºs 7º, nº 1[4], 304º[5] e 312º[6] do CVM e no art. 39.º, n.º 1, do Regulamento da CMVM n.º 12/2000[7].

Violação dos deveres de informação, cujo entendimento está conforme ao que se plasmou no corpo do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no supra citado processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, já transitado em julgado[8].

Com efeito, como ali se diz, «… a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite”.

“(…) Existe um conjunto de informações que o intermediário está obrigado a prestar a um cliente, potencial investidor, antes de lhe prestar qualquer serviço de intermediação financeira. Trata-se de informações prévias no âmbito das quais se inserem todas as necessárias para que o cliente tome uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada (art.312.º Cód. VM), as respeitantes à estrutura empresarial do intermediário financeiro e ainda as relativas à natureza e características do investimento a realizar (artigos 38.º e 39.º do Regulamento n.º12/2000) ”.

“A lei não enumera taxativamente o conteúdo da informação considerada necessária, tendo por obrigatório prestar aquela informação que se revele relevante para efeitos de uma tomada de decisão consciente por parte do investidor. O legislador não dispensou, contudo, o enunciado de um conjunto mínimo de dados informativos que necessariamente terão de ser fornecidos pelo intermediário financeiro, encontrando-se nesse grupo elementos cujo conhecimento é, desta forma, reconhecido como indispensável à adopção de qualquer decisão de investimento. Entre esses elementos encontram-se os riscos envolvidos pelas operações a realizar e suas implicações, o custo do serviço a prestar, a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente bem como a possibilidade de uma eventual reclamação ser recebida pela CMVM e ainda qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço que presta [alíneas a) a d) do n.º1 do art. 312.º do Cód. VM e 39.º do Regulamento CMVM n.º12/2000]. O intermediário financeiro deverá ainda fornecer ao investidor toda a documentação necessária.».


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De entre os factos provados, são, neste aspecto da violação dos deveres de informação, particularmente impressivos os seguintes (o destaque é nosso)[9]:

- … o funcionário (gestor da sua conta) …, disse ao A. que tinha uma aplicação, com capital garantido pelo Banco BPN e rentabilidade assegurada (facto 3);

- O dito funcionário do Banco R. sabia que o A. não possuía qualificações ou formação técnica que lhe permitissem, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente (facto 4);

- O dinheiro do A. - € 100.000,00 - viria a ser colocado em obrigações SLN Rendimento Mais 2004, sem que o A. soubesse, em concreto, em que consistia tal produto (facto 5);

- O que motivou a sua autorização para tal foi o facto de lhe 'ter sido dito e assegurado, pelo gestor de conta, que o capital era garantido pelo Banco R., com juros semestrais, e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias (facto 6);

- O A. atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características similares de um depósito a prazo, num produto com risco exclusivamente do Banco (facto 7);

- Caso o A. tivesse percebido que, com a assinatura daqueles papéis que lhe foram apresentados pelo funcionário do R., poderia estar a dar ordens de compra de obrigações SLN Rendimento Mais 2004 – um produto de risco, em que o capital não era garantido pelo BPN – , jamais os teria assinado (facto 8);

- Nunca foi intenção do A. investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gestor de conta e funcionários do Réu (facto 9);

- O A. sempre esteve convicto de que o R. lhe restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse (facto10);

- R., através do seu funcionário BB, sempre assegurou que as aplicações em causa tinham a mesma garantia de um depósito a prazo (facto 11);

- O A. ficou com a plena convicção da segurança da aplicação em causa, (…)  - facto 12;

- O A. não sabia o que era a SLN (facto 15);

- O A., caso soubesse que se tratava de um produto de risco, nunca o teria adquirido (facto 16);

- Nunca o gerente ou funcionários do R. (ou qualquer outra pessoa) leu ou explicou ao A. em que se traduzia adquirir obrigações e quais as suas implicações (facto 17);

- Foi completamente omitido o processo informativo quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, os quais o A. nunca aceitaria se, acaso, o R. lhe tivesse explicado que o dinheiro era para investir em obrigações SLN Rendimento Mais 2004, sem que o capital fosse garantido pelo Banco R (facto 22);

- O R. foi apresentado pelo seu funcionário/gerente como garante da aplicação financeira em causa (facto 25);

- Um dos argumentos invocados pela Direção Comercial do BPN e repetido pelos funcionários da rede de balcões do Banco R. junto dos seus clientes, como o fez com o A., era o de que se tratava de um investimento seguro e, por isso, o R. assegurava o reembolso do capital investido, bem como de juros (facto 27);

- As orientações e comunicações internas existentes no BPN, que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões, consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e, bem assim, que o Banco (ora Réu) garantia o capital investido (facto 28);

- Daqui resulta que o Réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos (facto 29).


Estes factos revelam, inquestionavelmente (como dito), uma violação grave (diríamos, até grosseira) dos apontados deveres de informação por banda do Réu/Recorrente, enquanto Intermediário Financeiro, a que alude com especial enfoque o artº 7º, n.º1 CVM, desta forma se preenchendo o requisito ou pressuposto da ilicitude da conduta do Réu perante o concreto cliente que constituía o Autor.

O que, porém, não basta, para a responsabilização do Réu.

Ou seja, temos como preenchido o pressuposto ilicitude da conduta do Banco/Réu, na violação do dever de informação e do compromisso assumido de garantia do capital investido, sendo este não cumprimento sancionado no âmbito da responsabilidade civil contratual. E impendendo, de igual modo, sobre o Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, uma presunção de culpa, nos termos do direito substantivo civil, podendo bem dizer-se que a culpa do Banco/Réu é claramente grave, até pelo especial dever de diligência que sobre ele impendia e que foi desconsiderado de forma, no mínimo, grave.

E igualmente temos preenchidos outros pressupostos da responsabilidade civil contratual, quais sejam, a culpa – que, como já dito, se presume – e outrossim o dano, correspondente à perda do capital entregue para subscrição do produto financeiro.


Falta, porém, aferir do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, saber se o Autor, acaso tivesse sido informado das características reais do produto que adquiriu, não teria levado a cabo essa aquisição.


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DO NEXO CAUSAL

Ao contrário do que alguma Doutrina e Jurisprudência tem sustentado, não consideramos que a apontada violação dos deveres de informação por banda do Intermediário Financeiro imponha, sem mais, a conclusão de que, face a tal violação, o Banco Réu fica obrigado a indemnizar o investidor – consideram aquela Doutrina e Jurisprudência que com a apontada violação dos deveres de informação ficam verificados os requisitos de uma conduta ilícita e culposa do Intermediário Financeiro e simultaneamente adequada à verificação de danos para o investidor.

Com efeito, como consta do dispositivo do acima referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no proc. n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A,

“1. (…).

(2. …).

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.”

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”[10].

Como se escreveu no (recentíssimo) Ac. deste STJ de 27.10.2022[11], «se, nas relações pré-contratuais e contratuais em que intervenham intermediários financeiros, a culpa se presume (art.º 314.º n.º2 do CVM, na redacção anterior a 2007), presunção que também resulta do disposto no art.º 799.º n.º1 do Código Civil, para serem indemnizáveis os danos (perda do capital investido na aquisição das obrigações) devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (a prestação, por omissão, de informação errónea).

Neste sentido, mesmo que uma dada situação seja configurada como facto ilícito (por exemplo, a prestação, por omissão, de informação errónea, nomeadamente no que concerne à concreta identificação ou às características do produto e a natureza subordinada), essas circunstâncias podem não ser causais da subscrição efetuada e consequente dano.

Portanto, se a culpa se presume, mas a presunção não abrange o nexo de causalidade, este terá de ser alegado e comprovado, pois como decorre do art.º 563.º do Código Civil, a obrigação de indemnizar só ocorre em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não houvesse lesão.

Nesta decorrência, incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que, se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido (cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º1 do art.º 342.º do Código Civil).».

Ora, este pressuposto da responsabilidade civil (o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano – aferido em conformidade com a designada teoria da causalidade adequada, segundo a qual, é necessário que, em concreto, a acção ou omissão tenha sido condição do dano, e que, em abstracto, dele seja causa adequada, desta forma seguindo o nosso ordenamento jurídico a teoria da “causalidade adequada” na sua formulação negativa, ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”) está provado, prova esta que o Autor/Investidor conseguiu fazer, como era sua incumbência, conforme resulta do referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência deste STJ.

Provado está, com efeito, que “O que motivou a sua autorização… foi o facto de lhe 'ter sido dito e assegurado, pelo gestor de conta, que o capital era garantido pelo Banco R.,…”; “O A. atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características similares de um depósito a prazo, num produto com risco exclusivamente do Banco”; Caso o A. tivesse percebido que, com a assinatura daqueles papéis que lhe foram apresentados pelo funcionário do R., poderia estar a dar ordens de compra de obrigações SLN Rendimento Mais 2004 – um produto de risco, em que o capital não era garantido pelo BPN – , jamais os teria assinado”; Nunca foi intenção do A. investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gestor de conta e funcionários do Réu”; “O R., através do seu funcionário BB, sempre assegurou que as aplicações em causa tinham a mesma garantia de um depósito a prazo”; “O A. ficou com a plena convicção da segurança da aplicação em causa, …”; “O A., caso soubesse que se tratava de um produto de risco, nunca o teria adquirido”.


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Ao contrário do entendimento sufragado por alguma Doutrina e Jurisprudência[12], não entendemos (como não entendeu o ac. recorrido e bem assim o citado AUJ) que o nexo causal entre o facto e o dano esteja abrangido pela presunção do artº 799º, nº1 do CC. Isto é, não compete ao intermediário financeiro – devedor da informação – provar que, mesmo perante um cumprimento pontual dos deveres de informação, o investidor/credor da informação teria tomado a mesma decisão, correndo deste modo o primeiro o risco de não serem provados factos que permitam uma conclusão clara em matéria de nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e a decisão do investidor.

Ou seja, não se presume o nexo causal entre o incumprimento ou deficiente cumprimento dos deveres de informar e a decisão de investimento adoptada pelo investidor – presunção que alguns retiram do art. 304.º-A, n.º 2 do Cód. Valores Mobiliários, entendendo que esta disposição contem, não apenas uma presunção de culpa e de ilicitude, mas também uma presunção de nexo de causalidade.

Dito de outra forma, neste segmento da causalidade, não se presume que a vontade individual do investidor foi determinada pela irregularidade da informação, ou seja, o nexo causal entre a informação deficiente e a decisão do investidor[13].

 Com efeito, como dito, o entendimento plasmado no supra citado AUJ foi que a prova do nexo causal entre a violação dos deveres de informação pelo Intermediário Financeiro e o dano havido é ónus do investidor (in casu, do Autor).

E, como visto, logrou o Autor fazer a prova, precisamente, do facto que o referido Acórdão Uniformizador exige para que se possa considerar preenchido o nexo de causalidade entre o facto – aquela violação dos deveres de informação – e o verificado dano.

Prova desse pressuposto ou requisito da responsabilidade civil que se torna imprescindível para a obrigação de indemnizar (ut artº 563º do Cód. Civil).

Percute-se, assim, no concernente ao nexo causal, que resulta claríssimo do tecido factual apurado (cfr., impressivamente, os já referidos pontos de facto nºs 6, 7, 8, 9, 10 e 16) que se os deveres de informação (pelo Banco Réu) tivessem sido cumpridos, o autor não teria investido naquela aplicação financeira, dado que a decisão de a subscrever assentou na (falsa) garantia de que se tratava de uma aplicação análoga a um depósito a prazo e de que estaria assegurado o reembolso da totalidade do capital investido. Portanto, ao induzir o autor a adquirir esses instrumentos financeiros, o Réu deu causa (no sentido considerado no art. 563º do Cód. Civil, que de acordo com a posição maioritariamente seguida adopta a denominada teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa[14]) aos danos que derivam da concretização do risco (quer imanente, quer inerente ao emitente) intrínseco aos mesmos, risco esse que, naturalmente, não se verificaria se esses títulos tivessem o mesmo (exacto) risco de um depósito a prazo.


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Assim se confirma o decidido nas Instâncias, pois verificados estão todos os pressupostos da responsabilidade civil obrigacional, condicionantes da obrigação de indemnizar imposta à ré pela descrita inadimplência, não merecendo provimento a pretensão recursiva do Réu.

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IV. DECISÃO 

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, negar a revista, mantendo-se o decidido no Acórdão da Relação.

Custas pelo Réu/Recorrente.


Lisboa, 30 de Novembro de 2022


Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira 1º Adjunto)

Afonso Henrique (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)

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[1]- O Código de Valores Mobiliários (CVM) foi republicado pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro e alterado pelo Decreto-Lei n.º 211-A/2008, de 3 de Novembro, pela Lei n.º 28/2009, de 19 de Junho, pelo Decreto-Lei n.º 185/2009, de 12 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 49/2010, de 19 de Maio, pelo Decreto-Lei n.º 52/2010, de 26 de Maio, e pelo Decreto-Lei n.º 71/2010, de 18 de Junho.
[2] Cfr., entre muitos outros que se poderiam citar, AGOSTINHO CARDOSO GUEDES, in, A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil - Revista de Direito e Economia, Volume XIV, páginas 138 e139, GONÇALO CASTILHO DOS SANTOS, in, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, página 76, 96 e 141, 2008, Almedina; na jurisprudência, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2018.
[3] Os destaques são nossos.
[4] Artigo 7.º
(Qualidade da Informação)

1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.

[5] Artigo 304.º (Princípios)

- Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

1 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

2 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

(…).

[6] “(Deveres de Informação)

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.’.

[7] Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro:

a) fornece ao investidor informação adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou de desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiência do investidor em causa;

b) entrega ao investidor documento sobre os riscos gerais do investimento em valores mobiliários ou noutros instrumentos financeiros;

c) fornece ao investidor informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado;
[8]Cujo segmento uniformizador, percute-se, tem o seguinte teor:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.”

“2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto “não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.”

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.”
“4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”.
[9] Os destaques são nossos.
[10]Destaque nosso.
[11] Processo nº 1982/16.6T8LRA.C2.S2.
[12] Que segue a “tese”, nomeadamente, de MENEZES CORDEIRO, sustentando que o nº2 do artº 304º do CVM contém igualmente uma presunção de causalidade, a qual se estende igualmente à ilicitude. Pelo que, então, incumbiria ao Réu ilidir a presunção de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos sofridos pelo Autor.
[13] Já antes do AUJ, vasta jurisprudência deste Supremo Tribunal repetidamente sublinhava que nestas circunstâncias o nexo de causalidade não se presume, devendo ser demonstrado através da matéria de facto – cfr., por todos, os acórdãos de 19.12.2018 (processo nº 2382/17.6T8VNG.P1.S1), de 19.12.2018 (processo nº 1479/16.4 T8LRA.C2.S1), de 15.01.2019 (processo nº 3831/15.3 TBLRA.L1.S1), de 21.02.2019 (processo nº 2340/16.8T8LRA.C2.S1 - com voto de vencido do Juiz Conselheiro Nuno Oliveira) e de 14.03.2019 (processo nº 2547/16.8T8LRA.C2.S1), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[14] Nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias. Dito de outro modo, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis.