Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99B869
Nº Convencional: JSTJ00037984
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: DEVER DE INFORMAR
CONSUMIDOR
CARTÃO DE CRÉDITO
SEGURO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
SOLIDARIEDADE
Nº do Documento: SJ199911180008692
Data do Acordão: 11/18/1999
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4501/98
Data: 01/28/1999
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Área Temática: DIR ECON - DIR CONS.
Legislação Nacional: L 24/96 DE 1996/07/31 ARTIGO 8 ARTIGO 3 B.
CPC95 ARTIGO 664.
CCIV66 ARTIGO 236 ARTIGO 227 ARTIGO 239 ARTIGO 762 ARTIGO 286.
CONST89 ARTIGO 60.
L 29/81 DE 1981/08/22 ARTIGO 9.
DL 446/85 DE 1985/10/25 ARTIGO 23 ARTIGO 5 N3 ARTIGO 8 A ARTIGO 6.
Sumário : I- Com a revisão constitucional de 1989 os direitos do consumidor passaram a arvorar-se à categoria de direitos e deveres fundamentais de natureza económica.
II- O direito à informação importa que seja produzida uma informação completa e leal capaz de possibilitar uma decisão consciente e responsável, tudo com vista a habilitar o consumidor a uma decisão de escolha consciente e prudente.
III- Perante um cartão de crédito que apresentava as vantagens que usualmente lhe são inerentes, não é de aceitar o entendimento de que era sobre o beneficiário que recairia "prima facie" o ónus de diligenciar no sentido de se informar sobre o exacto conteúdo de cada um dos seguros que lhe eram oferecidos, quando automaticamente a eles teria direito mediante a oferta da entidade fornecedora do cartão.
IV- Não é o facto de se haver tornado titular do cartão de crédito que transforma meras informações gerais (como as contidas no "guia do utilizador") em "cláusulas contratuais gerais" (estas encontram-se insertas na apólice do seguro relativa ao contrato celebrado pela fornecedora do cartão).
V- O fornecedor de bens ou serviços é quem tem de informar de forma completa o consumidor dos serviços que presta e dos benefícios que concede, estando o consumidor dispensado do ónus de tomar as iniciativas necessárias ao seu correcto esclarecimento.
VI- A responsabilidade pelos danos causados pelo fornecedor dos serviços é solidária com o prestador dos mesmos salvo se aquele não tiver responsabilidade por a violação por este do dever de informar não resultar também de qualquer actuação daquele.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. A, residente na Rua da Penha de França em Lisboa, propôs acção com processo ordinário contra:
. "B" - Cartão Internacional de Crédito, S.A., com sede em Lisboa;
- "C" - com sede na Av. de Berna em Lisboa, e
- "D" - com sede na Av. da Liberdade em Lisboa,
pedindo a sua condenação a pagarem-lhe a quantia de 2000000 escudos e ainda outros montantes que se viessem a apurar em execução de sentença.
2. Alegou, para tanto, a titulariedade de uma cartão "unibanco gold", que lhe deveria assegurar o reembolso de despesas cirúrgicas no montante pedido, uma vez deduzida a respectiva franquia. Entende dever ser igualmente reembolsado de todas as despesas de expediente, incluindo correspondência, telefones, faxes, despesas de transportes, despesas com tribunais, advogados e solicitadores, para além de danos materiais que se vierem a apurar em execução de sentença e que calculou, genericamente, em quantia não inferior a 1800000 escudos.
3. Contestaram os RR, concluindo pela improcedência da acção.
4. O Mmo. Juiz do 14 Juízo Cível de Lisboa julgou improcedente a acção e absolveu, em consequência, as Rés do pedido.
5. Inconformado com tal decisão, dela apelou o A. para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 28-01-99, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença da 1 instância.
6. De novo inconformado, veio o autor interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
1 - O recorrente é titular, possuidor e utilizador de um "cartão unibanco gold" que contratou com a B em 2 de Outubro de 1992;
2 - Na altura, foi-lhe fornecido o "guia do utilizador" de fls. 12 a 33, que, a respeito do seguro de doenças, lhe garantia o reembolso das despesas de internamento hospitalar superior a 24 horas e de intervenção cirúrgica provocada por acidente ou doença, abrangendo, também, honorários médico-cirúrgicos, diários e outras despesas de internamento até ao limite de 6000000 escudos anuais, com dedução de franquia em função do sinistro;
3 - Na altura, também recebeu a informação, que pediu, de que por ser titular do "cartão gold" automaticamente lhe era proporcionado o seguro de doença, que cobria os riscos de internamento hospitalar e intervenção cirúrgica, constante do documento de fls. 34;
4 - Mais: só por ser titular do cartão unibanco gold é que o A. beneficiou do seguro de doença contratado entre as Rés B e C, nos termos por eles acordados.
5 - Termos esses que são aplicáveis à generalidade dos titulares de cartão "unibanco gold";
6 - E que não são negociados entre esses titulares e as Rés;
7 - O A, foi submetido, por doença, em 4-11-94, a intervenção cirúrgica e internamento, dando entrada nesse dia às 15 horas e 30 minutos, saindo no dia seguinte pelas 12 horas;
8 - Despendeu 400000 escudos com honorários do cirurgião, 150000 escudos, com honorários do anestesista e 50000 escudos com o ajudante de cirurgia;
9 - Em 05-05-95, a Ré D enviou ao A a carta da C que faz fls. 48, em que esta devolvia as despesas médicas respeitantes ao internamento, remetendo esse documento;
10 - Desse documento consta que são facturadas as despesas de internamento e intervenção cirúrgica até ao limite de 6000000 escudos pessoa/ano, quando o internamento se verifique por período superior a 48 horas;
11 - Só em 05-05-95 é que o A foi informado da cláusula da apólice constante do n. 10;
12 - O A pediu a informação relativa ao citado seguro de doença que consta do documento de fls. 34, antes de se submeter à intervenção cirúrgica;
13 - Não consta dos autos qualquer resposta a esse pedido, nem foi provado que o Autor tivesse recebido o "guia do utilizador de 1994", em que se condicionava o reembolso das despesas de internamento e intervenção cirúrgica, ao facto de o internamento se verificar por período superior a 24 horas;
14 - Por força do contrato de seguro celebrado entre a Ré B e a C, contrato a favor de terceiro, o A ficou investido num direito independentemente da sua aceitação;
15 - Esse contrato de seguro integra uma série de cláusulas contratuais gerais porque pré-redigidas, não negociadas e aplicáveis a uma pluralidade de casos;
16 - Têm também a natureza de cláusulas contratuais gerais as constantes do "guia do utilizador de 1992", que foi fornecido ao Autor, como titular do "cartão unibanco gold", assim como as constantes do guia do utilizador de 1994;
17 - A sentença recorrida admite que o Autor ficou investido dos direitos constantes do contrato de seguro a favor de terceiro celebrado entre a B e a C, mas indevidamente não considera que tanto o contrato que o A celebrou com a B relativo ao "cartão unibanco gold", como as regras fornecidas ao Autor constantes do guia do utilizador, contêm uma série de cláusulas contratuais gerais;
18 - Daí que os fundamentos da sentença proferida estejam em oposição com a decisão final produzida na mesma, pelo que se verifica a nulidade prevista na alínea c) do n. 1 do art. 668 do CPC; por outro lado, ao não se pronunciar a decisão recorrida sobre as cláusulas contratuais gerais constantes do "guia do utilizador de 1992", verifica-se a nulidade constante da alínea d) do n. 1 do art. 668 do CPC;
19 - A sentença recorrida viola ainda por erro de interpretação e aplicação o n. 3 do art. 5 do DL 446/85 referente às cláusulas contratuais gerais, ao considerar que não cabia à B o ónus da prova de comunicação das referidas cláusulas contratuais gerais que submetera a outrem;
20 - A sentença recorrida viola também, pelos mesmos motivos, as normas relativas ao dever de informação quanto à divulgação do "guia do utilizador de 1992", e posteriormente quanto ao guia do utilizador de 1994, ao não considerar que esse dever compete à Ré;
21 - A sentença recorrida viola ainda o disposto no art. 8 da Lei 24/96 de 31/07 quando não faz recair nas rés, como prestadoras de serviços, o dever de informarem objectiva e adequadamente o A, como consumidor;
22 - São, assim, as Rés responsáveis pela violação do citado dever de informação e comunicação, com as consequências previstas no art. 8 do DL 446/85 já referenciadas, e que se dão como reproduzidas;
23 - E ainda por não lhe fornecerem as prestações relativas ao seguro de doença que dizia fazer parte da própria titularidade do cartão "unibanco gold".
24 - Tem, assim, o Autor o direito ao reembolso das despesas médicas e outras relativas à intervenção cirúrgica a que o Autor foi submetido, independentemente do período de internamento;
25 - Tem, ainda, o A o direito a ser ressarcido por todos os prejuízos ocorridos por força dessa situação, diversas despesas, danos morais e outros que se vierem a apurar em execução de sentença e que se computaram em quantia não inferior a 1800000 escudos, pelo que, para apuramento exacto desses prejuízos, deverá o tribunal da Relação fazer baixar à 1 instância para se repetir o julgamento quanto a esses prejuízos, se não se considerar que podem ser liquidados em execução de sentença.

7. Contra-alegaram as Rés, sustentando correcção do julgado.
8. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir.
9. Face ao disposto no art. 713 n. 6, aplicável "ex-vi" do art. 726 do CPC, dá-se por reproduzida a matéria de facto elencada pela Relação.
Passemos ao direito aplicável.
10. Cumpre advertir liminarmente que o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece matéria de direito - conf. art. 26 do LOTJ99 - e que o eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa por parte das instâncias não pode, em princípio, ser objecto do recurso de revista salvo o caso excepcional previsto nos art.s 722 n. 2 e 729 n. 1 do CPC 67.
São as seguintes as questões jurídicas submetidas ao veredicto deste Supremo Tribunal no seio da presente revista:
1.Nulidade do acórdão recorrido com fundamento nas alíneas c) e d) do n. 1 do art. 668 do CPC.
2.Violação de diversas disposições legais do DL 446/85, de 25/10, e do art. 8 da Lei 24/96, de 31/07.
3.Pedido de repetição do julgamento para apuramento exacto dos prejuízos alegadamente sofridos.
11. Nulidade do acórdão recorrido.
Há que dizer, antes de mais, que o recorrente não chega a esclarecer de modo cabal se as nulidade que invoca as pretende realmente imputar ao acórdão revidendo, ou se a invocação das mesmas não passa de uma disfarçada arguição de um erro de julgamento traduzido no facto de a Relação não ter acolhido imputações congéneres endereçadas à sentença de 1 instância.
Em todo o caso, é patente a sem razão da recorrente.
Na realidade, esta questão, enunciada nas conclusões 17 e 18, é de índole processual mas o A coloca-a em termos de direito substantivo, o que desde logo a conduz ao insucesso nesta sede.
Com efeito, sustenta o recorrente que o tribunal recorrido, ao admitir que o A ficou investido dos direitos constantes do contrato de seguro a favor de terceiro celebrado entre a B e a C, teria de considerar igualmente que tanto o contrato relativo ao cartão "unibanco gold" como as regras que lhe foram fornecidas constantes do "guia do utilizador", contêm uma série de cláusulas contratuais gerais. Não o fazendo, os fundamentos da sentença proferida encontrar-se-iam em oposição com a decisão final produzida na mesma.
Não se descortina porém qualquer construção viciosa da sentença em termos de raciocínio lógico; no fundo, o que o recorrente pretende é que se cooneste a comissão de um hipotético erro de julgamento só sindicável em termos de fundo ou mérito substantivo da decisão revidenda.
E, com efeito, o facto de o A. haver ficado investido nos direitos emergentes do contrato de seguro não possui virtualidade bastante para converter as informações do denominado "guia do utilizador" em cláusulas contratuais gerais; estas poderão ou não ser como tal, em abstracto, qualificadas, mas nada têm a ver com o previamente acordado entre o A e as RR.
Improcede pois a invocada causa de nulidade prevista na alínea c) do n. 1 do art. 668 do CPC67.
No que tange à também suscitada causa de nulidade por omissão de pronúncia contemplada na alínea d) do mesmo preceito, não corresponde à verdade que o tribunal não se tenha pronunciado sobre as aventadas "cláusulas contratuais gerais" que o A considera constantes do "guia do utilizador de 1992".
Escreveu-se, a determinado passo do acórdão da Relação, que da alínea i) da matéria de facto "não resulta que a Ré B, tenha inserido as cláusulas do seguro na proposta de contrato que veio a celebrar com o A ... não se podendo considerar as cláusulas contratadas entre aquelas Rés inseridas no contrato celebrado entre a B e o A, é evidente não poder esta apelar para o regime legal em apreço ..." (sic).
Facilmente se descortina pois que o tribunal considerou foi que o contrato outorgado pelo A não contém as cláusulas contratuais gerais do seguro, sendo certo que não era obrigado a dizê-lo expressamente e com particular destaque.
O que o recorrente pretendia é que o sentido da decisão fosse favorável à tese por si perfilhada, mas o que não pode é defender que o tribunal recorrido haja silenciado tal questão.
Improcede pois também tal invocação de nulidade da decisão.

12 - Violação de diversas disposições legais do DL 446/85, de 25-10, e do art. 8 da Lei n. 24/96, de 31-07.
Esta segunda questão envolve a problemática das relações entre os dois contratos delineados nos autos: o celebrado entre o A. e a B para atribuição do "cartão unibanco gold", e aqueloutro contrato de seguro celebrado entre esta e a seguradora C.
Alega a recorrente a suposta violação de normas constantes da L 24/96, de 31-07 (Defesa do Consumidor) e do DL 446/85, de 25/10 (cláusulas contratuais gerais), subsunção jurídica que o tribunal pode, todavia, alterar ao abrigo do princípio da liberdade de aplicação do direito contemplado no art. 664 do CPC.
É inquestionável que a concessão de tal cartão tornou o A. beneficiário do seguro de doença publicitado pela B. como uma das suas vantagens, cobrindo riscos de internamente hospitalar e de intervenção cirúrgica, contrato este previamente celebrado entre a B e a C.
Também não subsistem dúvidas de que a informação constante do "guia do utilizador de 1992", constante de fls. 12 a 33, não coincide com o clausulado na apólice subscrita pela B. precisamente no aspecto que releva para os presentes autos: enquanto no primeiro se garante o reembolso das "despesas do internamento hospitalar superior a 24 horas e de intervenção cirúrgica provocada por acidente ou doença ...", na apólice e no guia do utilizador relativo a 1994 consta estarem apenas cobertos "os riscos de internamento hospitalar e intervenção cirúrgica superior a 24 horas ...".
Ou seja: inicialmente o A. não deparou com qualquer limitação temporal para a perduração das intervenções cirúrgicas, mas posteriormente viu-se confrontado com uma limitação ao período mínimo de 24 horas, o que deu origem ao presente litígio judicial, uma vez que a intervenção cirúrgica e o tempo do consequente internamente se quedaram àquem desse mesmo período de 24 horas.
Recorrendo à teoria da impressão do destinatário consagrada no art. 236 do CC, não custa admitir que o A. - como qualquer cidadão medianamente avisado, diligente e sagaz - tivesse ficado a contar com o reembolso das despesas de uma eventual operação cirúrgica, independentemente da duração desta, pois o que ressalta do confronto das duas versões da cláusula em apreço é precisamente a ausência de limitação temporal no "guia do utilizador de 1992 " e no documento de fls. 34, porquanto a referência à limitação de 24 horas apenas surge aposta imediatamente a seguir ao aspecto específico do internamento; já, pelo contrário, no guia de 1994 se encontra bem patente e claro, pela colocação de tal menção no final da frase, que tanto o internamento como a intervenção cirúrgica se encontrariam condicionados ao prazo mínimo de 24 horas para atribuição do reembolso.
O que se encontra no fundo em causa é a garantia dos direitos dos consumidores, perante os esforços legislativos - e também da jurisprudência - no sentido de que não saiam prejudicados ou defraudados no seu relacionamento com grandes empresas, designadamente perante os chamados contratos de adesão.
Com a revisão constitucional de 1989 passaram mesmo a arvorar-se os "direitos do consumidor" à categoria de direitos e deveres fundamentais de natureza económica regulados no capítulo I do título III da lei Fundamental. No respectivo art. 60 consagra-se, de modo enfático, que "os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação dos danos" (sic).
Esse direito à informação importa que seja produzida "uma informação completa e leal capaz de possibilitar uma decisão consciente e responsável (sobre as características essenciais dos bens e serviços fornecidos, sobre a natureza, qualidade, composição, quantidade, durabilidade, origem,proveniência, modo de fabrico e ingredientes utilizados no fabrico, sobre o preço dos produtos etc.)" - conf. G. Canotilho e V. Moreira, in"Constituição da República Portuguesa Anotada", 3 ed. revista, pág. 323.

Tudo com vista a habilitar o consumidor a uma decisão de "escolha consciente e prudente", numa área em que para além "do combate à informação negativa, mentirosa, enganadora ou desleal, é crucial a obrigação geral de informação positiva que impende sobre os profissionais no seu interface (relações de consumo) com os consumidores, obrigação esta cuja matriz é o princípio da boa-fé, hoje expressamente consagrado no art. 9 da L 29/81 de 22-08" "e genericamente nos art.s 227, 239 e 762 do CCIV66 - conf., Calvão da Silva, in "Responsabilidade Civil do Produtor" - Coimbra - Almedina - 1990, pág. 78.
Hoje, perante o reconhecimento dos direitos do consumidor em geral e do regime constante da Lei n. 24/96, de 31-07, parece indiscutível que é o fornecedor de bens ou serviços quem tem de informar de forma completa o consumidor, não sendo pois exigível - pois que normalmente "em situação de desigualdade de poder e de conhecimentos económicos e técnicos em que se encontra perante profissionais que de outro modo poderiam aproveitar-se da sua ignorância, da sua inferioridade e da sua fraqueza" (conf. autor por último citado in ob e loc cits - que seja este a tomar as iniciativas necessárias ao seu cabal esclarecimento.
No caso vertente, perante um cartão de crédito que apresentava as vantagens que usualmente lhe são inerentes, com toda uma panóplia de direitos e obrigações recíprocos, associada a outros benefícios como por ex. o contrato de seguro de doença em causa e um outro, não é de aceitar o entendimento de que era sobre o beneficiário que recairia "prima facie" o ónus de diligenciar no sentido de se informar sobre o exacto conteúdo cada um dos seguros que lhe eram oferecidos, quando automaticamente e eles teria direito mediante a oferta da entidade fornecedora do cartão.
Pois bem.
Assiste razão ao tribunal recorrido quando considera que os supra-aludidos "guias do utilizador" não contêm propriamente "cláusulas contratuais gerais"; a sua simples compulsação logo evidencia estar-se perante um mero folheto informativo, fornecido pela B aos titulares dos cartões "unibanco gold"; e, conforme já se referiu, não é o facto de o A., ora recorrente, se haver tornado titular do cartão que transforma meras informações genéricas em "cláusulas contratuais gerais".
Estas encontram-se logicamente insertas na apólice de seguro relativa ao contrato celebrado entre a B. e a C., em cuja subscrição não foi o A., ora recorrente, partícipe; e se se torna indiscutível que a B poderia arguir a nulidade de uma ou mais cláusulas desse contrato, por ser uma das partes contratantes, é, pelo menos, duvidoso o entendimento das instâncias de que tal faculdade estivesse vedada ao A. pela razão inversa.
Com efeito, o risco segurado não era exclusivo da B mas também dos terceiros beneficiários, como o ora recorrente; estes últimos é que, no fundo, seriam as potenciais vítimas de um sinistro ou doença que caísse no âmbito das garantias inerentes ao contrato de seguro de doença. Assim sendo, mais lógico seria que um terceiro beneficiário pudesse deter mais interesse em arguir ou suscitar a eventual nulidade de uma ou mais daquelas supostas "cláusulas contratuais gerais" do que a própria B, que nisso teria um interesse meramente indirecto, reflexo ou altruísta traduzido na protecção ou benefício dos seus próprios clientes.
Neste sentido vai o art. 23 do DL 446/85, de 25-10, nos termos do qual as nulidades previstas no diploma são invocáveis nos termos gerais, ou seja, além de serem invocáveis a todo a tempo por qualquer interessado, poderiam ser declaradas oficiosamente pelo tribunal (art. 286, do CC).
Será, porém, que se verificam as nulidades apontadas pelo A.?
Afastada pois a existência de cláusulas contratuais gerais nos "guias do utilizador", nos termos já referidos, seria na própria apólice negociada entre as recorridas B. e C. que as eventuais nulidades teriam que ser surpreendidas.
E diga-se desde já que não se encontra qualquer motivo para reputar de nula a cláusula que limita a 24 horas o período mínimo para poder ser exercitado o direito ao reembolso das despesas hospitalares, quer na versão que aí se exara, quer na que consta do guia de 1992, se fosse essa versão consagrada na apólice.
E o recorrente bem se apercebeu de tal situação, ao não visar directamente a cláusula propriamente dita, mas a violação do direito de informar consagrado nos art.s 5 n. 3 e 8 alínea a) do DL 446/85. Advirta-se, nesta parte, que este diploma se limita a reger as relações entre as partes contratantes, cingindo e fazendo impender os deveres de comunicação e de informação aos outorgantes do contrato, conforme resulta dos respectivos art.s 5 e 6, pelo que não poderá ser utilizado para responsabilizar uma seguradora que nada negociou com o terceiro beneficiário.

Se essa dúvida era pertinente em face desse diploma legal, o mesmo já não sucede perante a tendência cada vez mais acentuada do reconhecimento dos direitos do consumidor em geral e, em particular, do regime constante da L 24/96, de 31-07. Do art. 8 desta Lei, já atrás citado, e na sequência de alguns dos preceitos anteriores, resulta, de forma indiscutível, que o fornecedor de bens ou serviços é quem tem de informar de forma completa o consumidor dos serviços que presta e dos benefícios que concede, pelo "a contrario" há que entender ficar este dispensado do ónus de tomar as iniciativas necessárias ao seu correcto esclarecimento, tal como acima já se expendeu.
O n. 5 desse mencionado art. 8 esclarece mesmo a responsabilidade pelos danos causados por parte do fornecedor ou prestador de serviços que viole o dever de informar, sendo solidariamente responsáveis os demais que hajam violado esse dever de informação.
O A. não se apercebeu, todavia, de que, à data dos factos em discussão nos presentes autos, esta lei ainda não se encontrava em vigor, pelo que também não é com base nela que pode fundamentar a violação do dever de informar (conclusões 21 e 22) e obter a condenação solidária da B e da C
(a responsabilidade da D encontra-se já, nesta fase, excluída).
Acontece, entretanto, ter a Lei 24/96 de 31-07 revogado a Lei 29/81, de 22-08, que anteriormente regulava precisamente a defesa do consumidor, pelo que resta então verificar se as consequências legais eram as acabadas de mencionar.
O paralelismo é evidente: a al. b) do art. 3 estipulava que o consumidor tem direito "à formação e à informação", e o art. 9 n. 1 (equivalente ao seu homólogo art. 8 da lei actual) desenvolvia o direito à informação dispondo que "o consumidor tem direito a ser informado completa e lealmente ...", acrescentando o n. 3 sobre quem impendia a obrigação de informar, de forma que não se pode considerar taxativa, tal como na actual legislação.
Sucede, porém, que este preceito legal não tem qualquer dispositivo equivalente ao referido n. 5 do art. 8 da lei actual, permitindo a condenação solidária de quem não contratou directamente com o fornecedor (no presente caso, as vantagens inerentes ao contrato de seguro).
Assim sendo, é de isentar de responsabilidade a Ré C., desde logo porque o conflito de interesses configurado nos autos não resulta de qualquer actuação sua mas de um erro, ou pelo menos, de uma inobervância do dever objectivo de cuidado por parte da B. ao elaborar o denominado "guia do utilizador" sem previamente se haver assegurado de que a concreta informação em causa nos autos correspondia ao clausulado que havia acordado com a seguradora.
E, aqui reside, na verdade, o cerne da controvérsia: saber se tal conduta era efectivamente susceptível de induzir o ora recorrente em erro, sendo certo que nos termos do citado art. 9 n. 1 do DL 29/81 a B se encontrava obrigada a informá-lo "completa e totalmente".
E a resposta é claramente afirmativa.
Nas concretas circunstâncias essa Ré, ora recorrida, encontrava-se obrigada a fornecer ao A. ora recorrente uma informação exacta do que havia contratado com a C., entregando-lhe pelo menos "um guia do utilizador" - e, porventura, uma cópia da apólice previamente negociada - que reproduzisse com rigor os direitos que o A. adquiria perante a B. e perante cada uma das seguradoras e não, como fez, induzindo-o em erro e acabando por lhe causar prejuízos.
Prejuízos cuja responsabilidade lhe terá de ser assacada por mor da aplicação dos sobreditos princípios e normas jurídicas; e que ascendem - tal como vem provado - a 400000 escudos com honorários do cirurgião, 150000 escudos com honorários do anestesista e 50000 escudos com honorários do ajudante de cirurgia, tudo no montante global de 600000 escudos.
Deste modo, descontados 350000 escudos de franquia (conf. alínea v) do elenco da matéria de facto), o valor da indemnização a atribuir ao A. montará a 250000 escudos.

13 - Repetição do julgamento; baixa dos autos ao tribunal a quo:
Pretende o recorrente repetição do julgamento com base numa aventada falta de apuramento da matéria de facto alegada e que não terá sido considerada (conclusão 25).
Encontrar-se-iam designadamente em causa "todas as despesas de expediente, incluindo correspondência, telefonemas, faxes, e também despesas de transportes, despesas com tribunais, advogados e solicitador, além dos danos morais sofridos pelo A., expectativas frustradas e outros danos materiais que se viessem a apurar em execução de sentença e que se computariam genericamente, os referenciados, em quantia não inferior a 1800000 escudos" (segunda parte do art. 36 da petição inicial).
Ora, em vez de alegar desde logo factos tendentes à cabal especificação e quantificação desses conjecturais prejuízos, o recorrente limitou-se a enunciar no derradeiro artigo da sua petição um conjunto de meras generalidades, vacuidades e abstrações insusceptíveis de conduzir a uma condenação desde logo no pedido e muito menos no que viesse a liquidar-se em execução de sentença; tal alegação não fornece pois um suporte fáctico mínimo sobre o qual possa incidir a produção da prova, que permitisse o ulterior enquadramento jurídico tendente à fixação da indemnização.
E tal falta de cumprimento do ónus da afirmação, alegação ou dedução só a si poderá ser imputada.
Improcede assim, nesta parte, a revista.

14 - Decisão:

Em face do exposto, decidem:
- conceder parcialmente a revista;
- revogar o acórdão recorrido na parte em que confirma a decisão da 1 instância de absolver do pedido a Ré B.;
- julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar a Ré B. no pagamento ao A., ora recorrente, da quantia de 250000 escudos;
- confirmar, no restante, o acórdão recorrido.
Custas na proporção da respectiva sucumbência.

Lisboa, 18 de Novembro de 1999.
Ferreira de Almeida,
Moura Cruz,
Abílio de Vasconcelos.