Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2886/12.7TBBCL.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
PRAZO DE CADUCIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
CONTAGEM DO PRAZO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
AMBIGUIDADE
OBSCURIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DA FAMÍLIA / FILIAÇÃO / ESTABELECIMENTO DA FILIAÇÃO / RECONHECIMENTO JUDICIAL / ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS FUNDAMENTAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA.
Doutrina:
- Alberto Amorim Pereira, «A preclusão do direito de accionar nas acções de investigação de paternidade – Alguns problemas», in R.O.A., Lisboa, Ano 48, 1988, 143 e ss..
- Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, 282.
- Cristina M. A. Dias, «Investigação da paternidade e abuso do direito. Das consequências jurídicas do reconhecimento da paternidade», in Cadernos de Direito Privado, n.º 45, Janeiro/Março 2014.
- J. P. Remédio Marques, «Caducidade de Acção de Investigação da Paternidade, O problema da aplicação imediata da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, às acções pendentes», in B.F.D.U.C., vol. LXXXV, Coimbra, 2009.
- João Cura Mariano, «O Direito da Família na Jurisprudência do Tribunal Constitucional Português, Uma breve crónica», in Julgar, n.º 21, Coimbra Editora, 2013, 36 e ss..
- Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 4.ª Edição, p. 162 e ss.; «Inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil», in Cadernos de Direito Privado, n.º 15, Julho/Setembro 2006.
- Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa” Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, 121.
- Luís Menezes Leitão, «Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-04-2013», disponível em www.oa.pt .
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, vol. V, 1995, 83.
- Rosenberg, citado por Antunes Varela, in R.L.J, ano 117.º, 30.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 297.º, N.º 1, 329.º, 342.º, N.º 2, 343.º, N.º 2, 1817.º, N.ºS 1 E 3, AL. B).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 674.º, N.º 3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 13.º, 18.º, N.º 3, 282.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 08-06-2010, PROC. N.º 1847/08.5TVLSB-A.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 21-09-2010, PROC. N.º 4/07.2TBEPS.G1.S1, E DE 24-05-2012, PROC. N.º 37/07.9TBVNG.P1.S1, DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT
-DE 27-01-2011, PROC. N.º 123/08.8TBMDR.P1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 29-11-2012, PROC. N.º 367/10.2TBCBC-A.G1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 24-02-2015, PROC. N.º 692/11.5TBPTG.E1.S1, DISPONÍVEL EM HTTP://WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISP-SUMARIOS/CIVEL/SUMARIOS-CIVEL-2015.PDF
-DE 12-03-2015, PROC. N.º 1261/12.8TBSTS.P1.S1, DISPONÍVEL EM HTTP://WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISP-SUMARIOS/CIVEL/SUMARIOS-CIVEL-2015.PDF
-DE 05-05-2015, PROC. N.º 932/13.6TBLSD.P1.S1, DISPONÍVEL EM HTTP://WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISP-SUMARIOS/CIVEL/SUMARIOS-CIVEL-2015.PDF
-DE 28-05-2015, PROC. N.º 2615/11.2TBBCL.G2.S1, DE 22-10-2015, PROC. N.º 1292/09.5TBVVD.G1.S1, E DE 02-02-2017, PROC. N.º 1339/14.3.TBPTM.E1.S1, DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT
-DE 17-11-2015, PROC. N.º 30/14.5TBVCD.P1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 21-04-2016, PROC. N.º 1974/13.7TBFAF.G1.S1, DISPONÍVEL EM HTTP://WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISP-SUMARIOS/CIVEL/MENSAIS/CVEL_2016_04.PDF
-DE 23-06-2016, PROC. N.º 1937/15.8T8BCL.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 14-12-2016, PROC. N.º 2302/13.7TBBCL.G1.S1, DISPONÍVEL EM HTTP://WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISPSUMARIOS/CIVEL/MENSAIS/CVEL_2016_12.PDF
-DE 02-02-2017, PROC. N.º 200/11.8TBFVN, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 09-03-2017, PROC. N.º 759/14.8TBSTB.E1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.ºS 99/88, 413/89, 451/89, 311/95 E 506/99.
-N.º 456/03, DE 14 DE OUTUBRO.
-N.º 23/2006, DE 10 DE JANEIRO, PUBLICADO NO D.R., I SÉRIE-A, DE 08-02-2006.
-N.ºS 401/2011, 445/2011, 446/2011, 476/2011, 545/2011, 77/2012, 106/2012, 231/2012, 247/2012, 515/2012, 166/2013, 350/2013, 750/2013, 373/2014, 383/2014, 529/2014, 547/2014, 704/2014, 302/2015, 594/2015, 626/2015 E 424/2016.
-N.º486/2004.
-N.º 164/2011, DE 24 DE MARÇO, N.º 24/2012, DE 17 DE JANEIRO, E N.º 323/2013, DE 31 DE MAIO.
-DECISÃO SUMÁRIA N.º 252/2016 E NO ACÓRDÃO N.º 151/2017.
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TODOS DISPONÍVEIS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT
Sumário :
I - Salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do art. 674.º do CPC, não cabe ao STJ sindicar a matéria de facto.

II - A contradição determinante da nulidade do acórdão recorrido ocorre sempre que os fundamentos invocados pelo julgador conduzam a uma decisão oposta àquela que veio a ser tomada. É, por sua vez, obscura a decisão quando seja ininteligível o seu sentido, verificando-se a sua ambiguidade quando a mesma se preste a interpretações diferentes.

III - O erro de julgamento não se confunde com a omissão de pronúncia, não sendo de acolher esta arguição sempre que o acórdão recorrido, ainda que com parca fundamentação, haja tomado posição sobre uma das questões colocadas na apelação.

IV - Deve-se desatender o entendimento que pugna pela inconstitucionalidade do n.º 1 do art. 1817.º do CC – na redacção emergente da Lei n.º 14/2009, de 01-04 –, porquanto o interesse da segurança jurídica não pode ser posto em causa por uma atitude desinteressada do investigante, revelando-se aquele normativo conforme ao princípio da proporcionalidade, posto que o prazo ali assinalado assegura que o pretenso filho disporá, 10 anos após adquirir a maioridade ou ser emancipado, de suficiente maturidade e autonomia para intentar a acção. Ademais, os n.os 2 e 3 do mesmo preceito prevêem prazos durante os quais, mesmo após ter decorrido o prazo de 10 anos após a maioridade ou a emancipação, pode ainda ser proposta a acção, conquanto se aleguem e provem os pertinentes factos.

V - A regra da impescritibilidade da acção de investigação da paternidade não foi acolhida no direito civil português, sendo que, por si só, o estabelecimento de prazos de caducidade não é violador da CEDH, importando antes averiguar se as respectivas características traduzem um justo equilíbrio entre os interesses em jogo – o direito à identidade pessoal, o direito à reserva da vida privada e o interesse na estabilidade das relações familiares.

VI - Tendo a acção sido intentada após a entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, de 01-04, é irrelevante que o art. 3.º deste diploma haja sido declarado inconstitucional com força obrigatória geral, já que não são equiparáveis a situação de quem vê uma norma aplicada num processo pendente à data da sua entrada em vigor e a situação de quem vê a mesma norma aplicada num processo que, nessa data, ainda não se iniciara.

VII - O prazo de 10 anos a que alude o n.º 1 do art. 1817.º do CC inicia o seu curso a partir da data em que o investigante atingiu a maioridade, não tendo cabimento convocar o disposto no n.º 1 do art. 297.º do CC porquanto o legislador tomou posição expressa sobre a matéria e porque resulta dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 14/2009 que a intenção legislativa era reportar o início do cômputo de tal prazo ao momento anterior à entrada em vigor desse diploma.

VIII - Seria contraditório com a ratio do estabelecimento de prazos de caducidade (a estabilização das relações sociais e a pacificação social) para a propositura da acção de investigação de paternidade e com a intenção do legislador entender que a respectiva contagem apenas se iniciaria a partir da entrada em vigor da Lei n.º 14/2009.

IX - Tendo a autora atingido a maioridade em 14-10-1980 e não se demonstrando que, desde então, esteve impedida de propor a acção de investigação da paternidade contra o seu pretenso pai, é de concluir que o entendimento exposto em VII não padece de inconstitucionalidade, posto que a recorrente teve inúmeras possibilidades para o fazer – inclusive apoiando-se na jurisprudência do TC sobre esta matéria –, não sendo expectável que o legislador abdicasse do estabelecimento de prazos.

X - O entendimento mencionado em VII não contende com o princípio da igualdade na medida em que a situação da recorrente não apresenta qualquer paralelismo com as pessoas que, à data da entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, ainda não tinham atingido maioridade ou sido emancipadas.

XI - Pretendendo a autora prevalecer-se do prazo alargado previsto na al. b) do n.º 3 do art. 1817.º do CC, impende sobre aquela o ónus de alegar e provar os pertinentes factos.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

AA intentou em Setembro de 2012 acção de investigação de paternidade contra BB pedindo que se declare que o Réu é seu pai e consequentemente o reconhecimento da respectiva paternidade.

O R contestou e no que ora releva, o réu excepcionou a caducidade do direito que a autora pretende fazer valer através da presente acção.

A Autora apresentou réplica, pugnando pela improcedência da invocada excepção de caducidade, invocando a inconstitucionalidade das normas que seriam aplicáveis ao caso.

       O Réu treplicou, reiterando a alegada caducidade e sustentando que, tendo a acção sido instaurada em Setembro de 2012, ao caso se aplica a lei nº 14/2009 de 01.04, que entrou em vigor em 2.04.2009.

Procedeu-se ao saneamento e à condensação do processo, com a selecção da matéria de facto assente e controvertida, e, após a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença na qual se julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição do réu do pedido.

      De tal decisão apelou a autora, tendo, porém, o Tribunal da Relação de Guimarães confirmado a decisão recorrida.

       Inconformada, interpôs recurso a autora recurso de revista ao abrigo do art. 672 nºs 1 e 2, alínea b) do CPC, invocando, para tanto, que o acórdão recorrido está em oposição como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.05.2008, cuja cópia juntou aos autos.

       Por acórdão de 2.06.2016, este Supremo Tribunal, considerando ter ocorrido omissão de pronúncia que não era susceptível de ser suprida e concedendo, assim, a revista, anulou a decisão recorrida e ordenou que os autos voltassem à Relação a fim de que procedesse à reforma daquela no que toca à matéria de facto que a apelante havia impugnado- em concreto, a referente ao facto de a mãe da autor lhe ter dito, um ano antes de ter sido intentada a acção, que o réu era o seu pai- já que estando tal matéria relacionada com a caducidade, atento o condicionalismo previsto no art. 1817 nº3 do C. Civil, o seu conhecimento não era inútil.

      Em cumprimento do decidido, foi proferido no acórdão no qual o Tribunal da Relação de Guimarães, mantendo a matéria de facto que havia sido fixada pela 1ª instância, confirmou a decisão recorrida.

        Novamente inconformada, interpôs agora a autora recurso de revista excecpional, que foi admitido, por decisão da formação de apreciação preliminar, com fundamento na previsão contida na alínea a) do9 nº1 do art. 672 do CPC.

II - Fundamentação:

Questões que cumpre conhecer:

a)      Erro de julgamento no que toca à matéria de facto impugnada pela recorrente que foi reapreciada pela Relação (pontos 1. a 3. das conclusões);

b)      Nulidade do acórdão recorrido por insuficiência ou por omissão de pronúncia (ponto 4. das conclusões);

c)       Inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil na redacção dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 14/2009, de 01-04 (pontos 5. a 15. das conclusões);

d)      Interpretação do artigo 1817.º, n.º 3, do Código Civil no que concerne à repartição do ónus da prova dos factos contidos nesta previsão normativa (pontos 16. a 18. das conclusões).

1. Do erro de julgamento no que concerne à matéria de facto impugnada pela apelante que foi reapreciada pela Relação (pontos 1. a 3. das conclusões):

Sustenta a recorrente, nas conclusões da sua alegação recursória, que, tendo impugnado a decisão da matéria de facto no que concerne à matéria contida no artigo 4.º da base instrutória – “A mãe da autora, um ano antes de ter sido intentada a presente acção, disse-lhe que o réu era o pai dela” –, matéria essa que o tribunal de 1.ª instância deu como não provada, a Relação incorreu em erro de julgamento ao ter mantido essa resposta negativa já que a prova documental constante dos autos e a prova testemunhal produzida impunham que tal matéria tivesse sido dada como provada.

Vejamos:

Dispõe o artigo o artigo 682.º, n.º 1, do referido diploma legal que aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado; acrescentando o n.º 2 do mesmo normativo que A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674.º.

Preceitua, por sua vez, este último normativo que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Vê-se, assim, claramente destes preceitos que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, em regra, apenas conhece de matéria de direito, não lhe cabendo sindicar a matéria de facto apurada pelas instâncias, a não ser que se verifique algum dos casos excepcionais expressamente previstos na lei.

Com efeito, tal como refere, a este propósito, Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Processo Civil, 2.ª edição, p. 398), a actividade do Supremo não se preocupa com as possíveis alternativas sobre o julgamento dos factos relevantes, mas exclusivamente com a determinação da solução jurídica adequada para os factos apurados pelas instâncias, já que na função atribuída ao Supremo prevalecem os interesses gerais de harmonização na aplicação do direito sobre a averiguação dos factos relativos ao caso concreto e a concentração dos seus esforços na determinação da norma aplicável e no controlo da sua interpretação e aplicação pelas instâncias.

Também Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, p. 270) afirma, em sentido coincidente, que, em regra, o Supremo não se pronuncia sobre a verdade dos factos em que se baseia a invocada infracção à lei. Compete-lhe antes apurar se foi exacta a aplicação da lei, no pressuposto de que os factos aos quais a aplicou o tribunal a quo são verdadeiros tal como ele os considerou provados.

Ou seja, ainda que, face ao disposto no artigo 674º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o Supremo não fique totalmente paralisado no que concerne ao controlo da decisão da matéria de facto, a verdade é que a sua intervenção se circunscreve a aspectos em que se tenha verificado a violação de normas de direito probatório material (por, nessa hipótese, estarem em causa verdadeiros erros de direito), já não abrangendo, porém, questões inerentes à decisão da matéria de facto quando esta foi precedida da formulação de um juízo assente na livre apreciação da prova formulado pela 1.ª instância ou até pela Relação (vide, neste sentido, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2014, p. 337 e ss.).

Trata-se, de resto, de orientação que é igualmente pacífica na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, podendo ver-se, a título exemplificativo, as seguintes decisões:

Acórdão de 15-01-2015 (proc. 266/10.8TBBRG.G1.S1, Relator Tavares de Paiva, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Cvel2015.pdf)

- Acórdão de 22-01-2015 (proc. 24/09.2TBMDA.C2.S1, Relatora Maria dos Prazeres Beleza, disponível em www.dgsi.pt):

- Acórdão de 19-01-2016 (proc. 871/07.0TCSNT-A.L1.S1, Relator Gregório Silva Jesus, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2016.pdf):

- Acórdão de 05-04-2016 (proc. 415/07.3TBMMV.C1.S1, Relator João Camilo, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2016.pdf):

- Acórdão de 07-04-2016 (proc. 397/09.7TBPVL.G1.S1, Relator Orlando Afonso, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2016.pdf):

 - Acórdão de 19-04-2016 (proc. 5654/13.5TBMTS-A.P1.S1, Relator Garcia Calejo, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2016.pdf):

- Acórdão de 19-10-2016 (proc. 3285/05.2TVPRT.P1.S1, Relator Olindo Geraldes, disponível em www.dgsi.pt):

2. Da nulidade do acórdão recorrido por insuficiência ou por omissão de pronúncia (ponto 4. das conclusões):

     Invoca a recorrente, ademais, que o acórdão recorrido é nulo, nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, por o Tribunal da Relação não ter apreciado ou julgado como é que se conta o prazo ou qual foi o prazo concedido pelo artigo 1.º da Lei n.º 14/2009 aos investigantes que, tal como a autora, à data da sua entrada em vigor, já tinham mais de 18 ou mais de 28 anos de idade.

            Afigura-se, porém, que não lhe assiste razão.

      Dispõe, no que ora releva, o artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (aplicável aos acórdãos ex vi do disposto no artigo 666.º do mesmo diploma legal) que É nula a sentença quando: (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).

      Conforme se colhe dos ensinamentos de Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, volume V, 3ª edição, 1952, reimpressão, Coimbra Editora, 2007, p. 141), que mantêm inteira actualidade, ocorrerá o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam, logicamente, a um resultado, mas o resultado expresso na decisão é exactamente o oposto.

Por sua vez, a sentença será obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e será ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos (cf. Alberto dos Reis, ob cit., p. 151).

       Já no que concerne à omissão de pronúncia, trata-se de nulidade que está em correspondência directa com o dever imposto ao juiz, ínsito no artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, no sentido de o mesmo ter de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra.

        Tal não significa, porém, que o juiz se tenha de ocupar de todas as considerações feitas pelas partes já que são coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que devia conhecer; e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte, posto que conforme bem observa Alberto dos Reis (ob. cit., p. 142 e 143) Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.

        Com base nestes ensinamentos, é este o entendimento corrente que, nesta matéria, tem sido adoptado pelo Supremo Tribunal de Justiça, de que são exemplo as seguintes decisões:

- Acórdão de 22-01-2015 (proc. 24/09.2TBMDA.C2.S1, Relatora Maria dos Prazeres Beleza, disponível em www.dgsi.pt) em que conclui:

        A nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal deixa de apreciar questões que tinha de conhecer, mas já não quando, no entender do recorrente, as razões da decisão resultam pouco explicitadas ou não se conhecem de argumentos invocados.

- Acórdão de 05-01-2016 (proc. 1898/13.8TYLSB.S1, Relator Júlio Gomes, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Mensais/Cvel%202016_01.pdf) que considerou:

O emprego de argumentação diversa daquela que é usada pelas partes (e que pode acarretar que não sejam relevantes os elementos por elas trazidos) não implica que se haja incorrido em omissão de pronúncia.

Acórdão de 28-04-2016 (proc. 1723/06.6TVPRT.P3.S1, Relator Abrantes Geraldes, disponível http://www.stj.pt/ficheiros/jurispsumarios/civel/Mensais/Cvel_2016_04.pdf) que também concluiu:

A nulidade por omissão de pronúncia não se confunde com situações que, porventura, correspondam a uma deficiente ou insuficiente fundamentação da resposta dada a alguma questão suscitada.

Tendo presentes estas considerações, dir-se-á, desde logo, no que se refere ao apontado vício de nulidade previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, que a recorrente não invocou qual a contradição de que, alegadamente, padeceria o acórdão recorrido e também não concretizou em que é que se traduziriam as invocadas ambiguidade ou obscuridade, omissões estas que, por si só, bastariam para que improcedesse a arguida nulidade. Acrescente-se, em todo o caso, que a decisão sob censura é perfeitamente coerente e inteligível, não se vislumbrando nela qualquer contradição ou sequer passagem que se preste a interpretações equívocas ou dúbias.

Já no que toca ao vício de nulidade por omissão de pronúncia que a recorrente imputa ao acórdão recorrido e que se prende com a alegada falta de conhecimento do modo de contagem do prazo a que se refere o artigo 1.º da Lei n.º 14/2009, de 01-04, se dirá que também não lhe assiste razão.

Na verdade, a questão que a recorrente verdadeiramente colocou ao tribunal recorrido e cuja decisão a este se impunha foi a de saber se o artigo 1.º da citada Lei n.º 14/2009, que deu nova redacção ao artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, é inconstitucional.

Ora, tal questão foi expressamente enunciada na decisão que se analisa, tendo o tribunal recorrido entendido que a mesma comportava uma dupla vertente: por um lado, saber se tal normativo, ao estabelecer um prazo de dez anos, contado da maioridade ou da emancipação do investigante, era inconstitucional e, por outro, se esse prazo se contava desses factos para todos os investigantes, em concreto, para aqueles que, tal como a autora, à data da entrada em vigor da lei, já tivessem mais de 28 anos de idade.

Partindo desse pressuposto, o tribunal recorrido apreciou a questão, decidindo que não se verificava a invocada inconstitucionalidade, louvando-se, para tanto, nos argumentos vertidos em decisões do Tribunal Constitucional, que transcreveu e aos quais aderiu, resultando patente do acórdão recorrido que aquele considerou que tais argumentos eram suficientes para concluir dessa forma. Ou seja, independentemente de ter decidido mal ou bem – questão que se prende já com o mérito da decisão e não com a invocada nulidade – e de ter fundamentado pior ou melhor a decisão nessa parte, o certo é que se vê do acórdão sob escrutínio, que o tribunal recorrido considerou que as decisões que citou e que transcreveu parcialmente (ou mais rigorosamente, os argumentos nelas vertidos), versavam sobre a questão da não inconstitucionalidade na dupla vertente que enunciou por aí se ter concluído que o prazo de dez anos contado a partir dos eventos previstos na lei (maioridade ou emancipação) não era desproporcional, sobretudo, por não funcionar como um prazo cego cujo decurso determinasse inexoravelmente a perda do direito ao estabelecimento da paternidade.

Não pode, por isso, afirmar-se que o acórdão recorrido padeça da alegada nulidade por omissão de pronúncia.

        Com efeito, ainda que se reconheça que a questão da inconstitucionalidade do mencionado normativo, na específica vertente atinente ao modo de contagem do prazo em apreço, teria merecido uma fundamentação mais substancial e mais desenvolvida, a verdade é a parca (mas não inexistente) fundamentação contida no acórdão recorrido não determina a sua nulidade, precisamente por esta não se confundir com situações que, porventura, correspondam a uma deficiente ou insuficiente fundamentação da resposta dada a alguma questão suscitada (veja-se, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a que acima se fez referência, de 28-04-2016, proferido no proc. 1723/06.6TVPRT.P3.S1, de que foi relator Abrantes Geraldes).

Tudo para concluir que as arguidas nulidades têm, necessariamente, de improceder.

3. Da inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil na redacção dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 14/2009, de 01-04 (pontos 5. a 15. das conclusões):

Sustenta a recorrente, neste particular, que a fixação de prazos para a instauração da acção de investigação de paternidade constitui uma restrição não justificada, desproporcionada e não admissível do direito do filho saber de quem descende e que, por isso, o artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil (aplicável às acções de investigação de paternidade por força do artigo 1873.º do mesmo diploma legal), na redacção dada pela Lei n.º 14/2009, de 01-04, é materialmente inconstitucional, pelo que, ao ter decidido em sentido contrário – julgando caducado o direito da autora – o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento.

Vejamos:

As decisões das instâncias convergiram no que toca à aplicação ao caso do prazo previsto no citado artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil – que consideraram não ser inconstitucional – tendo, por isso, ambas declarado a caducidade do direito que a autora pretende fazer valer por, à data da propositura da acção, já ter decorrido o prazo de dez anos aí estabelecido, contado da maioridade daquela, com a consequente improcedência da acção e a absolvição do réu do pedido.

É, pois, com essa decisão que a autora não se conforma, insistindo pela inconstitucionalidade do referido normativo.

E, de facto, a questão de saber se as acções de investigação de paternidade devem ou não ser limitadas no tempo – e se tal limitação é ou não constitucional – não tem merecido uma resposta unívoca, nem na doutrina, nem na jurisprudência, estando tal discussão, ainda hoje, longe de ser pacífica.

São fundamentalmente duas as posições que sustentam a controvérsia que, há muito, se vem desenhando a este propósito:

- Uma no sentido da imprescritibilidade do direito de estabelecimento da paternidade, por este se inserir no acervo de direitos pessoalíssimos, como seja o direito à identidade pessoal (no qual se inclui o direito de conhecer e ver reconhecida a ascendência biológica) e o direito ao desenvolvimento da personalidade e, como tal, o estabelecimento de um prazo para a instauração da acção de investigação de paternidade, seja ele qual for, constituir uma restrição desproporcionada aos referidos direitos, sendo, portanto, inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa; e

- Outra que, estribando-se nos princípios da certeza e da segurança jurídicas dos pretensos pais e dos seus herdeiros, no progressivo “envelhecimento” e aleatoriedade das provas, na prevenção da “caça às fortunas”, no direito à intimidade e reserva da vida provada do investigado e na paz da sua família conjugal, tem defendido que o estabelecimento de tais prazos, para o mencionado efeito, se afigura razoável, não constituindo uma restrição desproporcionada ao direito à identidade pessoal, mas antes um mero condicionamento do seu exercício, que é ditado pelos referidos valores também em jogo, com consagração constitucional, que têm de ser compatibilizados com o direito à identidade pessoal do investigante.

Foi, pois, esta última posição que, contrariamente ao que sucedia no Código de Seabra (no qual não se previa qualquer limite temporal), veio a ser acolhida no Código Civil de 1966, quando aí se determinou que a acção de investigação de maternidade/paternidade só poderia ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação - solução que, nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. V, 1995, p. 83), foi determinada pela consideração ético-pragmática de combate à investigação como puro instrumento de caça à herança paterna e de estímulo à determinação da paternidade em tempo socialmente útil.

Tal consagração legislativa não evitou, contudo, que o tema continuasse a gerar controvérsia, designadamente no que concerne à conformidade ou não conformidade constitucional do estabelecimento de prazos para instauração das acções de investigação de paternidade e a verdade é que, não obstante, numa primeira fase, o Tribunal Constitucional ter decidido sempre no sentido da compatibilidade das normas que previam os referidos prazos com os princípios constitucionais, em atenção aos interesses acima descritos (cf. Acórdãos n.ºs 99/88, 413/89, 451/89, 311/95 e 506/99, todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos), a consolidação e a aplicação das novas técnicas laboratoriais de determinação científica da paternidade vieram a revelar-se decisivas para uma mudança de rumo da jurisprudência constitucional. Com efeito, perante o fim do receio do envelhecimento e aleatoriedade da prova, face aos avanços científicos que permitiram o emprego de testes de ADN com uma fiabilidade próxima da certeza, os interesses da segurança jurídica do pretenso progenitor, da prevenção da “caça às fortunas” e o da reserva da vida privada do investigado e a paz da sua família conjugal diminuíram de importância e começaram a ser olhados como minudências, face ao superior interesse do investigado conhecer as origens da sua existência (cf. João Cura Mariano, O Direito da Família na Jurisprudência do Tribunal Constitucional Português, Uma breve crónica, in Julgar, n.º 21, Coimbra Editora, 2013, p. 36 e ss.).

Em consequência, após a prolação do Acórdão n.º 456/03, de 14 de Outubro (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional passou a julgar inconstitucionais os prazos de caducidade estabelecidos no artigo 1817. º do Código Civil, sendo que tal viragem jurisprudencial veio, inclusive, a culminar com a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que previa para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 16.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (cf. Acórdão n.º 23/2006, de 10 de Janeiro, publicado no D.R., I Série-A, de 08-02-2006).

Importa, porém, reter que, nesse acórdão, o Tribunal Constitucional fez questão de deixar bem vincado que o que estava em causa não era qualquer imposição constitucional de uma ilimitada averiguação da verdade biológica da filiação, mas antes tão só e apenas o concreto limite temporal previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, de dois anos a contar da maioridade ou emancipação (portanto, no máximo, os 20 anos de idade do investigante), que, pelas razões expendidas na decisão, foi considerado exíguo.

A Lei n.º 14/2009, de 01-04 visou, precisamente, dar resposta à inconstitucionalidade assim declarada, alterando o artigo 1817.º do Código Civil, que passou a ter a seguinte redacção:

1. A acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.

            (…)

3. A acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos:

a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante;

b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe;

c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem ou justifiquem a investigação.

4. No caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da acção.

Não obstante essa consagração legislativa e bem assim o desiderato que lhe esteve subjacente, o certo é que a controvérsia, a este propósito, persistiu, tendo parte da doutrina e da jurisprudência, incluindo no seio do Supremo Tribunal de Justiça, continuado a defender a tese da inconstitucionalidade de todo e qualquer prazo para a propositura das acções de investigação da paternidade.

 Veja-se, nesse sentido, na doutrina:

- Jorge Duarte Pinheiro, em O Direito da Família Contemporâneo, 4.ª Edição, p. 162 e ss. e em “Inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil” in Cadernos de Direito Privado, n.º 15, Julho/Setembro 2006;

- Luís Menezes Leitão, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-04-2013, disponível em www.oa.pt; e

- Cristina M. A. Dias, em “Investigação da paternidade e abuso do direito. Das consequências jurídicas do reconhecimento da paternidade, in Cadernos de Direito Privado, n.º 45, Janeiro/Março 2014.

Já na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça poderão ver-se, no enunciado sentido, as seguintes decisões:

 - Acórdão de 08-06-2010 (proc. 1847/08.5TVLSB-A.L1.S1, Relator Serra Baptista, disponível em www.dgsi.pt):

I - O direito à identidade pessoal, constitucionalmente consagrado, no art. 26.º, n.º 1, da CRP, inclui, além do mais, os vínculos de filiação, existindo um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento, desde logo, da paternidade, ou seja, das raízes de cada um.

II - Tal direito fundamental, do conhecimento da ascendência biológica, por banda do investigante, é um direito personalíssimo e imprescritível.  

III - Configurando os prazos de caducidade – sejam eles quais forem – uma restrição desproporcionada de tal citado direito à identidade pessoal ou à historicidade pessoal, violadora da Constituição da República. 

IV - Sendo, assim, também inconstitucional, o novo prazo de investigação estabelecido pela actual Lei n.º 14/2009, de 01-04.

- Acórdão de 21-09-2010 (proc. 4/07.2TBEPS.G1.S1, Relator Cardoso de Albuquerque, disponível em www.dgsi.pt):

I - O Acórdão do TC n.º 23/2006, de 10-01, declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma do n.º 1 do art. 1817.º do CC, nos termos da qual o direito de investigar a paternidade caducava nos dois primeiros anos posteriores à maioridade do investigante, pelo que deixou de existir qualquer prazo para a propositura da acção, ficando em aberto uma nova opção pelo legislador ordinário. 

(…)

V - As razões que estão subjacentes àquela declaração de inconstitucionalidade mantêm-se inteiramente válidas, dado que, estando em causa o estabelecimento da paternidade da autora, o prazo previsto no art. 1817.º, n.º 1, na redacção da nova lei, é também materialmente inconstitucional, na medida em que é limitador da possibilidade de investigação a todo o tempo, constituindo, o estabelecimento do mesmo e nos tempos que correm, com o novo paradigma do direito fundamental à identidade pessoal e de livre desenvolvimento da personalidade, uma restrição não justificada, desproporcionada e não admissível do direito do filho saber em vida de quem descende. 

 

- Acórdão de 27-01-2011 (proc. 123/08.8TBMDR.P1.S1, Relator Bettencourt de Faria, disponível em www.dgsi.pt):

I - Declarado inconstitucional o prazo de 2 anos para a caducidade do direito de acção de investigação da paternidade do art. 1817.º, n.º 1, do CC, o novo prazo de 10 anos, estabelecido pelo art. 3.º da Lei n.º 14/09, de 01-04, é, também, inconstitucional. 

II - Isto porque é limitador da possibilidade de investigação a todo o tempo, constituindo uma restrição não justificada, desproporcionada e não admissível do direito de conhecer a ascendência.

           

Foi, pois, nesse contexto de permanência da controvérsia que o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se novamente sobre a inconstitucionalidade do preceito em análise, agora na nova redacção, tendo decidido, em Plenário, Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante (cf. Acórdão n.º 401/2011, de 22 de Setembro, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Tal juízo de não inconstitucionalidade tem sido, aliás, acolhido, em todos os acórdãos que àquele se seguiram e que versaram sobre a não inconstitucionalidade do citado normativo face aos preceitos da Lei Fundamental (cf. Acórdãos n.ºs 445/2011, 446/2011, 476/2011, 545/2011, 77/2012, 106/2012, 231/2012, 247/2012, 515/2012, 166/2013, 350/2013, 750/2013, 373/2014, 383/2014, 529/2014, 547/2014, 704/2014, 302/2015, 594/2015, 626/2015 e 424/2016, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

      Conforme já se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2012 (proc. 367/10.2TBCBC-A.G1.S1, relator Tavares de Paiva, disponível em www.dgsi.pt), entre os fundamentos explanados é de salientar o facto de o Acórdão do Tribunal Constitucional considerar legítimo que o legislador estabeleça prazos para a propositura da respectiva acção de investigação da paternidade, de modo a que o interesse da segurança jurídica não possa ser posto em causa por uma atitude desinteressada do investigante, não sendo injustificado nem excessivo fazer recair sobre o titular do direito um ónus de diligência quanto à iniciativa processual para apuramento definitivo da filiação, não fazendo prolongar, através de um regime de imprescritibilidade uma situação de incerteza indesejável.

      Por seu turno e no que tange ao princípio da proporcionalidade, considerou-se no aludido aresto que o prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil revela-se, pois, como suficiente para assegurar que não opera qualquer prazo de caducidade para a instauração pelo filho duma acção de investigação de paternidade, durante a fase da vida deste em que ele poderá ainda não ter a maturidade, a experiência de vida e a autonomia suficientes para sobre este assunto tomar uma decisão suficientemente consolidada, concluindo-se que, assim sendo, esse prazo não é desproporcional e, por isso, não viola os direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, abrangidos pelos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família (respectivamente previstos nos artigos 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, ambos da Constituição).

      Já no que toca à salvaguarda do direito à identidade pessoal, tal como fez notar o Tribunal Constitucional, em Plenário, no mencionado Acórdão n.º 401/2011, de 22 de Setembro, a reforma legislativa em causa não se limitou a alongar a duração dos prazos de caducidade anteriormente estabelecidos no artigo 1817.º do Código Civil, tendo ido mais longe ao ter posto fim ao funcionamento autónomo de um prazo de caducidade “cego” que corria inexorável e ininterruptamente, independentemente de poder existir qualquer justificação ou fundamento para o exercício do direito.

        Com efeito, apesar do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil (que continua a ser aplicável às acções de investigação da paternidade ex vi do disposto no artigo 1873.º do mesmo Código) manter que esta acção só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos 10 anos (na nova redacção) posteriores à sua maioridade ou emancipação, o n.º 3 estabelece que a acção ainda pode ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos: a) ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a paternidade do investigante; b) quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pelo pretenso pai; c) e em caso de inexistência de paternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.

Como resulta do advérbio “ainda” introduzido no corpo do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil, é manifesto que os prazos de três anos referidos nos n.º 2 e 3 se contam para além do prazo fixado no n.º 1, do artigo 1817.º, não caducando o direito de proposição da acção antes de esgotados todos eles. Isto é, mesmo que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação, a acção é ainda exercitável dentro dos prazos previstos nos n.º 2 e 3; inversamente, a ultrapassagem destes prazos não obsta à instauração da acção, se ainda não tiver decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação.

Do confronto do regime anterior com o actual, sobressai a inovadora previsão de um fundamento genérico de abertura de prazos específicos para a proposição da acção de investigação, não contando apenas, para esse efeito, o conhecimento do escrito onde seja declarada a maternidade/paternidade e a cessação do tratamento como filho. Onde anteriormente se previam, de forma fechada e taxativa, duas causas de concessão de prazos que, excepcionalmente, poderiam legitimar o exercício da acção para lá dos dois anos posteriores à maioridade ou emancipação, passou a acolher-se, através de autênticas cláusulas gerais, como dies a quo, a data em que se verifique “o conhecimento de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação” (cfr. o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-02-2017, proc. 200/11.8TBFVN, relator António Joaquim Piçarra, disponível em www.dgsi.pt, no qual se transcrevem os argumentos supra expostos).

Foi, pois, o estabelecimento dos apontados prazos de caducidade subjectivos que o Tribunal Constitucional considerou constituir a salvaguarda, sem lacunas, da efectiva possibilidade de o interessado recorrer a juízo para ver reconhecida a sua paternidade. E mais do que isso. Em face do teor das alíneas b) e c), do n.º 3, mesmo quando o investigante dispõe de elementos probatórios que lhe permitem sustentar, com viabilidade de sucesso, dentro do prazo fixado no n.º 1, a sua pretensão de reconhecimento como filho de determinada pessoa, relevam os factos ou circunstâncias que possam justificar que, só após o termo final de tal prazo, ele tome essa iniciativa (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011 e ainda, em igual sentido e com fundamentos em tudo similares, o Acórdão n.º 247/2012, de 22 de Maio, do mesmo Tribunal, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).

Daqui se vê que a regra da imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade não foi, efectivamente, a acolhida pela nossa lei civil, continuando, ao invés, a insistir-se na necessidade de fixação de limites temporais ao exercício desse direito, embora agora com um novo figurino e duração.

Refira-se, de resto, que, conforme se afirmou no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-02-2017 a que acima se fez referência, o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 486/2004 (disponível no indicado sítio), já tinha aventado a solução que veio a ser consagrada pelo legislador na Lei n.º 14/2009 – quando acolheu a tese da inconstitucionalidade do prazo “normal” de dois anos então previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil (por o mesmo ser exíguo e ter o seu termo inicial numa época da vida em que os investigantes não gozam ainda da normal maturidade e experiência para aquilatar da necessidade, da oportunidade ou da conveniência em estabelecerem juridicamente a respectiva ascendência biológica) – ao ter salientado a possibilidade de previsão de uma cláusula geral de salvaguarda, que permitisse a propositura da acção para além do referido prazo mínimo “normal”, contanto que o autor cumprisse o ónus de alegar e provar factos que tornassem a propositura tardia da acção desculpável ou justificável (maxime, o desconhecimento, sem culpa, da identidade do progenitor ou a existência de reais obstáculos práticos ou sociais à proposição da acção).

Ou seja, a par do dies a quo puramente objectivo previsto no n.º 1 do mencionado preceito legal (isto é, não dependente de quaisquer elementos relativos à possibilidade concreta do exercício de acção), o legislador veio estabelecer, através da Lei n.º 14/2009, nos números seguintes desse normativo, alternativas que ligam o direito de investigar às reais e concretas possibilidades investigatórias do pretenso filho, sem imprescritibilidade da acção, mas com a previsão de um termo inicial que não ignora o conhecimento das circunstâncias que fundamentam a acção (dies a quo subjectivo).

Sublinhe-se, ademais, que também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem entendido que a existência de um prazo limite para a instauração de uma acção de investigação da paternidade não é, por si só, violadora da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, frisando que o que importa verificar é se a natureza, duração e características desse prazo se traduzem num justo equilíbrio entre os interesses em jogo: por um lado, o interesse do investigante em ver esclarecido um aspecto fundamental da sua identidade pessoal e, por outro lado, o interesse do investigado e da sua família em serem protegidos de demandas concernentes a factos da sua vida íntima ocorridos há muito, bem como o interesse na estabilidade das relações jurídicas. No fundo, o que importa é que o sistema de prazos consagrado nas diversas legislações assegure uma real possibilidade dos interessados estabelecerem a sua paternidade, sem que o mesmo crie ónus que dificultem excessivamente o estabelecimento da filiação.

Ora, como se afirmou, essa real possibilidade está perfeitamente salvaguardada pela solução legislativa que entre nós vigora desde a entrada em vigor da Lei n.º 14/2009.

Destarte, considerando todas as razões aduzidas - que se encontram profusamente explanadas quer no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011, quer nos Acórdãos desse mesmo Tribunal que se lhe seguiram – crê-se que é de sufragar o entendimento aí vertido (sobretudo tendo em consideração que aquele é a instância especialmente vocacionada para dirimir estas matérias), havendo, portanto, que concluir que a norma do artigo 1817.º, n.º1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1-04, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante, não é inconstitucional.

De resto, é esta a posição que, mais recentemente, tem sido adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça, podendo ver-se, neste sentido, as seguintes decisões:

- Acórdão de 24-02-2015 (proc. 692/11.5TBPTG.E1.S1, Relator Júlio Gomes, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel-2015.pdf):

I - Apesar da inegável importância do direito ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, tal direito não é absoluto, havendo que encontrar uma solução de compromisso e de equilíbrio com outros direitos e valores. 

II - Conforme vertido no Ac. do TC n.º 247/2012, “através da conciliação do prazo geral de dez anos com estes prazos especiais de três anos (previstos nas várias alíneas do n.º 3 do art. 1871.º), o actual regime de prazos para a investigação da filiação mostra-se suficientemente alargado para conceder ao investigado uma real possibilidade de exercício do seu direito”.

- Acórdão de 12-03-2015 (proc. 1261/12.8TBSTS.P1.S1, Relator Orlando Afonso, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel-2015.pdf):

I - Alterado o art. 1817.º, n.º 1, do CC, estabelecendo-se agora um prazo de caducidade do direito de investigar a paternidade de 10 anos a partir da maioridade do investigante, nem o STJ, nem o TC se têm pronunciado pela inconstitucionalidade da norma na sua nova redacção.

II - A protecção do direito fundamental à identidade pessoal, consagrado no art. 26.º do CRP, não exige a imprescritibilidade da acção de investigação de paternidade.

III - O que é necessário é que o prazo concedido não impossibilite ou dificulte excessivamente o exercício ponderado do direito ao estabelecimento da paternidade biológica, considerando que aos 28 anos, termo do prazo fixado pela lei, o investigante já tem a maturidade e experiência de vida necessárias para compreender a importância do estabelecimento da paternidade para a sua identidade pessoal e, assim, decidir sobre o exercício do direito a propor a acção de investigação de paternidade.

- Acórdão de 05-05-2015 (proc. 932/13.6TBLSD.P1.S1, Relator Paulo Sá, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel-2015.pdf):

 

I - Pese embora o TC já tenha decidido, desde o Ac. n.º 401/11, de 22-09-2011, e em vários arestos que lhe seguiram, julgar não inconstitucional a norma do art. 1817.º, n.º 1, do CC, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 01-04, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do art. 1873.º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante, faz jurisprudência claramente maioritária no STJ o entendimento inverso, isto é, que aquele novo prazo é igualmente inconstitucional, fundamentado na inserção do estabelecimento da paternidade no acervo de direitos pessoalíssimos, como seja, o direito à identidade pessoal e o direito ao desenvolvimento da personalidade, considerando tal prazo curto e desproporcionado face aos interesses em jogo. 

II - Não obstante se perfilhe o entendimento desta jurisprudência maioritária, face à orientação jurisprudencial definida no citado Ac. n.º 401/11, afigura-se quixotesco e inútil reafirmar tal posição – que não será acolhida em recurso de constitucionalidade –, pelo que, verificando-se ultrapassado o prazo de dez anos à data da instauração da acção, é de julgar verificada a excepção peremptória da caducidade do direito, com a consequente absolvição dos réus do pedido.

- Acórdão de 28-05-2015 (proc. 2615/11.2TBBCL.G2.S1, Relator Abrantes Geraldes, disponível em www.dgsi.pt):

II - A tutela jurisdicional do direito à identidade pessoal não é incompatível com o estabelecimento de prazos para a propositura da acção de investigação da paternidade, designadamente com a previsão do prazo adicional de 3 anos previsto no art. 1817.º, n.º 3, al. c), do CC, contado a partir do conhecimento, pelo investigante, de factos ou de circunstâncias justificativas da investigação da sua paternidade. 

- Acórdão de 17-11-2015 (proc. 30/14.5TBVCD.P1.S1, Relator João Camilo, disponível em www.dgsi.pt):

O estabelecimento do prazo de caducidade no n.º 1 do art. 1817.º do CC, para a investigação de paternidade – aplicável por força da remissão prevista no art. 1873.º do mesmo diploma –, na redação dada àquele pela Lei n.º 14/2009, de 01-04, não padece de qualquer inconstitucionalidade.

- Acórdão de 21-04-2016 (proc. 1974/13.7TBFAF.G1.S1, Relator Távora Victor, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Mensais/Cvel_2016_04.pdf):

I - No apuramento da constitucionalidade da norma do art. 1817.º do CC na redacção vigente, confluem não apenas interesses do investigante como igualmente os ligados à segurança do tráfego jurídico e estabilidade social. 

II - Procurando encontrar um ponto de equilíbrio entre os interesses em presença estabeleceu o art. 1817.º do CC um prazo de 10 anos para a caducidade na propositura da acção. A este prazo poderão ainda acrescer 3 anos nos casos previstos nas alíneas do citado diploma legal. 

III - Tais prazos são suficientemente alargados para contemplar os valores subjacentes aos interesses em causa, pelo que não é inconstitucional a fixação dos prazos de caducidade supra-apontados.

- Acórdão de 23-06-2016 (proc. 1937/15.8T8BCL.S1, Relator Abrantes Geraldes, disponível em www.dgsi.pt):

V - A tutela constitucional do direito à identidade pessoal é compatível com o estabelecimento de prazo para a propositura da acção de investigação da paternidade, não sendo inconstitucional a norma do art. 1817.º, n.º 1, do CC, que fixou para o efeito o prazo-regra de 10 anos a contar da maioridade do investigante. 

- Acórdão de 14-12-2016 (proc. 2302/13.7TBBCL.G1.S1, Relator João Trindade, disponível emhttp://www.stj.pt/ficheiros/jurispsumarios/civel/Mensais/Cvel_2016_12.pdf)):

I - A tendência maioritária actual, após alguma controvérsia e divergência inicial, é no sentido de que o prazo de caducidade a que alude o art. 1817.º, n.º 1, do CC – na redacção conferida pela Lei n.º 14/2009, de 01-04 – não é inconstitucional. 

II - A declaração de inconstitucionalidade plasmada no Acórdão do TC n.º 23/2006 não criou fundadas e legítimas expectativas de ver reconhecida a paternidade a todo o tempo. 

        A conclusão a que se chegou não é afastada, contrariamente ao que sustenta a recorrente, pela circunstância de o Tribunal Constitucional ter, entretanto, julgado inconstitucional o artigo 3.º da Lei que se vem analisando, tanto mais que tal norma nem sequer tem aplicação ao caso sub judice.

       Repare-se que se é certo que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional o artigo 3.º da Lei n.º 14/2009, de 01-04, por violação do n.º 3 do artigo 18.º da Constituição, na medida em que manda aplicar aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor o prazo previsto na nova redacção do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável às acções de investigação de paternidade por força do artigo 1873.º do mesmo Código (cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 164/2011, de 24 de Março, n.º 24/2012, de 17 de Janeiro, e n.º 323/2013, de 31 de Maio, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt); não é menos certo que, tendo a presente acção sido instaurada em Setembro de 2012 – e, portanto, quando já estava em vigor o novo regime que se vem analisando (posto que a Lei n.º 14/2009, de 01-04 entrou em vigor em 02-04-2009, cf. artigo 2.º) –, a doutrina emergente dos citados arestos não é aqui aplicável.

Com efeito e contrariamente ao que parece sustentar a recorrente – ao invocar, em abono da sua pretensão, a inconstitucionalidade do artigo 3.º da mencionada Lei – a declaração que nesse sentido foi emitida pelo Tribunal Constitucional em nada releva para a decisão do pleito, uma vez que, como se disse e se reitera, a presente acção foi instaurada na vigência da Lei nova, sendo, portanto, espúrio o argumento da recorrente ao ter chamado à colação o disposto no citado normativo que apenas rege para as acções que se encontravam pendentes à data da entrada em vigor da Lei n.º 14/2009.

Por outro lado, os argumentos que levaram o Tribunal Constitucional a decidir nesse sentido também não são transponíveis para o caso vertente, sendo que para se chegar a esta conclusão basta atentar no contexto em que tal pronúncia foi emitida.

Vejamos:

A declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil (na anterior redacção) suscitou inúmeras dúvidas, na doutrina e na jurisprudência, no que concerne aos seus efeitos, passando a principal por saber se, a partir daí, as acções de investigação de paternidade continuavam a estar dependentes de algum prazo para a sua propositura ou se, ao invés, tinha deixado de existir qualquer prazo para esse efeito.

Sendo o efeito da declaração de inconstitucionalidade de uma norma, tal como prescreve o n.º 1 do artigo 282.º da Constituição da República Portuguesa, a repristinação da norma ou das normas que aquela outra declarada inconstitucional, entretanto, tenha revogado, colocou-se a questão de saber se, tendo o legislador do Código, em 1966 – ao ter instituído o prazo de dois anos para a propositura da acção de investigação de paternidade –, revogado as normas constantes do Decreto n.º 2 de 1910, seria esse o regime aplicável no que toca ao tempo do exercício do direito de investigar ou se, ao invés, tal acção tinha deixado de estar dependente de qualquer prazo (vide, neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 164/2011, disponível no sítio já indicado).

Prevaleceu na jurisprudência o entendimento, alicerçado na falta de conformidade constitucional do regime pretérito, de não dar como repristinado o regime de 1910, considerando-se, por conseguinte, que as acções de investigação de paternidade tinham passado a ser imprescritíveis (i.e., cognoscíveis a todo o tempo). Ora, foi a esse mesmo entendimento maioritário que o legislador pretendeu por cobro através da Lei n.º 14/2009, de 01-04, fixando, para tanto, no artigo 1817.º do Código Civil, novos prazos de caducidade para a propositura da acção.

Contudo, nem por isso se dissiparam as dúvidas quanto à questão de saber qual o regime que seria aplicável às acções que se encontravam pendentes, bem como às acções instauradas no aludido período intercalar (isto é, entre a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral e a entrada em vigor da Lei n.º 14/2009) e daí que várias acções de investigação de paternidade que se encontravam pendentes à data da entrada em vigor da mencionada Lei tenham sido decididas sem dependência de qualquer prazo (podendo ver-se, nesse sentido, a título exemplificativo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-09-2010, proc. 4/07.2TBEPS.G1.S1, Relator Cardoso de Albuquerque e de 24-05-2012, proc. 37/07.9TBVNG.P1.S1, Relator Granja da Fonseca, disponíveis em www.dgsi.pt).

Para tanto, contribuiu, essencialmente, o facto de se ter entendido que a norma transitória em questão, prevendo a aplicação retroactiva do regime (às acções que, então, estavam pendentes), era violadora das legítimas expectativas que os cidadãos tinham criado face ao entendimento que passou a ser seguido pelos tribunais superiores na sequência da declaração de inconstitucionalidade a que já se fez referência (artigos 2.º, e 18.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa).

E, na verdade, compreende-se que assim se tenha decidido, já que, nos casos analisados, estando em causa acções que tinham sido instauradas na sequência da dita declaração de inconstitucionalidade e do entendimento que passou a ser seguido nos tribunais superiores, num período de “vazio legislativo”, os investigantes teriam confiado legitimamente que as acções não estavam sujeita a qualquer prazo, sendo, por conseguinte, inquestionável que a aplicação retroactiva daquele novo regime seria violadora do princípio da confiança, bem como do princípio da proibição da retroactividade consagrado na Constituição.

Sucede, porém, que, no caso sub judice, quando a recorrente intentou a presente acção – em Setembro de 2012 – já há muito que a nova Lei vigorava, não havendo, portanto, qualquer violação dos ditos princípios constitucionais e muito menos do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, já que, não estando a mesma em situação igual, ou sequer equiparada, àquela em que estavam os investigantes que intentaram a acção no dito período temporal, não se pode dizer que esteja a merecer um tratamento desigual.

É que, conforme já foi afirmado pelo Tribunal Constitucional, na decisão sumária n.º 252/2016 e no Acórdão n.º 151/2017 desse mesmo Tribunal que se lhe seguiu (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), não são equiparáveis as situações jurídicas de quem vê a norma aplicada a um processo pendente e de quem a vê aplicada a um processo futuro. No mesmo sentido se pronunciou igualmente o Supremo Tribunal de Justiça:

- Acórdão de 28-05-2015 (proc. 2615/11.2TBBCL.G2.S1, Relator Abrantes Geraldes, disponível em www.dgsi.pt):

III - O facto de em certas acções de investigação da paternidade que se encontravam pendentes na data em que, com força obrigatória geral, foi declarada a inconstitucionalidade do preceituado no n.º 1 do art. 1817.º do CC (pelo acórdão do TC publicado no DR, I Série, de 08-02-2006) e em acções instauradas entre a referida data e aquela em que entrou em vigor a Lei n.º 14/09, de 01-04, ter sido reconhecido o direito de investigação da paternidade sem interferência de qualquer prazo de caducidade previsto em legislação ordinária não determina a inconstitucionalidade do regime legal contido na actual redacção do art. 1817.º, designadamente do seu n.º 3, quando aplicado às acções de investigação da paternidade instauradas depois da entrada em vigor da Lei n.º 14/09, por tal não importar violação do princípio da igualdade. 

Destarte, afigura-se que a tese da recorrente não merece, neste particular, acolhimento.

E o que dizer quanto ao pretendido modo de contagem do prazo de dez anos previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 01-04? Será que assiste razão à recorrente quando sustenta que, ainda que se considere que o prazo de dez anos previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º 14/2009, de 01-04, é constitucional, será inconstitucional interpretar tal normativo, tal como fez o tribunal recorrido, no sentido de que esse prazo se conta da maioridade para todos os investigantes, maxime para aqueles que, tal como sucede consigo, à data da entrada em vigor da mencionada Lei, já tinham mais de 18 ou mais de 28 anos de idade? E que, portanto, nesses casos, o aludido prazo deve antes ser contado da entrada em vigor da lei nova, sob pena de a primeira interpretação ser violadora dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da confiança e da igualdade?

Crê-se ser manifesto que não.

Com efeito, embora não se ignore que a interpretação do supra citado normativo pela qual a recorrente pugna foi defendida por parte da doutrina (designadamente por J.P. Remédio Marques, Caducidade de Acção de Investigação da Paternidade, O problema da aplicação imediata da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, às acções pendentes, in BFDUC, vol. LXXXV, Coimbra, 2009), a verdade é que a questão já foi alvo de apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, pelo menos, em três decisões, tendo-se aí concluído, ao invés, que o prazo de 10 anos para a instauração da acção de investigação de paternidade previsto no n.º 1 do artigo 1817.º, na sua actual redacção (introduzida pela Lei n.º 14/2009, de 01-04), é contado a partir da data em que o investigante atingiu a maioridade.

Mais se concluiu nos mencionados arestos que essa norma não era inconstitucional na interpretação segundo a qual tal prazo é também de aplicar aos casos em que o investigante já tinha atingido a maioridade na data em que a alteração legal entrou em vigor (cf. Acórdãos de 28-05-2015, proc. 2615/11.2TBBCL.G2.S1, Relator Abrantes Geraldes, de 22-10-2015, proc. 1292/09.5TBVVD.G1.S1, Relator Abrantes Geraldes e de 02-02-2017, proc. 1339/14.3.TBPTM.E1.S1, Relator Álvaro Rodrigues, disponíveis em www.dgsi.pt).

Ora, não se encontrando razões para dissentir do entendimento plasmado nas mencionadas decisões, afigura-se que é esse que é aqui de sufragar.

Com efeito, tal como se afirmou nos ditos Acórdãos (que aqui se seguem de perto), decorrendo expressamente do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil (na redacção da Lei n.º 14/2009, de 01-04) que o prazo de dez anos aí previsto se conta a partir da data em que o investigante atingiu a maioridade, não tem cabimento convocar para o caso o disposto no artigo 297.º, n.º 1, do Código Civil, quer porque o legislador tomou posição expressa sobre essa matéria, quer porque resulta dos trabalhos preparatórios que conduziram à citada Lei a clara intenção daquele em reportar o início do prazo em questão a um momento anterior ao da entrada em vigor da Lei, em consonância com a regra geral do artigo 329.º do Código Civil.

Por outro lado e conforme acima se deixou dito, o Tribunal Constitucional jamais assumiu a posição de que o estabelecimento de prazos de caducidade em matéria de investigação de paternidade seja ilegítimo ou inconstitucional, decorrendo, ao invés, das decisões que têm vindo a ser proferidas e às quais já se fez alusão, que o estabelecimento desses prazos se mostra justificado através da ponderação que se faça dos valores que sempre estão em jogo e que têm de ser conciliados por forma a encontrar mecanismos que permitam a estabilização das relações familiares e que potenciem a pacificação social.

Ora, como é evidente, a interpretação do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil quanto ao modo de contagem do prazo aí previsto no sentido defendido pela recorrente afrontaria, de modo flagrante, contra os ditos factores já que determinaria que se tivesse de considerar tempestiva a instauração de acções de investigação de paternidade (em todos os casos em que não se tivesse formado ainda caso julgado) nos 10 anos posteriores à entrada da Lei n.º 14/2009 (isto é, até 02-04-2019), independentemente das datas de nascimento dos investigantes ou das datas em que estes tivessem atingido a maioridade.

Tal possibilidade seria totalmente contrária à opção do legislador ao ter mantido o estabelecimento de prazos de caducidade para o exercício do direito de investigar a paternidade e bem assim à posição que o Tribunal Constitucional vem assumindo nesta matéria no sentido de não encontrar qualquer impedimento quanto à previsão desses limites temporais quando ponderados os demais interesses, também eles com consagração constitucional, que sempre estão envolvidos.

      Destarte, crê-se que, sendo todos os elementos de interpretação da lei (literal, histórico, de ordem sistemática e racional) contrários à argumentação desenvolvida pela recorrente, a sua tese não pode, também quanto a este aspecto, proceder, havendo antes que concluir que o prazo de dez anos previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 14/2009, de 01-04, se conta a partir da maioridade da investigante (tal como decorre literal e expressamente do preceito) e não da entrada em vigor da citada Lei.

E nem se diga que tal interpretação padece de inconstitucionalidade já que a autora teve inúmeras possibilidades para lançar mão da acção de investigação de paternidade, designadamente na vigência do anterior artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, acompanhando, naturalmente, o exercício do seu direito da invocação da inconstitucionalidade do preceito, à semelhança do que fizeram muitos outros sujeitos que estavam em situação semelhante àquela em que se encontrava a recorrente ou até mesmo na sequência da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do referido normativo (publicada no Diário da República 08-02-2006) e até 02-04-2009 (data da entrada em vigor da Lei n.º 14/200), período em que poderia ter exercido o seu direito sem dependência de qualquer prazo.

Com efeito, importa ter presente que, decorrendo da matéria fáctica provada que a autora nasceu em 14-10-1959 (tendo, portanto, atingido a maioridade em 14-10-1980), há muito que teria adquirido a necessária maturidade e experiência de vida e a autonomia suficiente com vista ao exercício do direito de ver estabelecida a sua paternidade biológica – e se não fez anteriormente, tal inércia só a si é imputável (posto que não ficou demonstrado que não o tivesse podido fazer em momento anterior).

Acresce que tal como acima se afirmou e se reitera, não se vislumbra que tenha sido criada à autora qualquer expectativa no sentido de o exercício do direito de investigação sem limite temporal ser uma situação estabilizada já que nem o Tribunal Constitucional, nem mesmo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, assumiram, alguma vez, a posição no sentido de ser inconstitucional ou desconforme com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem o estabelecimento de prazos para esse efeito, antes os considerados justificados, desde que sejam razoáveis, proporcionais e não constituam um ónus que dificulte excessivamente o estabelecimento da verdade biológica.

Ou seja, dito de outro modo, face às decisões que foram sendo proferidas pelos aludidos Tribunais, o que era expectável para qualquer cidadão que, tal como a recorrente, pretendesse estabelecer a sua paternidade e ainda não o tivesse feito era que o legislador, nunca tendo abdicado de limitar temporalmente esse direito (o que já vinha fazendo desde 1966), iria manter essa opção, tendo ficado com uma ampla margem de conformação nessa matéria, tanto mais que foi o próprio Tribunal Constitucional que, de alguma forma, lhe apontou o caminho para o fazer de forma a ficar a salvo da censura constitucional.

Com efeito, importa ter presente que, ao ter declarado a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma em questão na sua anterior redacção, o Tribunal Constitucional não deixou de aludir à possibilidade de consagrar uma “cláusula geral de salvaguarda” ligada às reais possibilidades dos investigantes em estabelecer o vínculo da paternidade, tendo sido precisamente essa a (previsível) opção que o legislador veio a adoptar através da Lei n.º 14/2009, de 01-04.

Por todas as razões aduzidas, não se vê que a interpretação do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil (na actual redacção), no sentido de o prazo de dez anos aí previsto se contar da maioridade, padeça de qualquer inconstitucionalidade por violação dos princípios da confiança, da necessidade e da proporcionalidade.

E também não se afigura que tal interpretação seja violadora do princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, pelo facto dos outros investigantes que ainda não tinham atingido a maioridade ou ainda não eram emancipados à data da entrada em vigor da lei nova disporem ainda do prazo de dez anos contado da sua maioridade para o fazerem por contraposição àqueles que, tal como a recorrente, já tinham nessa data mais de 18 ou mais de 28 anos de idade.

É que, como é evidente, não pode dizer-se que os investigantes que, na data da entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, ainda não tivessem atingido a maioridade, estivessem em situação igual à autora e que, portanto, a esta tivesse de ser concedido um tratamento igual, sobretudo tendo em consideração que, conforme acima se demonstrou, tendo a recorrente atingido a maioridade em 1980, dispôs a mesma de um longo período temporal para instaurar a acção (nuns períodos de forma mais ou menos condicionada e noutros de forma livre, isto é, sem dependência de qualquer prazo).

Repare-se que se é verdade que o princípio da igualdade está redigido na perspectiva de proibição das desigualdades, contendo um sentido primário negativo que consiste na vedação de privilégios e de discriminações, não é menos certo que nele também se encerra um sentido positivo, mais rico e exigente, que se traduz numa imposição de tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes) e de tratamento desigual de situações desiguais (podendo ver-se, neste sentido e para maiores desenvolvimentos, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 121).

Em consequência, considerando que o legislador atribuiu relevância, para efeitos da contagem do prazo que se vem analisando, a um evento objectivo – no caso, a maioridade ou a emancipação – forçoso é concluir que não são iguais as situações em que o dito evento já tenha ocorrido e aquelas em que ainda não se verificou, não se vendo, por isso, que a circunstância de os que estão nesta última situação poderem ainda exercer o direito em questão se traduza em qualquer desigualdade relativamente àqueles que há muito atingiram a maioridade, tal como sucede com a autora, tanto mais que, como se disse, esta dispôs de um largo período temporal para o fazer.  

Por outro lado, sempre se dirá, na senda do que se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-10-2015 (que aqui se segue de perto) que, sendo o sistema normativo – designadamente o que regula a matéria da investigação da paternidade –, por natureza, dinâmico (posto que vai sofrendo modificações impulsionadas pela alteração das circunstâncias de ordem social, por via de opções legislativas ou em função das regras de controlo da constitucionalidade), é, naturalmente, expectável que das modificações legais possa decorrer a modificação do resultado da resolução do conflito de interesses ou da apreciação de interesses juridicamente relevantes, estando os Tribunais obrigados a aplicar em cada momento as normas constitucionais e infraconstitucionais em vigor que, de acordo com as regras, sejam aplicáveis a cada caso (veja-se, no mesmo sentido,

Refira-se, de resto, que a situação da recorrente se reconduz, no essencial, à que foi apreciada na generalidade das decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional, sem que este tenha encontrado motivos para concluir pela inconstitucionalidade da norma em questão na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 14/2009, de 01-04 – designadamente por violação dos princípios da igualdade, da necessidade, da proporcionalidade ou da confiança – mesmo nos casos em que os investigantes já tinham mais de 28 anos de idade quando a mencionada Lei entrou em vigor (que, reitere-se, são a maioria dos que foram apreciados por aquela entidade especialmente vocacionada para apreciar tal matéria).

Por todas as razões aduzidas, afigura-se que as arguidas inconstitucionalidades têm, necessariamente, de improceder.

4. Interpretação do artigo 1817.º, n.º 3, do Código Civil no que concerne à repartição do ónus da prova dos factos contidos nesta previsão normativa (pontos 16. a 18. das conclusões):

Defende, por último, a autora que, ao ter concluído pela caducidade da acção, o tribunal recorrido decidiu essa questão sem sustentação fáctica uma vez que não ficou provado qualquer facto do qual decorra que a autora soubesse há mais de três anos que o réu era seu pai, sendo que era sobre o réu que recaía o ónus de alegar e demonstrar esse facto extintivo.

Acrescentou, em abono da sua tese, que, na verdade, o aludido conhecimento – de que o réu é seu pai - só foi por si adquirido após conhecer o resultado do teste de ADN constante dos autos, sendo este o facto previsto no artigo 1817.º, n.º 3, do Código Civil que justifica a investigação, devendo, portanto, em todo e em qualquer caso, ser julgada procedente a acção.

       Relembremos, então, o que se dispõe no mencionado normativo: A acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos: (…) b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe; c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.

       Cuida, assim, este normativo do conhecimento superveniente que se verifique depois de integralmente decorrido o prazo objectivo de dez anos previstos no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil. Contudo, a mencionada previsão normativa não se basta com todo e qualquer facto ou circunstância, mister se exigindo, para que a mesma se tenha por preenchida, que o dito conhecimento se reporte a factos ou circunstâncias que justifiquem que apenas nesse momento (e não antes, isto é, dentro do prazo geral de dez anos após a maioridade ou emancipação) o investigante tenha lançado mão da acção com vista a exercer o seu direito de ver estabelecida a paternidade.

        No que concerne ao ónus da prova dos ditos factos e conforme sublinha Alberto Amorim Pereira (em “A preclusão do direito de accionar nas acções de investigação de paternidade – Alguns problemas” in R.O.A., Lisboa, Ano 48, 1988, p. 143 e ss., que aqui se segue de perto), importa reter que mesmo que tenham sido carreados para o processo factos integradores da tempestividade e da caducidade da acção, respectivamente pelo autor e pelo réu, a distribuição do ónus da prova assume importância capital para o caso de non liquet acerca da matéria de facto: o ónus da prova significará a situação da parte contra quem o tribunal dará como assente um facto, sempre que o juiz se não convença da realidade dele.

        Com efeito, no sistema português, em que o ónus da prova reveste um carácter marcadamente objectivo, que só por via reflexa atinge a actividade probatória das partes, a regra do ónus da prova reconduz-se a uma regra de decisão. Na dúvida, o juiz resolverá o non liquet num liquet desfavorável à parte que tem o ónus.

         Dispõe, a este propósito, o artigo 342.º do Código Civil que:

1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, compete àquele contra quem a invocação é feita.

3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.

       Ora, embora seja indubitável que a caducidade é um facto extintivo do direito que o autor pretende fazer valer, a verdade é que, de acordo com a que se julga ser a melhor doutrina – que, por isso, aqui se sufraga – a classificação dos factos jurídicos como constitutivos ou extintivos não tem um valor absoluto, antes dependendo, em cada caso concreto, da função que o facto desempenha no mecanismo do processo, atenta a posição das partes e o efeito jurídico que cada uma delas pretende obter (vejam-se, neste sentido, Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 282; e Rosenberg citado por Antunes Varela in R.L.J, ano 117.º, p. 30).

        Em consequência, será à luz da interpretação da norma contida nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil que se deverá fixar se o momento em que o investigante teve conhecimento dos factos ou circunstâncias que justificam a investigação é constitutivo do seu direito ou se, pelo contrário, representa um facto impeditivo ou extintivo do mesmo.

Neste particular, o que se vem entendendo, face à forma como está estruturado o normativo em análise e aos efeitos deles decorrentes, é que é sobre o investigante que recai o ónus de alegar os factos positivos que, uma vez demonstrados, permitam aferir se foram esses mesmos factos, tardiamente conhecidos, que possibilitaram e justificaram que a investigação apenas fosse levada a cabo nesse momento e não antes.

No fundo, será tal alegação e prova que colocará o investigante a coberto da previsão legal de que se pretende prevalecer com vista a exercer o seu direito para além do prazo geral de que disporia para esse efeito.

Os ditos factos devem, assim, ser entendidos como constitutivos da contra excepção de caducidade enunciada na previsão das alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil precisamente por alongarem o prazo geral de dez anos contado a partir da maioridade ou da emancipação previsto no n.º 1 do referido normativo.

Dito de outro modo, competindo ao réu alegar e provar a caducidade relativa ao escoamento do prazo-regra de dez anos para a propositura da acção (artigos 342.º, n.º 2, e 343º, n.º 2, do Código Civil), já será sobre o investigante que recai o ónus de alegar e provar os factos da contra-excepção, isto é, de demonstrar que, não obstante aquele prazo geral estar esgotado, beneficia de uma das situações enunciadas no n.º 3 do citado normativo.

Crê-se, pois, que esta a solução, para além de decorrer das regras vigentes acerca da distribuição do ónus da prova, é aquela que é consentânea com a ratio da previsão legal que se vem analisando, que visa, como é sabido, conciliar, num justo equilíbrio, o interesse do investigante em ver estabelecido o vínculo da filiação e em conhecer a sua paternidade biológica enquanto emanação do direito à sua identidade pessoal, o interesse do investigado (e da sua família mais próxima) em ser protegido de demandas respeitantes a factos da sua vida íntima ocorridos há já muito tempo, bem como o interesse público da certeza e da estabilidade das relações jurídicas.

São justamente os interesses da certeza e da estabilidade das relações jurídicas que a caducidade, enquanto figura extintiva de direitos, pelo seu não exercício em determinado prazo, procura satisfazer, impulsionando os titulares dos direitos em jogo a exercê-los num espaço de tempo considerado razoável, sob a cominação da sua extinção (veja-se, neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011 a que já se fez referência).

Refira-se, aliás, que, ao ter salientado a possibilidade de previsão constitucional de uma “cláusula geral de salvaguarda”, que permitisse a propositura da acção para além do prazo “normal”, o Tribunal Constitucional sublinhou que, para tanto, seria necessário que o autor cumprisse o ónus de alegar e provar factos que tornassem a propositura tardia da acção desculpável, apontando, portanto, para a solução acima exposta no que concerne à distribuição do ónus da prova (veja-se, neste sentido, o Acórdão n.º 486/2004 a que já se fez referência).

De resto, é também este o entendimento que tem sido, recentemente, adoptado pelo Supremo Tribunal de Justiça, afirmando que cabe ao investigante o ónus de alegar os factos que demonstrem que – só após ter decorrido o prazo de 10 anos sobre a respectiva maioridade – teve conhecimento de facto ou circunstância essencial e decisiva para desencadear a propositura da acção, já que não era exigível que a tivesse proposto antes de ter adquirido conhecimento do facto – subjectivamente superveniente – invocado (cf. Acórdão de 09-03-2017, proc. n.º 759/14.8TBSTB.E1.S1, Relator Lopes do Rego, disponível em www.dgsi.pt).

Em igual sentido se decidiu no Acórdão de 28-05-2015 (proc. 2615/11.2TBBCL.G2.S1, relator Abrantes Geraldes, disponível em www.dgsi.pt), do qual se transcreve, por ser elucidativa, a seguinte passagem:

Constitui pressuposto de aplicação daquele normativo a alegação e prova por parte do autor da acção de investigação da paternidade de que obteve o conhecimento superveniente (isto é, depois de transcorrido aquela prazo geral de 10 anos) de factos ou circunstâncias que possibilitam ou justificam a investigação.

Para este efeito o A. alegou certos factos que foram objecto de instrução e de apreciação, com especial destaque para o seguinte facto: “foi só após a morte da mulher do R., em 1906, e nomeadamente nos 3 anos antes de ser proposta a acção, que o A. tomou conhecimento, através da sua mãe, de que o aqui R. seria seu pai biológico”?

Tal facto, que era imprescindível à sustentação da sua pretensão, resultou “não provado”. Ao mesmo tempo apurou-se que “há vários anos que o A. vem propalando que o R. pode ser seu pai e há mais de 15 anos que vem inquirindo alguns familiares do R. sobre a possibilidade de este ser seu pai”.

Ou seja, além de não ter sido feita a prova de qualquer facto superveniente que justificasse a extensão do período temporal para a propositura da acção, apurou-se ainda que os factos que eventualmente seriam pertinentes para impulsionar a acção de investigação em face do art. 1817º, nº 3, al. c), do CC, já eram conhecidos do A. muito para além do prazo de 3 anos anterior à apresentação da petição inicial.

Constata-se, assim, de modo evidente, a caducidade do direito potestativo de investigação da paternidade sustentado nesse preceito do direito ordinário. (…)

Destarte, é de concluir que, contrariamente ao sustentado pela recorrente, pretendendo esta beneficiar de um prazo mais alargado para exercer o seu direito, era sobre si que recaía o ónus de alegar e provar os factos ou circunstâncias que possibilitariam e justificariam a investigação para além do prazo geral previsto no n.º 1 do mesmo normativo.

Ora, da análise que se faça da factualidade dada como provada à luz das considerações expendidas, facilmente se conclui que a tese da recorrente, a este propósito, também não pode proceder.

Ficou provado, no que ora releva, que:

- No dia 14 de Outubro de 1959 nasceu a autora;

- Do seu assento de nascimento consta como sendo mãe da autora CC;

- O assento de nascimento da autora é omisso quanto ao nome do pai.

- O réu e CC mantiveram, por mais de uma vez, relações sexuais de cópula completa entre o início do ano de 1958 e o ano de 1959;

- Em consequência dessas relações sexuais, CC engravidou, tendo dessa gestação nascido a autora;

- A presente acção deu entrada em juízo em 27-09-2012.

Todavia, já não se provou que a mãe da autora, um ano antes de ter sido intentada a presente acção, lhe tenha dito que o réu era o seu pai e nem que, nessa sequência, a autora o tenha procurado e o mesmo a tenha chamado de filha.

Ou seja, apesar de a autora, aqui recorrente, ter alegado factos que justificariam a propositura tardia da acção, a verdade é que não os logrou demonstrar, pelo que, não podendo a mesma beneficiar do prazo subjectivo, mais alargado, que vem previsto no n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil, é de aplicar ao caso o n.º 1 do mesmo normativo, sendo que à luz deste e tendo em conta a factualidade dada como provada, o direito de acção da autora há muito que caducou.

E nem se diga, como agora vem fazer a recorrente, que seria, afinal, o resultado dos testes de ADN o facto que possibilitou e justificou que instaurasse a acção apenas em Setembro de 2012, primeiro porque na data em que propôs a acção a autora nem sequer conhecia esse resultado e depois porque os factos não se confundem com os meios de prova. Acresce que, mesmo sem esse resultado, a recorrente não deixou de alegar os factos pertinentes a demonstrar o estabelecimento do vínculo da filiação, bem como os atinentes à circunstância de, supostamente, apenas deles ter tomado conhecimento um ano antes da propositura da acção – os quais, porém, não logrou provar (vide, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-03-2017 acima citado no qual foi igualmente apreciada esta questão).

Tudo para concluir que, não tendo a recorrente sucedido na prova dos aludidos factos, haverá que confirmar, também nesta parte (ainda que com fundamentação não totalmente coincidente) o acórdão recorrido.

Decisão:

Nestes termos e considerando o exposto acordam os Juízes deste Supremo em negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida, não se tomando conhecimento do objecto do recurso na parte concernente ao alegado erro de julgamento da matéria de facto e julgando improcedente as invocadas nulidades.

 Custas pelo recorrente.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 4 de Maio de 2017

Tavares de Paiva (Relator)

Abrantes Geraldes

Tomé Gomes