Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05S2135
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
LOCAL DE TRABALHO
TRANSFERÊNCIA
MUDANÇA DE ESTABELECIMENTO
PREJUÍZO SÉRIO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
RESCISÃO DE CONTRATO
RESCISÃO PELO TRABALHADOR
ABUSO DE DIREITO
QUESTÃO NOVA
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: SJ200601120021354
Data do Acordão: 01/12/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 4507/04
Data: 01/24/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. Provando-se que a mudança do local de trabalho determinou que as autoras passassem a despender mais 30 a 40 minutos no trajecto de ida e de regresso para e do local de trabalho, deve reconhecer-se que essa transferência implicou incómodos e transtornos na organização da vida pessoal e familiar daquelas trabalhadoras.
2. Todavia, atento que o aumento do tempo de trajecto de ida e de regresso para e do local de trabalho se situa na média do tempo de deslocação para o trabalho despendido pela generalidade dos trabalhadores nos grandes centros urbanos, e que a ré assegurou o transporte gratuito, em veículos da empresa, de ida para as novas instalações e de regresso das mesmas, com partida e chegada junto das antigas instalações, não se pode considerar que essa transferência implica um prejuízo sério, antes configura uma contrariedade suportável face à necessidade que a ré teve de adoptar a medida de recuperação de reestruturação financeira, que se traduziu na alienação das antigas instalações e na mudança total do seu estabelecimento para novas instalações, onde passou a laborar.

3. Tendo o empregador provado que da mudança do estabelecimento não resultou prejuízo sério para aquelas trabalhadoras, não lhes assiste o direito à indemnização prevista no n.º 2 do artigo 24 do LCT.

4. Embora a questão relativa ao alegado abuso de direito por parte da entidade empregadora não tenha sido suscitada pelas recorrentes, nem nos articulados da acção, nem mesmo no recurso de apelação interposto da sentença de 1.ª instância, tratando-se, pois, de questão inteiramente nova, sendo a excepção de abuso do direito de conhecimento oficioso, deve a mesma ser apreciada em sede de recurso de revista.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
"A", B e C intentaram, a primeira e a última, em 10 de Abril de 2003, e a segunda, em 2 de Maio de 2003, no Tribunal do Trabalho de Braga, acções, com processo comum, emergentes de contrato individual de trabalho contra D, L.da, que mais tarde vieram a ser apensadas, pedindo que, declarada a rescisão com justa causa dos contratos de trabalho que as ligavam à antedita sociedade, fosse esta condenada a pagar-lhes as indemnizações e os créditos salariais que discriminam, com juros de mora à taxa legal, desde a data da propositura das acções até efectivo e integral pagamento.

Alegam, em resumo, que no final do ano de 2002 a ré decidiu transferir o seu estabelecimento fabril de Braga para Vermoim, Famalicão, o que, determinando-lhes prejuízo sério, conduziu-as à rescisão do contrato de trabalho com fundamento em justa causa, que formalizaram através de carta registada com aviso de recepção.

A ré contestou cada uma das acções, alegando, no que agora interessa, a inexistência de prejuízo sério.

Realizado o julgamento, no início do qual foi ordenada a apensação das três acções (fls. 104), proferiu-se sentença, que absolveu a ré do pedido, relativamente às indemnizações de antiguidade, e condenou a mesma ré a pagar a cada uma das autoras as restantes quantias pedidas, acrescidas dos mencionados juros de mora.

2. Inconformadas, as autoras apelaram para a Relação, que julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença, na parte impugnada, por entender que a mudança de local de trabalho não acarretava prejuízo sério para as autoras, não se verificando, por isso, o pressuposto para que as mesmas tivessem rescindido o contrato de trabalho com direito à indemnização de antiguidade peticionada.

É contra esta decisão que as autoras se insurgem, mediante revista, pedindo a revogação do acórdão recorrido ao abrigo das seguintes conclusões:

- Os factos considerados provados permitem concluir que a mudança do local do trabalho constituiu prejuízo sério para as recorrentes, não tendo a recorrida logrado provar, como lhe competia, que da mudança do seu estabelecimento, nos termos em que se operou, não resultava prejuízo sério para as aqui recorrentes;
- Sem conceder, sempre a situação dos autos consubstancia um manifesto abuso de direito da recorrida, já que, de forma a assegurar o transporte das recorrentes das antigas para as novas instalações, alterou os respectivos horários de trabalho, pelo que têm direito ao pagamento das indemnizações devidas pela licitude da rescisão do contrato de trabalho;
- O acórdão recorrido não fez a melhor interpretação e aplicação das disposições legais atinentes, mormente, o artigo 59.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, artigo 13.°, n.º 1, artigo 21.º, n.º 1, alínea e), e artigo 24.º, n.º 2, da LCT, e artigo 334 do Código Civil.

Em contra-alegações, a recorrida veio defender a confirmação do julgado e requerer a condenação das recorrentes como litigantes de má fé, em multa e indemnização, não inferior a 1.500 euros.
Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. Corridos os vistos, o processo foi, entretanto, redistribuído, por jubilação do então relator.

No caso vertente, sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da pertinente alegação (artigos 684, n.º 3, e 690, n.º 1, do Código de Processo Civil), as questões suscitadas são as seguintes:

- Se a transferência do local de trabalho causou às autoras prejuízo sério e, assim, se têm direito à indemnização prevista no n.º 2 do artigo 24.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto--Lei n.º 49408 de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT;
- Se ocorreu abuso do direito por parte da ré ao ter alterado os horários de trabalho das autoras;
- Se há lugar à condenação das autoras como litigantes de má fé, nos termos reclamados pela ré.

Tudo visto, cumpre decidir.
II
1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:

a) A ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à indústria têxtil;
b) As autoras são associadas do Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os--Montes;
c) Por virtude do contrato de trabalho sem termo, as autoras foram admitidas ao serviço da ré para trabalharem, como trabalharam, sob a autoridade, direcção e fiscalização desta, mediante retribuição, nas seguintes datas: a autora A, em 2-11-1969; a autora B, em 1-10-1968; e a autora C, em 11-10-1972;
d) As autoras A e C mantiveram-se ininterruptamente ao serviço da ré desde a data da sua admissão até 17-12-2002, data em que cessaram as relações de trabalho entre estas autoras e a ré;
e) A autora B manteve-se ininterruptamente ao serviço da ré (à excepção do período de 10-10-2002 até à data da cessação do contrato de trabalho, período em que a autora esteve na situação de baixa médica) desde a data da sua admissão até 13/01/2003, data em que cessaram as relações de trabalho entre autora e ré;
f) À data da cessação das relações de trabalho, as autoras desempenhavam as funções de bobinadeira, no horário de trabalho correspondente ao 1.º turno (as autoras A e B), ou seja, das 6 horas às 14 horas de Segunda a Sexta-Feira, e ao 2.º turno (a autora C), ou seja, das 14 horas às 22 horas de Segunda a Sexta-Feira, auferindo cada uma das autoras, como contrapartida do trabalho por si prestado, a remuneração base mensal de € 361,00, à qual acrescia o subsídio de alimentação diário de € 2,24;
g) A ré comunicou verbalmente às autoras A e C, por intermédio do seu encarregado, Sr. E, a transferência definitiva do seu estabelecimento fabril na Rua Nova de Santa Cruz, Braga, para o Lugar da Boavista, freguesia de Vermoim, do concelho de Vila Nova de Famalicão, com início em 13/12/2003, relativamente à autora A, e a consequente transferência do local de trabalho;
h) A ré remeteu uma carta à autora B, datada de 18-12-2002, na qual a informava que, a partir de 20 de Dezembro, para qualquer assunto, deveria dirigir-se às novas instalações da ré, sitas no lugar da Boavista, freguesia de Vermoim do concelho de Vila Nova de Famalicão, tendo tal carta sido expressamente solicitada pela autora a uma funcionária da ré aquando da deslocação da autora às instalações da ré para entrega de um comprovativo de baixa médica;
i) Por cartas (registadas com aviso de recepção as enviadas pelas autoras A e C), datadas de 23-12-2003, de 13-01-2003 e de 17-12-2003, as autoras A, B e C, respectivamente, rescindiram os contratos de trabalho que as vinculavam à ré;
j) A autora A deslocava-se de transporte público de sua casa para perto das antigas instalações da ré, na Rua Nova de Santa Cruz, em Braga, onde chegava às 5,45 horas, saindo de seguida para as novas instalações em Vermoim, V. N. de Famalicão, onde chegava cerca de 30 minutos depois, sendo transportada na carrinha da empresa, que aguardava sempre pela chegada daquele transporte público;
k) No final de cada dia de trabalho, a autora A saía das ditas instalações em V. N. de Famalicão, pelas 14,00 horas, e chegava às antigas instalações cerca de 40 minutos depois;
l) O tempo de deslocação que a autora A despendia de ida e de regresso para o novo local de trabalho nunca foi pago pela ré;
m) A autora A tem dois filhos nascidos a 5 de Março de 1985 e a 29 de Outubro de 1982, respectivamente;
n) De sua casa às antigas instalações da ré, a autora B demorava 5 minutos;
o) A autora C é casada e tem um filho nascido a 22 de Novembro de 1984, sendo o seu marido jardineiro na Câmara Municipal de Braga;
p) A ré foi objecto de um processo de recuperação de empresa, que correu termos no Tribunal Judicial de Braga, 3.º Juízo Cível, processo n.º 76/97, no qual, por sentença transitada em julgado em 11 de Fevereiro de 2000, tendo em vista a viabilização da empresa, foi homologada uma medida de recuperação de reestruturação financeira, nos termos da qual ficou prevista a alienação das instalações da ré sitas na Rua Nova de Santa Cruz, n.º 179, em Braga (único estabelecimento da ré) e a deslocação da empresa para novas instalações;
q) Na sequência daquela decisão, a ré alienou as instalações atrás identificadas sitas em Braga, entregou-as ao adquirente e procedeu à mudança total do seu estabelecimento para Vermoim, Vila Nova de Famalicão, onde passou a laborar;
r) As instalações da ré em Vermoim situam-se a cerca de 25 km das antigas instalações sitas na Rua Nova de Santa Cruz em Braga, sendo que o tempo da viagem de carro de umas às outras é de cerca de 30 a 40 minutos;
s) A autora A deu o seu acordo expresso à mudança para Vermoim, tendo aí prestado trabalho cerca de 1 mês até à data da carta de rescisão;
t) A ré decidiu que o horário de trabalho das autoras B (quando regressasse da situação de baixa médica) e C nas novas instalações seria das 8,30 às 12,30 horas e das 14 às 18 horas;
u) A ré assegurou a todos os trabalhadores, incluindo as autoras, o transporte, em veículos da empresa, de ida para as instalações de Vermoim e de regresso das mesmas, com partida e chegada, respectivamente, junto das antigas instalações, designadamente, cerca das 8,30 horas e 18,30 horas;
v) O transporte público referido na alínea j) era o mesmo e tinha, por isso, o mesmo horário daquele em que a autora A se fazia transportar para as instalações da ré em Braga quando aí trabalhava, pelo que a hora de saída da autora de casa manteve-se inalterada;
x) A autora enviou à ré a carta junta em audiência de julgamento e que a ré, em resposta a esta, enviou à autora, em 05-12-2002, a carta junta a fls. 43 dos autos, cujo teor de ambas as cartas aqui se dá por integralmente reproduzido.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra que ocorra qualquer das situações que permitam ao Supremo alterá-los ou promover a sua ampliação (artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil), por conseguinte, será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.

2. A primeira questão submetida ao julgamento deste Supremo Tribunal consiste em indagar se a rescisão do contrato de trabalho efectivada por iniciativa das autoras se fundou ou não em justa causa, isto é, se as autoras, face à matéria de facto dada como provada, sofreram prejuízo sério com a mudança de instalações da ré de Braga para Vila Nova de Famalicão (Vermoim).

2.1. Para melhor elucidação, importa conhecer o teor das cartas mediante as quais as autoras rescindiram os seus contratos de trabalho com ré.

Carta de rescisão da autora A:

«Venho por este meio comunicar-lhes a rescisão do contrato de trabalho que me vinculava à V/ sociedade, com efeitos imediatos, por motivo da alteração do meu local de trabalho de Braga para Vila Nova Famalicão - Vermoim -, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, in fine, e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 49408, de 24/11/69 (LCT) e, subsidiariamente, nos termos do artigo 35.º, n.º 2, alínea b), do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64--A/89, de 27/02.
A alteração do meu local de trabalho de Braga para V. N. de Famalicão - Vermoim -, que ocorre devido à mudança de instalações do V/ estabelecimento fabril de Braga para V. N. de Famalicão - Vermoim -, causa-me prejuízos avultadíssimos, não só económicos, mas sobretudo familiares.
Na verdade, tal alteração do meu local de trabalho impõe que, dado o meu horário de trabalho correspondente ao 1.º turno (6 horas às 14 horas), tenha de estar às 5,30 horas nas V/ antigas instalações fabris, a fim de ter a deslocação para as novas instalações, nunca sendo tal possível, pois, o único meio de transporte que tenho disponível (autocarro), só inicia o seu trajecto às 5,30 horas.
Acresce que, na deslocação de regresso, só chego a Braga às 15 horas, o que significa que, atendendo a que o tempo de deslocação não é pago, acabo por despender muito tempo (cerca de 1 hora e meia) em viagens. Assim, o tempo que dedicava à minha família e aos meus afazeres domésticos é substancialmente limitado, o que se torna insustentável dadas as necessidades dos meus filhos.
A mudança de local de trabalho inviabilizaria que a minha vida familiar se processasse como se encontra organizada, sendo certo que não é possível apesar do grande esforço que efectivamente tentei fazer, organizá-la de outro modo.
A rescisão do contrato de trabalho nos termos referidos confere-me, para além de outros créditos laborais que me são legalmente reconhecidos, o direito a uma indemnização correspondente a um mês e meio de remuneração base por cada ano de antiguidade.
Fico, pois, a aguardar o pagamento da indemnização referida, bem como dos demais créditos salariais emergentes da cessação do referido contrato, o qual deverá ser efectuado no prazo máximo de 8 dias após a recepção da presente carta.
No caso este (sic) pagamento não seja feito no prazo indicado, ver-me-ei forçada a remeter de imediato a resolução deste assunto ao contencioso do Sindicato no qual estou filiada.»

Carta de rescisão da autora B:

«Venho por este meio comunicar-lhes a rescisão do contrato de trabalho que me vinculava à vossa sociedade, com efeitos imediatos, por motivo da alteração do meu local de trabalho de Braga para Vila Nova de Famalicão, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, in fine, e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 49408, de 24/11/69 (LCT) e, subsidiariamente, nos termos do artigo 35.º, n.º 2, alínea b), do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/02.
A alteração do meu local de trabalho de Braga para Vila Nova de Famalicão - que ocorre devido à mudança de instalações do vosso estabelecimento fabril de Braga para Vila Nova de Famalicão -, causa-me prejuízos avultadíssimos, não só económicos, mas sobretudo familiares.
Na verdade, tal alteração do meu local de trabalho implica que, nas viagens de e para o novo local de trabalho, eu despenda mais duas horas do que anteriormente, o que limitaria em termos inaceitáveis o tempo que deveria dedicar à minha família, aos meus afazeres domésticos e lazeres, tendo em conta a idade dos meus filhos, as suas necessidades e os impedimentos do meu marido.
Por outro lado, teria de almoçar fora de casa, o que me acarretaria ainda mais despesas e não seriam poucas.
A mudança de local de trabalho inviabilizaria que a minha vida familiar se processasse como se encontra organizada, sendo certo que não é possível organizá-la de outro modo.
A rescisão do contrato de trabalho nos termos referidos confere-me, para além de outros créditos laborais que me são legalmente reconhecidos, o direito a uma indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção.
Fico, pois, a aguardar o pagamento da indemnização referida, bem como dos demais créditos salariais emergentes da cessação do referido contrato, o qual deverá ser efectuado no prazo máximo de 8 dias após a recepção desta carta.
No caso do pagamento não ser feito no prazo indicado, ver-me-ei forçada a remeter de imediato a resolução deste assunto ao contencioso do Sindicato no qual estou filiada.»

Carta de rescisão da autora C:

«Venho por este meio comunicar-lhes a rescisão do contrato de trabalho que me vinculava à vossa sociedade, com efeitos imediatos, por motivo da alteração do meu local de trabalho, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, in fine, e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 49408, de 24/11/69 (LCT) e, subsidiariamente, nos termos do artigo 35.º, n.º 2, alínea b), do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/02.
A alteração do meu local de trabalho de Braga para V. N. de Famalicão (Vermoim) - que ocorre devido à mudança de instalações do vosso estabelecimento fabril de Braga para Vermoim -, causa-me prejuízos avultadíssimos, não só económicos, mas sobretudo familiares.
Na verdade, o facto de trabalhar em Braga permite-me preparar as refeições para o meu marido e filhos e caso aceitasse a transferência do meu local de trabalho para Vermoim não teria quem preparasse as refeições, já que o horário do meu marido não o permite, não sendo viável, economicamente, dados os baixos salários auferidos por mim e pelo meu marido, contratar alguém para o efeito.
Enfim, a mudança de local de trabalho inviabilizaria que a minha vida familiar se processasse como se encontra organizada, sendo certo que não é possível organizá-la de outro modo.
A rescisão do contrato de trabalho nos termos referidos confere-me, para além de outros créditos laborais que me são legalmente reconhecidos, o direito a uma indemnização correspondente a um mês de remuneração base por cada ano de antiguidade.
Fico, pois, a aguardar o pagamento da indemnização referida, bem como dos demais créditos salariais emergentes da cessação do referido contrato, o qual deverá ser efectuado no prazo máximo de 8 dias após a recepção desta carta.
No caso do pagamento não seja feito no prazo indicado, ver-me-ei forçada a remeter de imediato a resolução deste assunto ao contencioso do Sindicato no qual estou filiada.»

Por conseguinte, as autoras procederam à rescisão dos seus contratos de trabalho com a ré, mediante comunicação escrita, indicando como facto justificativo dessa rescisão, a mudança do local de trabalho, único facto que pode fundamentar, no âmbito da presente acção, o direito à rescisão do contrato de trabalho e o consequente direito à reclamada indemnização prevista no n.º 2 do artigo 24.º do LCT.

2.2. O regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, adiante designado por LCCT, confere ao trabalhador o direito de fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho como reacção a um incumprimento culposo do empregador ou verificando-se alteração das circunstâncias ou actuações não culposas da entidade empregadora (artigos 34.º a 37.º).

Segundo o artigo 34.º da LCCT, ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato (n.º 1), que deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, dentro dos quinze dias subsequentes ao conhecimento desses factos (n.º 2), sendo apenas atendíveis para justificar judicialmente a rescisão os factos indicados na comunicação referida no número anterior (n.º 3).

Nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 35.º da LCCT, constitui justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador, «[a] alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes da entidade empregadora».

Ora, a manutenção do local de trabalho corresponde a um interesse fundamental do trabalhador, por isso, a alínea e) do artigo 21.º da LCT estabelece que é proibido à entidade patronal «[transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo o disposto no artigo 24.º».

Por sua vez, o artigo 24.º citado, subordinado à epígrafe «Transferência do trabalhador para outro local de trabalho», determina que «[a] entidade patronal, salva estipulação em contrário, só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não causar prejuízo sério ao trabalhador ou se resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço» (n.º 1), sendo que, «[n]o caso previsto na segunda parte do número anterior, o trabalhador, querendo rescindir o contrato, tem direito à indemnização fixada nos artigos 109.º e 110.º, salvo se a entidade patronal provar que da mudança não resulta prejuízo sério para o trabalhador» (n.º 2), cabendo à entidade patronal custear sempre as despesas feitas pelo trabalhador directamente impostas pela transferência (n.º 3).

Em suma, a entidade patronal, salva estipulação em contrário, só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não causar prejuízo sério ao trabalhador.

Neste plano de consideração, o prejuízo sério deve consubstanciar um dano relevante, que determine a alteração substancial das condições de organização de vida do trabalhador, que afecte de forma gravosa a vida pessoal e familiar do trabalhador, o que só pode aferir-se em função das circunstâncias concretas do caso.

Quando a transferência do local de trabalho resulte da mudança, total ou parcial, do estabelecimento, é à entidade empregadora que cabe o ónus de provar a inexistência de prejuízo sério para o trabalhador, devendo ter-se em conta, nessa ponderação, os interesses da empresa e do trabalhador.

2.3. Revertendo ao caso em apreço, verifica-se que, na sequência de um processo de recuperação de empresa, a ré alienou as antigas instalações, sitas em Braga, e procedeu à mudança total do seu estabelecimento para Vermoim, Vila Nova de Famalicão, onde passou a laborar.

As instalações da ré em Vermoim situam-se a cerca de 25 quilómetros das antigas instalações em Braga, sendo que o tempo da viagem de automóvel de umas às outras é de cerca de 30 a 40 minutos, assegurando a ré a todos os trabalhadores o transporte, em veículos da empresa, de ida para as instalações de Vermoim e de regresso das mesmas, com partida e chegada junto das antigas instalações.

Após a mudança do estabelecimento fabril da ré, a autora A deslocava-se de transporte público de sua casa para perto das antigas instalações da ré, onde chegava às 5,45 horas, sendo transportada para as novas instalações, na carrinha da empresa, que aguardava sempre pela chegada daquele transporte público, o qual era o mesmo e tinha, por isso, o mesmo horário daquele em que a autora se fazia transportar para as antigas instalações, quando aí trabalhava, pelo que a hora de saída da autora de casa manteve-se inalterada; no final de cada dia de trabalho, a autora A saía das ditas instalações em Vermoim, pelas 14,00 horas, e chegava às antigas instalações cerca de 30 a 40 minutos depois.

A autora B demorava 5 minutos a percorrer a distância entre a sua habitação e as antigas instalações da ré, tendo assegurado o transporte, em veículos da empresa, de ida para as instalações de Vermoim e de regresso das mesmas.

Relativamente à autora C, provou-se que é casada, tem um filho, nascido a 22 de Novembro de 1984, sendo o seu marido jardineiro na Câmara Municipal de Braga.

Apurou-se, igualmente, que a ré decidiu que o horário de trabalho das autoras B e C nas novas instalações seria das 8,30 às 12,30 horas e das 14 às 18 horas.

Ora, face à matéria de facto assente, conclui-se que a mudança do local de trabalho em apreciação determinou que as autoras passassem a despender mais 30 a 40 minutos no trajecto de ida e de regresso para e do local de trabalho.
Certamente que tal mudança do local de trabalho implicou incómodos e transtornos na organização da vida pessoal e familiar das autoras.

No entanto, tendo em atenção que o aumento do tempo de trajecto de ida e de regresso para e do local de trabalho não é excessivo, situando-se na média do tempo de deslocação para o trabalho despendido pela generalidade dos trabalhadores nos grandes centros urbanos, e que a ré assegurou o transporte gratuito, em veículos da empresa, de ida para as novas instalações e de regresso das mesmas, com partida e chegada junto das antigas instalações, não se considera que a mudança do local de trabalho em apreciação tenha acarretado prejuízo sério para as autoras, antes configura uma contrariedade suportável face à necessidade que a ré teve de adoptar a medida de recuperação homologada, de reestruturação financeira da empresa, que se traduziu na alienação das antigas instalações e na mudança total do seu estabelecimento para novas instalações, onde passou a laborar.

A ré conseguiu provar que da mudança do estabelecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 24.º do LCT, não resultou prejuízo sério para qualquer das autoras, por isso, não são devidas as indemnizações de antiguidade peticionadas.

Em conformidade, improcedem as conclusões B) a Z) e AH), esta na parte aqui pertinente, da alegação do recurso de revista.

3. As recorrentes sustentam, por outro lado, que a alteração simultânea do local de trabalho e dos horários de trabalho das autoras consubstancia um manifesto abuso de direito por parte da ré.

Antes de mais, verifica-se que esta questão não foi suscitada pelas aqui recorrentes, nem nos articulados da acção, nem mesmo no recurso de apelação interposto da sentença de 1.ª instância, daí que se trate de questão inteiramente nova.

Ora, constitui jurisprudência assente que não é lícito invocar no recurso questões que não tenham sido suscitadas, nem resolvidas na decisão de que se recorre.

Todavia, sendo a excepção de abuso do direito de conhecimento oficioso, passa-se a conhecer da questão enunciada.

O abuso do direito, como resulta da norma do artigo 334.º do Código Civil, ocorre quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Como bem salienta a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, «a mudança do estabelecimento da ré foi ditada por razões que se prendem com a necessidade de reestruturação financeira da empresa e a sua viabilização [alíneas p) e q) da matéria de facto], tendo a ré, em face dessa mudança, atribuído às recorrentes um novo horário de trabalho, o qual foi fixado dentro dos limites estabelecidos na lei, fornecendo a ré o transporte de ida e volta para as novas instalações e de regresso destas», donde «a actuação da ré não é passível de constituir uma ofensa grave e patente das regras da boa fé e do fim social e económico do direito, não se verificando, por isso, o alegado abuso de direito».

Apenas se acrescentará que incumbe àquele que invoca o abuso de direito demonstrar os factos em que assenta a conclusão de que existiu uma actuação manifestamente violadora da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito (n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil), sendo certo que, atento a matéria de facto provada, esse ónus não se mostra cumprido.

Assim, não se podendo concluir pela existência de abuso de direito na actuação da ré, improcedem as conclusões AA) a AH), esta na parte aqui pertinente, da alegação do recurso de revista.
4. Resta examinar a reclamada condenação das recorrentes como litigantes de má fé, em multa e indemnização à recorrida, não inferior a 1.500 euros.

Tal como se pondera no acórdão recorrido, não se pode concluir que as autoras deduziram pretensão cuja falta de fundamento conheciam, que alteraram a verdade dos factos ou que fizeram um uso reprovável do processo; o que sucedeu foi que, perante a matéria de facto apurada, não se provou que as consequências decorrentes da mudança de local de trabalho consubstanciem um prejuízo sério para as autoras.

Nestes termos, atento o disposto no artigo 456.º do Código de Processo Civil, há que rejeitar a pretendida condenação das autoras como litigantes de má fé.

III
Pelos fundamentos expostos, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido, não se condenando as autoras como litigantes de má fé.

Custas pelas recorrentes, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário com que litigam.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2006
Pinto Hespanhol,
Maria Laura Leonardo,
Sousa Peixoto.