Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B1761
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA DA SILVA
Descritores: DIREITO À INFORMAÇÃO
SOCIEDADES
INQUÉRITO JUDICIAL
ASSOCIAÇÕES
OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO
Nº do Documento: SJ200806260017612
Data do Acordão: 06/26/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : I . O exercício do direito social de inquérito judicial, radicado em violação do direito à informação, através da acção declarativa, com processo especial, a que se reportam os artºs 1479º e segs. do CPC, limita-se às sociedades, não se estendendo, consequentemente, às associações.

II - A tutela judicial efectiva do direito à informação dos associados, tal-qualmente a do direito a ser informado, verificados os pressupostos a que alude o artº 573º do CC, é assegurada através de acção declarativa, com processo comum.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. 1. Com distribuição, a 06-06-05, à 3ª Secção da 2ª Vara Cível de Lisboa, AA e BB requereram contra a "Associação Lisbonense de Proprietários" "inquérito judicial às contas", por via do que fls. 2 a 13 revelam, concluindo por impetrar, na procedência da acção, que seja "mandado efectuar inquérito judicial à requerida, através de perito designado pelo Tribunal, para apurar a verdadeira situação económico-financeira da requerida e averiguar todas as situações relacionadas com valores recebidos pela requerida e contabilizados como proveitos seus e que pertencem a terceiros, bem como para se verificar a situação fiscal da mesma e todas as contas que sejam relevantes nestas matérias."
2. Contestou a "Associação Lisbonense de Proprietários", por excepção e impugnação, pugnando pela justeza da sua absolvição do pedido, a não merecer acolhimento a defesa exceptiva, e pela bondade da condenação dos demandantes, por litigância de má fé, em multa e indemnização.
3. Foi proferida decisão julgando improcedentes as deduzidas excepções dilatórias e determinando a realização de inquérito judicial.
4. Com a supracitada decisão se não tendo conformado, dela agravou, com êxito, a "Associação Lisbonense de Proprietários", já que o TRL, por acórdão com o teor que fls. 394 a 408 mostram, concedendo provimento ao recurso, anulou todo o processado, absolvendo a requerida da instância, o acerto do decidido tendo, em síntese, feito repousar no não ser o processo especial de inquérito judicial "o adequado à realização do eventual direito de informação dos requerentes associados", "não podendo aproveitar-se os actos praticados, pois deles resultaria uma diminuição de garantia da requerida (ré)."
5. Irresignados com o predito acórdão, dele interpuseram agravo BB e AA, os quais, nas alegações oferecidas, em que se batem pela revogação da decisão impugnada, em ordem a ficar valendo o em 1ª instância decidido, tiraram as seguintes conclusões:

A) O presente recurso tem por objecto o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, dando provimento ao agravo vindo da 1ª instância, absolveu a R., ora recorrida da instância;
B) Tal absolvição da instância deveu-se ao facto de o douto Acórdão recorrido considerar que não é de aplicar às associações o processo especial previsto nos artigos 1479º e ss, do C.P.C.;
C) Salvo o devido respeito e melhor opinião não tem razão o douto Acórdão recorrido;
D) O que está em causa nos presentes autos não é se aquele referido preceito legal e, consequentemente, o processo especial nele previsto é ou não aplicável às associações, mas sim se a lei substantiva para a qual ele remete é ou não susceptível de interpretação extensiva ou de analogia fazendo aplicar às associações o regime nela previsto;
E) E, nada obsta, que tal lei substantiva, nomeadamente, os artigos 67º e 214º do Código das Sociedades Comerciais sejam aplicáveis, por analogia, às associações;
F) Tal como nas sociedades comerciais, também nas associações os órgãos sociais estão obrigados a apresentar contas do exercício referente ao ano anterior;
G) Embora de carácter distinto das sociedades comerciais e não tendo as associações por objecto uma actividade económica com fins lucrativos, a verdade é que os associados pagam para o serem e para beneficiarem e participarem dos objectivos comuns que os levam a associar-se;
H) Não fazer aplicação analógica daqueles preceitos legais, seria esvaziar de conteúdo a obrigação dos órgãos sociais de apresentação das contas dentro de determinado prazo;
I) O direito à informação é um corolário do direito dos associados a que lhe sejam prestadas contas;
J) A aplicação analógica dos referidos preceitos legais é a única forma de garantir aos associados o direito de saber como está a ser utilizado o dinheiro com que participam para a prossecução dos objectivos da associação;
Acresce que, no caso concreto todos os pressupostos estão reunidos para fundamentar um inquérito judicial às contas;
L) As assembleias gerais para aprovação das contas chegaram a ter lugar no final do ano seguinte ao do exercício cujas contas estavam por aprovar;
M) Foi denegada informação aos associados;
N) O relatório do Revisor Oficial de Contas aponta um conjunto de irregularidades graves, segundo o mesmo, reiteradas;
O) Após a decisão de apreensão dos documentos de contabilidade, as contas apresentadas imediatamente a seguir apresentaram um saldo negativo de cerca de € 267.000,00 (duzentos e sessenta e sete mil euros) situação nunca até então vivida na agravada;
P) A não aplicação analógica do Código das Sociedades Comerciais ao caso dos autos seriam uma verdadeira denegação de justiça no caso concreto.

6. Contra-alegou a "Associação Lisbonense de Proprietários" defendendo a confirmação do acórdão recorrido.
7. Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. 1. Confirmando-se inteiramente, sem qualquer declaração de voto, o julgado em 2ª instância, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, nos termos consentidos pelo art. 713º nº 5, aplicável por mor do vazado nos artºs 749º e 762º nº 1, todos do PCP (compêndio normativo a que pertencem os comandos legais que, sem indicação de fonte outra, se vierem a citar), nega-se provimento ao recurso, remetendo-se para os fundamentos da decisão impugnada.
2. Sem embargo do uso da faculdade remissiva, vistas as conclusões das alegações do agravo interposto na 2ª instância e não olvidado o que também delimitam (artºs 684º nº 3 e 690º nº 1), sempre se acrescentará:
a) Os ora recorrentes intentaram acção declarativa, com processo especial.
Assim sendo, liminarmente:
Como decorre do art. 460º nºs 1 e 2:
É característica do processo comum de declaração a sua expansibilidade, em contraste com a rigidez dos casos de processo especial "(cfr. "Processo Comum de Declaração" - Tomo I - 2ª Edição, pág. 48 - Apontamentos de Artur Costa e Jaime de Lemos, segundo as prelecções de Paulo Cunha em 39/40)".
" Processo especial é a forma de processo cujo âmbito de aplicação é marcado pela lei; processo comum, a forma de processo cujo âmbito de aplicação se alarga a todos os casos para que não está previsto processo especial" (vide Castro Mendes, in "Direito Processual Civil", vol. I, pág. 118, Edição da AAFDL, 1969).
"Os processos especiais constituem formas excepcionais, visto só serem aplicáveis aos casos expressamente previstos na lei, sendo o processo comum a forma adjectiva arvorada em regra pelo sistema (que a considera aplicável a todos os casos - indiscriminadamente referidos - a que não corresponda processo especial.) - (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in "Manual de Processo Civil", 2ª Edição Revista e Actualizada, pág. 68).
O processo especial "é um processo-excepção que só pode aplicar-se aos casos para que foi expressamente criado; o processo comum é um processo-regra, que se aplica a todos os casos não submetidos a processo especial" (Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado", vol. II, pág. 286), razão pela qual "cada processo especial só pode ser aplicado aos casos designados na lei que o estabeleceu", não sendo, consequentemente, "lícito lançar mão do argumento de analogia, e nem mesmo do argumento de maioria de razão, para o efeito de aplicar um processo especial a caso diferente daquele a que a lei expressamente o destinou", ainda nas palavras do último processualista à colação chamado, in "Processos Especiais", vol. I, pág. 24.

b) Este excurso feito sobre posições doutrinárias, sem dissídio na jurisprudência, adite-se, quanto ao âmbito de aplicação das referidas formas de processo, o seguinte, ainda à guisa de considerandos introdutórios, se deixa dilucidado, acompanhando João Labareda, quando afirma que a expressão "exercício de direitos sociais, que epigrafa a Secção XVII do Título IV do Livro III do Código de Processo Civil,... sugere o desenvolvimento de uma actividade tendente à declaração, reconhecimento ou satisfação de faculdades atribuídas, legal ou contratualmente, aos sócios de sociedades civis ou comerciais, em contrapartida da sua participação no ente societário, como instrumentos idóneos à realização dos interesses dos seus titulares", tal-qualmente que "titular do direito social é o sócio e pressuposto dessa titularidade é a existência de uma sociedade, a cujo corpo ele pertence" e que, se, outrossim, com os direitos sociais sucede o plasmado no art. 2º nº 2, alguns havendo cuja actuação se faz através do recurso a processos especiais, menos certo não é que para o exercício "de muitas das faculdades" que tais direitos integram como meio ajustado se revela o processo comum (in "Direito e Justiça", Vol. XIII-Tomo 1-1999."Notícia sobre os processos destinados ao exercício de direitos sociais", pp. 43, 44 e 46).
Prosseguindo:

c) Em crise não se colocando, como destacado na decisão recorrida, doravante como "acórdão" denominada, a existência de um direito à informação, por banda dos autores, associados da, agora, recorrida, em contravenção a tal direito aqueles tendo, em súmula, feito ancorar o bem fundado da demanda, a verdade é que, como ponderado no "acórdão", "o exercício do direito social de inquérito judicial, por violação do direito à informação, limita-se às sociedades", outra não sendo, acrescentamos, a tese, em substância, de igual sorte, sufragada por Carlos Maria Pinheiro Torres, in "O Direito à Informação nas Sociedades Comerciais", pp. 107 e segs..
Não colhe o, em prol da procedência da pretensão recursória, levado à conclusão última das alegações do agravo.
Efectivamente:
Através do procedimento cautelar comum e da competente acção declarativa, com processo comum, sempre os demandantes podiam accionar a, na lei, consignada garantia de protecção jurisdicional eficaz ou de tutela judicial efectiva (artº 20º da Lei Fundamental e art. 2º nº 2) !...
Outro caminho tendo eleito!...
Acção declarativa, com processo comum, frise-se, através da qual também é exercitável o direito de ser informado a que alude o art. 573º do CC (cfr. Sinde Monteiro, in "Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações", pp. 417 e segs.

3. CONCLUSÃO:

Destarte, nega-se provimento ao agravo, confirmando-se o "acórdão".
Custas pelos agravantes (art. 446º nºs 1 e 2).

Lisboa, 26 de Junho de 2008

Pereira da Silva
Rodrigues dos Santos
Oliveira Rocha