Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S2098
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
ACIDENTE DE TRABALHO
TRABALHADOR MARÍTIMO
REGULAMENTO (CE) 44/2001
CONVENÇÃO DE LUGANO
Nº do Documento: SJ200719240020984
Data do Acordão: 10/24/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
1. Só nos casos indicados nos artigos 4.º e 5.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, existem conexões suficientes com a ordem jurídica portuguesa para justificar a aplicação da legislação portuguesa relativa à protecção das vítimas de acidente de trabalho, pelo que o acidente de trabalhador português ao serviço, no estrangeiro, de entidade com sede no estrangeiro, não se encontra abrangido pelas pretensões de aplicação da lei infortunística portuguesa.
2. A acção judicial em que se pede a reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ocorrido no estrangeiro contra uma ré domiciliada num Estado--Membro da Comunidade Europeia vinculado ao Regulamento n.º 44/2001 e outra domiciliada num Estado Contratante da Convenção de Lugano está sujeita à disciplina daqueles instrumentos jurídicos, não lhe sendo aplicáveis os artigos 10.º e 15.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho.
3. Em qualquer dos casos, os factores de conexão acolhidos em ambos os instrumentos jurídicos apontam no sentido de que os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para conhecer daquela acção.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 27 de Março de 2006, no Tribunal do Trabalho de Torres Vedras, AA intentou a presente acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra BB LIMITED e CC, pedindo que as rés fossem condenadas a pagar-lhe: (a) uma pensão anual e vitalícia de acordo com a taxa de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho que venha a ser fixada; (b) caso não se considere existir incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, uma pensão anual e vitalícia de acordo com a taxa de IPP com IPATH que venha a ser fixada; (c) a quantia de € 1.625, a título de despesas com medicamentos, sem prejuízo do acerto da quantia devida, após determinação das despesas a que se reportou o pagamento da importância de € 417,70 pela primeira ré; (d) a manutenção de assistência farmacêutica quanto aos medicamentos que tem de tomar vitaliciamente em virtude do acidente de trabalho e negligência na assistência; (e) uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 22.500; (f) juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, das quantias reclamadas em a) a c) e e).

Alegou que, em 1 de Fevereiro de 2004, quando se encontrava ao serviço da primeira ré, a bordo do navio «Black Watch», a proceder à reparação da porta de um camarote, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), acompanhado de problemas cardíacos, provocado pela intensidade e esforço do regime de trabalho a bordo, de que resultaram lesões que determinaram a redução da sua capacidade de trabalho e de ganho, e que, por não lhe terem sido dispensados imediatos cuidados de saúde após o acidente, sofreu e sofre de dores, incómodos e limitações à sua vida, apresenta dificuldades em falar e perdas de memória, tendo deixado de trabalhar e não podendo executar pequenas tarefas dada a sua situação de saúde.

As rés contestaram, por excepção, alegando: a incompetência absoluta dos tribunais portugueses para dirimir o presente litígio decorrente da aplicação não só da Convenção de Lugano, mas também do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000; a caducidade do direito à acção, porquanto o acidente ocorreu em 1 de Fevereiro de 2004, mas só foi participado a tribunal em 4 de Agosto de 2005, apesar do sinistrado ter sido informado da alta em 24 de Fevereiro de 2004, ou seja, muito para além do prazo de um ano previsto no n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro; e, ainda, a excepção inominada da impossibilidade de acção directa contra a segunda ré, uma vez que esta só responde perante os seus associados desde que estes tenham previamente indemnizado terceiros.

Por outro lado, impugnaram a alegada verificação de acidente de trabalho, com o fundamento de que o AVC sofrido pelo sinistrado resultou de causas naturais.

No despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da acção.

2. Inconformadas, as rés interpuseram, nessa parte, recurso de agravo, a que a Relação deu provimento, revogando a decisão recorrida, tendo julgado procedente a excepção da incompetência absoluta do Tribunal do Trabalho de Torres Vedras, em razão das regras de competência internacional, e absolvido as rés da instância.

É contra esta decisão da Relação que o autor se insurge, mediante agravo de 2.ª instância, em que formula as seguintes conclusões:

1-A aferição da conexão mais estreita em sede de acidentes de trabalho tem de se reportar à protecção conferida pela ordem jurídica e jurisdicional portuguesa a este instituto jurídico;
2 - A legislação substantiva relativa aos acidentes de trabalho protege [e] promove valores de interesse e de ordem pública;
3 - O que se projecta também na legislação adjectiva, designadamente nas normas previstas no Código de Processo do Trabalho, directa e indirectamente, quanto a esta matéria;
4 - A competência internacional dos tribunais de trabalho portugueses quanto acções emergentes de acidentes de trabalho ou de doença profissional encontra-se prevista no art. 15.º do CPT;
5 - O n.º 2 desse normativo legal prevê que se o acidente ocorrer no estrangeiro, a acção deve ser proposta em Portugal, no tribunal do domicílio do sinistrado;
6 - As normas relativas [à] competência internacional dos tribunais de trabalho portugueses estão perfeitamente coordenadas com as convenções internacionais outorgadas por Portugal, como decorre do preâmbulo do CPT, aprovado pelo Dec. Lei 480/99;
7 - É jurisprudência pacífica que “[p]ara a determinação do Tribunal competente não releva o facto do acidente ter ocorrido no estrangeiro, nem o facto da empresa para a qual o sinistrado trabalhava ser estrangeira”;
8 - A Convenção de Lugano, no n.º 1 do artigo 5.º, dispõe que o tribunal competente, em matéria de contrato individual de trabalho, é o do local onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho;
9 - Porém, não é esse o escopo desta acção judicial, que emerge de acidente de trabalho;
10 - A Convenção de Lugano não faz referência quanto à sua aplicabilidade no que respeita a acções judiciais emergentes de acidente de trabalho, apenas mencionando aquelas que decorram de contrato individual de trabalho;
11 - O regime legal, substantivo e adjectivo, do ordenamento jurídico português diferencia claramente as acções judiciais emergentes de contrato de trabalho e de acidente de trabalho, decorrendo deste último a competência internacional dos Tribunais de Trabalho Portugueses;
12 - O alegado nas conclusões 8 a 11 supra, aplica-se, com a mesma validade e efeitos, quanto ao Regulamento 44/2001, de 22/12/2000, do Conselho;
13 - A responsabilidade que deriva para a entidade empregadora relativamente aos seus trabalhadores, poderá revestir a aparência de responsabilidade contratual — dado o facto da preexistência de um contrato de trabalho — mas de facto resulta de uma responsabilidade pelo risco, ou seja, extracontratual;
14 - Enquanto que a responsabilidade civil (a contratual) resulta da violação de um direito de crédito ou obrigação em sentido técnico, a segunda (a extracontratual) deriva da violação de deveres e vínculos gerais, isto é, de deveres de conduta impostos a todas as pessoas e que correspondem aos direitos absolutos;
15 - Paradigma da responsabilidade por risco é efectivamente a protecção legal aos acidentes de trabalho;
16 - De facto, é o risco do trabalho — e a inerente situação de possível existência de acidentes de trabalho — que é legalmente ponderado, não as obrigações resultantes do contrato e o seu cumprimento ou incumprimento;
17 - Essa protecção legal, embora possa ter o contrato de trabalho como enquadramento, não resulta, nem emerge, do contrato de trabalho, mas sim da existência do risco da actividade laboral;
18 - Tanto é assim que não é exigível a violação de deveres do empregador para a caracterização do acidente de trabalho, bastando que este ocorra no âmbito da prestação laboral, tal como definida pela lei dos acidentes de trabalho;
19 - A celebração do contrato de trabalho constitui-se como o momento em que se determina a existência da responsabilidade civil extracontratual, pelo risco, não derivando esta da existência de uma relação obrigacionista, mas sim do risco inerente à prestação de trabalho;
20 - Além disso, actualmente a existência de um contrato de trabalho não é factor decisivo para a determinação do conceito de acidente de trabalho e da responsabilidade que emerge do acidente de trabalho;
21 - A responsabilidade que para o empregador existe (e da respectiva seguradora para que está obrigado a transferir o risco) emerge do próprio conceito do acidente de trabalho, enquanto responsabilidade extracontratual;
22 - O novo regime instituído para os acidentes de trabalho, ampliou o conceito de acidente de trabalho, alargando-o inclusivamente aos trabalhadores independentes ou por conta própria, a quem impôs igualmente a celebração de contrato de seguro que, em caso de acidente de trabalho, garante aos mesmos e respectivos familiares indemnizações e prestações em condições idênticas às dos trabalhadores por conta de outrem (arts 1.º, 2.º e 3.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro);
23- Esta alteração legislativa (também jurisprudencialmente reconhecida) bem ilustra que a responsabilidade que deriva do acidente de trabalho não radica umbilicalmente no contrato de trabalho, mas sim deriva da própria autonomia do conceito juslaboral de acidente de trabalho, ou seja no decurso e derivando de actividade profissional, independentemente do vínculo contratual imanente ou sequer da existência deste;
24 - Nos termos do art. 85.º al. c) da Lei 3/99 de 13/1, que alterou a Lei 39/87, LOTJ de 23 de Dezembro, compete aos Tribunais do Trabalho conhecer das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, não resultando daí qualquer diferenciação entre acidentes decorrentes de trabalho subordinado ou de trabalho independente;
25 - Assim, o conceito de acidente de trabalho é hoje claramente mais amplo, apelando, mais do que nunca, para a responsabilidade pelo risco;
26 - Assim, salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido violou, por errónea interpretação e aplicação, o art. 10.º e n.º 2 do art. 15.º do CPT e os arts. 2.º, 3.º e 5.º da Convenção de Lugano, bem como os arts. 2.º e 3.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001;
27 - Pelo exposto e com o Mui douto suprimento de V. Ex.as deve o douto acórdão ora recorrido ser revogado, sendo declarada improcedente, por não provada, a excepção de incompetência absoluta do Tribunal [do Trabalho] de Torres Vedras, devendo outrossim ser declarada a competência internacional desse Tribunal no presente pleito emergente de acidente de trabalho, devendo o processo correr os seus termos, até final.»

As recorridas contra-alegaram, defendendo a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, para além de referir que a questão suscitada poderia justificar um eventual reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia sobre a interpretação das normas comunitárias e convencionais em causa, pronunciou-se no sentido de que, face ao disposto no artigo 15.º do Código de Processo do Trabalho, os tribunais do trabalho portugueses são competentes internacionalmente para conhecer da presente acção, pelo que seria de conceder provimento ao recurso, parecer que, notificado às partes, suscitou resposta das recorridas para discordar daquela posição.

3. No caso vertente, a única questão suscitada reconduz-se a saber se os tribunais do trabalho portugueses são ou não competentes, em razão das regras de competência internacional, para conhecer dos pedidos deduzidos na presente acção.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. Com relevo para a apreciação do recurso, o tribunal recorrido tomou em consideração a factualidade que se passa a discriminar:

1) O autor AA é cidadão português, portador do Bilhete de Identidade n.º ..........., residente na área de jurisdição [do Tribunal do Trabalho de Torres Vedras], Urbanização S. ......, Lote .., ....º Dto., 2655-270 Ericeira;
2) Trabalhou ao serviço da BB Limited, mediante a celebração de diversos contratos de trabalho a termo;
3) Estava ao serviço, a bordo do navio «Black Watch», em 1 de Fevereiro de 2004;
4) Em 1 de Fevereiro de 2004, sofreu o AVC que qualifica nestes autos como acidente de trabalho;
5) A CC tem a sua sede e exerce a sua actividade em Oslo, Noruega;
6) Os contratos a que se alude em 2) foram celebrados em Ipswich, Inglaterra, [Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, adiante Reino Unido];
7) O acidente a que se alude em 4) ocorreu quando o autor prestava trabalho ao serviço da BB Limited, a bordo do navio «Black Watch», [em viagem no alto mar, no Oceano Pacífico];
8) O navio de cruzeiro «Black Watch» estava matriculado em Nassau, Bahamas;
9) As rés não possuem estabelecimento ou representação em Portugal.

Resulta, ainda, dos autos que a BB Limited tem sede em Londres e escritórios em Ipswich, ambas as localidades situadas no Reino Unido.

Eis o acervo factual a considerar para resolver a questão posta no recurso.

2. O recorrente sustenta que a legislação substantiva relativa aos acidentes de trabalho protege e promove valores de interesse e ordem pública, que se projectam na legislação adjectiva, designadamente nas normas previstas no Código de Processo do Trabalho quanto a esta matéria, e que a competência internacional dos tribunais de trabalho portugueses quanto às acções emergentes de acidentes de trabalho acha-se prevista no artigo 15.º do Código de Processo do Trabalho, dispondo o seu n.º 2 que, se o acidente ocorrer no estrangeiro, a acção deve ser proposta em Portugal, no tribunal do domicílio do sinistrado.

Ainda na sua perspectiva, as normas relativas à competência internacional dos tribunais de trabalho portugueses estão perfeitamente coordenadas com as convenções internacionais outorgadas por Portugal, como decorre do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, que aprovou o Código de Processo do Trabalho, fazendo notar que o artigo 3.º da Convenção de Lugano não indica o artigo 15.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho como norma inoponível às pessoas domiciliadas nos Estados outorgantes da Convenção e que a mencionada Convenção «não faz referência quanto à sua aplicabilidade no que respeita a acções judiciais emergentes de acidente de trabalho, apenas mencionando aquelas que decorram de contrato individual de trabalho», o mesmo acontecendo em relação ao Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22/12/2000, pelo que não são aplicáveis no caso.

A primeira instância entendeu que os tribunais do trabalho portugueses eram competentes internacionalmente para conhecer do presente litígio, face ao disposto nos artigos 10.º e 15.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, e que tal conclusão não era afastada pela invocada Convenção de Lugano, já que, definindo o artigo 5.º, n.º 1, dessa Convenção a competência em matéria de contrato individual de trabalho, no caso estava em discussão um alegado acidente de trabalho.

Por sua vez, o tribunal recorrido decidiu que a Convenção de Lugano, assim como o Regulamento (CE) n.º 44/2001, afastam, claramente, a regra do Código de Processo do Trabalho de que na competência internacional dos tribunais do trabalho estão incluídos os casos em que a acção pode ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas naquele Código, concluindo «pela competência internacional dos Tribunais Ingleses para a apreciação e decisão do litígio em apreço e consequente incompetência absoluta dos Tribunais Portugueses, mormente do Tribunal recorrido, o que constitui excepção dilatória que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e determina a absolvição da instância nos termos do disposto nos artigos 288.º, n.º 1, a), e 493.º, n.º 2, ambos do Cod. Proc. Civil, aqui aplicável por força do artigo 1.º, n.º 2, a), do Cod. Proc. Trabalho».

2.1. Antes de mais, refira-se que o âmbito de aplicação da lei portuguesa a um acidente de trabalho em situação internacional acha-se regulado nos artigos 4.º e 5.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais), e no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho).

Segundo o apontado artigo 4.º, epigrafado «Trabalhadores estrangeiros», os trabalhadores estrangeiros que exerçam actividade em Portugal são equiparados, para efeitos daquela lei, aos trabalhadores portugueses (n.º 1), sendo garantida idêntica equiparação aos familiares do sinistrado (n.º 2); no entanto, podem não beneficiar da protecção conferida pela lei portuguesa se exercerem, ao serviço de empresa estrangeira, uma actividade temporária ou intermitente e existir um acordo entre Estados que tenha convencionado a aplicação da legislação relativa à protecção dos sinistrados em acidentes de trabalho em vigor no Estado de origem (n.º 3).

Já aqueloutro artigo 5.º, sob a epígrafe «Trabalhadores no estrangeiro», consagra a aplicação da lei infortunística portuguesa aos trabalhadores portugueses e trabalhadores estrangeiros residentes em Portugal, sinistrados em acidentes de trabalho no estrangeiro ao serviço de empresa portuguesa, «salvo se a legislação do Estado onde ocorreu o acidente lhes reconhecer direito à reparação, caso em que o trabalhador poderá optar por qualquer dos regimes».

E, por último, de acordo com o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 143/99, «[n]a ausência de opção expressa do trabalhador sinistrado […], aplica-se a lei portuguesa, salvo se a do local onde ocorreu o acidente for concretamente mais favorável».

Portanto, só nos casos indicados nas aludidas disposições especiais existem conexões suficientes com a ordem jurídica portuguesa para justificar a aplicação da legislação portuguesa relativa à protecção das vítimas de acidente de trabalho, pelo que o acidente de trabalhador português ao serviço, no estrangeiro, de entidade com sede no estrangeiro, tal como se verifica no caso em apreciação, não se encontra abrangido pelas pretensões de aplicação da lei infortunística portuguesa.

Aliás, à mesma conclusão se chegaria caso se considerasse a problemática do acidente de trabalho nos termos gerais da responsabilidade extracontratual, já que «os elementos de conexão relevantes seriam tão-somente os do artigo 45.º do Código Civil» (cf. FLORBELA DE ALMEIDA PIRES, “Os Acidentes de Trabalho e o Direito Internacional Privado: Enquadramento e Especificidades”, em Prontuário de Direito do Trabalho, Centro de Estudos Judiciários, n.º 64, 2003, pp. 108 e 117).

2.2. Em 27 de Março de 2006, data de instauração do processo em apreço, vigorava o Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, que aprovou a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, «[a] competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente».

No tocante às regras em matéria de competência internacional, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 480/99, esclarece que as modificações introduzidas neste domínio visaram «a adaptação das normas do Código de Processo do Trabalho às regras dimanadas de diversos instrumentos de direito internacional vinculantes para o Estado Português, designadamente ao nível da União Europeia, mantendo-se, no entanto, o princípio básico de definição dessa competência segundo as regras da competência territorial no próprio Código estabelecidas».

E, em conformidade, o artigo 10.º do sobredito Código determina que «[n]a competência internacional dos tribunais do trabalho estão incluídos os casos em que a acção pode ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas neste Código, ou de terem sido praticados em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na acção».

Assim, a primeira parte daquela norma consagra o princípio da coincidência entre a competência internacional dos tribunais do trabalho e a competência territorial prevista nos artigos 13.º a 19.º do mesmo Código, em termos similares aos acolhidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do Código de Processo Civil.

Por seu lado, a segunda parte do mesmo preceito, tal como a alínea c) do n.º 1 do antedito artigo 65.º, sanciona o princípio da causalidade, de uma forma alargada, acolhendo como factor de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses a circunstância de «terem sido praticados em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na acção».

As regras da competência territorial no Código de Processo do Trabalho (artigos 13.º a 19.º) inserem-se na Secção II (Competência territorial) do Capítulo II (Competência interna) do Título II (Competência) do Livro I (Do processo civil).

O artigo 13.º acolhe a regra geral da competência territorial, estipulando que «[a]s acções devem ser propostas no tribunal do domicílio do réu, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes» (n.º 1), e consignando que «[a]s entidades patronais ou seguradoras, bem como as instituições de previdência, consideram-se também domiciliadas no lugar onde tenham sucursal, agência, filial, delegação ou representação» (n.º 2).

O artigo 14.º refere-se à competência territorial nas acções emergentes de contrato de trabalho intentadas pelo trabalhador contra a empregadora, o artigo 15.º rege sobre as acções emergentes de acidentes de trabalho e de doença profissional e o artigo 16.º fixa a dita competência nas acções emergentes de despedimento colectivo.

Já o artigo 17.º regula a competência territorial respeitante às acções a que se referem as alíneas d) e e) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, as quais se reportam, pela ordem enunciada, às «questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efectuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais» e às «acções destinadas a anular os actos e contratos celebrados por quaisquer entidades responsáveis com o fim de se eximirem ao cumprimento de obrigações resultantes da aplicação da legislação sindical ou do trabalho», enquanto que o artigo 18.º se ocupa da competência territorial relativa às acções de liquidação e partilha de bens de instituições de previdência e associações sindicais e outras em que sejam requeridas essas instituições ou associações.

Enfim, o artigo 19.º considera nulos «os pactos ou cláusulas pelos quais se pretenda excluir a competência territorial atribuída pelos artigos anteriores».

No caso, discute-se a aplicação da regra constante no n.º 2 daquele artigo 15.º, de acordo com a qual «[s]e o acidente ocorrer no estrangeiro, a acção deve ser proposta em Portugal, no tribunal do domicílio do sinistrado», norma inovadora em relação ao Código de Processo do Trabalho de 1981 e cujo aditamento visou «suprir lacunas do actual Código, que, entretanto, têm gerado dificuldades de interpretação e aplicação, em prejuízo da celeridade processual» (cf., a este propósito, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 480/99).

2.3. Como é sabido, a competência do tribunal é apreciada em função dos termos em que a acção é proposta, determinando-se pela forma como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos, independentemente da apreciação do seu acerto substancial.

Face aos fundamentos da acção e ao pedido, extrai-se que os direitos que o autor pretende fazer valer — pagamento de pensão por incapacidade para o trabalho, de despesas relativas à aquisição de medicamentos e de indemnização por danos não patrimoniais — decorrem da alegada verificação de um acidente de trabalho e fundam-se em normas que prevêem a reparação das consequências infortunísticas dele resultantes, recaindo a responsabilidade sobre a empregadora e a seguradora, para quem aquela tivesse transferido a respectiva responsabilidade.

Ora, atendendo apenas ao regime que emerge do direito processual interno, os tribunais do trabalho portugueses seriam internacionalmente competentes para a resolução do litígio, na medida em que se verifica o principal factor de atribuição da competência internacional: o da coincidência entre esta e a competência territorial interna (artigos 10.º e 15.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho).

Na verdade, tendo o alegado acidente ocorrido no estrangeiro e situando-se o domicílio do sinistrado na área de jurisdição do Tribunal do Trabalho de Torres Vedras, este teria competência territorial para a apreciação do litígio face ao disposto no n.º 2 do artigo 15.º do Código de Processo do Trabalho, o que, só por si, conferia competência internacional aos tribunais do trabalho portugueses (artigo 10.º citado).

2.3.1. Acontece, porém, que a acção em causa, no respeitante aos pedidos dirigidos contra a ré BB Limited, insere-se no âmbito temporal, material e espacial de aplicação do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000 (adiante, Regulamento), relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (Jornal Oficial, n.º L 12, de 16.1.2001, com a última redacção dada pelo Regulamento (CE) n.º 2245/2004 da Comissão, de 27.12.2004, Jornal Oficial, n.º L 381, de 28.12.2004) que, nos termos do n.º 1 do seu artigo 68.º, substituiu entre os Estados-Membros da Comunidade Europeia, excepto nas relações com a Dinamarca (artigo 1.º, n.º 3), a denominada Convenção de Bruxelas igualmente relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, e que se aplica na nossa ordem interna, por força do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição.

Tal como é assinalado no próprio texto (após o artigo 76.º), o Regulamento «é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros em conformidade com o Tratado que institui a Comunidade Europeia» (ex vi artigo 249.º do Tratado da União Europeia), entrou em vigor no dia 1 de Março de 2002 (artigo 76.º) e é aplicável às acções judiciais intentadas posteriormente a essa data (artigo 66.º, n.º 1), como é o caso da presente acção.

O âmbito material de aplicação do Regulamento compreende, nos termos do seu artigo 1.º, as matérias civil e comercial, «independentemente da natureza da jurisdição», e não abrange as matérias fiscais, aduaneiras e administrativas (n.º 1), estando excluídos da sua aplicação o estado e a capacidade das pessoas singulares, os regimes matrimoniais, os testamentos e as sucessões, as falências, as concordatas e os processos análogos, a segurança social e a arbitragem (n.º 2).

Acontece que os conceitos de matéria civil e comercial não se encontram expressamente definidos no Regulamento; porém, como sublinha DÁRIO MOURA VICENTE (“Competência Judiciária e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras no Regulamento (CE) n.º 44/2001”, em Scientia Iuridica, Universidade do Minho, Tomo LI, n.º 293, Maio-Agosto 2002, p. 356), «o modo de defini-los foi precisado pelo Tribunal de Justiça das Comunidades, ao abrigo da competência para interpretar a Convenção de Bruxelas que lhe foi atribuída pelos Estados contratantes no Protocolo relativo à sua interpretação pelo Tribunal de Justiça, feito no Luxemburgo, em 3 de Junho de 1971(-). Assim, por “matéria civil e comercial” deve entender-se, segundo aquela jurisdição, não o que como tal é caracterizado pelo Direito interno dos Estados Contratantes da Convenção, mas antes “o que resulta dos objectivos e do sistema da Convenção”, bem como dos “princípios gerais que decorrem do conjunto dos sistemas jurídicos nacionais”. O Tribunal manifestou desta forma a sua preferência por uma interpretação autónoma dos conceitos empregados na Convenção; o que se justifica inteiramente à luz da necessidade de assegurar a uniformidade dessa interpretação nos Estados membros e, reflexamente, a certeza do Direito convencional. O mesmo princípio metodológico deve valer na interpretação dos conceitos utilizados no Regulamento n.º 44/2001.»

Neste plano de consideração, note-se que o considerando n.º 7 do preâmbulo do Regulamento proclama que «[o] âmbito de aplicação material do presente regulamento deverá incluir o essencial da matéria civil e comercial com excepção de certas matérias bem definidas» e, doutro passo, que o considerando n.º 11 do mesmo preâmbulo consigna que «[a]s regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular-se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, excepto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão».

Ora, a efectivação da responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho não foi expressamente excluída do âmbito de aplicação do Regulamento, e configura-se como um litígio entre particulares fundado em regras de Direito privado, especificamente, do domínio da responsabilidade civil.

Logo, porque se trata de matéria civil, à luz do conceito amplo acolhido no n.º 1 do artigo 1.º citado, a presente acção está abrangida no âmbito de aplicação do Regulamento, devendo salientar-se que, referindo-se a idêntica norma da Convenção de Bruxelas, este Supremo Tribunal, em recente acórdão, datado de 3 de Outubro de 2007, proferido no Processo n.º 922/07 (Agravo), da 4.ª Secção, pronunciou-se no sentido de que uma acção emergente de acidente de trabalho não pode deixar de se ter por compreendida no conceito de matéria civil.

Resta acrescentar que, nos termos dos artigos 2.º, 3.º e 60.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento, localizando-se a sede social da ré BB Limited («sede social» significa «registered Office», no Reino Unido — n.º 2 do artigo 60.º citado) no território de um Estado-Membro da Comunidade Europeia vinculado pelo Regulamento, no caso o Reino Unido, deve ser demandada perante os tribunais desse Estado, só podendo ser demandada perante os tribunais de um outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do Capítulo II do Regulamento.

Em especial, não podem ser invocadas contra aquela ré, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento, «as regras de competência nacionais constantes do anexo I», entre as quais figura, relativamente a Portugal, «os artigos 65.º e 65.º-A do Código de Processo Civil e o artigo 11.º do Código de Processo do Trabalho» (décimo travessão do Anexo I do Regulamento).

O mencionado artigo 11.º era a norma que regia a competência internacional dos tribunais do trabalho no Código de Processo do Trabalho de 1981, a ele correspondendo, com alterações, o artigo 10.º do actual Código de Processo do Trabalho, pelo que se justifica uma interpretação actualista do referido travessão do Anexo I do Regulamento, no sentido de aí se contemplar o artigo 10.º citado.

De facto, em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).

Por conseguinte, ao mesmo tempo que manda atender às circunstâncias históricas em que a lei foi elaborada, o referido artigo 9.º não deixa expressamente de considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada, segmento que assume uma evidente conotação actualista (sobre a problemática da interpretação actualista, cf. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, revista, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1987, pp. 58-59; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 190-191; JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 388-389; JOÃO DE CASTRO MENDES, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa 1994, pp. 220-221).

Como sublinha BAPTISTA MACHADO (obra citada, p. 191), «[n]ão tem que nos surpreender essa posição actualista do legislador se nos lembrarmos que uma lei só tem sentido quando integrada num ordenamento vivo e, muito em especial, enquanto harmonicamente integrada na “unidade do sistema jurídico” […]».

E não se diga que a norma do n.º 2 do artigo 15.º do Código de Processo do Trabalho não é directamente afastada pelo n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento, com referência ao décimo travessão do seu Anexo I.

Com efeito, se a aplicação do artigo 10.º do actual Código de Processo do Trabalho é afastada por vinculação ao Regulamento, perde qualquer relevância o que dispõe o n.º 2 do artigo 15.º citado, norma de competência territorial que se encontra indissociavelmente ligada àquele artigo 10.º para efeitos de definição da competência internacional dos tribunais do trabalho e para a qual este último preceito remete [cf., neste sentido, os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 16 de Maio de 2000, Processo n.º 3/2000 (Agravo), da 4.ª Secção, em Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VIII, 2000, tomo II, pp. 260-262, relativo à norma do artigo 3.º da Convenção de Lugano, e de 3 de Outubro de 2007, já citado supra, e que se reportou ao artigo 3.º da Convenção de Bruxelas].

Aliás, uma vez que as normas emanadas das instituições da União Europeia vigoram directamente na nossa ordem jurídica e não têm valor inferior à lei ordinária interna, obviamente que as normas do Regulamento derrogariam as normas de lei interna anterior, no caso, a norma do n.º 2 do artigo 15.º do Código de Processo do Trabalho, por aplicação directa do princípio de que a lei posterior derroga a anterior.

Tudo para concluir que a presente acção, na parte em que nela se deduzem pretensões de reparação de danos emergentes de alegado acidente de trabalho contra uma ré domiciliada num Estado-Membro da Comunidade Europeia vinculado pelo Regulamento, está submetida à disciplina deste acto comunitário, não lhe sendo aplicáveis os artigos 10.º e 15.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho.

2.3.2. Já quanto às pretensões deduzidas contra a ré CC, com fundamento de que a ré empregadora havido transferido para aquela ré a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho, a presente acção está abrangida no âmbito de aplicação da Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, concluída em Lugano, em 16 de Setembro de 1988, vulgarmente conhecida por Convenção de Lugano (também designada por Convenção paralela, atenta a sua similitude com a de Bruxelas) e que visou primacialmente a extensão do regime da Convenção de Bruxelas aos países membros da EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre).

Na verdade, a ré CC tem a sua sede social na Noruega, Estado que, tal como Portugal, são partes daquela Convenção.

Esta Convenção foi aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/91, de 24 de Abril de 1991, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 51/91, de 30 de Outubro, ambos publicados no Diário da República, I Série-A, suplemento ao n.º 250, de 30 de Outubro de 1991, e vigora para Portugal desde 1 de Julho de 1992.

E, conforme o Aviso n.º 209/93 do Ministério dos Negócios Estrangeiros, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 204, de 31 de Agosto de 1993, a Convenção de Lugano vigora no Reino da Noruega desde 1 de Maio de 1993.

Ora, os artigos 1.º, 2.º e 3.º da Convenção de Lugano contêm normas idênticas às dos correspondentes artigos da Convenção de Bruxelas e, agora, do Regulamento (CE) n.º 44/2001, pelo que, valem em relação àqueles preceitos as considerações acima explanadas quanto ao âmbito material de aplicação daquele Regulamento e da inclusão nele da acção judicial em apreço.

Como resulta do seu artigo 54.º-A, a Convenção de Lugano não prejudica a aplicação da Convenção de Bruxelas (e, agora, do Regulamento) às relações entre os Estados-Membros da Comunidade Europeia (n.º 1); porém, a Convenção de Lugano será sempre aplicada, no que aqui importa, em matéria de competência, quando o requerido se encontre domiciliado no território de um Estado Contraente que não seja membro da Comunidade Europeia (é o caso da Noruega) ou quando os artigos 16.º ou 17.º daquela Convenção atribuírem competência aos tribunais desse Estado Contratante [n.º 2, alínea a)].

Nesta conformidade, atento o disposto nos conjugados artigos 1.º, 2.º, 3.º, décimo terceiro travessão, 53.º e 54.º-A, n.º 2, alínea a), da Convenção de Lugano, a presente acção deve considerar-se abrangida, quanto às pretensões formuladas contra a ré CC, pelas regras de competência internacional acolhidas naquela Convenção.

Assim sendo, nos termos do décimo terceiro travessão do artigo 3.º daquela Convenção, não pode ser invocado contra a mesma ré o preceituado no artigo 11.º do Código de Processo do Trabalho, alusão que, pelos fundamentos acima explicitados, deve ter-se por dirigida ao artigo 10.º do actual Código de Processo do Trabalho.

Conclui-se, pois, que a presente acção, na parte em que nela se deduzem pretensões de reparação de danos emergentes de alegado acidente de trabalho contra uma ré domiciliada num Estado Contratante da Convenção de Lugano, encontra-se sujeita a este instrumento internacional, não lhe sendo aplicáveis as regras constantes nos artigos 10.º e 15.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho.

Face a todas as precedentes considerações, não se descortina qualquer questão relativa à interpretação do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho ou da Convenção de Lugano que justifique o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia sugerido pela Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta.

3. Delimitado o conjunto normativo aplicável, resta ajuizar se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer da presente acção.

Relativamente aos pedidos deduzidos contra a ré BB Limited, como já se referiu, a presente acção está sujeita à disciplina do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000.

O Regulamento estabelece como regra geral que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado (artigo 2.º, n.º 1).

Mas, tratando-se de matéria extracontratual, pode a acção ser proposta no tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso (artigo 5.º, n.º 3).

Além disso, a Secção 5 do Capítulo II do Regulamento estabelece regras quanto à competência em matéria de contratos individuais de trabalho (artigos 18.º a 21.º); no entanto, tal como já decidiu este Supremo Tribunal, no sobredito acórdão de 3 de Outubro de 2007, «[e]mbora seja discutida a natureza da responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, os termos da discussão não giram já em torno do eixo “responsabilidade contratual” versus “responsabilidade extracontratual”, mas do eixo “responsabilidade extracontratual” e “responsabilidade profissional, sujeita por razões de interesse público a regras exorbitantes”», sendo que «[d]e modo algum pode dizer-se que a obrigação reparadora que os autores pretendem fazer valer através da presente acção [reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho] resulte do não cumprimento (lato sensu) dos deveres próprios das obrigações, ou seja, emerge da violação de deveres contratuais».

Não havendo disposição específica atributiva de competência internacional no concernente à matéria da reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, entende-se que o enquadramento correcto deste tipo de acções deve efectuar-se na regra geral do domicílio do réu (artigo 2.º, n.º 1) ou, porventura, na regra especial relativa à responsabilidade extracontratual (artigo 5.º, n.º 3).

Em qualquer dos casos, os factores de conexão acolhidos pelo Regulamento apontam para a competência de tribunais estrangeiros.

Na verdade, localizando-se a sede da empregadora no Reino Unido, Estado--Membro da Comunidade Europeia vinculado pelo Regulamento, segundo o disposto nos conjugados artigos 2.º, 3.º e 60.º, n.º 1, alínea a), a competência internacional para o julgamento da presente acção judicial caberia aos tribunais do Reino Unido.

Em aplicação da regra especial relativa à responsabilidade extracontratual (artigo 5.º, n.º 3), de acordo com a qual a ré deveria ser demandada perante o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso, poderia a acção ser intentada nos tribunais do Estado da matrícula do navio «Black Watch» (Nassau, Bahamas), a bordo do qual ocorreu o descrito facto danoso, ou seja, nos tribunais do Estado do pavilhão (cf., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, de 5 de Fevereiro de 2004, Danmarks Rederiforening contra LO Landsorganisationen i Sverige, Processo n.º C-18/02, Colectânea da Jurisprudência 2004, p. I-01417, no sítio http://eur-lex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexplus!prod!CELEX.

Assim, no caso vertente, nenhuma regra de competência internacional do Regulamento atribui competência internacional aos tribunais portugueses.

Quanto à competência para apreciar as pretensões deduzidas contra a ré CC, há que atender aos artigos 7.º a 12.º da Convenção de Lugano que regem a competência jurisdicional em matéria de seguros.

Nos termos dos referidos normativos, a segunda ré poderia ser demandada perante: (i) o tribunal do Estado da respectiva sede, ou seja, na Noruega (artigos 8.º, n.º 1, e 53.º); o tribunal do Estado onde o tomador do seguro (a ré empregadora) tem a sua sede, isto é, no Reino Unido (artigos 8.º, n.º 2, e 53.º); o tribunal do lugar onde o facto danoso ocorreu, no Estado do pavilhão do navio (artigo 9.º); o tribunal onde for proposta a acção do lesado contra o segurado, em matéria de seguros de responsabilidade civil, «desde que a lei desse tribunal assim o permita» (artigo 10.º).

Ora, estando afastada a aplicação dos artigos 10.º e 15.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho à situação em apreço, por força do disposto no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento, com referência ao décimo travessão do Anexo I, e no décimo terceiro travessão do artigo 3.º da Convenção de Lugano, não há que ter em conta, no caso, o estatuído no referido artigo 10.º daquela Convenção.

Note-se que a possibilidade admitida no n.º 1 do artigo 6.º da Convenção de o requerido com domicílio no território de um Estado Contratante ser demandado, se houver vários requeridos, no tribunal do domicílio de qualquer um deles, também não atribui competência internacional aos tribunais portugueses, pois, apenas significa que a segunda ré poderia ser demandada perante o tribunal do Reino Unido em que fosse intentada acção contra a empregadora e que esta poderia ser demandada perante o tribunal da Noruega em que fosse proposta acção contra a segunda ré.

Tanto basta para que se possa concluir que nenhuma regra de competência internacional da Convenção de Lugano atribui, no caso em apreciação, competência internacional aos tribunais do trabalho portugueses.

Assim, em qualquer dos casos, os tribunais do trabalho portugueses não são internacionalmente competentes para conhecer da acção judicial em apreço.

Não há, pois, motivo para alterar o julgado.

III

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao agravo e confirmar o acórdão recorrido, embora, em parte, com diversa fundamentação.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.

Lisboa, 24 de Outubro de 2007

Pinto Hespanhol (Relator)

Vasques Dinis
Bravo Serra