Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
138/09.9JELSB.L1.S2
Nº Convencional: 3º SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO
AVULTADA COMPENSAÇÃO REMUNERATÓRIA
BANDO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
CRIMES DE PERIGO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
ILICITUDE
DOLO
ANTECEDENTES CRIMINAIS
ARREPENDIMENTO
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 04/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS - TRIBUNAIS.
DIREITO PENAL - FACTO - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA PENA - CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO - CRIMES CONTRA A VIDA EM SOCIEDADE.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - PROVA - AUDIÊNCIA - SENTENÇA - RECURSOS.
Doutrina:
- Bruns, Strafzumessungsrecht, p. 369.
- Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, vol. 1.º, 1986, p. 216.
- Eduardo Correia, Dir. Criminal, 1963, I vol., pg. 287.
- Eduardo Correia, Les preuves en droit pénal portugais, RDES, Ano IV, nº I, pp. 17 e 22-40.
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §55, § 56, § 278, pp. 211, 235; Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime - Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121; Direito Processual Penal, I; Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss.
- Figueiredo Dias, RDE, IV-3.
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III vol., pp. 294, 339.
- Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, p. 230.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 125.º, 127.º, 355.º, N.º1, 374.º, N.º2, 379.º, N.º1, AL. C), 410.º, N.ºS 2 E 3, 412.º, N.º3, 427.º, 428.º, 432.º, 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 29.º, 40.º, N.ºS 1 E 2, 71.º, 202.º, AL.B), 299.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º, N.ºS 1 E 2, 205.º, N.º1.
DL N.º 15/93, DE 22-01: - ARTIGOS 21.º, 22.º, 24.º, 28.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA PARA A PROTECÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS (V. LEI Nº 65/78, DE 13 DE OUTUBRO, ARTº. 6º, Nº 2).
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO, DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM (DUDH): - ARTIGO 11º, Nº 1.
PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS: - ARTIGO 14.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-DE 02-04-1992, BMJ 411, P. 56.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 16-05-1990, PROC. N.º 39852, BOLETIM DO MINISTÉRIO JUSTIÇA 397, 190;
-DE 13-02-1991, AJ, NºS 15/16, 7;
-DE 05-06-1991, IN BOLETIM DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA 408-162;
-DE 31-10-1991, IN BOLETIM DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA 410-418;
-DE 26-05-1993, IN COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA I-II-237;
-DE 26-05-1994, IN COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA II-II-233;
-DE 01-06-1994, IN BOLETIM DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA 438-154;
-DE 22-06-1995, IN COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA III-II-238;
-DE 09-01-1997, PROC. N.º 210/96, 3.ª SECÇÃO;
-DE 01-10-1997, PROC. N.º 627/97 - 3.ª;
-DE 11-03-1998, COL. JUR. - ACS. DO STJ, 1998, T. I, P. 228;
-DE 09-07-1998, SJ199807090005733;
-DE 24-02-1999, PROC. N.º 1136/99 - 3.ª;
-DE 01-03-2000, BMJ 495, 209;
-DE 12-04-2000, PROC. N.º 141/2000-3ª, SASTJ, Nº 40. 48;
-DE 04-06-2002, PROC. N.º 1218/02 - 3.ª;
-DE 02-09-2002 E EM 09-06-2005, RESPECTIVAMENTE NOS PROCS. N.ºS 2935/02 E 3992/04, AMBOS DA 5.ª SECÇÃO;
-DE 13-11-2002, SASTJ, Nº 65, 60;
-DE 05-02-2003, WWW.DGSI.PT;
-DE 11-12-2003, PROC. Nº 03P3375, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 11-12-2003, SJ20031211002293;
-DE 07-10-2004, 04P2828;
-DE 17-05-2007, PROC. N.º 1608/07 - 5.ª SECÇÃO;
-DE 14-06-2007, PROC. N.º 1387/07 - 5.ª SECÇÃO;
-DE 27-09-2006, PROC. N.º 06P2806, IN WWW.DGSI.PT,
-DE 08-11-2006, PROC. N. 3102/06 - 3.ª SECÇÃO;
-DE 09-11-2006 PROC. N. 4056/06 - 5.ª SECÇÃO;
-DE 15-11-2006, PROC. N.º 2555/06 - 3ª SECÇÃO;
-DE 15-02-2007, SJ20070215028265;
-DE 21-06-2007, PROC.° 07P2042, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 12-09-2007, PROC. N.º 07P2605;
-DE 03-10-2007, PROC. N.º 07P1779;
-DE 03-04-2008, PROC. N.º 2811/06 - 5.ª SECÇÃO;
-DE 22-01-2009, SJ200901220041255;
-DE 21-10-2009, PROC. N.º 589/08.6PBVLG.S1;
-DE 27-05-2010, PROC. N.º 18/07.2GAAMT.P1.S1;
-DE 26-09-2012, PROC. N.º 101/11.0PAVNO.S1.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 13-04-1988, IN BOLETIM DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA 376-647;
-DE 01-02-2011, PROCESSO N.º 153/08.0PEALM.L1-5.
Sumário :

I  -   As questões suscitadas pelo recorrente relativamente à sua discordância em relação à forma como o tribunal de 1.ª instância decidiu a matéria de facto, constituem matéria especificamente questionada, integrando-se em objecto de recurso em matéria de facto, estranha aos poderes de cognição do STJ, que sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 410.º do CPP, efectua exclusivamente o reexame da matéria de direito – art. 434.º do CPP.
II -  O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2.ª instância, mas dirige-se somente ao exame dos erros de procedimento ou de julgamento que lhe tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa e não indiscriminadamente todas as provas produzidas em audiência.
III - O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127.° do CPP. O processo penal fundamenta-se, e é conduzido, de harmonia com as exigências legais da produção e exame de provas legalmente válidas, com vista à determinação da existência de infracção, identificação do seu agente e definição da sua responsabilidade criminal.
IV - No caso em apreço, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não se perfila a existência de qualquer dos vícios aludidos no n.º 2 do art. 410.º do CPP. A matéria de facto provada é bastante para a decisão de direito, inexistem contradições insuperáveis de fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, não se afigurando, por ouro lado, que haja situações contrárias à lógica ou à experiência comum, constitutivas de erro patente detectável por qualquer leitor da decisão, com formação cultural média.
V -  O crime de tráfico de estupefaciente abarca todas as condutas não autorizadas previstas no art. 21.º do DL 15/93, de 22-01. À sua consumação é-lhe indiferente a intenção lucrativa, ou o destino do produto estupefaciente, desde que não para consumo, sendo, porém, relevante, a quantidade total do produto integrante da acção proibida. O crime de tráfico como crime de perigo abstracto, centraliza-se na perigosidade da acção, uma vez que o perigo, não sendo elemento do tipo, se apresenta como “motivo da proibição”, sem que disso resulte qualquer violação do princípio constitucional da presunção de inocência.
VI - Nos termos do art. 24.º do DL 15/93, de 22-01, a pena prevista no art. 21.º é aumentada de um quarto nos seus limites mínimo e máximo, pela verificação de alguma das circunstâncias ali descritas. Não constitui um tipo autónomo, é circunscrito por circunstâncias especiais (agravantes) modificativas da pena, mas a sua aplicação não resulta obrigatoriamente da sua verificação, ou seja, a sua aplicação não deve ter-se por automática.
VII - Quando o art. 24.º, al. c), do DL 15/93, de 22-01, se refere à circunstância de “o agente obter ou procurar obter avultada compensação remuneratória”, não é a diminuição do património do adquirente que está em causa, mas uma particular censura do espírito de lucro ou de ganho, que não recua perante as nefastas consequências para eminentes bens ou interesses jurídicos, pessoais, colectivos lesados pelo tráfico legal. Não ocorrendo, para o efeito, chamar à colação os valores que a lei penal considera para os crimes patrimoniais, dado tratarem-se de situações diferentes em que nenhuma analogia é razoável.
VIII - A jurisprudência do STJ tem-se pronunciado no sentido de que a avultada compensação remuneratória que se obteve ou se procurava obter pode não resultar directamente da prova do efectivo lucro conseguido ou a conseguir, mas de certos factos provados (como a quantidade de estupefaciente envolvida e as quantias monetárias implicadas pela transacção), combinados com as regras da experiência comum, não dependendo de uma análise contabilística de lucros/encargos, irrealizável, pelas características clandestinas da actividade.
IX - O carácter “avultado” da remuneração terá que ser avaliado mediante a ponderação global de diversos factores indiciários, de índole objectiva, que forneçam uma imagem aproximada, com o rigor possível, da compensação auferida ou procurada pelo agente. Assim, a qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, o volume de vendas, a duração da actividade, o seu nível de organização e de logística, e ainda o grau de inserção do agente na rede clandestina, são factores que, valorados globalmente, darão uma imagem objectiva e aproximada da remuneração obtida ou tentada. “Avultada” será, assim, a remuneração que, avaliada nesses termos, se mostre claramente acima da obtida no vulgar tráfico de estupefacientes, revelando uma actividade em que a ilicitude assuma uma dimensão invulgar, assim justificando a agravação da pena abstracta em um quarto, nos seus limites máximo e mínimo.
X -  O crime de tráfico de estupefacientes considera-se também agravado se o agente actuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos arts. 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando, como dispõe o art. 24.º, al. j), do DL 15/93, de 22-01.
XI - Para a verificação deste tipo de crime basta que o agente actue com a consciência de participar num grupo, com objectivos definidos, sem que com isso obrigatoriamente conheça todos os membros envolvidos. A actuação em bando, traduz uma actuação com vista à prática reiterada de crimes, em que cada agente não tem consciência e (ou) intenção de pertença a um ente colectivo com personalidade distinta da sua e objectivos próprios – o que afastará a associação criminosa típica – mas em que os diversos “colaboradores”, inseridos numa orgânica ainda incipiente, reconhecem, todavia, a existência de uma liderança de facto a que se subordinam.
XII - No que tange com a determinação da medida concreta da pena, importa ponderar, no caso do arguido R:
       - o grau de ilicitude do facto – que é acentuado, pois a conduta do arguido reflecte desvalor em relação à ordem jurídica, nomeadamente à protecção da saúde pública e aos valores de vivência solidária em comunidade, sendo certo que estamos em sede de crime de perigo;
       - o modo de execução – forte colaborador numa actividade de tráfico que envolve grandes quantidades de droga que vem do estrangeiro, utilização de meios dispendiosos (embarcações, armazém) e muito dinheiro;
       - a gravidade das consequências – a droga tem elevados efeitos nefastos, na saúde das pessoas, na vivência comunitária e na manifesta falta de solidariedade; importa, todavia, considerar que o haxixe não é considerado droga dura;
       - a intensidade do dolo – é superior a intensidade do dolo porque o arguido não alegou o consumo de estupefacientes, o que faz concluir que anda neste sub-mundo apenas com intenções de prover aos benefícios económicos;
       - os sentimentos manifestados no cometimento do crime – comportamento egoístico e socialmente desajustado, visando apenas, e sem olhar a meios, o beneficio económico;
       - os motivos e fins determinantes – ganhar (ilicitamente) dinheiro;
       - a condição pessoal e económica – o arguido está actualmente preso preventivamente, apresentando um comportamento adequado e uma postura adaptada às normas vigentes e trabalha na biblioteca; o seu desenvolvimento pessoal decorreu num contexto familiar afável, harmonioso e organizado, e com uma situação económica estável; frequentou o curso de contabilidade do ramo de fiscalidade no ISCL; exercia as funções de recuperador de crédito, em regime de part-time; vivia com os pais e um irmão mais velho, em casa deles; demonstra imaturidade, ingenuidade e permeabilidade; é tido como trabalhador, responsável e é estimado pelos familiares e amigos; futuramente projecta reintegrar-se no agregado familiar dos progenitores, pretendendo prosseguir os estudos e retomar a actividade profissional;
       - a conduta anterior e posterior ao facto – não tem antecedentes criminais;
       - a falta de preparação para manter conduta licita;
       - não está demonstrado qualquer arrependimento.
XIII - A moldura penal aplicável é de pena de prisão de 5 a 15 anos. Estão em causa toneladas de haxixe introduzidas em Portugal através de meios que caracterizam o denominado tráfico internacional. A pena de prisão não pode ficar perto dos mínimos legais, num caso, como o dos autos, para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização das expectativas comunitárias. Na verdade, e não obstante o conhecimento da profunda anomia em termos sociais e económicos que está em causa nestes casos específicos de tráfico de estupefacientes, esta actividade constitui um autêntico flagelo e dificilmente seria aceitável para o conjunto dos cidadãos que a pena correspondente a tal ilícito fosse branda, o que seria atentatório da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime e faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral.
XIV - Não obstante ter ficado demonstrado a liderança do arguido S, a actuação entre ambos (com o arguido R) foi concertada e em conjugação de esforços. Os níveis de confiança eram elevados e estavam muito próximos. O arguido R fazia depósitos de milhares de euros. Adquiria embarcações. O arguido S foi condenado na pena de 10 anos e 6 meses, o arguido R na de 9 anos de prisão. É justa e suficiente esta diferença. Porque é acentuada a actividade do arguido R e porque praticamente fez o mesmo que o co-arguido S, não se notando especiais destrinças entre as tarefas de ambos. O ano e meio de diferença vai para a liderança assumida pelo arguido S.
XV - Não obstante a dimensão do tráfico desenvolvido pelo arguido S, a sua pena é inferior à média legal (10 anos), pelo que nem pode considerar-se muito severa. Aqui chegados, considera-se razoável e ajustada a pena de prisão de 9 anos de prisão, já fixada pelo tribunal a quo ao arguido R.
XVI - Quanto ao arguido S Importa ponderar:
       - o grau de ilicitude do facto – que é acentuado, pois a conduta do arguido reflecte desvalor em relação à ordem jurídica, nomeadamente à protecção da saúde pública e aos valores de vivência solidária em comunidade, sendo certo que estamos em sede de crime de perigo; importa reflectir que o crime de tráfico de estupefacientes constitui um crime de perigo abstracto;
       - o modo de execução – o líder de uma actividade de tráfico que envolve grandes quantidades de droga que vem do estrangeiro, utilização de meios dispendiosos (embarcações, armazém) e muito dinheiro;
       - a gravidade das consequências – a droga tem elevados efeitos nefastos, na saúde das pessoas, na vivência comunitária e na manifesta falta de solidariedade; importa, todavia, considerar que o haxixe não é considerado droga dura;
       - a intensidade do dolo – é superior a intensidade do dolo porque o arguido não alegou o consumo de estupefacientes, o que faz concluir que anda neste sub-mundo apenas com intenções de prover aos benefícios económicos;
       - os sentimentos manifestados no cometimento do crime – comportamento egoístico e socialmente desajustado, visando apenas, e sem olhar a meios, o benefício económico;
       - os motivos e fins determinantes – ganhar (ilicitamente) dinheiro;
       - a condição pessoal e económica – o arguido S encontra-se sob prisão preventiva, sem registo de qualquer sanção disciplinar, tendo frequentado um curso de língua portuguesa; é cidadão belga, cresceu num contexto socioeconómico equilibrado, mantendo com os pais um relacionamento gratificante concluiu o ensino secundário e frequentou um curso profissional de grafismo, que não concluiu; aos 22 anos iniciou consumo de cocaína e submeteu-se a diversos tratamentos, sem êxito; contraiu diversas dívidas e enfrentou dificuldades económicas, passou a ter desentendimentos com os pais e sofreu abalo psíquico na sequência da ruptura de um relacionamento afectivo que mantinha; teve diversos empregos, sem estabilidade e nunca exerceu cargos de responsabilidade especial ou chefia; em 2007, abandonou a Bélgica e passou a viver e a trabalhar em Espanha, onde conheceu a actual companheira, que aí reside e trabalha, abandonando então os hábitos de consumo de cocaína; antes de ser preso residia em Portugal, onde representava a sociedade E; visitava a companheira aos fins-de-semana e preparavam ambos, à data dos factos, o casamento; futuramente, pretende regressar a Espanha; conta com o apoio dos pais e da companheira;
       - a conduta anterior e posterior ao facto – não tem antecedentes criminais;
       - a falta de preparação para manter conduta lícita.
XVII - Ora, dando por reproduzido o já supra exposto, resulta da ponderação efectuada que o arguido S só pode ser condenado em pena colocada na metade superior da moldura aplicável. O que ocorre por diversas circunstâncias: a quantidade do estupefaciente (cocaína e heroína); a dimensão da actividade, os bens utilizados e o dinheiro envolvido; a prevenção especial (advertir o arguido); o combate ao tráfico de drogas e o elevado grau de ilicitude (o desvalor à ordem jurídica e o perigo para a saúde pública de tanto produto estupefaciente). Ficou demonstrada a liderança do arguido S. Por conseguinte, a pena de prisão de 10 anos e 6 meses é justa e adequada.
     
      
Decisão Texto Integral:



                             
   Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

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Nos autos de processo comum nº 138/09.9JELSB.L1. que correu termos no Círculo Judicial do Barreiro (2º Juízo Criminal), foram entre outros, submetidos a julgamento, em tribunal colectivo, AA e BB, com os demais sinais dos autos, vindo a ser condenados nos seguintes termos:

           

AA: - Por um crime de falsificação de documento agravado previsto no artigo 256º, nº 1, a) e e) e nº3 do Código Penal na pena de 18 meses de prisão, e por um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto nos artigos 21º, nº 1 e 24º, proémio e alíneas c) e j) do DL 15/93, de 22 de Janeiro na pena de 10 anos e 6 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico foi este arguido condenado, na pena única de 11 anos de prisão.

BB: - Por um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto nos artigos 21º, nº 1 e 24º, proémio e alíneas c) e j) do DL 15/93, de 22 de Janeiro na pena de 9 anos de prisão.


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Inconformados com o teor de tal acórdão os referidos arguidos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a sua revogação e substituição por outro que os absolva, ou, em alternativa, condene arguido BB numa pena não superior a 5 anos, suspensa na sua execução e condene arguido AA); numa pena de prisão não superior a seis anos, para além de invocarem outros vícios, entretanto decididos

O Tribunal da Relação veio a julgar improcedentes os recursos por aqueles interpostos, confirmando integralmente o acórdão recorrido,


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            Inconformados, recorreram aqueles arguidos para este Supremo, que decidiu: 

“Consectariamente anula-se o acórdão da Relação, por omissão de pronúncia, a fim de a nulidade por não conhecimento da impugnação da matéria de facto nos moldes apontados ser aí suprida.

Julga-se, no entanto, procedente o recurso interposto pelo arguido AA anulando-se o acórdão da Relação, quanto aos arguidos AA e BB, na parte respeitante à impugnação da matéria de facto, por omissão de pronúncia.”


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Foi proferido então em 18 de Dezembro de 2012, o acórdão recorrido, que após ter definido que” O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões e pela decisão do STJ é a reapreciação da matéria de facto assente pelo tribunal a quo relativamente aos pontos de facto impugnados e, eventualmente, a pertinente qualificação jurídica e a determinação das medidas das penas” veio a acordar “em negar provimento aos recursos, confirmando integralmente o acórdão recorrido.” e condenou os recorrentes nas custas.


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De novo incoformados, recorreram os mesmos arguidos para este Supremo Tribunal.

O arguido AA , apresentando as seguintes conclusões na motivação do recurso:

           

1. Da factualidade provada não pode subsistir a alínea c) do art. 24^ como decidiu o acórdão recorrido.

2. Não se apurou, naquela atividade, qual seria o lucro - ainda que aproximado do arguido.

3. Os pontos 651 a 655 resultaram não provados, retirando-se a avultada compensação económica dos factos fixados em 171.

4. O arguido tinha uma função, e o seu lucro, não pode ser presumido sem mais.

5. Também se defende, que os factos provados não integram a agravante da al. j), como vem decidido no acórdão recorrido.

6. Não se provou o necessário elemento subjetivo: que o arguido sabia ou tinha consciência que pertencia a um bando.

7. A pena, ao fim ao cabo, deve ser reduzida, atentos os factos provados em 175 a 185 e se estar perante haxixe - não cocaína e heroína como vem referido no acórdão recorrido.

Violaram-se as seguintes disposições:

- Artigos 24º, alíneas c) e j) do DL 15/93;

- Artigos 70º e 71º do CP;

Nestes termos e demais de direito deverá o presente recurso obter provimento e em consequência ser decidido em conformidade com as questões suscitadas pelo recorrente.

 

VEXAS FARÃO CONTUDO MELHOR JUSTIÇA!


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O arguido BB, que apresenta as seguintes conclusões na motivação do recurso:

1- A condenação do Arguido BB é um erro judiciário persistente grave, perigoso, e por isso profundamente injusta e inaceitável.

2- A prova dos factos objecto de julgamento poderá ser decorrente de prova direta ou, ao invés, de prova indireta. O uso da prova indireta reclama do julgador uma particular cautela, a fim de evitar erros judiciários cujas consequências serão tão mais devastadoras quanto maior for a gravidade da conduta e da consequência jurídica aplicada.

3- Do acervo probatório produzido em audiência de julgamento não resulta nada que pudesse criar a convicção inequívoca de que o Recorrente sabia que o Arguido AA se dedicava ao tráfico de droga, que agiu concertadamente com ele e que por isso cometeu o crime pelo qual foi condenado ao contrário do que se entendeu no douto Acórdão recorrido.

4- Em relação ao ponto 24 dos factos dados como provados não se fez em audiência de julgamento qualquer prova direta desses factos, não houve nenhum depoimento testemunhal sobre tais factos nem confissão de qualquer um dos intervenientes, sendo certo que não se podia considerar esses factos provados de forma alternativa ou seja que para o "controlo destas movimentações o AA ou o BB adquiriram telemóveis descartáveis e telefones satélites que distribuíram pelos tripulantes de cada uma das embarcações.

5 - Era obrigatório determinar e individualizar quem teria fornecido esses telefones mas não se podia deduzir que foi um ou outro, não existindo de todo qualquer prova direta sobre esses factos.

6 - A parte final da matéria de fato dada como provada no ponto 51 é conclusiva e também não foi consequência de qualquer depoimento testemunhal, pericial, busca ou qualquer outro elemento de prova em audiência.

7- No douto Acórdão não se corrigiu a convicção errada de que o Recorrente sabia e colaborava com o Arguido AA no tráfico de droga apenas baseada em indícios.

8- A convicção do tribunal quanto aos factos provados e não provados tem de resultar da análise crítica e conjugada da prova produzida em julgamento, a saber, prova documental, verbal e pericial realizadas em audiência de julgamento e não foi isso que sucedeu nos presentes autos.

9- Como se sabe, a prova em processo penal não se basta, para suportar uma condenação criminal, com indícios e muito menos com indícios que na sua conjugação não são unívocos, pelo que um "non liquet" tem de se traduzir inevitavelmente no favorecimento do Arguido nos termos do princípio do in dúbio pro reo, como emanação do princípio constitucional da presunção de inocência - v. nesse sentido o Ac. da Rel. de Lisboa de 1/2/2011 pro 153/08.

10- Em relação ao Recorrente o que se provou realmente em audiência de julgamento consta do ponto 55.

11- Ficou assente "que o desenvolvimento pessoal do Recorrente decorreu num contexto familiar afável, harmonioso e organizado, e com uma situação económica estável", que era trabalhador, estudante e que era imaturo e ingénuo

12- Todas estas circunstâncias fazem crer com toda a razoabilidade que o Recorrente foi vítima de ter conhecido o Arguido AA sem se aperceber do que se tratava

13- Saliente-se que a maioria dos fatos ciados como provados em relação são irrelevantes e não têm qualquer relação com o crime pelo qual foi condenado.

14 - Por isso a fundamentação da convicção do tribunal é muito escassa no que respeita ao Recorrente, quando era aí que competia ao julgador fundamentar em que meios de prova direta e principalmente indireta, baseou a sua convicção e não bastava remeter para o depoimento do inspetor CC, era necessário justificar porque razão isso foi determinante

15 - Consequentemente houve erro na valoração de prova produzida.

16 - Não houve, inequivocamente, qualquer prova produzida donde se pudesse retirar sem qualquer dúvida de que o Recorrente agiu concertadamente com o Arguido AA ou que pelo menos soubesse que este se dedicava ao tráfico de droga.

17 - Violou-se assim, inequivocamente, o princípio constitucional da presunção da inocência com a condenação do Recorrente.

18 - Por outro lado, mesmo que assim não se considere, existe manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, no que respeita à medida da pena aplicada ao Recorrente, ao contrário do entendimento do Acórdão recorrido, não havendo fundamento para a aplicação da qualificação do crime.

19 - Em relação ao agravamento previsto na alínea j) do Dec-Lei 15/93 ficou apenas provado que os Arguidos "pretendiam com a sua atuação obter compensação" (ponto 171 dos fatos provados) logo o agravamento previsto na alínea c) não se pode aplicar aos Arguidos e ao Recorrente, porque não foi provado que os Arguidos procuravam obter avultada compensação remuneratória e a quantidade de haxixe e os meios empregue não justificam só por si a aplicação da qualificação.

20 - Em relação ao agravamento previsto na alínea j) também não ficou provado nenhum facto que confirmasse que o AA e o BB agiram inseridos como membros de um bando destinado à prática reiterada do crime previsto nos art°s 21 e 22.

21- Consequentemente não existindo factos suficientes para se aplicarem os agravamentos previstos das penas, o Recorrente apenas podia ser condenado nos termos do disposto no art. 21° n° 1 do Dec-Lei 15/93.

22- E como o Recorrente é primário vive num enquadramento social correto estável e funcional o Arguido não devia ser condenado em pena superior a 5 anos, devendo esta pena ser suspensa, porque a ameaça da sanção e o estigma e prisão preventiva a que o Recorrente já foi sujeito são mais do que suficientes para alcançar o fim da perna de prevenção geral, especial e de reintegração do Recorrente.

23- Acresce ainda que não se entende, mesmo que se considerassem todos os fatos provados da decisão recorrida, como é que o Recorrente com uma participação no crime, comparando os factos provados relativos ao AA, que seria muitíssimo menor, com muito menos intensidade na decisão, determinação, direção, resolução e prática do crime pode sofrer quase a mesma pena que o Arguido AA, não pode ser.

24- No caso de não se considerarem corretas todas as objeções ao Acórdão recorrido é inquestionável que por razões de justiça e equidade o Recorrente nunca devia ser condenado em pena superior a 6 anos e meio, o que continua a ser uma profunda injustiça.

25- No caso de não se considerarem corretas todas as objeções ao Acórdão recorrido é inquestionável que por razões de justiça e equidade o Recorrente nunca devia ser condenado em pena superior a 6 anos e meio, o que continua a ser uma profunda injustiça.

26- Se assim não se entender, não pode considerar-se que cometeu o crime agravado de tráfico e por isso a pena terá de ser reduzida, não ultrapassando os 5 anos, e suspensa na sua execução.

27- Em último recurso, também não há dúvidas de que a pena aplicada é desproporcionada e não está conforme com a jurisprudência recente.

28 - No douto Acórdão não se corrigiu a valoração errada da prova produzida da decisão proferida em primeira instância, aplicou-se erradamente o disposto nos artigos 24° c) e j) do Dec-Lei 15/93, sendo que quando muito se devia ter aplicado a medida da pena prevista no art0 21° do citado diploma, sendo ainda inequívoco que na douta decisão se violou o princípio da presunção de inocência previsto no art0 32° da Constituição da República Portuguesa.

29 - Deve assim revogar-se o douto Acórdão recorrido substituindo-se por outro que absolva o Arguido ou em alternativa o condene numa pena não superior a 5 anos, suspensa na sua execução ou em pena proporcional ao seu caráter, culpa e participação no crime inferior à confirmada no Acórdão recorrido.


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Respondeu o Ministério Público à motivações dos recursos.

Quanto ao recurso interposto pelo arguido AA, conclui

- Tendo em atenção os factos provados os mesmos constituem crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.° 21.n.°l e 24.° proémio e alíneas c) e j) do dl n.15/93, de 22.01, pelo qual o arguido foi   condenado,   mostrando-se,   pois,   correcto   o   enquadramento jurídico- penal daqueles factos;

- O Tribunal da Relação "a quo" explicou das razões pela opção feita quanto à manutenção da pena imposta, razões essas que não merecem qualquer reparo mostrando-se graduada de acordo com os critérios legais,

-O douto acórdão recorrido deverá ser mantido.

Vossas Excelências porém, apreciarão e decidirão como for de Justiça,

 

            Quanto ao recurso interposto pelo arguido BB, apresenta as seguintes conclusões:

1 - Na parte em que pretende ter havido erro de julgamento da matéria de facto e na parte em que alega a verificação de vício do art.° 410 n.° 2 ala) do CPP, o recurso interposto pelo arguido deve ser rejeitado, na medida em que incide sobre matéria de facto e o STJ, nos termos do art° 434.° do CPP, apenas conhece de direito. — cfr Ac do STJ de 7.04.2010:

2 - O que a nosso ver não pode, contudo, significar que a esse Supremo Tribunal esteja vedada a faculdade de, no exercício dos seus poderes oficiosos, conhecer da matéria de facto fixada no âmbito da revista alargada a que alude o citado art.° 410.° do CPP.

3 - Na parte respeitante à violação do princípio da presunção de inocência não se vislumbra violar o acórdão recorrido tal principio sendo certo que o próprio recorrente não concretiza em que se traduz tal violação

4- Ao invocar tal violação, pretende por em causa a prova produzida, ou seja matéria de facto, pelo que o recurso deve ser igualmente rejeitado.

5- Tendo em conta os factos provados verifica-se com facilidade que os mesmos integram o crime pelo qual o arguido foi condenado, mostrando-se, pois, correcto o enquadramento jurídico — penal daqueles factos;

6- O Tribunal da Relação explicou das razões feitas quanto à opção pela pena imposta, razões essas que não merecem qualquer reparo pelo que a pena deve manter-se inalterada.

7 - Dado que o STJ pode conhecer, oficiosamente, dos vícios do art.° 410.° n.°2 do CP, uma leitura do acórdão recorrido permite concluir que nenhum deles ocorre.

8 — O acórdão recorrido não merece censura pelo que deve manter-se nos seus precisos termos.

Vossas Excelências, porém, farão, como habitualmente

JUSTIÇA


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            Neste Supremo, o DIg.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto Parecer onde asssinala:

“I Do objecto do recurso:

As questões suscitadas no recurso sâo:

A. Arguido AA:

- Qualificação jurídica: Defende que a agravante da ailnea c) do artigo 24.° nâo pode subsistir, porquanto a presuncão de que pretendia obter avultada compensação económica tern que ser baseada em factos, o que não sucede.

De igual modo, considera que a agravante cia alínea j) deverá ser afastada por não se ter provado que os arguidos faziam parte de urn bando, nem que o arguido sabia ou tinha consciência que pertencia a urn bando e

- Medida da pena: Considera que a mesma deve ser diminuída face «ao tipo de droga em concreto — Haxixe -., de baixa toxicidade, bern como aos problemas económicos que sofria, toxicodependência corn vários tratamentos feitos apoio familiar forte e aposta na reinsercão.

B. Arguido BB:

- Erro na valoracão da prova produzida, corn violacão da presuncão de inocência: Alega não existir prova directa de que sabia que o arguido AA se dedicava ao tráfico e que agiu concertadarnente corn ele.

- Qualificação jurídica: Defende que o agravamento previsto na aimnea c) não se pode aplicar por não ter sido dado como provado que procuravam obter avultada compensação económica; de igual modo, considera que deve ser afastada a alínea j) porque «não ficou provado nenhum facto que confirrnasse que ... agiram inseridos corno membros de um bando...»

- Medida da pena: Qualifica-a de injusta, nomeadarnente em comparação corn a imposta ao arguido AA, perante a natureza da sua participação nos factos, de rnenor <<intensidade na decisão, determinacao, direçäo, resoluçao e prática do crime>>

II Respondeu o Ministério Püblico (70 18-7025 e 7026-7036), concluindo pela improcedência dos recursos.

Ill Acompanharnos o acórdão recorrido, e resposta da Ex. ma Procuradora-Geral Adjunta, quer quanto a agravaçâo do tráfico, quer no que respeita a medida das penas, sendo certo, por outro lado, como defende aquela magistrada, nâo caber nos poderes de cognicão do STJ, em sede de revista, o reexame da matéria de facto. E, pois, inadmissIvel o recurso que vise tal objectivo, como pretende o arguido BB.

A agravacão do crime pelas alineas c) e j) do artigo 24.° do Decreto-Lei n.° 15/93 relativamente a ambos os arguidos mostra-se pertinente e fundadamente explicitada a fis. 6942 a 6944, nada mais se nos oferecendo acrescentar ao que al e referido.

De igual modo, considerarnos que as penas são adequadas a culpa de cada urn dos arguidos, e ilicitude dos factos (muito elevada, sendo que a referência de fls. 6961 do acórdão a “cocalna e heroIna” e mero lapso, como se ye da apreciaçAo feita a fls. 6943, reportada ao valor de haxixe) acautelando devidamente as muito fortes exigências de prevenção geral. E nem se justifica urna maior diferenciacão do que a estabelecida, pois embora ressalte urna posição de lIder do trá±Ico por parte do arguido AA, certo é que a participacão do arguido BB na mesma actividade assurnia relevo significativo, como facilmente se conclui do destacado a fis. 6931 a 6933.

IV Pelo exposto entendemos que os recursos deverão ser julgados improcedentes.


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Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP, tendo o arguido AA, apresentado resposta onde pugna pelo provimento do recurso.

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Não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência, após os vistos legais em simultâneo,

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Consta do acórdão recorrido:

“É o seguinte o teor do acórdão da 1ª Instância recorrido, na parte que ora importa:

II-FACTOS:

A) PROVADOS (com relevo para a decisão da causa):

1. O arguido AA veio para Portugal em princípios de 2008, onde se relacionou com DD, sócio da empresa “N..., Lda.”, no Seixal e este apresentou-lhe o BB;

2. BB passou a acompanhar o arguido AA e a prestar-lhe colaboração;

3. No dia 17 de Março de 2008 foi constituída a firma “E... – Aluguer de Barcos de Pesca Desportiva, Unipessoal Lda.”, comparecendo ao acto os arguidos AA e BB, que assinaram o respectivo pacto social.

4.  “E... Lda” nunca veio a exercer actividade na área de aluguer de embarcações ou outra conexa, pretendendo-se, com o objecto e denominação social, justificar a posse de embarcações e empreender actividade de transporte de haxixe entre Marrocos e Portugal.

5. Essa empresa tinha a sua sede num armazém sito na Rua 44 – B1 do Parque Industrial da Quimiparque, no Barreiro, arrendado pelo arguido AA no dia 18 de Março de 2008, depois de uma prospecção de mercado feita pelo arguido BB;

6.  E no dia 1 de Novembro de 2008, o arguido AA, também com a colaboração do BB, arrendou um outro armazém, na Rua ..., pertencente a EE;

7. Destinavam-se os espaços arrendados referidos a acolher embarcações e a armazenar o estupefaciente.

8. Após a sua constituição, “E, Lda“ começou a adquirir várias embarcações;

9. Para o transporte de haxixe, eram necessárias embarcações rápidas e, por isso, não poderiam ter uma grande dimensão e outras teriam que possuir maior dimensão para, em alto mar, em pleno Oceano Atlântico, prestarem apoio às embarcações mais pequenas.

10.  Assim, no dia 7 de Abril de 2008, nas instalações da firma “Siroco”, em Alcântara, Lisboa, o arguido AA adquiriu um iate com 14 metros de comprimento denominado “ Freddie Rocks “, à firma “VS2 Ponto 0 Digital Media, Lda”, pelo preço de € 110.000,00 ou € 115.000,00, com o registo português n.º 4554LX4, marca Princess, modelo 45 Fly, com dois motores Volvo Penta, com os n.º de série BB156468/235774 e EB 156466/235773;   

11.  E o arguido AA adquiriu ainda as seguintes embarcações de menores dimensões:

a. Embarcação “Miriam” – Registo holandês n.º 36-53-YN- Marca Terminalboat, modelo Freedream 24, Casco n.º IT-TRB-DC-928-C8-08, com um motor fora de bordo da marca Suzuki, modelo DF250, com o n.º de série 25001F-880472

b. Embarcação “Erica” – Registo português n.º 6697BR5- Marca Galia, modelo 700 Cabin, Casco n.º PL-GALZ0095H809, com um motor fora de bordo da marca Suzuki, modelo DF250, com o n.º de série 25001F-881921 – Auto de Exame a fls. 12 Apenso III e Registo de fls. 16 Apenso IV.

c. Embarcação “Margarida I” – Registo português n.º 6698BR5 - Marca Galia, modelo 700 Cabin, Casco n.º PL-GALZ0076G809, com um motor fora de bordo da marca Suzuki, modelo DF250, com o n.º de série 25001F-881511

d. Embarcação “Yvonne” – Registo holandês n.º 33-56-YN - fls. 251 - Marca Terminalboat, modelo Freedream 24, Casco n.º IT-TRB-DC919A0808, com um motor fora de bordo da marca Suzuki, modelo DF250, com o n.º de série 25001F-881296.

e. Embarcação “Helena” – Registo português n.º 6696BR5- Marca Galia, modelo 700 Cabin, Casco n.º PL-GALZ0084B808, com um motor fora de bordo da marca Suzuki, modelo DF250, com o n.º de série 25001F-881129.

f. Embarcação semi-rigida laranja – Registo holandês n.º 69-73-YN - Semi-rígida, de cor laranja, Casco n.º NLTPW750-0102K408, com um motor fora de bordo da marca Suzuki, modelo DF175, com o n.º de série 17501F-981146

g. Embarcação semi-rigida laranja  – Registo holandês n.º 36-54-YN- Semi-rígida, de cor laranja, Casco n.º NLTPW750-0101K408, com um motor fora de bordo da marca Suzuki, modelo DF175, com o n.º de série 17501F-981286.

h. Embarcação “Natália”  – Registo belga n.º K754876 - Marca Boston Whaler, modelo 205 Conquest, com um motor fora de bordo da marca Mercury, modelo Verad Superc. 150HP, com o n.º de série 1B311213.

i. Embarcação sem denominação nem número de registo Marca Sessa Marine, modelo Keylargo 26, Casco n.º IT-SES-27117K809, com um motor fora de bordo da marca Suzuki, modelo DF250, com o n.º de série 25001F-881295 – Auto de Exame a fls. 46 Apenso III.

j. Embarcação “A Raquel” (apreendida em Espanha) – Registo português n.º 6719BR5 - Marca Terminalboat, modelo Freedream 24, Casco n.º IT-MBBDC008F808, com um motor fora de bordo da marca Honda 225HP, com o n.º de série BAGJ1405156.

12.  Para transportarem o produto estupefaciente, dissimuladamente, estas embarcações, à excepção das semi-rígidas, sofreram alterações no casco, com a construção de diversas “cavernas”, com iluminação própria e instalação de um sistema hidráulico para efectuar pressão entre a parte superior e a parte inferior do casco, uma vez que ambas se encontravam encaixadas e ligadas com selante de poliuretano em seu redor.

13. Estas embarcações partiam de diversas marinas portuguesas, na zona do Algarve, com destino a Marrocos;

14. Na Costa Marroquina, cada uma dessas embarcações carregava cerca de uma tonelada de produto estupefaciente / haxixe que era colocado no interior do casco.

15. No regresso a Portugal, essas embarcações podiam ser assistidas num ponto estratégico, pré-determinado, em alto mar, pela embarcação “Freddie Rocks“, nomeadamente para abastecimento de combustível, uma vez que aquelas embarcações, mais pequenas, estão equipadas com motores de 250 cavalos, consumindo uma quantidade considerável de gasolina, em especial quando regressavam a Portugal, carregadas, cada uma delas, com cerca de uma tonelada de produto estupefaciente / haxixe;

16. Por isso, a embarcação “ Freddie Rocks“, cujos motores funcionam a gasóleo, encontrava-se nesse ponto pré-determinado do Oceano Atlântico, transportando bidões de gasolina e ainda um motor de 15cv indicado como motor auxiliar das embarcações pequenas;

17. O arguido AA tinha na sua posse um papel manuscrito com a menção das coordenadas marítimas “N35.40.000, W008.08.000” e a inscrição em neerlandês “Grote”, expressão que, traduzida para a língua portuguesa significa “Grande”.

18. A coordenada referida está localizada sensivelmente a meio do trajecto entre Albufeira/Vilamoura e Larache/Moulay-Bousselham, em Marrocos, que seria o ponto estratégico de posicionamento da embarcação “Freddie Rocks” (“grande”) para apoio às embarcações de menores dimensões.

19. As embarcações de menores dimensões, quando chegavam a Portugal, eram retiradas da água, colocadas num atrelado e, de seguida, transportadas para um dos referidos armazéns, onde era descarregado o produto estupefaciente / haxixe.

20. Para efectuarem esse transporte, por terra, os arguidos contavam com vários atrelados e viaturas:

21.  É o caso das seguintes viaturas:

a. Marca Toyota modelo Land Cruiser, com a matrícula ...-NR (registado em nome da firma “E”)

b. Marca Toyota, modelo Land Cruiser, com a matrícula espanhola ... GKC (registado em nome de ...).

c. Marca VW, modelo Golf TDI, com a matrícula ...-TO (registado em nome da firma “E”)

d. Marca Renault, modelo Master, com caixa isotérmica e a matrícula espanhola ... CZW (registado em nome de ...), equipada com uma parede falsa no seu interior.

22. O arguido AA organizava a movimentação das embarcações entre os armazéns e as marinas, assegurava o apoio logístico necessário, acolhia os indivíduos que se deslocavam a Portugal para tripularem as lanchas rumo a Marrocos recebendo-os no aeroporto ou solicitando ao BB que o fizesse e entregando-lhes dinheiro para despesas, comprava e carregava os telemóveis e telefones satélites que os tripulantes das embarcações utilizavam em Portugal e alugava veículos automóveis.

23. Incumbia ainda ao arguido AA o controlo, em terra, através da utilização de telefones satélite e telemóveis (quando já se encontravam junto à costa marroquina), das movimentações das embarcações que efectuavam no mar o transporte de estupefaciente;

24.  Para o controlo destas movimentações, AA ou BB adquiriam telemóveis “descartáveis” e telefones satélite que distribuíam pelos tripulantes de cada uma das embarcações.

25.  O arguido AA recebia, via SMS, as coordenadas geográficas onde as embarcações se deveriam posicionar quando rumavam a Marrocos e transmitia-as aos tripulantes e estes transmitiam-lhe as respectivas posições marítimas. 

26. Também lhe era transmitido, via SMS, a quantidade de produto estupefaciente que as lanchas transportavam, sendo que o arguido AA tomava nota das quantidades, nunca se mencionando as lanchas, mas sim as alcunhas dos seus tripulantes;

27. O arguido AA tinha na sua posse, entre outros, os seguintes objectos/documentos:

1 – Papéis manuscritos, onde constam as alcunhas de “Dove”, “Kip”, “Egel”, com várias contas de somar de baixo valor, com o resultado total de mais de 1000.

2-Folha com a inscrição da palavra “Fard”, com uma soma de quatro parcelas de 30.

Inscrição da palavra “Belota”.

                         Inscrição: “1199K”.

3 – Papéis manuscritos relativos a despesas efectuadas: carregamento do telemóvel, pagamento do “Hotel Cesar”, aluguer de veículos, renda do armazém da “Quimiparque” e do armazém de Alhos Vedros.

4 – Folhas de um bloco quadriculado com horas e coordenadas marítimas manuscritas, quer fazendo o percurso das embarcações, quer assinalando os locais de encontro e carregamento do estupefaciente: - Larache e Moulay-Bousselham, Samen (Junto ) ,  Wacht (Espera)  e  Laad (Carrega)

5 – Duas facturas de portagem da auto-estrada A2, com os seguintes movimentos de veículos: - Veículo de classe 1, Paderne/Coina no dia 26/02/2009 pelas 19H15, Veículo de classe 1, Coina/Paderne no dia 27/02/2009 pelas 15H37,Veículo de classe 1, Coina/Paderne no dia 14/03/2009 pelas 07H36 e Veículo de classe 4, Paderne/Coina2 no dia 16/03/2009 pelas 10H43

6 – Documentação de diversas embarcações e veículos, propriedade de outros indivíduos estrangeiros: - Seguro do atrelado Riba BVT 3500, com a matrícula ..., em nome de ...; - Dados de Seguro, Certificado Espanhol e documentos do atrelado com a matrícula ..., propriedade de ...; - Livrete da embarcação da marca Galeon 700, de nome “Natacha”, registada em nome da “Play Well Games” (em Portugal, esta embarcação está registada em nome da “E”, com a denominação de “Helena”), - Documentos do atrelado de matricula alemã DA-DC ..., em nome de ...; - Certificado espanhol e comprovativo de seguro referente à carrinha Mercedes, com a matrícula ...DZV, em nome de ...

28. O arguido FF possui um Certificado de Navegação Marítima, de nível 2, que o habilita a tripular embarcações em alto mar;

29. Foi um dos tripulantes das embarcações que efectuou transporte de haxixe de Marrocos para Portugal;

30. Residia em Inglaterra e deslocou-se a Portugal para efectuar o mencionado transporte;

31. Foi emitida autorização, em nome do arguido FF, que lhe permitia utilizar a embarcação Yvonne entre os dias 27.02.2009 e 15.05.2009

32. O arguido FF viajou com o arguido GG de Londres para Faro, no dia 14 de Março de 2009, no voo FR9282 da companhia “Ryanair”.

33.  Entre os dias 14 e 15 de Março de 2009, os arguidos FF e GG, tripularam a embarcação Yvonne até à Costa Marroquina;

 

34. Aí, efectuaram um carregamento de haxixe e regressaram à marina de Vilamoura.

35. No dia 16 de Março de 2009, o arguido FF entrou na embarcação de serviço da marina de Vilamoura e solicitou o transporte para junto da embarcação “Yvonne”;

 

36. Já a bordo desta embarcação, tripulou-a para junto da rampa daquela Marina, onde já se encontrava o arguido GG no Jipe LandCruiser, com a matrícula espanhola ...GKC que rebocava o atrelado com a matrícula belga QHU...;

37. De seguida, os arguidos FF e GG colocaram a embarcação em cima do atrelado, altura em que foram surpreendidos pela PJ;

38. Esta embarcação transportava, no interior do casco, cerca de 1.312Kg de Haxixe;

39. Na altura, a embarcação ”Yvonne“ ostentava o registo holandês n.º ...-YN, com o nº de série do casco IT-TRBDC919A808, falso, pois a embarcação com o registo n.º ...-YN, encontra-se registada na Holanda, em nome de ..., cidadão holandês, com a denominação “Rapuet”.

40. Foram encontrados, no interior do veículo LandCruiser, com a matricula 7406 GKC - Os documentos do veículo, registado em nome de ..., residente na Av. de Olas, 4, em Alicante,- Uma cópia do seguro do reboque da marca Riba BVT 3500, com a matrícula QGZ..., em nome de ..., enviado via fax pela firma “Play Well Games”, com a indicação manuscrita “Red Boat Trailer” (cujo original estava na posse do arguido AA); -  Um talão de embarque da companhia aérea “EasyJet”, adquirido a 13/03/2009, em nome de FF e GG, para o percurso Faro / Londres, no voo do dia 15/03 pelas 11H05; – Um recibo do Porto de Pesca de Fuengirola – Espanha, datado do dia 18/02/2009, referente à utilização da rampa pela embarcação “Carla”; – Uma factura da empresa Brisa, datada do dia 15/03/2009, pelas 18H49, para o percurso Paderne / Coina 2, por um veículo de Classe 4; -Uma factura da Marina de Vilamoura referente ao pagamento da amarração da “Miriam” no período de 08/03/2009 a 13/03/2009, onde consta manuscrito o n.º 7793251959; – Um telemóvel, Nokia, modelo 1208, com o IMEI 356830026820381; - Um bilhete de comboio de ida e volta, adquirido a 02/03/2009, para o comboio das 12H45, percurso Stansted Airport / Norwich; – Um canhoto de avião, da companhia “Ryanair”, em nome de FF, para o voo FR9282, relativo ao percurso Londres / Faro, do dia 14 de Março de 2009; - Duas chapas de matrícula, com as inscrições 7406 GKN.

41. O telemóvel Nokia apresentava gravados na memória apenas três números, associados aos nomes “Apu”, “Magic” e “Finger” e foi utilizado, entre os dias 14 e 16/03/2009, para contactar/ser contactado por esses três indivíduos, tendo ainda contactado o número inglês ..., que FF tem gravado na memória do seu telemóvel como pertencendo a “AA Hun1”.

42. As chapas de matrícula referidas são semelhantes às que se encontravam colocadas no Jeep, diferindo apenas na última letra, em vez de um C consta um N, e são falsas;

 

43. O arguido GG reside em Inglaterra, na mesma cidade de FF e têm relação de confiança e amizade;

44. GG utiliza o telemóvel com o n.º ..., possui o número de contacto de FF (...) gravado como “Boss”, mas trata-o por “Jim” ou “Nazi”.

45. Trocaram mensagens escritas no dia 04/12/2008 (GG pergunta como é que está Espanha, se não há trabalho. Brincando, pergunta se tem de fazer um “trabalho” num banco); - no dia 18/01/2209 (FF diz “Espanha terça”); - no dia 17/02/2009 (GG pergunta se já tem novidades de Espanha) - no dia 07/03/2009 (GG envia uma SMS com o n.º 07765033289, registado no seu telemóvel com “Dean”, pede-lhe dinheiro emprestado, envia diversas anedotas e pede para que FF lhe telefone).

46. O arguido GG foi outro dos tripulantes das embarcações que fizeram transporte de haxixe de Marrocos para Portugal deslocando-se a Portugal para esse fim;

47. Assim, viajou com o arguido FF de Londres para Faro, no dia 14 de Março de 2009;

48. E, entre 14 e 15 de Março de 2009, juntamente com o arguido FF, tripularam a embarcação Yvonne até à Costa Marroquina;

49. Aí, efectuaram um carregamento de haxixe e regressaram à Marina de Vilamoura, onde foram surpreendidos pela PJ, no dia 16 de Março de 2010.

50. O arguido BB trabalhava, a meio tempo, numa empresa de recuperação de crédito bancário;

 

51.  Foi apresentado ao arguido AA por DD e a partir de então passou a prestar colaboração ao arguido AA, acompanhando-o sempre que ele se deslocava a Portugal e, na sua ausência, tratava todos os assuntos relacionados com a sociedade “E, Lda” e com a actividade de transporte de estupefacientes que ela desenvolvia.

52. O arguido BB recebeu do arguido AA um telemóvel com o nº ... para utilizar no âmbito das suas funções, que passou a usar juntamente com o seu nº de telemóvel pessoal com o nº ....

 

53. O arguido BB tinha na sua residência:

a.  Diversos telemóveis

b. Facturas de compra de telemóveis e cartões SIM (alguns ainda por utilizar), constando como comprador A...S...

c. Um contrato da “Avis”, referente ao aluguer do veículo Suzuki, entre os dias 06/08/2008 a 09/08/2008, assinada por AA

d. Papéis manuscritos com referencia a AA e marinas

e. Papéis manuscritos com diversos nomes e valores monetários

f. Um post-it com manuscrito com a inscrição: € 10.000

54. O arguido BB contactou/foi contactado pela firma “SulTruck” – Olhão, onde foi reparada a carrinha Renault, com a matrícula 2995..., de caixa isotérmica.

 

55. O arguido BB compareceu, interveio ou teve participação nas seguintes situações:

- Constituição do Pacto Social da firma “E”

- Arrendamento do armazém da “Quimiparque” e do armazém de Alhos Vedros, efectuando os pagamentos da renda

- Entrega de diversa documentação à contabilista

- Compra e pagamento da embarcação “Freddie Rocks”, na firma “Siroco” – Lisboa

- Recolha em Palhais – Barreiro, das lanchas semi-rígidas, de cor vermelha, propriedade da “E”, tendo para isso alugado e pago um empilhador

- Esteve presente na compra do veículo Land Rover, com a matrícula ....-UX, na firma “Trajectória”

- Pagamento, em numerário, da legalização das embarcações na Alfândega Marítima de Lisboa (cada legalização custava por volta de € 10.000)

- Legalização de atrelados no IMTT

- Obtenção de grua para as embarcações, nos armazéns da “Quimiparque”

- Arrendamento de apartamentos para si e outros indivíduos no Algarve

- Depósitos em numerário, nas contas da “E”, em tranches que nunca iam além dos € 12.000,00, ascendendo a milhares de euros

56.  O arguido BB conhecia grande parte dos indivíduos que se deslocavam a Portugal para tripularem as embarcações.

57.  Nos dias 15 e 16 de Março de 2009, recebeu diversas chamadas de HH.

 

58. Nos dias em que eram efectuados os transportes de estupefaciente, BB pernoitava no Algarve, juntamente com AA e os outros indivíduos.

59. Assim aconteceu entre os dias 20/11/2008 e 30/11/2008, quando ocuparam apartamentos no “Hotel Apartamento Paraíso de Albufeira”.

60. No dia 27 de Dezembro de 2008, o arguido BB referiu ao arguido AA, via SMS: “está ao portão” e para ele “trazer material se puder”.

61. No dia 28 de Dezembro de 2008 deslocou-se a Espanha e no percurso trocou, constantemente, SMS com o arguido AA;

62. Pelas 12H27, BB disse que se encontra “a 80Km de Sevilha”, e pelas 13H31 na “A49, 30 km” e às 20H13 desse mesmo dia, disse ao arguido AA: “está feito”.

63. No dia 5 de Março de 2009, o arguido BB, pelas 07H40, encontrava-se na zona de Palhais – Barreiro, e contactou o AA, às 10H30 desse dia encontrava-se nas Amoreiras – Lisboa; Às 12H50 encontrava-se em Cabrela – Montemor-o-Novo, Cerca das 14H10, estava na fronteira do Caia onde permaneceu cerca de 50 minutos, até às 15H00 após o que entrou em território espanhol.

64. Em todo o trajecto apenas contactou / foi contactado pelo n.º alemão ...., pelo menos até às 15.50 H e cerca das 18H00, o arguido BB estava em Vendas Novas, efectuando o trajecto de regresso.

65. Na mesma ocasião, o arguido AA permaneceu sempre na margem sul do Tejo e contactou/foi contactado pelo referido nº de telemóvel Alemão.

66. No dia 11 de Março de 2009, os arguidos BB e AA, transportaram a embarcação Margarida I do Barreiro para o Algarve.

 

67. E efectuaram o check-in dessa embarcação “Margarida I” na Marina de Vilamoura identificando-se ambos como capitães dessa embarcação.

68. No dia 14 de Março de 2009, o arguido BB voltou a viajar até à Marina de Vilamoura e no dia 15 de Março, os arguidos AA e BB, efectuaram o check-out dessa embarcação.

69. A embarcação “margarida I”, tinha regressado de Marrocos e depois de retirada da água, foi transportada até ao armazém de Alhos Vedros.

70. Tinha no seu interior cerca de 1220,65 kg de haxixe.

71. O arguido BB deslocou-se/pernoitou no Algarve nos dias 04/01/2009 a 05/01/2009, 12/02/2009 a 16/02/2009, 21/02/2009, 23/02/2009 a 24/02/2009, 28/02/2009 a 01/03/2009, 02/03/2009, 10/03/2009, 11/03/2009 e 14/03/2009 a 16/03/2009.

72. Foram realizados transportes de produto estupefaciente para o Algarve nos dias 28/02/2009 a 01/03/2009, 02/03/2009 e 14/03/2009 a 16/03/2009.

 

73. Das chamadas efectuadas e recebidas pelo arguido BB, no telemóvel com o n.º 918.317.592, verifica-se que no dia 29/01/2009, pelas 11H08, 14H47, 15H45 e 16H35, efectuou / recebeu chamadas do n.º alemão ..., na zona do Seixal, encontrando-se AA no Algarve; No dia 29/01/2009, pelas 17H07, 17H14, 20H47 e 09H57 do dia 30/01/2009, efectuou chamadas para o n.º espanhol ...; No dia 29/01/2009, pelas 16H41, 16H57, 17H46, 17H53, e dia 30/01/2009, pelas 11H05, recebeu chamadas do n.º espanhol ...; No dia 01/03/2009, pelas 18H03 e 18H30, efectuou chamadas para o n.º croata ..., encontrando-se na zona da margem Sul; No dia 16/03/2009, pelas 12H56, 13H26, 13H46, 13H50, 13H53, 14H10, 14H22 e 14H29, contactou/foi contactado pelo n.º croata ....

74. No dia 1/3/2009, o AA estava no Algarve e contactou igualmente o referido número croata.

75. Alguns dos contactos discriminados ocorreram quando o arguido AA já se encontrava detido.

76. Na manhã do dia 16 de Março, o arguido BB também regressava do Algarve e, por volta das 13.00 horas já se encontrava em Carnaxide, local da sua residência;

77. Entre as 13.00 horas e as 15.00H, o arguido BB foi por várias vezes contactado por indivíduo desconhecido que utilizou o nº de Telefone ..., croata; por HH.

78. Às 14.00 horas de 16.03, o arguido BB estava na Moita, na zona do armazém de Alhos Vedros onde se encontrou com indivíduos, concretamente com HH.

79. O arguido BB fez a última chamada no referido telemóvel às 15.00H do dia 16.03 e não mais o utilizou.

80. Nas deslocações referidas o arguido BB utilizou o seu veículo pessoal com a matrícula ...-EE-....

81. Pelas 10H45 do dia 16 de Março de 2009, o arguido AA estacionou o veículo da marca Toyota Land Cruiser, com a matrícula portuguesa ...-NR, atrelando a embarcação denominada “Erica” – Barreiro, na Rua dos Carpinteiros, zona industrial de Alhos Vedros, em frente ao armazém n.º 65A.

82. No interior do armazém, ao nível do r/c chão, numa zona de escritório, debaixo de coberturas de poliéster estavam embalagens de cannabis (resina) com o peso bruto de 1484130,2 gramas (1.484.130,2 KG).

 

83. Entre as embalagens estava um aparelho de frequência hertziana e quatro telemóveis da rede espanhola “Movistar”, dissimulados num dos fardos de Haxixe.

84. Dois desses telemóveis receberam SMS da operadora “Movistar” informando sobre os serviços prestados, sendo um no dia 03/03/2009, pelas 00H01 e o outro pelas 06H00 do mesmo dia.

85. Efectuadas buscas às embarcações que ali se encontravam, duas delas no interior do armazém - Miriam e Margarida - e à Erica que estava atrelada ao carro que o arguido  AA  conduzia, constatou-se o seguinte:

86. Na embarcação “ Erica “, no interior do compartimento existente no casco na proa foram encontradas embalagens de cannabis (resina) com o peso bruto de 535822,3 gramas (535,822 KG) e num segundo compartimento na zona da popa foram encontradas embalagens de cannabis (resina) com o peso bruto de 7 566 54,62 gramas (756,655 KG),

87.  Esta embarcação foi registada em nome da “E...” no dia 27 de Outubro de 2008 e foi adquirida em 19 de Outubro de 2008 e paga, através de transferência bancária no dia 14 de Novembro de 2008, à empresa “Orka Nautika” – Croácia, sendo a ordem de transferência efectuada da conta do BPI, titulada pela “E...”.

88. A embarcação “ Erica “ teve amarração paga na Marina de Albufeira nos dias 07/11/2008 a 19/12/2008; 04/01/2009 a 28/02/2009 e de 10/03/2009 a 31/03/2009.

89. No dia 10/03 foi solicitado o serviço de grua para arriar a embarcação e colocá-la na água, ao mesmo tempo que foi solicitado o serviço de guarda do reboque da lancha, com a matrícula QJD-...;

 

90. No dia 15/03 a embarcação “Erica“ fez o check-out da Marina de Albufeira.

91. No dia 18/12/2008, pelas 21H27, o iate “Freddie Rocks” esteve posicionado em alto mar, entre a costa marroquina e portuguesa, sendo a sua localização – 35.39.928N 008.07.935W coincidente com a coordenada geográfica que se encontrava manuscrita como “Grote” (“grande”, em português) – na posse do arguido AA).

92. No dia 18.12.2008, a embarcação Erica saiu da Marina de Albufeira, dirigiu-se à Costa Marroquina onde carregou haxixe; no trajecto de regresso à costa portuguesa, no ponto estratégico indicado pela referida coordenada, recebeu apoio do iate “Freddie Rocks” e regressou à Marina de Albufeira, carregada de haxixe.

93. No dia 19 de Dezembro de 2008, esta embarcação fez o check-out na Marina e foi retirada da água e transportada num atrelado até ao armazém de Alhos Vedros, onde descarregou o produto estupefaciente.

94.   No aparelho GPS que se encontrava colocado na embarcação “Érica“ existe um ponto marcado, aproximado à coordenada de “Carrega – LAAD - Larache” que se encontra manuscrita numa folha apreendida ao arguido AA, no dia 28/02/2009, pelas 20H49, iniciou um trajecto do meio do Oceano Atlântico até à zona da Ilha da Culatra, onde chegou pelas 10H06 do dia 01/03/2009, no dia 01/03/2009, pelas 10H07, é marcado novo trajecto desde a Ilha da Culatra, até à zona de Albufeira, onde chega pelas 12H56;, no dia 14/03/2009, pelas 16H45, a embarcação paira cerca de 5 minutos em pleno Oceano Atlântico, em local que corresponde, grosso modo, à coordenada “Junto – SAMEM” – em Larache que se encontra manuscrita numa folha apreendida a AA; no dia 15/03/2009, pelas 00H40, começa um percurso em direcção a Larache – Marrocos, pairando junto à costa marroquina por mais de sete horas; Pelas 01H27 e entre as 03H00 e as 06H27 a embarcação encontra-se a pairar no local assinalado como “Carrega – LAAD – Larache”, manuscrito no papel apreendido a AA; e no dia 15/03/2009, pelas 14H12, a embarcação já se encontra de regresso ao Algarve, na zona aproximada à coordenada “Junto – SAMEM – em Larache” que se encontra manuscrita numa folha apreendida a AA.

95. As movimentações das embarcações eram controladas, em terra, pelo arguido AA, através da utilização de telefones satélite e telemóveis, adquirindo o AA ou o RAFARL “descartáveis” e telefones satélite que distribuíam pelos tripulantes de cada uma das embarcações.

96. Assim, por ocasião do transporte de haxixe efectuado entre os dias 14 e 15/03/3009, o arguido AA ficou em Portugal na posse do telemóvel n.º ..., que lhe foi apreendido, que regista tentativas/chamada recebidas pelo tripulante no dia 15/03 às 08H34 e tentativas/chamadas efectuadas e recebidas pelo tripulante entre as 19H22 do dia 15/03 e as 11H43 do dia 16/03/2009.

97. O telemóvel do tripulante da “Erica” apresenta a localização de Marrocos, entre as 21H26 do dia 14/03/2009 e as 03H06 do dia 15/03/2009 e, neste momento, já captava a rede GSM da costa marroquina e apresentou as localizações de Albufeira e Vilamoura.

98. E o telemóvel utilizado por AA (...) registou a localização de Vilamoura e na tarde do dia 15 regista o trajecto Algarve / Coina.

99. A embarcação “ Margarida I “ encontrava-se no interior do armazém de Alhos Vedros no dia 16/03/2009;

100. Possuía um sistema de dissimulação e transporte de estupefaciente igual aos encontrados nas embarcações “Erica” e “Helena”.

101. Na “caverna” à proa da embarcação, foram encontrados 392886 gramas (392,886 KG) de cannabis (resina) e na “caverna” localizada na popa estavam 830060,9 gramas (830,061 KG) de cannabis (resina).

102. A lancha apresentava-se com a designação de “Margarida”, com o registo n.º 6696BRS.

103. Contudo, este nome e registo são falsos, sendo o registo atribuído pelo Porto de Lisboa – Delegação do Barreiro, de 6698BR5 e a denominação “Margarida I ”.

104. Esta embarcação “Margarida I” foi registada em nome da empresa “E...”, a 12 de Janeiro de 2009 e foi adquirida em 25 de Novembro de 2008 e paga através de transferência bancária no dia 10 de Dezembro de 2008 à empresa “Orka Nautika Servis Doo” – Croácia.

105. Teve amarração paga na Marina de Vilamoura entre os dias 27/02/2009 e 27/03/2009, tendo sido cobrado à “E...” o montante de € 351,12.

106. No dia 11 de Março de 2009, deu entrada na Marina de Vilamoura e o respectivo check-in foi efectuado pelos arguidos BB e AA, ficando amarrada no n.º 5 do cais R.

107.  Entre os dias 14 e 16 de Março de 2009, a embarcação Margarida I deslocou-se à costa marroquina e regressou à marina de Vilamoura com um carregamento de haxixe.

108. AA ficou em Portugal na posse do telemóvel n.º ... e o tripulante ficou na posse do telemóvel n.º ..., para utilizar no trajecto até Marrocos, do telemóvel n.º... para utilizar no percurso de regresso e do telefone satélite n.º ..., para utilizar em alto mar.

109. Foram efectuadas, pelo tripulante, para o telemóvel n.º ..., que AA tinha em seu poder tentativas/chamadas entre as 16H22 do dia 14/03 e as 12H53 do dia 15/03 e entre as 17H03 do dia 15/03 e as 12H31 do dia 16/03.

110. Só às 02H34 do dia 15 houve uma tentativa/contacto com o telemóvel do tripulante e mais dois contactos pelas 07H29 e 07H32 desse dia, sendo este o último contacto que do tripulante com AA.

111. As chamadas efectuadas por AA às 02H34, 07H29 e 07H32 foram recebidas pelo tripulante já com utilização de antenas GSM de Marrocos;

112. Pelas 09H02 do dia 15/03 foi efectuado o primeiro contacto a partir do segundo telemóvel do tripulante, sem cobertura de rede GSM; às 12H53 existe novo contacto; às 15H33 desse dia 15 é efectuada uma chamada já em local com cobertura de rede GSM  portuguesa.

113.  O referido telemóvel do tripulante apresenta, na tarde de 15 de Março, as localizações de Vilamoura e percurso Algarve/Coina e o telemóvel utilizado por AA (...) regista a localização de Vilamoura e na tarde do dia 15 regista o trajecto Algarve / Coina.

114. Os arguidos AA e BB efectuaram o check-out da embarcação, após o que a mesma foi transportada até ao armazém de Alhos Vedros

115. A embarcação “Miriam“ estava no armazém de Alhos Vedros, em cima do atrelado com a matrícula ...GKC;

116. Esta matrícula encontrava-se sobreposta a outra matrícula (QHV181), semelhante à matrícula QHU... que estava aposta no reboque da “Yvonne”.

117. Existe ainda uma outra chapa com a matrícula QHU..., que foi encontrada no interior do veículo Land Cruiser com a matrícula ...GKC.

118. No interior da embarcação “ Miriam “ foi encontrada cannabis (resina) com o peso bruto de 1275730,2 gramas (1.275,73 KG).

119.  A “Miriam” apresentava o registo n.º ...-YN (fls. 22 e 265), com o casco n.º IT-TRB-DC-928-C8-08 (fls. 2588) e o motor Suzuki n.º 880472.

120. Contudo, aquele registo - n.º 36-53-YN - é falso, uma vez que corresponde à embarcação “Carla”, com o casco n.º IT-TRB-DC-914A-808 e motor Suzuki n.º 980050, registada em nome de II.

121. O número de casco da “Miriam”, corresponde a uma embarcação adquirida pela “E...” à “Orka Nautika” – Croácia, no dia 06/05/2008 e vendida à “Play Well Games”, em 11/06/2008.

122. No dia 9 de Março de 2009, de manhã, a embarcação “ Miriam “ foi transportada para a Marina de Albufeira, atrelada ao Jeep com a matrícula ...GKC e pelas 13.53 H, efectuou o check-in na marina de Albufeira, com o registo n.º ...-YN, constando como seu capitão FF.

123. O aparelho GPS desta embarcação registou um Waypoint – ponto de passagem - no dia 14/03/2009, pelas 16H51, na localização geográfica N35.21.000 W6.21.000, que corresponde à coordenada “Wacht” – Espera, em Larache, manuscrita num papel apreendido a AA; Um Waypoint – ponto de passagem no dia 14/03/2009, pelas 21H09, na localização geográfica N35.11.18.7 W6.10.37.3, que corresponde, aproximadamente, à coordenada “Laad” – Carrega, em Larache, que se encontrava manuscrita num papel apreendido a AA.

124. No mesmo dia 15 de Março, a embarcação Miriam foi retirada da Marina de Albufeira carregada de haxixe e atrelada ao Jeep Land Cruiser com a matrícula ...GKC e transportada até ao armazém de Alhos Vedros.

125. A embarcação “RAQUEL” foi adquirida à empresa “BlueNautic - Yachtbroker” – Croácia no dia 28 de Outubro de 2008 e paga, através de transferência bancária, no dia 11 de Novembro de 2008 e registada em nome da empresa “E...” no dia 27 de Fevereiro de 2009.

126. Possui um fundo falso no casco, ao qual se acede retirando o depósito da água, à semelhança das embarcações “Miriam” e “Yvonne” e uma lâmpada semelhante às que iluminam os fundos falsos das embarcações “Erica”, “Margarida I” e “Helena”.

127. No dia 14 de Março de 2009, JJ, sócio da firma naval “ Gabomar“, fez o check-in desta embarcação na Marina de Vilamoura.

128. Entre 17/02/2009 a 20/03/2009, esta embarcação estava na posse do cidadão belga, LL.

129. A embarcação foi encontrada no porto de Punta Umbria, Espanha e o seu atrelado foi encontrado na Marina de Vilamoura.

130. A embarcação “YVONNE” foi amarrada no dia 15 de Março de 2009 na marina de Vilamoura pelos arguidos FF e GG;

131. No dia 16 de Março, estes arguidos preparavam-se para retirar essa embarcação da água e atrelá-la ao veículo Toyota Land Cruiser, com a matrícula espanhola ... GKC.

132. Esta embarcação estava equipada com um fundo falso, construído no casco, onde se acedia através da retirada do tanque da água que se encontrava por debaixo da ponte de comandos.

133. No seu interior foi encontrada cannabis (resina) com o peso bruto de 1301961.8 gramas (1.301.961,8 KG).

134.  Esta embarcação ” Yvonne “ ostentava o registo holandês n.º 33-56-YN, com o nº de série do casco IT-TRBDC919A808.

135. Contudo, aquele registo é falso, pois a embarcação com o registo n.º ...-YN, encontra-se registada na Holanda, em nome de ..., cidadão holandês, com a denominação “Rapuet.

136. No dia 08 de Março de 2009, o arguido FF efectuou o check-in na marina de Vilamoura com a embarcação “Yvonne”, indicando o nome “Miriam” e o registo ...-YN, sendo que a embarcação era a “Yvonne” e tinha o registo nº ...-YN;

137. No interior do veículo do veículo LandCruiser, com a matrícula 7406GKC, foram encontrados diversos autocolantes, com as inscrições “Tania”, “K756568”, “Marina” e “K758841”, correspondentes aos registos belgas de duas embarcações pertencentes à empresa “Play Well Games”( que já foram reparadas na “NavalTrading”, a expensas da “E...”) e destinavam-se a ser colados noutras embarcações da mesma marca e modelo;

138. Alterando, assim, esses sinais identificativos.

139. O arguido FF teve na sua posse a embarcação Yvonne entre os dias 27/02/2209 e 15/05/2009.

140. Entre os dias 14 e 15 de Março de 2009, os arguidos FF e GG, tripulando a embarcação Yvonne, efectuaram um carregamento de haxixe na costa marroquina e transportaram-no até á Marina de Vilamoura;

141. No veículo Toyota, com a matrícula ...GKC foi encontrado - Um bilhete de comboio de ida e volta, adquirido a 02/03/2009, para o comboio das 12H45, percurso Stansted Airport / Norwich; -Um recibo de utilização da rampa de lançamento à água referente à embarcação “Carla”, em Fuengirola – Espanha; - Uma folha com a morada da firma “Play Well Games NV” – Bélgica; - Um recibo da auto-estrada Brisa, referente ao percurso Paderne – Coina 2, no dia 15/03/2009; - Duas cópias de registo holandês das embarcações “Miriam” e “Yvonne”, - Duas autorizações de utilização das embarcações “Miriam” e “Yvonne” em nome de FF; - Um recibo da marina de Vilamoura onde consta FF como capitão da embarcação “Miriam”; - Um saco desporto de cor azul, com riscas vermelhas; - Diversos papéis autocolantes, com nomes e n.º de registo de embarcações; - Duas chapas de matrícula, com as inscrições 7406 GKN.

142. Estas chapas de matrícula, falsas, são semelhantes às que se encontram apostas no Jeep, diferindo apenas na última letra, em vez de um “ C “ consta um “ N “;

 

143. Nas instalações da empresa “Gabomar”, de que é sócio-gerente JJ, foram encontradas:

- Uma embarcação semi-rigida, cor de laranja, com o registo holandês n.º ...-YN

- Uma embarcação semi-rigida, cor de laranja, com o registo holandês n.º ...-YN

- Uma embarcação com a denominação “Helena”, com o registo português n.º ...BR5

- Uma embarcação com a denominação “Natalia”, com o registo belga n.º K ...

- Uma embarcação da marca Sessamarine, modelo “Key Largo 26”

- Um veículo comercial, da marca Renault, com a matrícula espanhola ... CZW

- Um veículo da marca VW, modelo Golf, com a matrícula ...-TO

144. As lanchas semi-rigidas podem atingir elevadas velocidades; Destinavam-se a dar apoio às embarcações que viajavam até à costa marroquina.

145. Foram adquiridas, juntamente com os respectivos atrelados à empresa “TP Marine” – Holanda, pela “E...” na última quinzena de Dezembro de 2008 e pagas através de transferência bancária efectuada no dia 08 de Janeiro de 2009 e transportadas para Portugal pela empresa “R.S.J. - Transportes, Lda”, tendo a “E...” pago esse serviço, através de transferência bancária efectuada no dia 13/03/2009, no montante de € 9.800.

146. Foram recebidas no armazém de Alhos Vedros pelo arguido BB, que assinou os CMR’s.

147. A embarcação “NATÁLIA” está registada em nome da firma belga “Play Well Games”.

 

148. Mas encontrava-se em Portugal, na posse do arguido AA, que no dia 24 de Outubro de 2008, deu entrada com essa embarcação no Porto de Sines e saiu desse Porto no dia 08/01/2009.

149. Quando saiu do Porto de Sines, atrelada ao Jeep LandCruiser, a embarcação foi transportada para a sede da “E...”.

150. Os documentos emitidos pelo Porto de Sines foram encontrados na sede da empresa “E...”.

151. As reparações e a manutenção necessárias eram realizadas pela “Navaltrading” e pagas pela “E...”.

152. A embarcação “Natalia” teve amarração paga na marina de Albufeira nos dias 13/04/2008 a 09/07/2008; 26/07/2008 a 04/08/2008; e 10/08/2008 a 13/10/2008.

153. A embarcação “Natalia” foi encontrada nas instalações da firma “Gabomar”, no dia 19/03/2009, em cima do atrelado com a matrícula alemã DA DC ....

154. Os documentos deste atrelado estavam na posse do arguido AA.

155. No dia 19 de Março de 2009, estava nas instalações da “ Gabomar “ a embarcação “Helena”, para reparação, em cima do atrelado com a matrícula SE-...;

156. Foi transportada para o local pelo arguido AA, cerca de uma semana antes.

 

157. Esta embarcação (com o n.º de casco e motor) foi registada na Bélgica no dia 29.09.2008 em nome da “Play Well Games”, com a denominação de “Natacha”.

158. No dia 01.10.2008 foi adquirida pela empresa “E...” à “Orka Nautica” – Croácia e foi registada em Portugal em nome da empresa “E...” no dia 16.10.2008 com a denominação “Helena”.

 

159. Possuía uma “caverna” ou duplo casco, à semelhança das embarcações “Erica” e “Margarida I” e aí foram encontrados diversos pedaços de fita adesiva, de cor acastanhada e três lâmpadas fluorescentes que permitiam iluminar o compartimento.

160. E uma embalagem envolta em fita adesiva contendo diversas placas de cannabis (resina) com o peso bruto de 1036,1 gramas (1,036 KG);

161. A embarcação “ Helena “ esteve amarrada na Marina de Vilamoura nos dias 08/11/2008 a 19/12/2008 e 05/01/2009 a 01/03/2009.

162. No dia 18/12/2008, pelas 21H27, o iate “Freddie Rocks” esteve posicionado em alto mar, entre a costa marroquina e portuguesa, em localização – 35.39.928N 008.07.935W – coincidente com a coordenada geográfica que se encontrava manuscrita como “Grote” (“grande”) – em poder do arguido AA

163. No dia 18.12.2008, a embarcação “Helena” saiu da Marina de Vilamoura, dirigiu-se à Costa Marroquina onde carregou haxixe e regressou à Marina de Vilamoura.

164. No dia 19 de Dezembro de 2008, fez o check-out na Marina, foi retirada da água e transportada num atrelado até ao armazém de Alhos Vedros, onde descarregou o produto estupefaciente.

165.  A embarcação de marca “SESSA MARINE KEY LARGO 26” estava, no dia 19 de Março de 2009, nas instalações da “Gabomar”, em cima de um atrelado com a matrícula ...GKC;

 

166.  Esta matrícula corresponde à matrícula do veículo Toyota LandCruiser, propriedade de ....

167. A embarcação deu entrada nas instalações de “Gabomar” a pedido do arguido AA e os respectivos documentos foram encontrados na sua posse.

168. Os bens, objectos e valores apreendidos eram provenientes da actividade de transporte e armazenamento de estupefacientes e/ou eram utilizados na execução dessa actividade, nomeadamente as embarcações, as viaturas, os atrelados, o combustível, os telemóveis.

169. Os arguidos AA e BB actuaram concertadamente e em conjugação de esforços.

170. Conheciam a natureza estupefaciente da substância e a proibição legal do transporte e armazenamento da mesma.

171. Pretendiam, com a sua actuação, obter compensação.

172. O arguido AA sabiam que utilizavam viaturas com matrículas falsas e embarcações com registos e com nomes falsos;

173. Sabia que afectava a fé e a credibilidade públicas das matrículas das viaturas e dos registos das embarcações.

174. Todos os arguidos agiram voluntária, livre e conscientemente, cientes da punibilidade e reprovabilidade das suas condutas.

175. O arguido AA encontra-se sob prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Lisboa, sem registo de qualquer sanção disciplinar, tendo frequentado um curso de língua portuguesa;

176. É cidadão belga, cresceu num contexto socioeconómico equilibrado, mantendo com os pais um relacionamento gratificante;

177. Concluiu o ensino secundário e frequentou um curso profissional de grafismo, que não concluiu;

178. Aos 22 anos iniciou consumo de cocaína e submeteu-se a diversos tratamentos, sem êxito.

179. Contraiu diversas dívidas e enfrentou dificuldades económicas, passou a ter desentendimentos com os pais e sofreu abalo psíquico na sequência da ruptura de um relacionamento afectivo que mantinha.

180. Teve diversos empregos, sem estabilidade e nunca exerceu cargos de responsabilidade especial ou chefia.

181. Em 2007, abandonou a Bélgica e passou a viver e a trabalhar em Espanha, onde conheceu a actual companheira, que aí reside e trabalha, abandonando então os hábitos de consumo de cocaína.

182. Antes de ser preso residia em Portugal, onde representava a sociedade E... – Aluguer de Barcos de Pesca Desportiva, Unipessoal, Lda.;

183. Visitava a companheira aos fins-de-semana e preparavam ambos, à data dos factos, o casamento;

184. Futuramente, pretende regressar a Espanha.

185. Conta com o apoio dos pais e da companheira

186. O arguido FF está actualmente preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Lisboa, mantendo comportamento adequado às normas e trabalha como faxina;

187. É cidadão britânico e cresceu numa família organizada e estruturada;

188. Concluiu um curso profissionalizante de Ciências da Construção Civil e um curso de Terraplanagem e de técnico de Projectos ligados à área da construção civil;

189. Residia em Norfolk, Inglaterra, com a sua companheira e os quatro filhos menores de ambos;

190. Era sócio de uma empresa de construção civil que teve uma fase de grande sucesso e prosperidade, após o que atravessou dificuldades financeiras e o arguido contraiu diversas dívidas que não conseguiu saldar e passou a enfrentar situação económico-financeira grave;

191. Adquiriu hábitos de consumo de álcool, o que determinou alterações de comportamento e instabilidade emocional, encontrando-se actualmente abstinente;

192. É estimado e bem considerado pelos familiares e amigos.

193. Projecta regressar ao país de origem e reintegrar-se no seu agregado familiar.

194. O arguido GG está actualmente preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Lisboa, onde mantém comportamento ajustado às normas;

195. É natural do Reino Unido, tendo crescido numa família monoparental, com um ambiente familiar afectivo;

196. Tem como habilitações literárias o 11º ano de escolaridade;

197. Vivia em Norfolk, Inglaterra, com a sua companheira;

198. Exercia a actividade de motorista na construção civil, na empresa do co-arguido FF, tendo deixado de receber salário, o que o deixou em precária situação económica;

199. É tido como pessoa dedicada ao trabalho e é estimado e bem considerado pelos familiares e amigos.

200. Projecta regressar ao país de origem.

201. O arguido BB está actualmente preso preventivamente no Estabelecimento Prisional junto às instalações da Polícia Judiciária, em Lisboa, apresentando um comportamento adequado e uma postura adaptada às normas vigentes e trabalha na Biblioteca;

202. O seu desenvolvimento pessoal decorreu num contexto familiar afável, harmonioso e organizado, e com uma situação económica estável;

203. Frequentou o curso de Contabilidade do Ramo de Fiscalidade no Instituto Superior de Contabilidade de Lisboa;

204. Exercia as funções de recuperador de crédito ao serviço de GE Financial, em regime de part-time;

205. Vivia com os pais e um irmão mais velho, em casa deles;

206. Demonstra imaturidade, ingenuidade e permeabilidade;

207. É tido como trabalhador, responsável e é estimado pelos familiares e amigos.

208. Futuramente projecta reintegrar-se no agregado familiar dos progenitores, pretendendo prosseguir os estudos e retomar a actividade profissional.

209. Os arguidos FF e GG confessaram espontaneamente parte dos factos que lhe são imputados e assumiram comportamento demonstrativo de arrependimento. 

210. Dos certificados de registo criminal dos arguidos não constam condenações.

B) NÃO PROVADOS:

Não se provou:


1. Os arguidos fazem parte de uma organização criminosa internacional que se dedica ao tráfico de estupefacientes;

2. Essa organização é constituída por indivíduos de diferentes nacionalidades, nomeadamente Bélgica, Holanda, Alemanha, Marrocos, Inglaterra e, mais recentemente, Portugal.

3. Em data não concretamente determinada mas que poderemos situar em princípios do ano de 2008, essa organização decidiu começar a operar em Portugal.

4. Para esse efeito, encarregou o arguido AA de levar a cabo esse objectivo.

5. O arguido AA, assumiu a liderança do grupo em Portugal e delineou um plano;

6. Esse plano consistia em efectuarem o tráfico de estupefacientes / haxixe, entre Marrocos e a Península Ibérica / Portugal, por via marítima.

7. A partir de Portugal esse produto era distribuído pelo território europeu.

8. A este plano vieram todos os demais arguidos a aderir ou a colaborar, depois de terem tomado conhecimento do seu conteúdo.

9. Deste modo, todos os arguidos actuavam sempre concertadamente e em conjugação de esforços.


10. No seio da organização criminosa a que pertenciam e no que tange a Portugal, cada um dos arguidos exercia, pois, uma função bem definida;


11. O arguido AA era o homem forte, o líder da organização em Portugal.


12. O arguido BB aderiu à organização criminosa encabeçada pelo arguido AA, em Portugal e passou a ser o seu “ braço direito”.


13. Por outro lado, competia-lhe todo o apoio logístico da organização em Portugal, designadamente acolher os membros da organização que se deslocavam a Portugal para tripularem as lanchas, rumo a Marrocos.


14. O arguido FF e o arguido GG também estão envolvidos na organização criminosa.


15. Deslocavam-se a Portugal sempre que fosse necessário efectuar um transporte.


16. Além desta função de tripulante das lanchas até à costa Marroquina, o arguido GG era também um angariador deste “trabalho” para determinados amigos seus.


17. Na carrinha Renault, com a matrícula ...CZW, de caixa isotérmica, a parede falsa era utilizada no transporte de produto estupefaciente.


18. Esse produto estupefaciente era distribuído, por via terrestre, pelo território europeu, a começar por Espanha.


19. Por vezes, o arguido BB transportou ou foi “batedor“ no transporte terrestre de haxixe.


20. Assim, aconteceu no dia 27 de Dezembro de 2008.


21. Outras vezes, o próprio arguido BB efectuou esse transporte.


22. Foi o que aconteceu no dia 28 de Dezembro de 2008, quando se deslocou a Espanha.


23. No dia 5 de Março de 2009, o arguido BB transportou ou foi “batedor“ num transporte de haxixe para Espanha.


24. O arguido BB tinha, seguramente, conhecimento de que a carrinha Renault estava transformada para esse fim.


25. Os arguidos BB, FF e GG sabiam que eram utilizadas viaturas com matrículas falsas e embarcações com registos e nomes falsos.

                                                                              *

O tribunal não apreciou os factos descritos na acusação quando inócuos para a decisão, redundantes ou conclusivos. “


-

Cumpre apreciar e decidir

O arguido BB diz que a sua condenação é um erro judiciário, porque “Do acervo probatório produzido em audiência de julgamento não resulta nada que pudesse criar a convicção inequívoca de que o Recorrente sabia que o Arguido AA se dedicava ao tráfico de droga, que agiu concertadamente com ele e que por isso cometeu o crime pelo qual foi condenado ao contrário do que se entendeu no douto Acórdão recorrido.”(conclusão 3ª), tecendo críticas à valoração da prova efectuada na perspectiva da convicção do tribunal, (conclusões 4ª a 16ª) e alega que consequentemente houve erro na valoração de prova produzida.(conclusão 15º) não tendo havido, inequivocamente, qualquer prova produzida donde se pudesse retirar sem qualquer dúvida de que o Recorrente agiu concertadamente com o Arguido AA ou que pelo menos soubesse que este se dedicava ao tráfico de droga, e que violou-se assim, inequivocamente,  o  principio   constitucional   da presunção da inocência com a condenação do Recorrente.(conclusões 16ª e 17ª)

Invoca ainda o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, alegando na conclusão 18º que “existe manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, no que respeita à medida da pena aplicada ao Recorrente, ao contrário do entendimento do Acórdão recorrido, não havendo fundamento para a aplicação da qualificação do crime.”

Analisando:

O acórdão deste Supremo, de 12 de Julho de 2012, julgou “procedente o recurso interposto pelo arguido AA, anulando-se o acórdão da Relação, quanto aos arguidos AA e BB, na parte respeitante à impugnação da matéria de facto, por omissão de pronúncia.”

A nulidade por omissão de pronúncia referente a provas e ao seu modo de valoração da prova, integra o objecto de recurso em matéria de facto.

            O artigo 379º do Código de Processo Penal, determina que é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. (nº 1 al. c))

O acórdão recorrido deu cumprimento ao determinado pelo acórdão do Supremo Tribunal, conheceu das questões de facto, nomeadamente do que foi impugnado pelos recorrentes, de fls 62 a 84.vindo a referir:

“O recorrente BB discorda da apreciação do Tribunal a quo. É a sua opinião. Contudo, aqui a sua discordância de pouco vale, porque se impõe o estatuído no artº 127º, do CPP (a prova é apreciada segundo as regras de experiência comum e a livre convicção do julgador). É uma apreciação subjectiva da prova, que resulta da imediação e da oralidade, que só seria afastada se o recorrente demonstrasse que a apreciação do Tribunal a quo não teve o mínimo de consistência. O que não é o caso. O Tribunal a quo fundamentou de modo razoável e suficiente a sua convicção, com enquadramento no artº 127º, do CPP.

Relativamente à impugnação da matéria de facto, importa antes de mais, sublinhar que os recorrentes baseiam a sua crítica probatória na existência ou não de suportes testemunhais ou por declarações produzidos em audiência, designadamente os que especificadamente indicam como inculcadores de prova diversa, olvidando que muito mais que aquela, a prova nos presentes autos assenta preponderantemente na documentação obtida e nas perícias realizadas, de per si ou conjugadamente.

            Na verdade, as declarações confessórias dos co-arguidos B... e GG em nada extravasam a sua participação nos factos que lhes são imputados, não sendo possível a partir delas, isoladamente, estabelecer qualquer ligação com os ora recorrentes.

            Já quanto aos depoimentos dos agentes policiais, constata-se que os mesmos apenas servem ao enquadramento das diligências de prova realizadas, confirmando, explicitando, seriando e conjugando as diligências realizadas e a documentação daí resultante.

            Resulta, assim, óbvio que a prova da factualidade ora impugnada resulta essencialmente do teor da prova pericial e documental produzida.

Ora, aqui chegados, de acordo com as regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica do homem médio, é razoável o entendimento do Tribunal a quo quanto à valoração da prova e à fixação da matéria de facto. As provas existem para a decisão tomada e não se vislumbra qualquer violação de normas de direito probatório (nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica). O Tribunal “a quo” apreciou criticamente todas as provas produzidas conjugadas entre si e com as regras de experiência comum, conforme consta da respectiva fundamentação de facto. O Recorrente não concorda. Porém, a fundamentação da convicção do Tribunal, em conjugação com a matéria de facto fixada, não revela que seja notoriamente errada, ilógica, contrária às regras da experiência comum. Podemos, pois, concluir, que o Tribunal a quo, imbuído da imediação, explicitou as razões da sua convicção, de forma lógica e global, com o mínimo de consciência para a formulação do juízo sobre a credibilidade dos meios de prova apreciados e, com base no seu teor, alicerçar uma convicção sobre a verdade dos factos. Acresce que, para além, na dúvida razoável, tal juízo há-de sempre sobrepor-se às convicções pessoais dos restantes sujeitos processuais, corno corolário do princípio da livre apreciação da prova ou da liberdade do julgamento.

Resta dizer, porque se mostra alegado, que o Tribunal a quo não violou a presunção da inocência do arguido BB. Dando como assente apenas o que fundada e justificadamente ficou provado, o Tribunal a quo mais não fez do que garantir a presunção da inocência do recorrente. Só se considerou provado o que resultou certo e seguro. O raciocínio do Tribunal a quo foi lógico e coerente. Deste modo conseguiu certeza e segurança na decisão de facto.

Nada mais há a aludir sobre esta matéria porque, como refere esta Relação, no acórdão de 01.02.2011, processo n.º 153/08.0PEALM.L1-5, relator Agostinho Torres, dgsi.pt, “ o princípio in dubio pro reo, é um princípio probatório que procura solucionar um problema de dúvida em relação à matéria de facto e não ao sentido de uma norma jurídica, traduz o correspectivo do princípio da culpa em Direito Penal, ao garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos típicos, é um corolário lógico do princípio da presunção de inocência do arguido, mas não tem quaisquer reflexos ao nível da interpretação das normas penais, pois em caso de dúvida sobre o conteúdo e o alcance das normas penais, deve o aplicador do direito recorrer às regras de interpretação, entre as quais o princípio in dubio pro reo não se inclui”.

Trata-se, assim, de uma questão relativa à matéria de facto, porém, como vimos, no caso concreto não se vislumbra dúvida na apreciação dos meios de prova e consequente factualidade apurada.”

A discordância do recorrente no modo de valoração das provas, e no juízo resultante dessa mesma valoração, não traduz omissão de pronúncia ao não coincidir com a perspectiva do recorrente sobre os termos e consequências da valoração dessas mesmas provas, pelo que não integra qualquer nulidade, uma vez que o tribunal se orientou na valoração das provas de harmonia com os critérios legais.

O artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não confere a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, assegura sim, o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.

O princípio da presunção de inocência exclui a limitação do direito à liberdade, sem um juízo válido de culpa.
. Está previsto desde logo, como uma das garantias do processo criminal indicadas no art. 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, ao referir que «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», e que tem matriz na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (v. DR, I Série-A, de 09/ 09/78, art. 11º, nº 1) no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos(art. 14º, nº2). e na Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (v. Lei nº 65/78, de 13 de Outubro, artº. 6º, nº 2)
 «Enquanto se torne como equivalente do princípio "in dúbio pro reo” a «presunção de inocência» pertence sem dúvida aos princípios fundamentais do processo penal em qualquer Estado-de-direito» (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I).
Como salienta o Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Pena/. vol. 1Q, 1986, pág. 216: - «Em processo penal, a justiça, perante a impossibilidade de uma certeza. encontra-se na alternativa de aceitar, com base em uma probabilidade ou possibilidade, o risco de absolver um culpado e o risco de condenar um inocente. A solução jurídica e moral só pode ser uma: deve aceitar-se o risco de absolvição do culpado e nunca o da condenação de um inocente.” Constituindo, assim, «uma das garantias mais importantes da liberdade individual face à pretensão punitiva do Estado, cujo fundamento considera assentar, por um lado, numa concepção optimista do Homem, ligada ao pensamento de Rousseau e, por outro lado, no valor supremo que a liberdade e a honra assumem para o Homem, de tal forma que não poderão ser-lhe retirados enquanto persistir a dúvida quanto à justiça e ao bem­ fundado desse acto». (Eduardo Correia, Les preuves en droit pénal portugais, RDES, Ano IV, nº I, págs. 17 e 22-40).
O princípio da presunção de inocência anda associado ao princípio in dubio pro reo

Ora, não houve lugar, a violação do princípio in dubio pro reo, que dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.

Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, sendo que tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355º nº 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme artº 32º nº 1 da Constituição da República.

A decisão recorrida ao conhecer da matéria de facto impugnada, fez uma análise fundamentada do que perante os seus poderes de cognição processualmente delimitados, poderia conhecer, de forma a que ficasse segura de um juízo de convicção, socorrendo-se nessa ponderação das provas, das regras da experiência comum, e explicitando como tribunal de recurso, as razões por que acolheu a decisão da 1ª instância.

Em síntese e como se disse no Ac. deste Supremo de 03-04-2008, Proc. n.º 2811/06 - 5.ª Secção.

O facto de a Relação conhecer de facto não significa que tenha de proceder a um novo julgamento de facto, em toda a sua extensão, tal como ocorrera em 1.ª instância.

No recurso de matéria de facto, haverá que ter por objectivo o passo que se deu, da prova produzida aos factos dados por assentes, e/ou o passo que se deu, destes à decisão.

O recorrente poderá insurgir-se contra o modo como teve lugar um ou ambos os momentos deste trânsito, desde logo, impugnando a matéria de facto devido ao confronto entre a prova que se fez e o que se considerou provado, lançando mão do disposto no n.º 3 do art. 412.º do CPP, e podendo mesmo ser pedida a renovação de prova, ou, então, invocando um dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP. Neste caso, o vício há-de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e tanto pode incidir sobre a relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado (al. c) do n.º 2 do art. 410.º), como sobre a relação entre o que se considerou provado e o que se decidiu (als. a) e b) do n.º 2 do art. 410.º).

Em qualquer das hipóteses, haverá que ter em conta que, uma coisa é considerar objecto do recurso ordinário a questão sobre que incidiu a decisão recorrida e, outra, ter por objecto do recurso essa decisão ela mesma. No primeiro caso, haverá que decidir de novo a questão que foi levada a julgamento, podendo inclusive atender-se a factos novos e produzir prova nunca antes produzida. No segundo caso, haverá que apreciar da bondade da decisão recorrida só a partir dos dados de que o(s) julgador(es) recorrido(s) dispôs(useram). Acresce que a avaliação da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades concretamente assinaladas. Não um novo julgamento global de todo o objecto do processo.

Importa ainda ter em consideração, quanto ao julgamento de facto pela Relação, que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detectar-se no processo de formação da convicção do julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório

Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir.

Ora, as questões suscitadas pelo recorrente relativamente à sua discordância em relação à forma como o tribunal de 1.ª instância decidiu a matéria de facto, constituem matéria especificamente questionada, integrando-se em objecto de recurso em matéria de facto, estranha aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, que sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do CPP, efectua exclusivamente o reexame da matéria de direito.- artº 434º do CPP.

O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2ª instância, mas dirige-se somente ao exame dos erros de procedimento ou de julgamento que lhe tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa e não indiscriminadamente todas as provas produzidas em audiência.

O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127.° do CPP.

O processo penal fundamenta-se e, é conduzido, de harmonia com as exigências legais da produção e exame de provas legalmente válidas, com vista à determinação da existência de infracção, identificação do seu agente e definição da sua responsabilidade criminal.

A actividade probatória consiste na produção, exame e ponderação dos elementos legalmente possíveis a habilitarem o julgador a formar a sua convicção sobre a existência ou não de concreta e determinada situação de facto.

Como se sabe, no sistema processual penal, vigora a regra da livre apreciação da prova, em que conforme artº 127º o CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

São admissíveis as provas que não forem admitidas por lei.- artº 125º do CPP

            Costuma distinguir-se entre prova directa e prova indiciária, referindo-se aquela ao thema probandum, aos factos a provar, e respeitando a prova indirecta ou indiciária a factos diversos (instrumentais) do tema probatório, mas que possibilitam, pelo uso das regras da experiência, extrair ilações no domínio do thema probandum, de convicção racional e objectivável do julgador.

A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em 1.ª instância.

O citado art. 127.° indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.

Por outro lado, os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, reexaminando decisões proferidas por jurisdição inferior. Ao tribunal superior pede-se que aprecie a decisão à luz dos dados que o juiz recorrido possuía.

Para tanto, aproveita-se a exigência dos códigos modernos, inspirados nos valores democráticos, no sentido de que as decisões judiciais, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, sejam fundamentadas.

Desse modo, com tal exigência, consegue-se que as decisões judiciais se imponham não em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. (Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 230)

 Ao mesmo tempo, permite-se, através da fundamentação, a plena observância do princípio do duplo grau de jurisdição, podendo, desse modo, o tribunal superior verificar se, na sentença, se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 294), sem olvidar que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância aquele que está em condições melhores para fazer um adequado usado do princípio de livre apreciação da prova- ( Ac. do STJ de 17-05-2007 Proc. n.º 1608/07 - 5.ª Secção).

Com efeito, por força do artº 205º nº 1 da Constituição da República: As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

E, determina o artº 374º nº 2 do Código de Processo Penal sobre os requisitos da sentença que: Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se assim, com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência. (v. Ac. do STJ de 14-06-2007, Proc. n.º 1387/07 - 5.ª Secção)
O exame crítico das provas imposto pela Lei nº 59/98 de 25 de Agosto tem como finalidade impor que o julgador esclareça "quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram, de forma a que se possibilite a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra.( v. Ac. do S.T.J. de 01.03.00, BMJ 495, 209)

Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. (Ac do STJ de 12 de Abril de 2000, proc. nº 141/2000-3ª; SASTJ, nº 40. 48.)

Desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão.

Como decidiu este Supremo e, Secção, no  Ac. de 3-10-07 , in proc 07P1779 ), a fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.

A integração das noções de “exame crítico” e de “fundamentação” facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.

Aplicada aos tribunais de recurso, a norma do artº 374º nº 2 do CPP, não tem aplicação em toda a sua extensão, nomeadamente não faz sentido a aplicação da parte final de tal preceito (exame crítico das provas que serviram para formar a livre convicção do tribunal) quando referida a acórdão confirmatório proferido pelo Tribunal da Relação ou quando referida a acórdão do STJ funcionando como tribunal de revista. Se a Relação, reexaminando a matéria de facto, mantém a decisão da primeira instância, é suficiente que do respectivo acórdão passe a ccnstar esse reexame e a conclusão de que, analisada a prova respectiva, não se descortinaram razões para exercer censura sobre o decidido (Ac. do STJ de 13 de Novembro de 2002, SASTJ, nº 65, 60)

Na verdade, como se elucida no Ac. deste Supremo, de 14-06-2007, Proc. n.º 1387/07 – 5ª Secção, se  a Relação sindicou todo o processo, fundamentou a decisão sobre a improcedência do recurso em matéria de facto nas provas examinadas no processo, acolhendo, justificando-o na parte respectiva, a fundamentação do acórdão do tribunal colectivo que se apresenta como detalhada, então as instâncias cumpriram suficientemente o encargo de fundamentar.

Inexistem nulidades


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Relativamente ao vício invocado de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, alegado pelo recorrente Pascoal, cumpre dizer:

Embora o nº 1 do artº 410º do CPP, refira: “Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida”, vem sendo entendido por este Supremo, que os vícios constantes do artigo 410º nº 2 do CPP, apenas podem ser conhecidos oficiosamente e, não quando suscitados pelos recorrentes.

È certo que dispõe o nº 2 do artigo 410º:

Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada,

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

É certo também que o artº 434º do CPP determina que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 410º nºs 2 e 3 , - artº 434º do CPP

Mas, isto significa que sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, só conhece dos vícios aludidos no artigo 410º nº 2, de forma oficiosa, por sua própria iniciativa, quando tais vícios se perfilem, que não a requerimento dos sujeitos processuais.

Mesmo nos recursos das decisões finais do tribunal colectivo, o Supremo só conhece dos vícios do art. 410º, nº 2, do CPP, por sua própria iniciativa, e nunca a pedido do recorrente, que, para o efeito, sempre terá de se dirigir à Relação.

Esta é a solução que está em sintonia com a filosofia do processo penal emergente da reforma de 1998 que, significativamente, alterou a redacção da al. d) do citado art. 432., fazendo-lhe acrescer a expressão antes inexistente "visando exclusivamente o reexame da matéria de direito", filosofia que, bem vistas as coisas, visa limitar o acesso ao Supremo Tribunal, sob pena do sistema vigente comprometer irremediavelmente a dignidade deste como tribunal de revista que é.(v Acórdão deste Supremo Tribunal de 09-11-2006 Proc. n. 4056/06 - 5.a Secção)

Com tal inovação, o legislador claramente pretendeu dar acolhimento a óbvias razões de operacionalidade judiciária, nomeadamente, restabelecendo mais equidade na distribuição de serviço entre os tribunais superiores e garantir o desejável duplo grau de jurisdição em matéria de facto.

Esta posição nada tem de contraditório, já que a invocação expressa dos vícios da matéria de facto, se bem que algumas das vezes possa implicar alguma intromissão nos domínios do conhecimento de direito, leva sempre ancorada a pretensão de reavaliação da matéria de facto, que a Relação tem, em princípio, condições de conhecer e colmatar, se for caso disso, sendo claros os benefícios em sede de economia e celeridade processuais que, em casos tais, se conseguem, se o recurso para ali for logo encaminhado.

Como se decidiu por ex. no Acórdão de 8-11-2006, deste Supremo Tribunal, in Proc. n. 3102/06- desta 3.ª Secção: Os vícios elencados no art. 410º, nº 2, do CPP, pertinem à matéria de facto; São anomalias decisórias ao nível da confecção da sentença, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito. Também o apelo ao princípio in dubio pro reo respeita à matéria de facto.

Se o agente intenta ver reapreciada a matéria de facto, esta e a de direito,, recorre para a Relação; se pretende ver reapreciada exclusivamente a matéria de direito recorre para o STJ, no condicionalismo restritivo vertido nos arts. 432º e 434º do CPP, pois que este tribunal, salvo nas circunstâncias exceptuadas na lei, não repondera a matéria de facto.

É ao tribunal da relação a quem cabe, em última instância, reexaminar e decidir a matéria de facto. - arts. 427º e 428º do CPP.

A reforma do Código de Processo penal operada pelas Leis nº 48/2007 de 29 de Agosto, 26/2010, de 30 de Agosto, e 20/2013, de 21 de Fevereiro, não alteraram esse entendimento.

Ora, como refere o acórdão recorrido:

“Em relação ao agravamento previsto na alínea j) do Dec. Lei 15/93 ficou apenas provado que os Arguidos “pretendiam com a sua actuação obter compensação” (ponto 171 dos factos provados) logo o agravamento previsto na alínea c) não se pode aplicar aos Arguidos e ao Recorrente, porque não foi provado que os Arguidos procuravam obter avultada compensação remuneratória. Em relação ao agravamento previsto na alínea j) também não ficou provado nenhum facto que confirmasse que o AA e o BB agiram inseridos como membros de um bando destinado à prática reiterada do crime previsto nos artºs 21 e 22. Consequentemente não existindo factos suficientes para se aplicarem os agravamentos previstos das penas o Recorrente apenas podia ser condenado nos termos do disposto no artº 21º nº1 do Dec-Lei 15/93.

O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a alínea a) do nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal, ocorre quando, da factualidade elencada na decisão recorrida, resulta que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição e decorre da circunstância do tribunal não se ter pronunciado (dando como provados ou não provados) todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação ou pela defesa, ou tenham resultado da discussão.

Trata-se de um vício que consiste em ser insuficiente a matéria de facto para a decisão de direito. Como refere o Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, III vol., p. 339) “é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada”. Ou seja, é necessário que se verifique uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito.

Como se refere no Acórdão do STJ de 21.06.2007 (Processo 07P2268), a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é “a insuficiência que decorre da circunstância de o Tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão, que constituam o objecto da decisão da causa, ou seja, os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultantes da acusação ou da pronúncia, segundo o art. 339º, nº 4 do CPP”.

Assim, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nada tem a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão proferida (questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, enquadrado nos termos do art. 127º do Cód. Proc. Penal, e insindicável em reexame da matéria de direito), sendo que o vício em questão só pode ter-se como existente quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão final. 

O tráfico é agravado se o agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória – al. c), do artº 24º.

A circunstância agravativa prevista na al. c) do art. 24.º do DL 15/93, de 22-01, só se verifica em casos de excepcional gravidade, ligados ao tráfico de grande escala, em que estejam em causa valores de patamar situado muito além das quantias que se auferem nos negócios correntes, representando aos olhos do cidadão de condição económica média uma expressão monetária de impressionante dimensão - acórdão do STJ de 27.09.2006, processo nº 06P2806, in www.dgsi.pt.

Esta a Jurisprudência do Supremo sobre o assunto, da qual se conclui que a actividade do arguido BB integra esta agravação.

É muita droga e o dinheiro envolvidos. E bens caros (embarcações). Gente que vem de países europeus para ir buscar droga a Marrocos. Aquisição de embarcações. Arrendamento de armazém. Criação de sociedade comercial de fachada. E em tudo isto o arguido BB tem uma intervenção decisiva. Estamos a falar de tráfico internacional, de considerável dimensão monetária.

É certo que o facto provado sob o n.º 171 não refere a palavra avultada. Mas dúvidas inexistem que o arguido BB queria obter avultada compensação financeira. Basta atender aos factos provados relativos à droga, dinheiros e meios envolvidos. Assim, não se pode olvidar, ante as cerca de 6 toneladas de droga apreendida, as quais segundo dados facilitados na internet valem 350 a 600 € o Kg. na aquisição em Marrocos, sendo transaccionados entre 5 a 7 € a gr. em Portugal ante o consumidor final, para se concluir pelos elevadíssimos ganhos obtidos pelos arguidos, mesmo descontando os consideráveis gastos com a organização e transporte da droga. Deste modo, para além da elevada quantidade de estupefaciente envolvida, impõe-se a contabilização das quantias monetárias envolvidas nas transacções, combinadas com as regras da experiência comum – cfr. Ac. STJ, de 11-12-03, Proc. nº 03P3375, em www.dgsi.pt -.

Agravará especialmente a responsabilidade do agente de um crime de «tráfico agravado de drogas ilícitas», a actuação em bando, nomeadamente «uma actuação com vista à prática reiterada de crimes, em que cada agente não tem consciência e (ou) intenção de pertença a um ente colectivo com personalidade distinta da sua e objectivos próprios - o que afastará a associação criminosa típica - mas em que os diversos "colaboradores", inseridos numa orgânica ainda incipiente, reconhecem, todavia, a existência de uma liderança de facto a que se subordinam» - acórdão do STJ, de 05.02.2003, www.dgsi.pt.

Como bem refere o tribunal a quo, da factualidade apurada se pode concluir pela existência de uma estrutura organizada com base na constituição da sociedade”E..., Lda”, com uma clara liderança por parte do arguido AA e com a directa colaboração do BB.

Por conseguinte, analisando a decisão recorrida, não se vê que o Tribunal “a quo” tenha incorrido no vício a que alude a alínea a) do nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.

Os factos provados são suficientes para a decisão de direito, nada havendo por investigar ou apurar.”

Do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não se perfila a existência de qualquer dos vícios aludidos no nº 2 do artº 410º do CPP.

A matéria de facto provada é bastante para a decisão de direito, inexistem contradições insuperáveis de fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, não se afigurando, por ouro lado, que haja situações contrárias à lógica ou à experiência comum, constitutivas de erro patente detectável por qualquer leitor da decisão, com formação cultural média.

Como já salientava o Acórdão deste Supremo de 13 de Fevereiro de 1991, (in AJ, nºs 15/16, 7), se o recorrente alega vícios da decisão recorrida a que se refere o nº 2 do artº 410º do CPP, mas fora das condições previstas nesse normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inserta no artº 127º do CPP.


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Além do que acaba de ser dito a propósito da suficiência para a decisão da matéria de facto provada, o questionado integra-se no objecto do recurso interposto por ambos os arguidos.

- Com efeito, o arguido AA alega que: - Da factualidade provada não pode subsistir a alínea c) do art. 24^ como decidiu o acórdão recorrido, porque não se apurou, naquela atividade, qual seria o lucro - ainda que aproximado do arguido.

Os pontos 651 a 655 resultaram não provados, retirando-se a avultada compensação económica dos factos fixados em 171.O arguido tinha uma função, e o seu lucro, não pode ser presumido sem mais.

 Também defende, que os factos provados não integram a agravante da al. j), como vem decidido no acórdão recorrido, Não se provou o necessário elemento subjetivo: que o arguido sabia ou tinha consciência que pertencia a um bando.

Violaram-se as seguintes disposições:

- Artigos 24º, alíneas c) e j) do DL 15/93;

- De igual modo o arguido BB considera na conclusão 28º que “aplicou-se erradamente o disposto nos artigos 24ºc) e j) do Dec-Lei nº 15/93.”

 
O crime de tráfico de estupefaciente abarca todas as condutas não autorizadas previstas no artº 21º do Dec-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro: “cultivar, produzir, fabricar, exportar, preparar, oferecer, puser a venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III.
À sua consumação é-lhe indiferente a intenção lucrativa, ou o destino do produto estupefaciente, desde que não para consumo, sendo, porém, relevante, a quantidade total do produto integrante da acção proibida.
O crime de tráfico como crime de perigo abstracto, centraliza-se na perigosidade da acção, uma vez que o perigo, não sendo elemento do tipo, se apresenta como “motivo da proibição”, sem que disso resulte qualquer violação do princípio constitucional da presunção de inocência – (cfr. AC Tribunal Constitucional de 02-04-1992, “in” BMJ 411, p. 56).
Nos termos do art.º 24.º do Dec- Lei n.º 15/93, a pena prevista no art.º 21.º é aumentada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, pela verificação de alguma das circunstâncias ali descritas.
Não constitui um tipo autónomo, é circunscrito por circunstâncias especiais (agravantes) modificativas da pena, mas a sua aplicação não resulta obrigatoriamente da sua verificação, ou seja, a sua aplicação não deve ter-se por automática – v. Ac. STJ de 09/01/1997, Proc. n.º 210/96, 3.ª Secção
Como já dava conta, o acórdão de 11/03/1998, deste Supremo, (v. Col. Jur. - Acs. do STJ, 1998, T. I, p. 228) as circunstâncias previstas no art.º 24.º referido apenas operam se em concreto revelarem uma agravação acentuada – considerável – da ilicitude ou da culpa do agente, em comparação com a subjacente para o crime principal do art.º 21.º, o que implica a ponderação em termos globais do facto e do seu agente.

Para efeito do objecto dos presentes recursos, in casu, apenas vêm questionadas duas dessas circunstâncias:
- se “o agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória” (al.ª c));
 - “o agente actuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando” (al.ª j)).

Sobre a avultada compensação remuneratória.

É inabarcável a jurisprudência deste Tribunal sobre a noção de avultada compensação económica, enquanto qualificativa do crime de tráfico de estupefacientes, mas dela se podem extrair diversas orientações- Acórdão de 22-01-2009, SJ200901220041255

Quando o art. 24º al. c) do DL nº 15/93 se refere à circunstância de "o agente obter ou procurar obter avultada compensação remuneratória", não é a diminuição do património do adquirente que está em causa, mas uma particular censura do espírito de lucro ou de ganho, que não recua perante as nefastas consequências para eminentes bens ou interesses jurídicos, pessoais, colectivos lesados pelo tráfico legal. Não ocorrendo, para o efeito, chamar à colação os valores que a lei penal considera para os crimes patrimoniais, dado se tratarem de situações diferentes em que nenhuma analogia é razoável.

Após decisão isolada, o Supremo Tribunal de Justiça, na definição do conceito de avultada compensação remuneratória previsto no art. 24.º, al. c), do DL 15/93, de 22-01, este STJ já abandonou o recurso à fórmula usada no art. 202.º, al. b), do CPP [valor consideravelmente elevado é o que excede 200 unidades de conta], que apenas tem relevância para os crimes contra o património.

No Código Penal de 1995, os conceitos de “valor elevado", "consideravelmente elevado" e diminuto valor" - art. 204, n.º 1, a), n.º 2, a) e n.º 4, deixaram de ser conceitos "carecidos de preenchimento valorativo", para assumirem a natureza de conceitos determinados descritivos, deixando de haver espaço valorativo para o tribunal Estão então em causa ofensas ao património, susceptível de valoração pecuniária determinada, justificação que não se encontra relativamente aos crimes a que se reporta o DL n.º 15/93, de 22/1, em que se pretende tutelar bens da personalidade, insusceptíveis de avaliação pecuniária.

Está-se face a um índice de maior censurabilidade em actividade de acentuado perigo abstracto de ofensa de importantes bens jurídicos plúrimos sintetizados no bem jurídico da "saúde pública". A justificar opções de política criminal ainda mais rigorosas do que relativamente aos valores considerados para efeitos dos crimes patrimoniais podendo, em conformidade, essa "avultada" compensação considerar-se integrada por valores inferiores aos indicados na al. b) do citado art. 202.º do C. Penal.

Como se referiu no Acórdão de 07-10-2004, 04P2828, ao se indicar que há agravação do tráfico para aquele que "procurava obter avultada compensação remuneratória", está exactamente a pensar-se nos casos em que, mesmo que não se apure qual a efectiva remuneração do traficante, seja fácil de concluir, pela qualidade da droga, pela sua quantidade e pela posição que o agente ocupa no "negócio" (não sendo mero «correio» ou «vendedor de rua»), que o mesmo iria obter uma larguíssima vantagem económica caso concluísse a «transacção». Outra solução que não esta seria aberrante e contrariaria o senso comum.

“O conceito – avultada compensação remuneratória - há-de ser visto em ligação com a danosidade social emergente da actividade criminosa em causa, que, pondo em xeque a saúde pública, e portanto representando um valor negativo, sempre se haverá de ter como exageradamente «compensada», nesta perspectiva se havendo sempre por «avultada» a compensação que lhe corresponda, seja ela qual for (…). Aliás, a relatividade do conceito sempre terá de jogar com a miséria humana envolvente de muitos compradores dependentes, tornando verdadeiramente obscena a obtenção de lucros à sua custa, sejam eles grandes ou pequenos.

E, neste sentido relativo das coisas, até o preço de uma dose pode comportar o objectivo de obtenção de «avultada compensação remuneratória»” – cf. Acs. proferidos em 02-09-02 e em 09-06-05, respectivamente nos Procs. n.ºs 2935/02 e 3992/04, ambos da 5.ª Secção., e Acórdão de  15-02-2007, SJ20070215028265

A jurisprudência deste Tribunal tem-se efectivamente pronunciado no sentido de que a avultada compensação remuneratória que se obteve ou se procurava obter pode não resultar directamente da prova do efectivo lucro conseguido ou a conseguir, mas de certos factos provados (como a quantidade de estupefaciente envolvida e as quantias monetárias implicadas pela transacção), combinados com as regras da experiência comum, não dependendo de uma análise contabilística de lucros/encargos, irrealizável, pelas características clandestinas da actividade.

O carácter “avultado” da remuneração terá que ser avaliado mediante a ponderação global de diversos factores indiciários, de índole objectiva, que forneçam uma imagem aproximada, com o rigor possível, da compensação auferida ou procurada pelo agente.

           Assim, a qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, o volume de vendas, a duração da actividade, o seu nível de organização e de logística, e ainda o grau de inserção do agente na rede clandestina, são factores que, valorados globalmente, darão uma imagem objectiva e aproximada da remuneração obtida ou tentada.

“Avultada” será, assim, a remuneração que, avaliada nesses termos, se mostre claramente acima da obtida no vulgar tráfico de estupefacientes, revelando uma actividade em que a ilicitude assuma uma dimensão invulgar, assim justificando a agravação da pena abstracta em um quarto, nos seus limites máximo e mínimo.

Ora basta ler a matéria fáctica provada, para se concluir, na sua valoração global – pois inexiste uma concepção jurídica aritmética do lucro ainda que por estimativa - que a actividade ilícita de tráfico suportada pelos arguidos era de molde a gerar avultada compensação remuneratória, como resulta, entre outros dos seguintes factos:

Após a sua constituição, “E..., Lda“ começou a adquirir várias embarcações;

Para o transporte de haxixe, eram necessárias embarcações rápidas e, por isso, não poderiam ter uma grande dimensão e outras teriam que possuir maior dimensão para, em alto mar, em pleno Oceano Atlântico, prestarem apoio às embarcações mais pequenas.

 Assim, no dia 7 de Abril de 2008, nas instalações da firma “Siroco”, em Alcântara, Lisboa, o arguido AA adquiriu um iate com 14 metros de comprimento adquiriu ainda várias embarcações de menores dimensões:

Para transportarem o produto estupefaciente, dissimuladamente, estas embarcações, à excepção das semi-rígidas, sofreram alterações no casco, com a construção de diversas “cavernas”, com iluminação própria e instalação de um sistema hidráulico para efectuar pressão entre a parte superior e a parte inferior do casco, uma vez que ambas se encontravam encaixadas e ligadas com selante de poliuretano em seu redor.

Estas embarcações partiam de diversas marinas portuguesas, na zona do Algarve, com destino a Marrocos;

Na Costa Marroquina, cada uma dessas embarcações carregava cerca de uma tonelada de produto estupefaciente / haxixe que era colocado no interior do casco.

No regresso a Portugal, essas embarcações podiam ser assistidas num ponto estratégico, pré-determinado, em alto mar, pela embarcação “Freddie Rocks“, nomeadamente para abastecimento de combustível, uma vez que aquelas embarcações, mais pequenas, estão equipadas com motores de 250 cavalos, consumindo uma quantidade considerável de gasolina, em especial quando regressavam a Portugal, carregadas, cada uma delas, com cerca de uma tonelada de produto estupefaciente / haxixe;

Por isso, a embarcação “ Freddie Rocks“, cujos motores funcionam a gasóleo, encontrava-se nesse ponto pré-determinado do Oceano Atlântico, transportando bidões de gasolina e ainda um motor de 15cv indicado como motor auxiliar das embarcações pequenas;

As embarcações de menores dimensões, quando chegavam a Portugal, eram retiradas da água, colocadas num atrelado e, de seguida, transportadas para um dos referidos armazéns, onde era descarregado o produto estupefaciente / haxixe.

Para efectuarem esse transporte, por terra, os arguidos contavam com vários atrelados e viaturas:        

Para o controlo destas movimentações, AA ou BB adquiriam telemóveis “descartáveis” e telefones satélite que distribuíam pelos tripulantes de cada uma das embarcações.

O arguido AA recebia, via SMS, as coordenadas geográficas onde as embarcações se deveriam posicionar quando rumavam a Marrocos e transmitia-as aos tripulantes e estes transmitiam-lhe as respectivas posições marítimas.Também lhe era transmitido, via SMS, a quantidade de produto estupefaciente que as lanchas transportavam, sendo que o arguido AA tomava nota das quantidades, nunca se mencionando as lanchas, mas sim as alcunhas dos seus tripulantes;

No dia 11 de Março de 2009, os arguidos BB e AA, transportaram a embarcação Margarida I do Barreiro para o Algarve.E efectuaram o check-in dessa embarcação “Margarida I” na Marina de Vilamoura identificando-se ambos como capitães dessa embarcação.No dia 14 de Março de 2009, o arguido BB voltou a viajar até à Marina de Vilamoura e no dia 15 de Março, os arguidos AA e BB, efectuaram o check-out dessa embarcação.

A embarcação “margarida I”, tinha regressado de Marrocos e depois de retirada da água, foi transportada até ao armazém de Alhos Vedros.Tinha no seu interior cerca de 1220,65 kg de haxixe.

O arguido BB deslocou-se/pernoitou no Algarve nos dias 04/01/2009 a 05/01/2009, 12/02/2009 a 16/02/2009, 21/02/2009, 23/02/2009 a 24/02/2009, 28/02/2009 a 01/03/2009, 02/03/2009, 10/03/2009, 11/03/2009 e 14/03/2009 a 16/03/2009.

Foram realizados transportes de produto estupefaciente para o Algarve nos dias 28/02/2009 a 01/03/2009, 02/03/2009 e 14/03/2009 a 16/03/2009.

Pelas 10H45 do dia 16 de Março de 2009, o arguido AA estacionou o veículo da marca Toyota Land Cruiser, com a matrícula portuguesa ...-NR, atrelando a embarcação denominada “Erica” – Barreiro, na Rua dos Carpinteiros, zona industrial de Alhos Vedros, em frente ao armazém n.º 65A.

No interior do armazém, ao nível do r/c chão, numa zona de escritório, debaixo de coberturas de poliéster estavam embalagens de cannabis (resina) com o peso bruto de 1484130,2 gramas (1.484.130,2 KG).

Entre as embalagens estava um aparelho de frequência hertziana e quatro telemóveis da rede espanhola “Movistar”, dissimulados num dos fardos de Haxixe.

Efectuadas buscas às embarcações que ali se encontravam, duas delas no interior do armazém - Miriam e Margarida - e à Erica que estava atrelada ao carro que o arguido  AA  conduzia, constatou-se o seguinte:

Na embarcação “ Erica “, no interior do compartimento existente no casco na proa foram encontradas embalagens de cannabis (resina) com o peso bruto de 535822,3 gramas (535,822 KG) e num segundo compartimento na zona da popa foram encontradas embalagens de cannabis (resina) com o peso bruto de 7 566 54,62 gramas (756,655 KG),

 Esta embarcação foi registada em nome da “E...” no dia 27 de Outubro de 2008 e foi adquirida em 19 de Outubro de 2008 e paga, através de transferência bancária no dia 14 de Novembro de 2008, à empresa “Orka Nautika” – Croácia, sendo a ordem de transferência efectuada da conta do BPI, titulada pela “E...”.

A embarcação “ Erica “ teve amarração paga na Marina de Albufeira nos dias 07/11/2008 a 19/12/2008; 04/01/2009 a 28/02/2009 e de 10/03/2009 a 31/03/2009.

No dia 18/12/2008, pelas 21H27, o iate “Freddie Rocks” esteve posicionado em alto mar, entre a costa marroquina e portuguesa, sendo a sua localização – 35.39.928N 008.07.935W coincidente com a coordenada geográfica que se encontrava manuscrita como “Grote” (“grande”, em português) – na posse do arguido AA).

No dia 18.12.2008, a embarcação Erica saiu da Marina de Albufeira, dirigiu-se à Costa Marroquina onde carregou haxixe; no trajecto de regresso à costa portuguesa, no ponto estratégico indicado pela referida coordenada, recebeu apoio do iate “Freddie Rocks” e regressou à Marina de Albufeira, carregada de haxixe.

No dia 19 de Dezembro de 2008, esta embarcação fez o check-out na Marina e foi retirada da água e transportada num atrelado até ao armazém de Alhos Vedros, onde descarregou o produto estupefaciente.

As movimentações das embarcações eram controladas, em terra, pelo arguido AA, através da utilização de telefones satélite e telemóveis, adquirindo o AA ou o RAFARL “descartáveis” e telefones satélite que distribuíam pelos tripulantes de cada uma das embarcações.

Assim, por ocasião do transporte de haxixe efectuado entre os dias 14 e 15/03/3009, o arguido AA ficou em Portugal na posse do telemóvel n.º ..., que lhe foi apreendido, que regista tentativas/chamada recebidas pelo tripulante no dia 15/03 às 08H34 e tentativas/chamadas efectuadas e recebidas pelo tripulante entre as 19H22 do dia 15/03 e as 11H43 do dia 16/03/2009.       O telemóvel do tripulante da “Erica” apresenta a localização de Marrocos, entre as 21H26 do dia 14/03/2009 e as 03H06 do dia 15/03/2009 e, neste momento, já captava a rede GSM da costa marroquina e apresentou as localizações de Albufeira e Vilamoura.

            A embarcação “ Margarida I “ encontrava-se no interior do armazém de Alhos Vedros no dia 16/03/2009;Possuía um sistema de dissimulação e transporte de estupefaciente igual aos encontrados nas embarcações “Erica” e “Helena”.

Na “caverna” à proa da embarcação, foram encontrados 392886 gramas (392,886 KG) de cannabis (resina) e na “caverna” localizada na popa estavam 830060,9 gramas (830,061 KG) de cannabis (resina).

A lancha apresentava-se com a designação de “Margarida”, com o registo n.º 6696BRS. Contudo, este nome e registo são falsos, sendo o registo atribuído pelo Porto de Lisboa – Delegação do Barreiro, de 6698BR5 e a denominação “Margarida I ”.

      Esta embarcação “Margarida I” foi registada em nome da empresa “E...”, a 12 de Janeiro de 2009 e foi adquirida em 25 de Novembro de 2008 e paga através de transferência bancária no dia 10 de Dezembro de 2008 à empresa “Orka Nautika Servis Doo” – Croácia.

Teve amarração paga na Marina de Vilamoura entre os dias 27/02/2009 e 27/03/2009, tendo sido cobrado à “E...” o montante de € 351,12.

No dia 11 de Março de 2009, deu entrada na Marina de Vilamoura e o respectivo check-in foi efectuado pelos arguidos BB e AA, ficando amarrada no n.º 5 do cais R.

 Entre os dias 14 e 16 de Março de 2009, a embarcação Margarida I deslocou-se à costa marroquina e regressou à marina de Vilamoura com um carregamento de haxixe.

A embarcação “Miriam“ estava no armazém de Alhos Vedros, em cima do atrelado com a matrícula ...GKC;

No interior da embarcação “ Miriam “ foi encontrada cannabis (resina) com o peso bruto de 1275730,2 gramas (1.275,73 KG).

A “Miriam” apresentava o registo n.º 36-53-YN (fls. 22 e 265), com o casco n.º IT-TRB-DC-928-C8-08 (fls. 2588) e o motor Suzuki n.º 880472.

Contudo, aquele registo - n.º ...-YN - é falso, uma vez que corresponde à embarcação “Carla”, com o casco n.º IT-TRB-DC-914A-808 e motor Suzuki n.º 980050, registada em nome de II.

O número de casco da “Miriam”, corresponde a uma embarcação adquirida pela “E...” à “Orka Nautika” – Croácia, no dia 06/05/2008 e vendida à “Play Well Games”, em 11/06/2008.

A embarcação “RAQUEL” foi adquirida à empresa “BlueNautic - Yachtbroker” – Croácia no dia 28 de Outubro de 2008 e paga, através de transferência bancária, no dia 11 de Novembro de 2008 e registada em nome da empresa “E...” no dia 27 de Fevereiro de 2009.

Possui um fundo falso no casco, ao qual se acede retirando o depósito da água, à semelhança das embarcações “Miriam” e “Yvonne” e uma lâmpada semelhante às que iluminam os fundos falsos das embarcações “Erica”, “Margarida I” e “Helena”.

A embarcação “YVONNE” foi amarrada no dia 15 de Março de 2009 na marina de Vilamoura pelos arguidos FF e GG;

Esta embarcação estava equipada com um fundo falso, construído no casco, onde se acedia através da retirada do tanque da água que se encontrava por debaixo da ponte de comandos.

No seu interior foi encontrada cannabis (resina) com o peso bruto de 1301961.8 gramas (1.301.961,8 KG).

Nas instalações da empresa “Gabomar”, de que é sócio-gerente JJ, foram encontradas:

- Uma embarcação semi-rigida, cor de laranja, com o registo holandês n.º ...-YN

- Uma embarcação semi-rigida, cor de laranja, com o registo holandês n.º ...-YN

- Uma embarcação com a denominação “Helena”, com o registo português n.º ...BR5

- Uma embarcação com a denominação “Natalia”, com o registo belga n.º K ...

- Uma embarcação da marca Sessamarine, modelo “Key Largo 26”

- Um veículo comercial, da marca Renault, com a matrícula espanhola ... CZW

- Um veículo da marca VW, modelo Golf, com a matrícula ...-TO

As lanchas semi-rigidas podem atingir elevadas velocidades; Destinavam-se a dar apoio às embarcações que viajavam até à costa marroquina.

Foram adquiridas, juntamente com os respectivos atrelados à empresa “TP Marine” – Holanda, pela “E...” na última quinzena de Dezembro de 2008 e pagas através de transferência bancária efectuada no dia 08 de Janeiro de 2009 e transportadas para Portugal pela empresa “R.S.J. - Transportes, Lda”, tendo a “E...” pago esse serviço, através de transferência bancária efectuada no dia 13/03/2009, no montante de € 9.800.

Foram recebidas no armazém de Alhos Vedros pelo arguido BB, que assinou os CMR’s.

No dia 01.10.2008 foi adquirida pela empresa “E...” à “Orka Nautica” – Croácia e foi registada em Portugal em nome da empresa “E...” no dia 16.10.2008 com a denominação “Helena”.Possuía uma “caverna” ou duplo casco, à semelhança das embarcações “Erica” e “Margarida I” e aí foram encontrados diversos pedaços de fita adesiva, de cor acastanhada e três lâmpadas fluorescentes que permitiam iluminar o compartimento. uma embalagem envolta em fita adesiva contendo diversas placas de cannabis (resina) com o peso bruto de 1036,1 gramas (1,036 KG);

A embarcação “ Helena “ esteve amarrada na Marina de Vilamoura nos dias 08/11/2008 a 19/12/2008 e 05/01/2009 a 01/03/2009.

No dia 18/12/2008, pelas 21H27, o iate “Freddie Rocks” esteve posicionado em alto mar, entre a costa marroquina e portuguesa, em localização – 35.39.928N 008.07.935W – coincidente com a coordenada geográfica que se encontrava manuscrita como “Grote” (“grande”) – em poder do arguido AA

No dia 18.12.2008, a embarcação “Helena” saiu da Marina de Vilamoura, dirigiu-se à Costa Marroquina onde carregou haxixe e regressou à Marina de Vilamoura.         No dia 19 de Dezembro de 2008, fez o check-out na Marina, foi retirada da água e transportada num atrelado até ao armazém de Alhos Vedros, onde descarregou o produto estupefaciente.

Os bens, objectos e valores apreendidos eram provenientes da actividade de transporte e armazenamento de estupefacientes e/ou eram utilizados na execução dessa actividade, nomeadamente as embarcações, as viaturas, os atrelados, o combustível, os telemóveis.


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Relativamente ao preenchimento da alínea J) do artº 24º do Dec- Lei nº 15/93- “o agente actuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando ” (al.ª j)).

Dispõe o n. 1 do artigo 28º do referido Decreto-Lei:

"Quem promover, fundar ou financiar grupo, organização ou associação de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, vise praticar algum dos crimes previstos nos artigos 21 e 22 é punido com pena de prisão de 10 a 25 anos" (redacção da Lei n. 45/96, de 3 de Setembro).

Prevê-se, pois, aqui, um crime de associação criminosa para a prática do tráfico de estupefacientes, que não diverge, a não ser na punição que é mais severa, do crime de associação criminosa previsto no artigo 287 do Código Penal de 1982 e no artigo 299 do Código Penal de 1995, se bem que a previsão legal seja mais pormenorizada naquele tipo de crime.

Destas disposições legais conclui-se que "cometem, pois, o crime de associação criminosa duas ou mais pessoas que se juntam e acordam dedicar-se, mesmo sem qualquer organização, a uma actividade criminosa", como se diz no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Maio de 1994, in Colectânea de Jurisprudência II-II-233. no mesmo sentido os acórdãos deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Junho de 1991, in Boletim do Ministério da Justiça 408-162, de 31 de Outubro de 1991, in Boletim do Ministério da Justiça 410-418, de 26 de Maio de 1993, in Colectânea de Jurisprudência I-II-237 e de 1 de Junho de 1994, in Boletim do Ministério da Justiça 438-154, e da Relação de Lisboa, de 13 de Abril de 1988, in Boletim do Ministério da Justiça 376-647.

Conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 1990 (Processo 39852, Boletim do Ministério Justiça 397, 190) "são elementos típicos do crime de associação criminosa do artigo 28 do Decreto-Lei 430/83, a promoção, fundação ou financiamento de grupo ou associação de duas ou mais pessoas, que actuem concertadamente, para prática de qualquer dos actos que integram o crime do artigo 23 daquele diploma; a expressão legal "organização ou associação" significa ter de existir acordo de vontades, estrutura, estabilidade; como que se exige a demonstração de que as pessoas se uniram para cooperarem na produção de um programa criminoso, criando e pondo em funcionamento estruturas próprias, com tarefas específicas, com comando ou direcção

A circunstância de os referidos normativos não se referirem apenas a "associações", mas também a "grupos" e "organizações", significa que "a infracção pode existir independentemente de se criar uma entidade semelhante às pessoas colectivas de direito privado, com autonomia dos associados, estatutos, órgãos e instalações", como se diz no citado acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Outubro de 1991.

Por seu turno, o crime de tráfico de estupefacientes considera-se agravado se "o agente actuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21 e 22, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando", como dispõe o artigo 24, alínea j), do Decreto-Lei n. 15/93.

Para a verificação deste tipo de crime "basta que o agente actue com a consciência de participar num grupo, com objectivos definidos, sem que com isso obrigatoriamente conheça todos os membros envolvidos", como se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Junho de 1995, in Colectânea de Jurisprudência III-II-238.- v.  Acórdão de 09-07-1998, SJ199807090005733

A actuação em bando, traduz «uma actuação com vista à prática reiterada de crimes, em que cada agente não tem consciência e (ou) intenção de pertença a um ente colectivo com personalidade distinta da sua e objectivos próprios - o que afastará a associação criminosa típica - mas em que os diversos "colaboradores", inseridos numa orgânica ainda incipiente, reconhecem, todavia, a existência de uma liderança de facto a que se subordinam».- Acórdão de 11-12-2003, SJ20031211002293

Como se refere no sumário do acórdão deste Supremo, de 27-05-2010, 18/07.2GAAMT.P1.S1, a propósito das figuras de associação criminosa e bando:

X - No caso de associação criminosa estamos perante uma autoria plural ou colectiva, por contraposição a autoria singular, e diversa da actuação num quadro de co-autoria ou comparticipação criminosa, e mesmo da figura de bando.

XI - Perante um caso de participação plúrima, três situações dogmáticas se podem e devem conceber: comparticipação propriamente dita, associação criminosa e membro de bando.

XII - O crime de associação criminosa configura-se como um crime de comparticipação necessária; para que a organização exista indispensável se torna a comparticipação de vários agentes, com ressalva da modalidade de acção traduzida na “promoção” - Figueiredo Dias, “Associações Criminosas”, pág. 65 e Comentário Conimbricense, § 43, pág. 1172.

XIII - Como anotado por Eduardo Correia (cf. Problemas fundamentais da comparticipação criminosa, Coimbra, 1951, págs. 45-46), os tipos cuja realização supõe a colaboração ou intervenção de várias pessoas, exigindo conceitualmente a intervenção de várias pessoas, dão lugar a uma comparticipação necessária, onde se distinguem dois grupos: os delitos de colisão ou de encontro e os delitos convergentes, aqui se incluindo aqueles crimes em que as condutas dos vários sujeitos não se dirigem umas de encontro às outras, mas convergem para a realização de um certo resultado.

XIV - Do mesmo modo, Paulo Pinto Albuquerque (Comentário do CP, UCE, 2008, pág. 753) situando a associação na modalidade de crime de convergência, ou seja, aquele em que os contributos dos vários comparticipantes para o facto se dirigem, na mesma direcção, à violação do bem jurídico.

XV - Cavaleiro Ferreira, in Lições de Direito Penal, Editorial Verbo, 1987, 2.ª edição, I, pág. 360, refere que os crimes plurissubjectivos ou de participação necessária, são os que, por sua natureza, só podem ser cometidos por uma pluralidade de agentes, sendo, então, a pluralidade de agentes, elemento essencial da estrutura do crime.

XVI - Escreveu o autor, a págs. 363-364, que, “entre os crimes de participação necessária contam-se, no CP, o crime de associações criminosas (art. 287.º) e o crime de organizações terroristas (art. 288.º). Ambos os crimes constituem materialmente uma antecipação da tutela penal, para além da conspiração e da preparação de qualquer crime; e neste aspecto, pouco condizentes com a restrição da punibilidade, admitida em princípio, das várias fases do iter criminis.”

XVII - Formalmente, o crime de associações criminosas “é um crime autónomo, diferente e separado dos crimes que venham a ser deliberados, preparados ou executados. (…) O crime consuma-se com a fundação da associação com a finalidade de praticar crimes, ou – relativamente a associados não fundadores – com a adesão ulterior. Haverá sempre que distinguir claramente o crime de associações criminosas dos crimes que venham a ser cometidos por todos ou alguns dos associados; entre um e outros haverá concurso de crimes. Caracteriza a associação o fim que se propõe: a prática de crimes. Mas sendo de excluir os crimes que não possam por qualquer modo considerar-se ofensivos da «paz pública», ou de ramos de Direito Penal especial, bem como de contra-ordenações. Como associação, basta que tenha o mínimo de dois associados, mas pressupõe uma chefia e uma disciplina ou norma de funcionamento da organização.”

XVIII - Por conseguinte, o crime de associação criminosa consuma-se independentemente do começo de execução de qualquer dos delitos que se propôs levar a cabo, bastando-se com a mera organização votada e ajustada a esses fins, sendo certo que o facto de a associação ser já de si um crime conduz a que os participantes nela sejam responsabilizados pelos delitos que eventualmente venham a ser cometidos no âmbito da organização, segundo as regras da acumulação real.

XIX - Nelson Hungria, em Comentário ao CP Brasileiro, IX, págs. 177 e ss., escreve que “Associar-se quer dizer reunir-se, aliar-se ou congregar-se estável e permanentemente, para a consecução de um fim comum”

XX - O autor define a associação criminosa como reunião estável e permanente para o fim de perpetração de uma indeterminada série de crimes. A nota de estabilidade ou permanência da aliança é essencial. Não basta, como na co-participação criminosa, um ocasional e transitório concerto de vontades para determinado crime; é preciso que o acordo verse sobre uma duradoura actuação em comum, no sentido da prática de crimes não precisamente individualizados ou apenas ajustados quanto à espécie, que tanto pode ser única ou plúrima, “basta uma organização social rudimentar, a caracterizar-se apenas pela continuada vontade de um esforço comum.”

XXI - A associação criminosa distingue-se da comparticipação pela estabilidade e permanência que a acompanha, embora o fim num e noutro instituto possa ser o mesmo; mas o elemento distintivo fundamental da associação criminosa em relação à comparticipação reside na estrutura nova que se erige, uma estrutura autónoma superior ou diferente dos elementos que a integram e que não aparece na comparticipação. É mais que a actuação conjunta de várias pessoas.

XXII - No acto da subsunção juspenal que ao julgador cabe proceder com vista à confirmação ou à não comprovação da prática de um crime de associação criminosa, deverá o juiz partir da ideia de que nenhum crime consta, nem participado, nem acusado, nem provado e, uma vez neste limbo – ou seja, assim abstraído e mentalmente escorrido dos crimes eventualmente comprovados – interrogando-se então se os factos adquiridos pertinentes (e apenas os exclusivamente pertinentes) aos elementos objectivo-subjectivo-do-tipo-do-ilícito preenchem o tipo do ilícito associação criminosa e se são suficientes, de per si, para imporem a condenação do arguido.

XXIII - Para Leal-Henriques e Simas Santos, CP Anotado, 3.ª edição, Rei dos Livros, 2000, 2.º volume, pág. 1357, “chefiar ou dirigir tem o sentido de comandar, governar, administrar, guiar, mandar. Promover é fomentar, impulsionar, fazer avançar. Fundar significa constituir, formar.”

XXIV - Figueiredo Dias, no Comentário Conimbricense, § 33, págs. 1168/9, define “Chefe ou dirigente como aquele indivíduo que assume as “rédeas” do destino da associação: é o responsável – ou co-responsável –, em particular medida, pela formação da vontade colectiva, ou funciona como pivot essencial à sua execução (centralizando informações, planeando acções concretas, distribuindo tarefas, dando ordens). Diversamente do que acontece com o apoiante, tem de ser membro da organização e, na verdade, membro especialmente qualificado.

XXV - Especial qualificação a que se liga a especial perigosidade das condutas respectivas de chefia ou direcção, por serem estas que possibilitam um desenvolvimento articulado dos desígnios associativos.

XXVI - Paulo Pinto de Albuquerque, na obra citada, nota 13, pág. 752, entende o chefe ou dirigente da associação criminosa como o membro que dirige a estrutura de comando e controla o processo de formação da vontade colectiva da associação criminosa.

XXVII - O grupo, a organização ou associação é uma entidade necessariamente prévia à prática de crimes – os crimes da associação – o que constitui o seu objectivo, o seu desígnio, o seu fim abstracto, o seu escopo, colocando-se num estádio anterior, numa congregação de vontades, na criação de uma entidade pré-ordenada ao cometimento de crimes.

XXVIII - Do mesmo modo, quando se refere a necessidade de que associação tenha em vista a prática de crimes (Beleza dos Santos), ou que a sua actividade seja dirigida à prática de crimes, consistindo nisso o seu escopo (Figueiredo Dias)

XXX - A figura criminosa de “bando” foi introduzida com o DL n.º 15/93, de 22-01, constituindo então uma absoluta novidade no nosso ordenamento jurídico - criminal.

XXXI - Trata-se de uma figura nova, problemática (escusadamente nova, no entender de Faria e Costa, in Comentário Conimbricense ao CP, em comentário ao art. 204.º, n.º 2, al. g), do CP, nos §§ 66 e 67, a págs. 81 e 82, ao afirmar que a importação da noção de bando talvez não tenha sido filtrada convenientemente pela crítica da adequação ao real social nacional), com dificuldades de delimitação em relação a figuras de participação plúrima pré-existentes, e que se distancia, e fica a “meio caminho” entre os crimes associativos dos arts. 287.º e 299.º do CP de 1982 e de 1995 e do art. 28.º do DL n.º 430/83 e do homólogo, sucessor, DL n.º 15/93, e as figuras da mera comparticipação (propriamente dita).

XXXII - Para Taipa de Carvalho, em anotação ao art. 223.º do Comentário Conimbricense do CP, Tomo II, pág. 353, bando significa uma cooperação duradoura entre várias pessoas, sendo um conceito menos exigente que o de associação criminosa, pois que, diferentemente desta, não pressupõe uma estrutura organizacional.

XXXIII - Para Paulo Pinto de Albuquerque, na obra citada, em anotação ao art. 204.º do CP, notas 40 e 41, a pág. 563, o bando apresenta como características cumulativas: a) Grupo de duas ou mais pessoas; b) Grupo de pessoas que se juntam para (“destinado”) praticar um número indeterminado de crimes contra o património (no que se distingue da co-autoria) sendo suficiente o plano para a execução de um número incerto de crimes num período certo de tempo; c) Grupo de pessoas que não tem um líder, uma estrutura de comando e um processo de formação da vontade colectiva (no que se distingue da associação criminosa).

XXXIV - O conceito de bando, que encontra raízes no direito penal alemão, figurando na lei da droga alemã de 1981, enquanto agravante ope legis e como circunstância qualificativa do furto, foi introduzido por Figueiredo Dias, no Projecto de Revisão do CP, 1993, como factor de qualificação dos crimes de «furtum rei» e de roubo.

XXXV - Para este autor, «o «bando» é uma forma de comparticipação», «uma forma especial de co-autoria», deixando claro que o conceito se diferencia da associação criminosa. «Uma associação criminosa pode, obviamente, cometer roubos, mas nem todo o conluio se transforma em associação criminosa».

XXXVI - O conceito de bando assenta, pois, numa designação de cariz criminológico, que pretende traduzir uma situação em que haja, simultaneamente, e em razão da existência de um líder, algo menos do que na associação e algo diferente da co-autoria; algo próximo, mais do que o «concurso de pessoas» (incluindo a co-autoria, espécie mais relevante ou mais forte de tal «concurso»), mas menos do que a «associação».

XXXVII - No CP1886 a figura de bando era desconhecida, prevendo-se então a nível de participação plural, como agravantes, a circunstância de ter sido o crime pactuado entre duas ou mais pessoas, ou de ter sido cometido por duas ou mais pessoas. Tal figura, no domínio do CP, surge mais tarde, a partir de 1-10-95, com a entrada em vigor da 3.ª alteração do CP, operada com o DL n.º 48/95, de 15-03, concretamente no domínio dos crimes de furto qualificado, aqui de forma expressa, e por remissão, nos casos do crime de roubo e de extorsão – art. 204.º, n.º 2, al. g), e arts. 210.º, n.º 2, al. b), e 222.º, n.º 3, al. a), do CP.

XXXVIII - A novidade da agravante típica no bando, adicionando um “elemento especializador”, sendo mais compreensiva, e por isso mesmo, menos extensiva, é mais exigente do que o sistema pré-vigente, deixando de relevar apenas uma qualquer situação de comparticipação, mas antes exigindo uma certa espécie de comparticipação qualificada, teve por necessário efeito, ao tempo, um claro efeito despenalizador, uma restrição da punibilidade, obstando à punição agravada do mero concurso de pessoas no crime – a este propósito, cf. Ac. do STJ de 25-05-94 e Eduardo Lobo, em Decisões de Tribunais de 1.ª Instância, 1993, Comentários, Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga, Outubro de 1995, págs. 37 a 49.

XXXIX - Por conseguinte, o funcionamento da agravante faz do tipo, assim qualificado, um crime normativamente plurissubjectivo e complexo, supondo a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: a) que o agente seja membro de um bando; b) pré-ordenação desse bando à prática reiterada de crimes de tráfico de estupefacientes e/ou de percursores; c) actuação do agente nessa qualidade (enquanto membro desse bando); d) colaboração de, pelo menos, outro membro do mesmo bando.

Também o Acórdão de 26-09-2012, proc. 101/11.0PAVNO.S1, refere a propósito de bando:

- O conceito de bando abarca uma pluralidade de pessoas, duas ou pelo menos duas, actuando de forma voluntária e concertada, com uma incipiente estruturação de funções que, embora mais grave do que a simples co-autoria e menos que a associação criminosa, se apresenta sem uma hierarquia de comando, divisão de tarefas e estruturação de funções.

Constitui um grupo inorgânico, desarticulado, gozando os seus membros de alguma liberdade de acção, com vista à prática reiterada de infracções contra o património, como o caracterizam os Acs. do STJ de 01-10-1997, Proc. n.º 627/97 - 3.ª, de 24-02-1999, Proc. n.º 1136/99 - 3.ª, de 04-06-2002, Proc. n.º 1218/02 - 3.ª, e de 12-09-2007, Proc. n.º 07P2605.

Ora a matéria fáctica é deveras explícita quanto à`verificação da existência de bando.

O arguido AA veio para Portugal em princípios de 2008, onde se relacionou com DD, sócio da empresa “N..., Lda.”, no Seixal e este apresentou-lhe o BB; BB passou a acompanhar o arguido AA e a prestar-lhe colaboração;

No dia 17 de Março de 2008 foi constituída a firma “E... – Aluguer de Barcos de Pesca Desportiva, Unipessoal Lda.”, comparecendo ao acto os arguidos AA e BB, que assinaram o respectivo pacto social. Essa empresa tinha a sua sede num armazém sito na Rua 44 – B1 do Parque Industrial da Quimiparque, no Barreiro, arrendado pelo arguido AA no dia 18 de Março de 2008, depois de uma prospecção de mercado feita pelo arguido BB;

“E... Lda” nunca veio a exercer actividade na área de aluguer de embarcações ou outra conexa, pretendendo-se, com o objecto e denominação social, justificar a posse de embarcações e empreender actividade de transporte de haxixe entre Marrocos e Portugal.

E no dia 1 de Novembro de 2008, o arguido AA, também com a colaboração do BB, arrendou um outro armazém, na Rua ..., pertencente a EE;

Destinavam-se os espaços arrendados referidos a acolher embarcações e a armazenar o estupefaciente.

O arguido AA organizava a movimentação das embarcações entre os armazéns e as marinas, assegurava o apoio logístico necessário, acolhia os indivíduos que se deslocavam a Portugal para tripularem as lanchas rumo a Marrocos recebendo-os no aeroporto ou solicitando ao BB que o fizesse e entregando-lhes dinheiro para despesas, comprava e carregava os telemóveis e telefones satélites que os tripulantes das embarcações utilizavam em Portugal e alugava veículos automóveis.

Incumbia ainda ao arguido AA o controlo, em terra, através da utilização de telefones satélite e telemóveis (quando já se encontravam junto à costa marroquina), das movimentações das embarcações que efectuavam no mar o transporte de estupefaciente;

      Para o controlo destas movimentações, AA ou BB adquiriam telemóveis “descartáveis” e telefones satélite que distribuíam pelos tripulantes de cada uma das embarcações.

O arguido AA recebia, via SMS, as coordenadas geográficas onde as embarcações se deveriam posicionar quando rumavam a Marrocos e transmitia-as aos tripulantes e estes transmitiam-lhe as respectivas posições marítimas. 

Também lhe era transmitido, via SMS, a quantidade de produto estupefaciente que as lanchas transportavam, sendo que o arguido AA tomava nota das quantidades, nunca se mencionando as lanchas, mas sim as alcunhas dos seus tripulantes;

O arguido BB trabalhava, a meio tempo, numa empresa de recuperação de crédito bancário;

Foi apresentado ao arguido AA por DD e a partir de então passou a prestar colaboração ao arguido AA, acompanhando-o sempre que ele se deslocava a Portugal e, na sua ausência, tratava todos os assuntos relacionados com a sociedade “E..., Lda” e com a actividade de transporte de estupefacientes que ela desenvolvia.

O arguido BB recebeu do arguido AA um telemóvel com o nº ... para utilizar no âmbito das suas funções, que passou a usar juntamente com o seu nº de telemóvel pessoal com o nº ....

O arguido BB compareceu, interveio ou teve participação nas seguintes situações:

- Constituição do Pacto Social da firma “E...”

- Arrendamento do armazém da “Q...” e do armazém de Alhos Vedros, efectuando os pagamentos da renda

- Entrega de diversa documentação à contabilista

- Compra e pagamento da embarcação “Freddie Rocks”, na firma “Siroco” – Lisboa

- Recolha em Palhais – Barreiro, das lanchas semi-rígidas, de cor vermelha, propriedade da “E...”, tendo para isso alugado e pago um empilhador

- Esteve presente na compra do veículo Land Rover, com a matrícula ...-UX, na firma “Trajectória”

- Pagamento, em numerário, da legalização das embarcações na Alfândega Marítima de Lisboa (cada legalização custava por volta de € 10.000)

- Legalização de atrelados no IMTT

- Obtenção de grua para as embarcações, nos armazéns da “Quimiparque”

- Arrendamento de apartamentos para si e outros indivíduos no Algarve

- Depósitos em numerário, nas contas da “E...”, em tranches que nunca iam além dos € 12.000,00, ascendendo a milhares de euros

O arguido BB conhecia grande parte dos indivíduos que se deslocavam a Portugal para tripularem as embarcações.

      Nos dias em que eram efectuados os transportes de estupefaciente, BB pernoitava no Algarve, juntamente com AA e os outros indivíduos.

Assim aconteceu entre os dias 20/11/2008 e 30/11/2008, quando ocuparam apartamentos no “Hotel Apartamento Paraíso de Albufeira”.

No dia 27 de Dezembro de 2008, o arguido BB referiu ao arguido AA, via SMS: “está ao portão” e para ele “trazer material se puder”.

No dia 28 de Dezembro de 2008 deslocou-se a Espanha e no percurso trocou, constantemente, SMS com o arguido AA;

Pelas 12H27, BB disse que se encontra “a 80Km de Sevilha”, e pelas 13H31 na “A49, 30 km” e às 20H13 desse mesmo dia, disse ao arguido AA: “está feito”.

Os arguidos AA e BB actuaram concertadamente e em conjugação de esforços.

Conheciam a natureza estupefaciente da substância e a proibição legal do transporte e armazenamento da mesma.

Pretendiam, com a sua actuação, obter compensação.    

O arguido AA sabiam que utilizavam viaturas com matrículas falsas e embarcações com registos e com nomes falsos;Sabia que afectava a fé e a credibilidade públicas das matrículas das viaturas e dos registos das embarcações.Todos os arguidos agiram voluntária, livre e conscientemente, cientes da punibilidade e reprovabilidade das suas condutas.

Procede pois, igualmente a quakificativa da alínea J) do artº 24º do Dec-Lei nº 15/93


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Sobre a medida concreta das penas

O arguido AA alega que a pena, ao fim ao cabo, deve ser reduzida, atentos os factos provados em 175 a 185 e se estar perante haxixe - não cocaína e heroína como vem referido no acórdão recorrido.

Por sua vez o arguido BB, entende que:

não existindo factos suficientes para se aplicarem os agravamentos previstos das penas, o Recorrente apenas podia ser condenado nos temos do disposto no art. 21° n° 1 do Dec-Lei 15/93.

22- E como o Recorrente é primário vive num enquadramento social correto estável e funcional o Arguido não devia ser condenado em pena superior a 5 anos, devendo esta pena ser suspensa, porque a ameaça da sanção e o estigma e prisão preventiva a que o Recorrente já foi sujeito são mais do que suficientes para alcançar o fim da perna de prevenção geral, especial e de reintegração do Recorrente.

23- Acresce ainda que não se entende, mesmo que se considerassem todos os fatos provados da decisão recorrida, como é que o Recorrente com uma participação no crime, comparando os factos provados relativos ao AA, que seria muitíssimo menor, com muito menos intensidade na decisão, determinação, direção, resolução e prática do crime pode sofrer quase a mesma pena que o Arguido AA, não pode ser.

24- No caso de não se considerarem corretas todas as objeções ao Acórdão recorrido é inquestionável que por razões de justiça e equidade o Recorrente nunca devia ser condenado em pena superior a 6 anos e meio, o que continua a ser uma profunda injustiça.

25- No caso de não se considerarem corretas todas as objeções ao Acórdão recorrido é inquestionável que por razões de justiça e equidade o Recorrente nunca devia ser condenado em pena superior a 6 anos e meio, o que continua a ser uma profunda injustiça.

26- Se assim não se entender, não pode considerar-se que cometeu o crime agravado de tráfico e por isso a pena terá de ser reduzida, não ultrapassando os 5 anos, e suspensa na sua execução.

27- Em último recurso, também não há dúvidas de que a pena aplicada é desproporcionada e não está conforme com a jurisprudência recente.

Analisando:

A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C. Penal.

O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Como ensina Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121):“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”

Aduz o mesmo Ilustre Professor –As Consequências Jurídicas do Crime, §55 que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’”

Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.”

Ou, e, em síntese: “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- v. FIGUEIREDO DIAS, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss.

A função da culpa encontra-se consagrada no artº 40º nº 2 do Código Penal que estabelece: “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”

O n ° 2 do artigo 71º do Código Penal, estabelece:

Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência:

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito, do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.

            Relativamente ao princípio da proibição da dupla valoração seguindo o qual não devem ser valorados pelo juiz na determinação da medida da pena, circunstâncias já consideradas pelo legislador ao estabelecer a moldura penal do facto, “não obsta em nada, porém, que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstância s do caso,” pois que não será por ex, indiferente à pena se o roubo foi cometido com pistola ou com metralhadora, ou seja o que está em causa segundo BRUNS, Strafzumessungsrecht, 369, é a consideração das “modalidades da realização do tipo ”e não uma ilegítima violação daquele princípio. A circunstância concreta objecto de dupla valoração apenas deve ficar arredada em nova valoração para a quantificação da culpa e da prevenção determinantes para a pena se já tiver servido para a determinar a moldura penal aplicável ou para escolher a pena. - v. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequência jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, p.235 32 37)


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A decsião recorrida fundamentou:

Quanto ao arguido BB

“Razões de prevenção geral estão presentes nesta pena, pois importa alertar os potenciais delinquentes para as penas e, deste modo, tentar evitar que se pratiquem crimes desta natureza que claramente afectam a tranquilidade e ordem públicas. Cumpre também atender à prevenção especial, na medida em que os arguidos têm de ser alertados para a gravidade dos seus comportamentos, de modo a corrigirem-se, evitando-se assim futuros actos de delinquência.

Do exposto resulta que são altíssimas, as razões de prevenção, quer especial, quer geral, subjacentes à pena concreta em apreciação. O modelo de prevenção acolhido pelo CP – porque de protecção de bens jurídicos – determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Dentro dessa medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função da reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano. Porém, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito, do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados - Acórdão do STJ, de 21.10.2009, processo nº 589/08.6PBVLG.S1.

Importa ainda ponderar, no caso em apreço:

- o grau de ilicitude do facto –que é acentuado, pois a conduta do arguido BB reflecte desvalor em relação à ordem jurídica, nomeadamente à protecção da saúde pública e aos valores de vivência solidária em comunidade, sendo certo que estamos em sede de crime de perigo; importa reflectir que o crime de tráfico de estupefacientes constitui um crime de perigo abstracto - “através destes crimes são incriminadas certas condutas adequadas à produção de perigos que ameaçam, de forma comum, a vida e a saúde dos homens” Figueiredo Dias, RDE, IV-3), entendendo-se pela abstracção, “a circunstância da lei não exigir a verificação concreta do perigo de lesão resultante de certos factos, mas supõe-o iuris et de iure” (Eduardo Correia, Dir. Criminal, 1963, I vol., pg. 287);

- o modo de execução – forte colaborador numa actividade de tráfico que envolve grandes quantidades de droga que vem do estrangeiro, utilização de meios dispendiosos (embarcações, armazém) e muito dinheiro;

- a gravidade das consequências – a droga tem elevados efeitos nefastos, na saúde das pessoas, na vivência comunitária e na manifesta de solidariedade; importa, todavia, considerar que o haxixe não é considerado droga dura.

- a intensidade do dolo – é superior a intensidade do dolo porque o arguido não alegou o consumo de estupefacientes, o que faz concluir que anda neste sub-mundo apenas com intenções de prover aos benefícios económicos;

- os sentimentos manifestados no cometimento do crime – comportamento egoístico e socialmente desajustado, visando apenas, e sem olhar a meios, o benefício económico;

- os motivos e fins determinantes – ganhar (ilicitamente) dinheiro;

- a condição pessoal e económica – o arguido BB está actualmente preso preventivamente no Estabelecimento Prisional junto às instalações da Polícia Judiciária, em Lisboa, apresentando um comportamento adequado e uma postura adaptada às normas vigentes e trabalha na Biblioteca; o seu desenvolvimento pessoal decorreu num contexto familiar afável, harmonioso e organizado, e com uma situação económica estável; frequentou o curso de Contabilidade do Ramo de Fiscalidade no Instituto Superior de Contabilidade de Lisboa; exercia as funções de recuperador de crédito ao serviço de GE Financial, em regime de part-time; vivia com os pais e um irmão mais velho, em casa deles; demonstra imaturidade, ingenuidade e permeabilidade; é tido como trabalhador, responsável e é estimado pelos familiares e amigos; futuramente projecta reintegrar-se no agregado familiar dos progenitores, pretendendo prosseguir os estudos e retomar a actividade profissional;

- a conduta anterior e posterior ao facto – não tem antecedentes criminais,

- a falta de preparação para manter conduta lícita;

- Importa ainda relevar que não está demonstrado qualquer arrependimento. Vd. Ac STJ de 21-06-2007, proc.° 07P2042, Relator: Cons. SIMAS SANTOS, in www.dgsi.pt:" Há arrependimento relevante quando o arguido mostre ter feito reflexão positiva sobre os factos ilícitos cometidos e propósito firme de, no futuro, inflectir na sua conduta anti-social, de modo a poder concluir-se pela probabilidade séria de não recair no crime. O arrependimento é um acto interior revelador de uma personalidade que rejeita o mal praticado e que permite um juízo de confiança no comportamento futuro do agente por forma a que, se vierem a deparar-se-lhe situações idênticas, não voltará a delinquir. Revela uma reinserção social, consumada ou prestes a consumar-se, pelo que as exigências de prevenção, na determinação da medida judicial da pena, são de diminuta relevância").

A moldura aplicável é de pena de prisão de 5 a 15 anos.

Toneladas de haxixe introduzidas em Portugal através de meios que caracterizam o denominado tráfico internacional. A pena de prisão não pode ficar perto dos mínimos legais, num caso, como o dos autos, de tráfico internacional, para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização das expectativas comunitárias. Na verdade, e não obstante o conhecimento da profunda anomia em termos sociais e económicos que está em causa nestes casos específicos de tráfico de estupefacientes, esta actividade constitui um autêntico flagelo e dificilmente seria aceitável para o conjunto dos cidadãos que a pena correspondente a tal ilícito fosse branda, o que seria atentatório da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime e faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral.

Não obstante ter ficado demonstrado a liderança do arguido AA, a actuação entre ambos (com o arguido BB) foi concertada e em conjugação de esforços. Os níveis de confiança eram elevados e estavam muito próximos. O arguido BB fazia depósitos de milhares de euros. Adquiria embarcações. O arguido AA foi condenado na pena de 10 anos e 6 meses, o arguido BB na de 9 anos de prisão. É justa e suficiente esta diferença. Porque é acentuada a actividade do arguido BB e porque praticamente fez o mesmo que o co-arguido AA, não se notando especiais destrinças entre as tarefas de ambos. O ano e meio de diferença vai para a liderança assumida pelo arguido AA.

Não obstante a dimensão do tráfico desenvolvido pelo arguido AA, a sua pena é inferior à média legal (10 anos), pelo que nem pode considerar-se muito severa.

Aqui chegados, considera-se razoável e ajustada a pena de prisão de 9 (nove) anos, já fixada pelo Tribunal a quo ao arguido BB, assim improcedendo, na íntegra, o recurso deste recorrente.

E com esta pena não é possível discutir a eventual suspensão da sua execução.”


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E, quanto ao arguido AA:

“Quanto à medida concreta, também aqui damos por reproduzidas as considerações genéricas supra se efectuou quanto à pena do arguido BB, designadamente quanto às altíssimas razões de prevenção geral e especial e à ausência de um arrependimento relevante.

Importa ainda ponderar, no caso em apreço:

- o grau de ilicitude do facto –que é acentuado, pois a conduta do arguido AA reflecte desvalor em relação à ordem jurídica, nomeadamente à protecção da saúde pública e aos valores de vivência solidária em comunidade, sendo certo que estamos em sede de crime de perigo; importa reflectir que o crime de tráfico de estupefacientes constitui um crime de perigo abstracto - “através destes crimes são incriminadas certas condutas adequadas à produção de perigos que ameaçam, de forma comum, a vida e a saúde dos homens” Figueiredo Dias, RDE, IV-3), entendendo-se pela abstracção, “a circunstância da lei não exigir a verificação concreta do perigo de lesão resultante de certos factos, mas supõe-o iuris et de iure” (Eduardo Correia, Dir. Criminal, 1963, I vol., pg. 287);

- o modo de execução – o líder de uma actividade de tráfico que envolve grandes quantidades de droga que vem do estrangeiro, utilização de meios dispendiosos (embarcações, armazém) e muito dinheiro;

- a gravidade das consequências – a droga tem elevados efeitos nefastos, na saúde das pessoas, na vivência comunitária e na manifesta de solidariedade; importa, todavia, considerar que o haxixe não é considerado droga dura.

- a intensidade do dolo – é superior a intensidade do dolo porque o arguido não alegou o consumo de estupefacientes, o que faz concluir que anda neste sub-mundo apenas com intenções de prover aos benefícios económicos;

- os sentimentos manifestados no cometimento do crime – comportamento egoístico e socialmente desajustado, visando apenas, e sem olhar a meios, o benefício económico;

- os motivos e fins determinantes – ganhar (ilicitamente) dinheiro;

- a condição pessoal e económica – o arguido AA encontra-se sob prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Lisboa, sem registo de qualquer sanção disciplinar, tendo frequentado um curso de língua portuguesa; é cidadão belga, cresceu num contexto socioeconómico equilibrado, mantendo com os pais um relacionamento gratificante; concluiu o ensino secundário e frequentou um curso profissional de grafismo, que não concluiu; aos 22 anos iniciou consumo de cocaína e submeteu-se a diversos tratamentos, sem êxito; contraiu diversas dívidas e enfrentou dificuldades económicas, passou a ter desentendimentos com os pais e sofreu abalo psíquico na sequência da ruptura de um relacionamento afectivo que mantinha; teve diversos empregos, sem estabilidade e nunca exerceu cargos de responsabilidade especial ou chefia; em 2007, abandonou a Bélgica e passou a viver e a trabalhar em Espanha, onde conheceu a actual companheira, que aí reside e trabalha, abandonando então os hábitos de consumo de cocaína; antes de ser preso residia em Portugal, onde representava a sociedade E... – Aluguer de Barcos de Pesca Desportiva, Unipessoal, Lda.; visitava a companheira aos fins-de-semana e preparavam ambos, à data dos factos, o casamento; futuramente, pretende regressar a Espanha. conta com o apoio dos pais e da companheira.

- a conduta anterior e posterior ao facto – não tem antecedentes criminais,

- a falta de preparação para manter conduta lícita;

A moldura aplicável é de pena de prisão de 5 a 15 anos.

Toneladas de haxixe introduzidas em Portugal através de meios que caracterizam o denominado tráfico internacional. A pena de prisão para este arguido – o líder - tem que ser acima da média, para que, num caso como o dos autos, de tráfico internacional, não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização das expectativas comunitárias. Na verdade, e não obstante o conhecimento da profunda anomia em termos sociais e económicos que está em causa nestes casos específicos de tráfico de estupefacientes, esta actividade constitui um autêntico flagelo e dificilmente seria aceitável para o conjunto dos cidadãos que a pena correspondente a tal ilícito fosse branda, o que seria atentatório da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime e faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral.

Ora, resulta da ponderação efectuada que o arguido AA só pode ser condenado em pena colocada na metade superior da moldura aplicável. O que ocorre por diversas circunstâncias: (i) a quantidade do estupefaciente (cocaína e heroína); (ii) a dimensão da actividade, os bens utilizados e o dinheiro envolvido; (iii) a prevenção especial (advertir o arguido); (iv) o combate ao tráfico de drogas e (v) o elevado grau de ilicitude (o desvalor à ordem jurídica e o perigo para a saúde pública de tanto produto estupefaciente).

Ficou demonstrada a liderança do arguido AA. A pena de prisão de 10 anos e 6 meses é justa e adequada. É apenas pouco acima da média legal (10 anos).

Aqui chegados, considera-se razoável e ajustada a pena de prisão de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses, já fixada pelo Tribunal a quo ao arguido AA, assim improcedendo, na íntegra, o recurso deste recorrente.

Com esta pena não há que apreciar a suspensão da sua execução.”

Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida  será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (Figueiredo Dias in Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo Tribunal e desta 3ª Secção, Proc. n.º 2555/06)

Tendo em conta o exposto, as elevadas intensidades de prevenção geral e especial, de que dá conta a fundamentação do acórdão recorrido, com a qual se concorda e que obedeceu ao critério legal de harmonia com o disposto no artº 71º do CP, e  onde também justifica a diferenciação do quantum aplicado aos arguidos, pelo que não ofende o disposto no artº 29º do CP, e tendo ainda em conta a forte intensidade da culpa de ambos os arguidos, que actuavam de forma conjunta e concertada desenvolvendo um grande e avultado negócio de tráfico de estupefacientres demonstrado pelos meios empregues, modo de execução, estratégia e logística utilizadas e quantidades apreendidas, tendo ainda em conta o limite míimo e máximo da pena de prisão aplicável, conclui-se que não se mostram desproporcionais, nem injustas, as penas aplicadas, que por isso são de manter. 

Os recursos não merecem provimento.


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Termos sem que decidindo:

Acordam os deste Supremo – 3ª Secção – em negar provimento a ambos  os recursos e confirmam o douto acórdão recorrido.

Tributam cada recorrente com 3 UCs de taxa de justiça.

Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Abril de 2013

                                   Elaborado e revisto pelo relator

                                   Pires da Graça

                                   Raul Borges