Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
447/10.4TTVNF.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: BANCÁRIO
SANÇÃO DISCIPLINAR
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVER DE LEALDADE
Data do Acordão: 01/08/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES - INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / PODER DISCIPLINAR - CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR (POR FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR)
Doutrina: - Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol. I, 2007, p. 951.
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª Edição, pg. 561; Direito do Trabalho, 16.ª Edição, Outubro de 2012, p. 473 e seguintes.
- M. Rosário Palma Ramalho, ‘Direito do Trabalho’, Parte II, pp. 420-422 e 722-723.
Legislação Nacional: CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 126.º, N.º1, 128.º, N.º 1, ALÍNEA F), 328.º, N.º1, 330.º, N.º1, 338.º, 351.º, N.ºS 1 E 3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 53.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 17.10.2001 E DE 18.2.2011, CONSULTÁVEIS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I – A posição jurídica do empregador confere-lhe, enquanto titular da empresa, um conjunto de poderes, incluído o disciplinar, que se manifesta na possibilidade de aplicação de sanções internas aos trabalhadores, seus subordinados, cuja conduta se revele desconforme com as ordens, instruções e regras de funcionamento da estrutura produtiva, surgindo o despedimento sem indemnização ou compensação, no elenco gradativo das previstas sanções disciplinares, como a “ultima ratio”, reservada às situações de crise irreparável da relação jurídica de trabalho.

II – O princípio da proporcionalidade, convocado aquando da selecção da sanção disciplinar tida por adequada, orienta e informa o empregador, enquanto decisor, da necessidade de observar, no momento próprio, a regra segundo a qual a sanção por que se opte deve corresponder, em termos de proporcional severidade, à gravidade da conduta infraccional, avaliada em si e nas suas consequências, e ao grau de culpa do infractor, ambas aferíveis pelo padrão convencional do homem médio/“bonus paterfamilias” e reportadas ao quadro atendível na apreciação da justa causa prefigurado no n.º 3 do art. 351.º do CT/2009.

III – No plano de valoração desta norma, não pode descurar-se o sector de actividade (bancária) em que se desenvolve a prestação contratada e a particular exigência da componente fiduciária nela pressuposta, domínio em que a “confiança”, mais que mero “suporte psicológico” de uma relação jurídica inter-pessoal duradoura, se traduz afinal no exercício de uma “função de confiança”, essencial na organização técnico-laboral criada e mantida pelo empregador.

 Exige-se dos trabalhadores bancários uma postura de inequívoca transparência, insuspeita lealdade de cooperação, idoneidade e boa fé na execução das suas funções, respeitando escrupulosamente as regras do contrato (as decorrentes da Lei geral e, particularmente, as constantes das normas internas que disciplinam a sua intervenção profissional).

IV – É de afirmar a justa causa do despedimento, atenta a lesão da imagem pública de confiança e segurança da instituição bancária, decorrente da violação do dever de lealdade, quando está demonstrado que a A., à revelia das regras que conhecia perfeitamente por força do exercício das suas funções, pediu, repetidamente, empréstimos a clientes da sua empregadora, para fazer face a despesas pessoais e/ou de empresas familiares, não sendo de relevar, na concretização do juízo subsumível à noção de justa causa, as garantias e pontualidade na satisfação, por parte da A., dos respectivos compromissos assumidos com esses clientes da R.

Decisão Texto Integral:

    Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                    I –

                                Relatório

 

1.

AA, com os demais sinais dos Autos, apresentou requerimento no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Famalicão, autuado em 14.7.2010, visando a impugnação da decisão de despedimento proferida pela sua empregadora «Caixa BB, CRL», com sede em Vila Nova de Famalicão.

Realizada a Audiência de partes, não se logrou a sua conciliação.

A R./empregadora motivou o despedimento, alegando que este é lícito, porquanto a trabalhadora, em 2009, começou a envolver-se nos problemas financeiros de duas empresas, utilizando o tempo e meios de trabalho para a sua resolução, o que determinou queixas de clientes e de colegas de trabalho.

 Mais alegou que a trabalhadora solicitou a clientes da instituição empréstimos em dinheiro, aproveitando a sua situação de funcionária bancária, e que violou os procedimentos existentes e relativos à entrega de livros de cheques e registo dos cheques pré-datados deixados no cofre nocturno.

Concluiu, assim, que a trabalhadora violou os seus deveres de lealdade para com a empregadora e colegas de trabalho, quebrando a confiança que a empregadora mantinha consigo.

Deduziu ainda oposição à sua reintegração, alegando que a trabalhadora é uma pessoa sem qualquer crédito na praça, e que não pode, nesse contexto, continuar a exercer funções de empregada bancária, já que assume um comportamento idêntico ao dos devedores da instituição.

A trabalhadora respondeu alegando que parte substancial do enunciado da nota de culpa não continha factos concretizados no tempo e no espaço, estando agora alegados factos que não constavam daquela; excepcionou a caducidade do direito de instaurar o processo disciplinar; impugnou os factos que lhe são imputados, acrescentando que, sem diligências de prova prévias, a instauração do processo disciplinar é nula.

Alegou a seguir que a empregadora não pode opor-se à sua reintegração, pois que não desempenha qualquer cargo de direcção, não sendo a empregadora uma micro-empresa.

Deduziu por fim pedido reconvencional, peticionando, além do mais, o pagamento das seguintes quantias:

a) 300,05 euros, relativa ao mês de Maio de 2010;

b) 1.650,30 euros, relativa ao mês de Junho de 2010;

c) 1.650,30 euros, relativa ao mês de Agosto  de 2010;

d) 1.350,25 euros, relativa aos dias de trabalho de Setembro de 2010, bem como todas as retribuições que deixou de auferir desde a data em que se verificou o seu despedimento e o trânsito em julgado desta decisão;

- A sua reintegração ou, caso venha a optar pela indemnização, 45 dias de retribuição por cada ano de antiguidade, ou seja, 1.870,50 euros x 21, devendo ainda ser considerado o período que venha a decorrer até ao trânsito em julgado desta decisão, sendo que a mesma deverá ser de 2.494,00 euros x 21, se vier a ter provimento o pedido de oposição à sua reintegração;

- A condenação da empregadora no pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos com a cessação ilícita do seu contrato de trabalho, no valor de 60.000,00 euros;

- A condenação da empregadora no pagamento da quantia relativa a 105 horas de formação que não foi ministrada pela empregadora, no valor de 1.144,50 euros.

- Juros de mora, contabilizados sobre estas quantias, desde a data em que eram devidos.

- Sanção pecuniária compulsória de 100,00 euros por cada dia de atraso na sua reintegração.

 A empregadora replicou, alegando apenas ter tido conhecimento dos factos em 09/03/2010, pelo que não se verifica qualquer prescrição/caducidade.

                                    __

 Condensada, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e a reconvenção parcialmente procedente e, consequentemente, absolveu a trabalhadora AA do pedido formulado pela empregadora ‘Caixa BB’, no sentido da declaração da licitude do despedimento, declarou ilícito o despedimento efectuado e condenou a ‘Caixa de BB’ a reintegrar a trabalhadora, AA, e a pagar-lhe todas as retribuições vencidas desde o 30.º dia anterior à propositura da acção – 14/06/20101 – e as que se vençam até ao trânsito em julgado desta decisão, deduzindo-se ao montante obtido o valor que a trabalhadora tenha recebido com a cessação do contrato de trabalho e que não teria recebido se não fosse o despedimento, bem como qualquer quantia que a trabalhadora tenha recebido a título de subsídio de desemprego, sendo esta entregue pela empregadora à Segurança Social, condenando ainda a empregadora no pagamento à trabalhadora da quantia de 5.000,00 euros a título de danos não patrimoniais;

Condenou ainda a R./entidade empregadora a pagar à trabalhadora a quantia de 1.142,40 euros pelas horas de formação não prestadas e a sanção pecuniária compulsória de 100,00 euros por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegração definida no ponto 1 desta decisão;

Por fim condenou-a também a pagar à trabalhadora juros de mora, à taxa de 4%, sobre as quantias referidas em 2 e 3, desde a citação quanto às retribuições já vencidas na data em que esta se verificou e sobre o valor da formação não prestada e desde a data desta decisão quanto às retribuições entretanto vencidas e indemnização fixada em 4., e até integral pagamento, aplicando-se qualquer alteração que venha a ser introduzida à taxa de juro civil enquanto aquele não se verificar.

Do demais peticionado absolveu a empregadora.

2.

Inconformada, a «Caixa BB, CRL» interpôs recurso de Apelação para o Tribunal da Relação do Porto que, pelo Acórdão prolatado a fls. 1011-1024, lhe concedeu parcial provimento, revogando a sentença recorrida na parte em que condenou a recorrente a pagar à recorrida a quantia de € 1.142,40 pelas horas de formação não prestadas, confirmando-a no demais.

(A deliberação contém um voto de vencido com este teor.

“Vencida, por considerar que os empréstimos a clientes constituem justa causa de despedimento por revelarem uma promiscuidade entre as funções da trabalhadora e a sua vida pessoal, a reflectir-se na imagem do empregador”).

A R./empregadora, irresignada, traz-nos ora a presente Revista, cuja motivação termina com a formulação das seguintes conclusões:

1 - Face ao teor e ao sentido do douto acórdão recorrido impõe-se concluir que o «crime compensa».

2 - A Veneranda Relação esquece o sector em que a recorrente exerce a sua actividade – o sector bancário – onde a confiança desempenha um papel fundamental, como, de resto, é reconhecido pela douta e vasta Jurisprudência na matéria e supra-citada ao longo das presente alegações, como é o caso do Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/12/2004, proc. n.º 1284/04, in www.colectaneadejurisprudencia.com.

3 - Não pode exigir-se a um empregador razoável que mantenha ao seu serviço um trabalhador em quem não pode confiar, como é o caso da recorrida, a quem, a 13/6/2011, no proc. n.º 713/09.1TTVNG.P1, se afirma que «Constitui justa causa de despedimento que leva à quebra da relação de confiança, o trabalhador, gerente bancário de uma agência, que pratica factos graves no desempenho das suas funções que violam de forma flagrante os deveres laborais a que estava adstrito, tais como: aproveitando-se do seu cargo pediu empréstimos a clientes do Réu, para si, diversas quantias em dinheiro que estes lhes emprestavam (...)»; o mesmo sucedendo com o Douto Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa de 15/1/2003 proferido no proc. n.º 0077774, que afirma a existência de justa causa de despedimento de um trabalhador bancário que «não hesitou em pedir empréstimos a clientes do banco, enfim com tal procedimento colocou em perigo os interesses económicos do banco, bem como a imagem deste junto dos seus clientes.»

Sendo caso para realçar os factos provados sob EEE, GGG, SSS, que, ao contrário do que a Veneranda Relação recorrida afirma, demonstram que os empréstimos em causa só foram solicitados face ao conhecimento que a trabalhadora tem emergente do seu vínculo laboral com a recorrente e do acesso à informação que daí advinha, como, de resto, acaba por ser admitido pela primeira Instância ao dizer, na sua fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, que «as testemunhas em causa não confirmaram qualquer ligação particular ou de amizade com a A., para além da relação de trabalho existente», sendo também dito que relativamente «ao desconforto com a situação criada, o Tribunal não tem dúvidas sobre o facto de tal desconforto ter sido, efectivamente, comunicado pelos clientes ao superior hierárquico da A

Assim, impõe-se concluir que, por uma análise objectiva e distanciada da questão controvertida, verifica-se (mais do que) justa causa de despedimento, sendo os factos apurados pela recorrente, e provados nos autos, mais do que suficientes para sustentar a licitude do despedimento efectuado, sendo caso para questionar como é possível determinar a reintegração da trabalhadora, se a recorrente não confia nela e tem razões mais do que suficientes e justificadas para não confiar.

4 - É, pois, evidente o papel essencial e vital que a confiança desempenha na actividade bancária e no relacionamento que uma instituição bancária como a recorrente tem com os seus clientes, sendo certo que quem é a face visível da entidade bancária são os seus trabalhadores e não existe qualquer possibilidade da recorrente ser representada por quem não lhe merece confiança, in casu a recorrida.

5 - Não é possível dar continuidade a uma relação laboral numa situação de incumprimento voluntário do dever de lealdade cometido por uma trabalhadora.

6 - Não pode a recorrente, nem lhe é exigível, enquanto entidade patronal, contemporizar com tais situações, desvalorizando-as e reduzindo-as apenas a um eventual mau momento pessoal ou profissional, pois se o teve não pode a recorrida pretender que a recorrente o desvalorize e se convença apenas pelo seu arrependimento de que tal não voltará a suceder, ainda que, no caso da recorrente, não resulta que haja qualquer arrependimento (bastando ver a sua postura processual e extraprocessual).

7 - Está invocada Douta Jurisprudência em que é sancionado e qualificado como justa causa de despedimento a conduta nos termos da qual, entre outros actos, o trabalhador bancário «não hesitou em pedir empréstimos a clientes do banco, enfim, com tal procedimento colocou em perigo os interesses económicos do banco, bem como a imagem deste junto dos seus clientes».

8 - A irremediável e irreversível quebra de confiança da recorrente na recorrida não é infundada, não é carecida de sustentação, pois os actos praticados pela recorrida são mais do que suficientes para fundamentar o despedimento efectuado, como, de resto, considerou muito sabiamente a Veneranda Desembargadora que votou vencido «por considerar que os empréstimos a clientes constituem justa causa de despedimento por revelar uma promiscuidade entre as funções da trabalhadora e a sua vida pessoal, a reflectir-se na imagem do empregador».

9 - Impõe-se uma questão que seria importante ter sido ponderada e respondida pela Veneranda Relação recorrida:

Será que alguém continuaria a ser cliente de uma instituição bancária cuja trabalhadora solicitaria empréstimos pessoais?

10 - A resposta é mais do óbvia, uma vez que ninguém, no seu perfeito juízo, aceitaria tal situação e na primeira oportunidade mudaria de banco, para um banco que não tivesse entre os seus trabalhadores quem aparecesse recorrentemente a solicitar empréstimos pessoais.

11 - E não se diga (como a Veneranda Relação recorrida o faz, o que é de pasmar) que o facto de tais empréstimos serem para ajudar na vida empresarial das empresas (insolventes) do cônjuge (insolvente) que já tornam lícitos ou legítimos os actos da recorrida, o que diz bem da irrazoabilidade da argumentação constante do douto acórdão recorrido, pois a ser como ele refere (que não é, nem pode ser), qualquer trabalhador ficaria desculpabilizado apenas e só pelas circunstâncias pessoais que até poderiam chegar ao ponto extremo de desculpabilizar um qualquer furto ou abuso de confiança.

12 - Tal posição vertida no douto acórdão recorrido diz bem do erro flagrante, chocante e lamentável em que laboraram os Venerandos Desembargadores que não votaram vencidos e que fizeram aprovar o infeliz e inacreditável acórdão recorrido.

13 - O próprio tribunal que, por um lado, reconhece expressamente a ilicitude, a culpa e a gravidade dos vários comportamentos da trabalhadora, é o mesmo tribunal que de forma chocante adopta (sem qualquer base legal ou factual) uma posição desculpabilizadora em relação de tais comportamentos, desresponsabilizando-a, na prática, pela sua autoria, fazendo referência (totalmente absurda) aos montantes pequenos dos empréstimos, como se a confiança tivesse um qualquer instrumento de medição e fosse susceptível de gradação.

14 - A Veneranda Relação recorrida esquece-se (ou faz-se de esquecida) de que ou se confia ou não se confia, não existe o meio-termo, o confiar assim-assim ou o confiar medianamente, para mais numa actividade em que a competência e a confiança têm de imperar e de estar presentes em cada momento.

15 - Mas para a Veneranda Relação recorrida nada disto interessou e parecia que, fizesse a trabalhadora o que fizesse, sempre haveria de se descobrir uma atenuante (mesmo artificial, viciada ou absurda como foi o caso da argumentação utilizada no douto acórdão recorrido).

16 - A Veneranda Relação recorrida incorre num manifesto e lamentável lapso, ao considerar cada comportamento da recorrida de forma estanque, ignorando ou desprezando a gravidade conjunta dos comportamentos da trabalhadora, considerados no seu todo (e com todas as suas implicações), devendo ter sido conjugados todos os comportamento em si.

17 - De qualquer forma, sempre se dirá que, com a excepção da baixa médica, todos os demais comportamentos da recorrida, mesmo considerados isoladamente, constituem justa causa de despedimento, sendo manifesto que cada um dos empréstimos obtidos pela recorrida são de montante superior ao seu vencimento mensal, o que diz bem da inexistência, ao contrário do que a Veneranda Relação recorrida diz, de qualquer carácter insignificante» nos empréstimos em causa.

18 - O que importa reter é que os comportamentos da trabalhadora ocorreram, foram provados, o mesmo sucedendo com os respectivos efeitos e implicações para a relação laboral, que se tornou insustentável pela actuação da recorrida, que colocou em crise de forma evidente e inequívoca a relação laboral e a confiança que a deve caracterizar.

19 - Importa questionar como a Veneranda Relação recorrida perspectivará uma eventual reintegração da recorrida, uma vez que, com decisões como o douto acórdão recorrido, a trabalhadora sentir-se-á legitimada e até incentivada a solicitar novos e cada vez mais empréstimos a clientes da sua entidade patronal, dado que foi premiada com o douto acórdão recorrido.

20 - A este respeito, o que dirá a Veneranda Relação recorrida?

21 - O douto acórdão recorrido significa uma via verde, uma aprovação lamentável, da conduta da trabalhadora, cujo teor até põe em causa o poder disciplinar da recorrente, pois com que força e com que fundamento a recorrente poderá sancionar novos empréstimos que a trabalhadora, agora cheia de ânimo pelo acórdão recorrido, irá inevitavelmente solicitar?

22 - A esta hora, já a trabalhadora, conhecedora dos saldos dos clientes da recorrente, saberá a que portas bater, sempre com o escudo protector do infeliz e lamentável douto acórdão recorrido.

23 - E não se diga, como erradamente faz a primeira instância, que «Qualquer outra sanção – sobretudo se tivesse repercussão pecuniária – seria suficiente para que a trabalhadora deixasse de misturar a sua vida profissional com a pessoal, quanto mais não fosse, precisamente, pelo receio de perda da sua fonte de rendimento.»

Uma vez que resulta dos factos provados que Z) «A trabalhadora foi alertada pelo seu superior hierárquico para deixar os seus problemas pessoais fora do local de trabalho e para não efectuar tantas chamadas telefónicas.»

LL) «Nesse mesmo dia, 7/12/2009, foi a A. alertada para a necessidade de corrigir o seu comportamento».

24 - Assim, impõe-se questionar como é que é possível dizer que outra sanção seria apta a mudar o comportamento da trabalhadora, se nem a ameaça da sanção mais grave – o despedimento – a fez alterar a sua conduta, tendo, ao invés, efeito contrário, de enganar a entidade empregadora, com encenações fictícias e recurso a terceiros (aquele CC) e com tentativas de camuflar situações (como sucedeu com aquela DD), não se inibindo até de enganar o tribunal – na primeira instância – (vd. o sucedido com CC aquando das respectivas inquirição e acareação, conforme até consta da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto da primeira instância) e chegando a trabalhadora ao ponto de estando em situação de baixa médica sem autorização para sair de casa, ter ido levantar (a outro balcão que não o da sede administrativa da recorrente) o valor de (mais) um cheque que titulava novo empréstimo de cliente da recorrente (vd. factos provados AAA e BBB e documento que titula a baixa médica que instrui o processo disciplinar do qual consta a falta de autorização para sair de casa).

25 - Importa referir o comportamento que a trabalhadora adoptava quanto a rotações de cheques, sendo que, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto da primeira instância, é dito que «Quanto à utilização que era dada à sua conta, a mesma foi confirmada pela própria A., tendo os colegas de trabalho referido o depósito de cheques da própria A. na sua conta, no balcão 24, de modo a que esta tivesse saldo contabilístico, mas que não era imediatamente disponível».

26 - Resultou provado que a trabalhadora utilizou contas pessoais para resolução dos problemas das sociedades associadas à actividade profissional do marido da trabalhadora.

27 - A este propósito, resultou também provado que a trabalhadora utilizava tempo de trabalho na resolução dos problemas de natureza financeira que atravessam tais empresas.

E que,

«Com base nos n.ºs de telefone do marido da A. (...) e daquela que foi identificada como sendo funcionária desta (… ou o …), que a A. identificou como um n.º pertencente a um cliente do marido, é possível verificar dezenas de chamadas efectuadas para os n.ºs destas pessoas, o que evidencia que de facto existiam muitas chamadas pessoais efectuadas pela A. (quer tentadas quer concretizadas).

Note-se que o Tribunal não considerou as chamadas realizadas no dia 25/1/2010 (3) pois que nesse dia a A. não estava a trabalhar. Estas 3 chamadas permitem concluir inequivocamente que o telefone era de facto utilizado pela A., pois que só assim se explica uma tal diferença entre aquele dia e os demais em que a A. esteve ao serviço».

E «Note-se que as chamadas telefónicas para o marido são tantas e tão insistentes em alguns momentos do dia que não surpreende que nas suas ausências para o pequeno almoço continuasse os contactos que, em exercício de funções, já realizava» que a primeira instância até qualifica como «um número absolutamente abusivo de telefonemas».

28 - A propósito do não registo dos cheques pré-datados da ‘EE’, cuja factualidade respectiva foi provada, bem como o não cumprimento pela trabalhadora do procedimento estabelecido pela recorrente e que era do seu conhecimento, o que, já no entendimento da primeira instância, constitui violação de dever laboral a cujo cumprimento a trabalhadora estava obrigada legal e contratualmente.

29 - Ainda quanto aos vários mútuos solicitados pela trabalhadora a clientes da recorrente (que referiram, como é dito na fundamentação da decisão da matéria de facto da primeira instância a propósito da testemunha da recorrente FF, cônjuge de GG, «não ter gostado da atitude da A. em pedir-lhe dinheiro emprestado», «nunca pensei que um funcionário bancário viesse pedir empréstimos a um cliente» - «um abuso» como a própria testemunha afirmou e está gravado no sistema informático em utilização na primeira instância mediante a menção «reprodução sonora efectuada em suporte digital com a duração de 15:34 minutos»), convirá reproduzir o que a primeira instância refere a esse propósito:

«Resultaram efectivamente demonstrados os comportamentos imputados, no que diz respeito à solicitação da trabalhadora de várias quantias em dinheiro, quatro dos quais a três pessoas distintas e que eram clientes da R.

Este comportamento é, no entender do Tribunal, gerador de conflitos de interesse, porque não pode dissociar-se o facto de estes serem clientes da R. do conhecimento que a A. tem, por via das suas funções, dos concretos movimentos das suas contas bancárias.

Parece-nos assim inequívoco que a A., ao solicitar a entrega de tais quantias ainda que assumindo a obrigação de restituição de idêntico montante, viola o ponto 5 do já citado Código de Conduta pois que, colocando-se na posição de devedora perante um cliente da sua empregadora, torna-se vulnerável no contacto com esse mesmo cliente em situações profissionais futuras

E

«Quanto ao pagamento do cheque de que esta era destinatária e que foi pago pela própria A., tal comportamento consubstancia uma situação grave (tanto mais que a A. tentou dissimulá-‑la no processo disciplinar, construindo uma história para o seu pagamento a terceira pessoa da sua confiança)

30 - Os factos provados sob EEE, GGG, SSS demonstram que, ao contrário do que a Veneranda Relação recorrida afirma, os empréstimos em causa só foram solicitados face ao conhecimento que a trabalhadora tem emergente do seu vínculo laboral com a recorrente e do acesso à informação que daí advinha, sendo também dito que relativamente «ao desconforto com a situação criada, o Tribunal não tem dúvidas sobre o facto de tal desconforto ter sido, efectivamente, comunicado pelos clientes ao superior hierárquico da A

31 - Impõe-se concluir que, por uma análise objectiva e distanciada da questão controvertida, se verifica (mais do que) justa causa de despedimento, sendo os factos apurados pela recorrente e provados nos autos mais do que suficientes para sustentar a licitude do despedimento efectuado.

32 - É caso para questionar como é possível determinar a reintegração da trabalhadora, se esta, não obstante os vários alertas e chamadas de atenção dos superiores hierárquicos, continuou teimosamente a confundir os assuntos profissionais e os pessoais, a relegar o desempenho profissional para secundaríssimo plano, a mentir à entidade patronal (ocultando ou dissimulando os empréstimos que obtinha e que sabia serem contrários aos ditames da actividade bancária), a praticar simulações (vd. documento de cessão de crédito junto aos autos e sua subsequente e esclarecedora revogação e as constantes menções a que deu o nome pelo cônjuge enquanto sócia e gerente das empresas), a acumular credores e dívidas e a criar mal-estar com colegas e com clientes, o que implica necessária e inevitavelmente a deterioração da imagem do banco.

33 - Caso, por mera hipótese académica e por absurdo, a reintegração seja confirmada, sucederá, em catadupa, o que já consta dos factos provados I, M, N, O, Q, R, S, U, V, X, MM, TT a SSS, pois a trabalhadora sentir-se-ia, nesse caso hipotético e absurdo, legitimada a continuar a sua actuação ilícita e violadora dos seus deveres perante a recorrente.

34 - É bem patente nos autos que o buraco em que a própria trabalhadora se meteu já existia previamente à acção disciplinar da recorrente – vd. facto provado UUU e a referência constante da fundamentação da decisão da matéria de facto da primeira Instância segundo a qual «esta estava no momento que antecedeu a instauração do processo disciplinar demasiado endividada para os rendimentos que tinha como funcionária da R., mantendo despesas provavelmente acima das suas reais possibilidades financeiras».

(Nota: Todos os sublinhados constam do original).

35 - A douta sentença recorrida viola o disposto nomeadamente nos arts. 668.º, n.º 1, c) do CPC, art. 128.º, n.º 1, b), c) e), f), g) e h) e art. 351.º, n.º 2, a), d), e) e m) da Lei n.º 7/2009 de 12/02 (C. Trabalho).

Termina perorando que o presente recurso seja julgado procedente e, em consequência, seja proferido Acórdão que revogue o acórdão recorrido e considere válido, eficaz, lícito e justificado o despedimento e absolva a recorrente dos pedidos formulados.

                                    __

A A. contra-alegou, concluindo a circunstanciada resposta no sentido de que a R., na sua ânsia de proceder ao despedimento da recorrida, não tomou em consideração, além do mais, o princípio da proporcionalidade, ao aplicar a sanção em causa, e agora, vendo-se confrontada com a reintegração da recorrida nos seus quadros, só a si pode pedir responsabilidades, cumprindo no entanto lembrar que, tendo em conta a estima que sempre existiu pela recorrida enquanto funcionária da recorrente, nenhum alarme, nomeadamente perante os clientes da recorrente, tal situação poderá causar.

De todo o modo, não existe qualquer fundamento, jurídico ou de facto, para a recorrente se opor à reintegração da recorrida.

                                               __

Já neste Supremo Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto tomou posição, propendendo no sentido de que o recurso deveria improceder, antes se confirmando o Acórdão impugnado que sufragou a ilicitude do despedimento.

A recorrente reagiu à notificação do parecer do M.º P.º concluindo como no remate da precedente motivação.

                                    __

3.

Do ‘thema decidendum’.

A questão, única e axial, consiste em saber se a conduta disciplinarmente sindicada e factualizada constitui ou não justa causa para o cominado despedimento.

Colheram-se os vistos.

Cumpre analisar, ponderar e decidir.

                                    __

                                    II -

                            Dos Fundamentos

A – De facto.

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1.ª Instância, que o Tribunal da Relação avalizou, não se prefigurando situação que demande a intervenção prevista, nesta sede, pelo n.º 3 do art. 729.º do C.P.C.:

A) – O Tribunal dá aqui como reproduzido o teor do procedimento disciplinar que foi instaurado pela entidade patronal a AA, nomeadamente:

1 – A nota de culpa remetida à trabalhadora foi a que consta de fls. 62 e segs., datada de 25/03/2010 e notificada à A. nessa mesma data;

2 – A trabalhadora respondeu à nota de culpa por carta datada de 14/04/2010;

3 – A empregadora proferiu decisão através da qual fez cessar o contrato de trabalho com a A., invocando justa causa, nos termos de fls. 285 e segs., em 25/05/2010, tendo esta decisão sido notificada à trabalhadora em 26/05/2010.

B) – Os trabalhadores da R. têm direito a um intervalo de 15 minutos da parte da manhã, e de uma hora para o almoço.

C) – A trabalhadora tem um registo de 36 dias de faltas justificadas e baixa médica e de 3 faltas não justificadas, ocorridas entre os dias 05/08/2009 e 29/12/2009.

D) – A trabalhadora iniciou funções na R. em 21/11/1989.

E) – Nunca foi movido à trabalhadora qualquer processo disciplinar.

F) A trabalhadora/A. frequentou acções de formação, onde teve sempre                              avaliações muito positivas.

G) – A trabalhadora auferia mensalmente:

- O vencimento-base de 1.085,39 Euros;

- 161,60 Euros, a título de diuturnidades;

- 133,30 Euros, a título de subsídio para falhas;

- 220,37 Euros, de valor compensatório.

H) – A entidade patronal tem no balcão de Vila Nova de Famalicão um universo de 13 colaboradores.

I) – No decorrer do ano de 2009, e como essas sociedades atravessassem dificuldades económicas, a trabalhadora envolveu-se na actividade e gestão das empresas ‘HH’ e ‘II Ld.ª’.

J) – A trabalhadora era legal representante da empresa ‘II’.

L) – A sociedade ‘HH’ teve conta aberta na R.

M) – A trabalhadora efectuava contactos telefónicos do seu posto de trabalho para tratar de assuntos daquelas sociedades.

N) – A trabalhadora saía das instalações da R. em horário de trabalho, prolongando as suas ausências a meio da manhã para o pequeno-almoço.

O) – A trabalhadora utilizou as suas contas particulares para a gestão de negócios associados às empresas ‘HH’ e ‘II’ quanto à domiciliação de cobranças e emissão de cheques.

P) – Foram devolvidas cobranças associadas àquelas empresas por falta de provisão, bem como dois cheques que foram entretanto justificados.

Q) – Terceiros tentavam contactar a trabalhadora via telefone, para o seu local de trabalho.

R) – Esta era contactada telefonicamente para regularização de dívidas das sociedades referidas ou por si assumidas.

S) – Algumas dessas chamadas eram efectuadas por parte de empresas de concessão de crédito fácil.

T) – É proibido aos trabalhadores da R. falarem ao telemóvel na presença de clientes.

U) – A situação financeira da trabalhadora e o tempo despendido por esta na sua resolução gerava desconforto junto dos seus colegas de trabalho.

V) – A trabalhadora recorreu à utilização da sua conta pessoal, à ordem, para movimentos das empresas na tentativa de resolução dos seus problemas financeiros.

X) – A trabalhadora solicitou empréstimos a alguns amigos e familiares, sendo alguns deles clientes da R., nomeadamente o irmão JJ, a amiga KK, a amiga e colega da BB da Póvoa de Varzim, LL, e MM.

Z) – A trabalhadora foi alertada pelo seu superior hierárquico para deixar os seus problemas pessoais fora do local de trabalho e para não efectuar tantas chamadas telefónicas.

AA) – Uma das tarefas da trabalhadora era a de proceder ao arquivo dos livros de cheques requisitados pelos clientes para posterior entrega aos mesmos, ao tratamento e arquivo dos cheques pré-datados entregues pelos clientes no balcão, para envio à cobrança na respectiva data.

BB) – A trabalhadora entregou aos clientes livros de cheques por estes requisitados sem proceder ao respectivo registo de entrega.

CC) – Desrespeitando as normas de procedimento.

DD) – Esta tarefa de proceder ao arquivo dos livros de cheques requisitados pelos clientes para posterior entrega dos mesmos não é exclusiva desta trabalhadora.

EE) – No dia 04/12/2009 (dia em que a trabalhadora faltou ao trabalho), a cliente da R., denominada ‘EE’, reclamou junto da R. porque alguns cheques entregues para guarda (e posterior apresentação a pagamento nas datas apostas nos mesmos) não estavam a ser depositados nas respectivas datas.

FF) – Após averiguação do sucedido, verificou-se que a A., AA, tinha os cheques no cofre da R., junto da caixa com que trabalha habitualmente, sem os ter registado no dia em que os retirou do cofre nocturno onde foram deixados pelo cliente, como deveria ter sido por si efectuado.

GG) – Nestas situações, a regra de actuação a adoptar era (e é) a de proceder ao registo informático dos cheques pré-datados entregues pelos clientes e, posteriormente, guardá-los no cofre.

HH) – Procede-se ao registo informático, para, por um lado, entregar ao cliente comprovativo da entrega dos cheques, e, por outro lado, para que, nos dias que os cheques devem ser apresentados a pagamento, não haja falhas.

II) – Procede-se ao seu depósito no cofre por razões de segurança, tendo os cheques sido encontrados no cofre.

 JJ) – A trabalhadora estava encarregue do cofre nocturno e dos cheques pré-datados nele depositados, sendo o procedimento adequado realizar o seu registo nos termos referidos.

LL) – Nesse mesmo dia, 07/12/2009, foi a A. alertada para a necessidade de corrigir o seu comportamento.

MM) – A trabalhadora efectuou 583 chamadas desde 02/01/2010 a 08/02/2010.

NN) – Das 583 chamadas apenas 334 foram efectuadas com sucesso.

OO) – Três dos funcionários da entidade patronal têm funções comerciais e de recuperação de crédito com grande utilização do telefone.

PP) – A trabalhadora não tinha essas funções, exercendo as funções de Caixa.

QQ) – Era determinado à trabalhadora que contactasse clientes para venda de produtos.

RR) – No dia 05/02/2010, verificou-se que, no universo de 117 chamadas, 52 chamadas foram efectuadas pela trabalhadora.

SS) – O tempo despendido foi de 29 minutos e 31 segundos.

TT) – Em dia indeterminado, mas anterior a 03/11/2009, a A. solicitou ao seu primo, NN, cliente da R., alegando dificuldades financeiras, um empréstimo de 2.000,00 Euros, que seria honrado assim que possível.

UU) – Este emitiu o cheque n.º ..., sacado sobre a conta n.º ..., de que é titular.

VV) – Este cheque foi pago no balcão de Vila Nova de Famalicão, em numerário, directamente à trabalhadora, no dia 03-11-2009 (segunda-feira seguinte).

XX) – A trabalhadora entregou a NN um cheque de garantia.

ZZ) – A quantia pedida a NN ainda não se encontra paga.

AAA) – Em 24/02/2010, foi levantado pela trabalhadora, no balcão da R. …, às 13:25 horas, o cheque n.º ..., no montante de 2.000,00 Euros, sacado sobre a conta n.º ..., emitido por CC.

BBB) – A trabalhadora encontrava-se de baixa médica, que lhe foi atribuída nesse mesmo dia: 24/02/2010.

CCC) – Este cliente, CC, transmitiu a OO, funcionário da R. e superior hierárquico da trabalhadora, que esta lhe solicitou um empréstimo de 2.000,00 Euros, que seria reembolsado daí a alguns dias, sendo que a pessoa em causa foi interpelada sobre o assunto por aquele superior hierárquico da trabalhadora quando este teve conhecimento que o cheque em causa lhe foi pago, um ou dois dias depois.

DDD) – Perante a situação, o cliente passou o cheque supra referido.

EEE) – A trabalhadora conhecia o saldo da conta do cliente da R.

FFF) – Como garantia, a A. emitiu o cheque n.º ..., sacado pela “II – Unipessoal, Ld.ª” sobre o ‘Banco ..., SA’, sem data.

GGG) – Após ter sido interpelado por OO, nos termos referidos supra, o cliente em causa referiu ter ficado aborrecido com a situação com que foi confrontado e que ponderou levantar o dinheiro que possuía depositado na R.

HHH) – Nessa conversa, o cliente, tendo-se apercebido de que o cheque da garantia era da empresa da trabalhadora, ligou-lhe, pedindo para o substituir por um cheque pessoal.

III) – A trabalhadora passou o cheque n.º ..., sacado sobre a sua conta DO n.º ..., na R.

JJJ) – Em 18-02-2010, foi levantando no balcão de ..., pelo marido da A., o cheque n.º ..., no montante de 1.900,00 Euros, sacado sobre a conta n.º ..., emitido por GG.

LLL) – Em data posterior a 18/02/2010, o superior hierárquico da trabalhadora, OO, questionou aquele GG sobre aquele pagamento, tendo este referido que já em data anterior, em Novembro de 2009, a trabalhadora o havia procurado, solicitando-lhe um empréstimo de 2.000,00 Euros.

MMM) – Aquele GG sacou e entregou-lhes o cheque n.º ..., que foi pago pela trabalhadora no dia 11-11-2009, enquanto caixa.

NNN) – Tendo o mesmo sido levantado/assinado (formal e nominalmente) por DD.

OOO) – A referida DD é amiga da trabalhadora e prestou-se a assinar o cheque para proceder ao respectivo levantamento em favor da trabalhadora.

PPP) – Como garantia deste empréstimo, a trabalhadora entregou àquele GG um cheque, sacado sobre a sua conta n.º ..., aberta na R.

QQQ) – Quando foi interpelado nos termos referidos supra, o cliente da R. GG, referiu que, em 17/02/2010, a A. lhe solicitou um segundo empréstimo de 1.900,00 Euros, que aquele concedeu, a que se reporta o cheque referido no facto III).

RRR) – Como garantia, a A. passou o cheque nº …, sacado pela “II” sobre o ‘Banco ..., SA’ para o dia 04-03-2010.

 SSS) – Quando foi interpelado pelo superior hierárquico da A., OO, o referido GG evidenciou desconforto pelo facto de a trabalhadora lhe ter solicitado os referidos empréstimos, não tendo gostado da sua atitude.

TTT) – Sendo a R. uma entidade bancária, a imagem de confiança e de estrito cumprimento do sigilo bancário é determinante para a sua actividade.

UUU) – Na data em que foi iniciado o processo disciplinar, a trabalhadora havia solicitado vários empréstimos a instituições bancários e a particulares, vivendo as empresas associadas à trabalhadora e ao marido dificuldades económicas.

VVV) – Quando o superior hierárquico da trabalhadora comunicou verbalmente à Administração da R. os comportamentos desta trabalhadora que entendia serem incorrectos, esta determinou-lhe que efectuasse tal comunicação por escrito, o que este fez por comunicação datada de 04/03/2010, e que estão elencados a fls. 48 e sgs. dos autos, cujo teor aqui se considera reproduzido, sendo que aquela conversa ocorreu alguns dias antes, nunca mais de uma semana.

XXX) – Por exercer funções de caixa, a trabalhadora tinha indicações do Sr. OO, seu superior hierárquico, para que os atendimentos demorados aos clientes fossem encaminhados para outros colegas, ou para outros locais, libertando o balcão de caixa.

ZZZ) – A R. não pagou dois cheques que a trabalhadora tinha emitido sobre valores pendentes que se encontravam na sua conta à ordem.

AAAA) – A trabalhadora foi notificada para justificar um cheque quando a sua conta estava provisionada para o seu pagamento.

BBBB) – Para além das quantias referidas em G), a trabalhadora auferia a mensalmente a quantia de 49,64 Euros de subsídio infantil.

CCCC) – A trabalhadora teve sempre o respeito, a estima e consideração dos seus superiores hierárquicos, nomeadamente da sua Direcção, que incumbiam a trabalhadora do tratamento de várias questões relacionadas com as contas dos seus membros e familiares.

DDDD) – A sua competência profissional foi sempre reconhecida.

EEEE) – A trabalhadora sentia grande orgulho na profissão que tinha.

FFFF) – Sendo merecedora de respeito, quer dos seus superiores hierárquicos, quer dos clientes da instituição, ao longo dos vários anos em que exerceu a sua actividade.

GGGG) – A trabalhadora sentiu-se injustiçada com as imputações efectuadas no processo disciplinar, sentindo-se ofendida na sua honra profissional.

HHHH) – O seu despedimento causou-lhe transtornos e dificuldades.

IIII) – A trabalhadora tem sido auxiliada por terceiros.

JJJJ) – A privação da sua fonte de rendimento causa à trabalhadora profunda angústia.

LLLL) – Vendo-se privada do sistema de saúde de que até aí beneficiava, bem como os seus filhos (SAMS), e também por aí agravadas as suas dificuldades.

MMMM) – A imputação dos factos efectuada pela R. no processo disciplinar causará à trabalhadora problemas na obtenção de novo emprego.

NNNN) – Correndo o boato de que a trabalhadora foi despedida por supostamente ter “dado um desfalque” na R.

OOOO) – A trabalhadora tem sido seguida em consultas de psiquiatria.

PPPP) – A quantia de 133,30 Euros era paga à trabalhadora por exercer funções de caixa e que a quantia paga a título de “valor compensatório” visa ressarci-la do valor dos descontos obrigatórios realizados, sendo esse o valor respectivo e ocorrendo o seu pagamento com o subsídio de Natal, estando o subsídio infantil relacionado com os filhos da A.

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É este o acervo factual retido, com base no qual se há-de resolver a identificada questão que constitui o ‘thema decidendum’.

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B – Os Factos e o Direito.

Insurge-se a recorrente, ‘Caixa BB, CRL’, contra a ajuizada inidoneidade do factualizado comportamento, globalmente considerado, enquanto justa causa para o despedimento.

As duas Instâncias coincidiram na solução ora impugnada.

Ambas qualificaram a conduta da trabalhadora como censurável, ilícita e culposa, nas suas manifestações disciplinarmente relevantes, mas não suficientemente grave (em si e nas suas aquilatadas consequências), para integrar a noção de justa causa de despedimento.

Confirmou-se assim a sentença, no atinente à ilicitude da sanção cominada, pelas razões em que a mesma se fundamenta: não ter sido observado o postulado decorrente do princípio da proporcionalidade.

O quadro normativo de significação mostra-se adequadamente delineado, com respaldo nas reflexões da doutrina e em múltiplas decisões jurisprudenciais, a propósito convocadas.

Relembramo-lo adiante, nos seus traços essenciais.

É à sua luz que nos cabe encontrar a solução consentânea, com o reconhecido melindre que a questão envolve e que passa, decisivamente, pela ponderação do desvalor axiológico, em sede disciplinar, da actuação da A./trabalhadora no factualizado contexto da sua actividade profissional.  

Vejamos então.

B.1 - Do despedimento da A.

Da justa causa.

Sob a epígrafe ‘Segurança no emprego’, a C.R.P. consagrou no seu art. 53.º a garantia aos trabalhadores de que são proibidos os despedimentos sem justa causa, proibição que o art. 338.º do CT/2009 textualmente reproduz.

Dispõe-se no n.º 1 do art. 351.º deste Compêndio – em termos praticamente coincidentes com as noções antes constantes dos arts. 9.º/1 da LCCT e 396.º/1 do CT/2003 – que constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

A relação juslaboral é, como se sabe, tendencialmente duradoura ou de execução duradoura.

A posição jurídica do empregador confere-lhe, enquanto titular da empresa (havida como uma organização de meios materiais e humanos), um conjunto de poderes, incluído o disciplinar, que se manifesta na possibilidade de aplicação de sanções internas aos trabalhadores, seus subordinados, cuja conduta se revele desconforme com as ordens, instruções e regras de funcionamento da estrutura produtiva.

Do elenco gradativo das previstas sanções disciplinares (art. 328.º/1), o despedimento sem indemnização ou compensação surge como a ‘ultima ratio’, reservada às situações de crise irreparável da relação jurídica de trabalho.

Estes são os casos de justa causa de despedimento, com os contornos delimitados pela referida noção/cláusula geral, preenchida por um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo juslaboral, impossibilidade perspectivada enquanto inexigibilidade da sua manutenção, como é entendimento doutrinal e jurisprudencial unânime, pacífico e reiterado.

Na respectiva apreciação, para além das circunstâncias que se mostrem particularmente relevantes no caso concreto, ponderam-se, com objectividade e razoabilidade, os factores a que alude o n.º 3 do art. 351.º, aferindo-se a final a gravidade do comportamento em função do grau de culpa e da ilicitude, como é regra do direito sancionatório, nela incluído necessariamente o princípio da proporcionalidade, convocado aquando da selecção da sanção disciplinar tida por adequada – art. 330.º/1.

Este princípio geral orienta e informa o empregador, enquanto decisor, da necessidade de observar, no momento próprio, a regra segundo a qual a sanção por que se opte deve corresponder, em termos de proporcional severidade, à gravidade da conduta infraccional, avaliada em si e nas suas consequências, e ao grau de culpa do infractor, ambas aferíveis pelo padrão convencional do homem médio/’bonus paterfamilias’ e reportadas ao quadro atendível na apreciação da justa causa prefigurado no n.º 3 do falado art. 351.º.

(Sem embargo do empenho devido no sentido da maior objectivação do exercício do poder disciplinar, é comummente reconhecido que tal poder patronal contém, implícita, uma certa e incontornável margem de subjectivismo/discricionariedade (…que não arbitrariedade[1]), que impõe particular atenção, tanto maior quanto mais difusa se apresente, casuisticamente, a fronteira da adequação da medida sancionatória cominada).

Neste plano de valoração – n.º 3 da referida previsão legal – não pode descurar-se o sector de actividade em que se desenvolve a actividade contratada e a particular exigência da componente fiduciária, tantas vezes enfatizada na Jurisprudência produzida sobre situações de facto afins[2], no âmbito da actividade bancária, domínio este em que a ‘confiança’, mais do que mero ‘suporte psicológico’ de uma relação jurídica inter-pessoal duradoura, assume, enquanto qualidade pessoal do trabalhador, uma relevância específica, podendo dizer-se que – citando Monteiro Fernandes, ‘Direito do Trabalho’, 16.ª Edição, pg. 484 – …a actividade prometida pelo trabalhador se traduz no exercício de uma “função de confiança” na organização técnico-laboral criada e mantida pelo empregador.

Exige-se aos trabalhadores bancários uma postura de inequívoca transparência, insuspeita lealdade de cooperação, idoneidade e boa fé na execução das suas funções, respeitando escrupulosamente as regras do contrato (as decorrentes da Lei geral e, particularmente, as constantes das normas internas que disciplinam a sua intervenção profissional).

Como se expendeu, em perfeita sintonia, no Aresto de 18.2.2011, (identificado na precedente nota de rodapé), que então subscrevemos, não se pode esquecer que a actividade prestada pelos trabalhadores bancários, em especial, é essencialmente baseada na confiança e na lealdade, pelo que o mais pequeno desvio de conduta se repercute na quebra irremediável da confiança pressuposta na relação laboral, independentemente das consequências mais ou menos gravosas em termos patrimoniais que desse desvio possam ter resultado, podendo a violação destes deveres acarretar prejuízos avultados para o bom nome, imagem e credibilidade que uma instituição bancária tem que possuir, como depositária e gestora das poupanças dos respectivos associados e clientes.

Isto posto:

O despedimento-sanção é, em suma, a solução postulada sempre que, na análise diferencial concreta dos interesses em presença, se conclua – num juízo de probabilidade/prognose sobre a viabilidade do vínculo, basicamente dirigido ao suporte psicológico e fiduciário que a interacção relacional pressupõe – que a permanência do contrato constitui objectivamente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, ferindo, desmesurada e violentamente, a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do real empregador[3].

É sob o enfoque destas coordenadas, delimitativas do quadro normativo de referência, que se procederá à subsequente operação de subsunção, ao encontro da solução que temos por consentânea.

Concretizando:

No Acórdão sub specie, uma vez equacionadas as questões a versar, tratou-se a temática primordial acompanhando basicamente a metodologia seguida na sentença aí sindicada.

Assim, seguiu-se a apreciação de cada facto/grupo de factos enquanto constitutivos de ilícitos disciplinares autónomos, expendendo-se, a propósito e no essencial, que, quanto à imputada factualidade relacionada com a entrega de livros de cheques, sem registo, e à realização dos telefonemas pela recorrida, se cai sob a alçada dos factos não circunstanciados, que, por isso, se entendeu não considerar… por respeito ao disposto nos arts. 353.º, n.º 1 e 357.º, n.º 3, do Código do Trabalho.

O mesmo entendimento se manteve no que respeita à imputação consubstanciada no ponto N) da fundamentação de facto, em que se consignou que a trabalhadora saía das instalações da R. em horário de trabalho, prolongando as suas ausências a meio da manhã para o pequeno-almoço…desvalorizando a pretensa relevância disciplinar por força da generalidade a que a mesma se resume, à míngua da devida concretização ou circunstanciação.

Igualmente se desvalorizou, em sintonia com o ajuizado na 1.ª Instância, a circunstância, provada, da utilização, por banda da trabalhadora, das suas contas particulares para resolver assuntos das empresas familiares.

Retiveram-se, assim, como relevantes para a apreciação da epigrafada problemática da justa causa para despedimento, os factos atinentes ao envolvimento da recorrida na gestão das empresas familiares que estavam a passar por fases de dificuldade económica, com contracção, por aquela, de empréstimos bancários; as três faltas injustificadas, por si dadas entre Agosto e Dezembro de 2009; a falta de registo informático de cheques pré-datados do cliente ‘EE’ e, por fim, os empréstimos particulares pedidos pela recorrida, a alguns amigos e familiares, sendo alguns deles, clientes da R. e, por fim, mas ainda neste contexto, o pagamento feito pela recorrida à sua colega DD do valor do cheque correspondente a um dos empréstimos que o cliente GG lhe fizera, a ela recorrida, tendo aquela DD procedido ao levantamento do cheque, mas a favor da recorrida.

  

E, depois do excurso acerca da contextualização de um trabalhador bancário, como a A., de quem se sabe estar a passar por um período de queda de solvabilidade (…‘É perigoso, para um balcão, que a clientela por ele servida saiba que determinado trabalhador está com uma situação financeira difícil, mas é perigoso do ponto de vista da suspeita de queda em tentação. Ainda que até os melhores caiam em tentação, alguns resistem’… – sic, a fls. 1021 – repescando, ainda aí, um excerto da contra-alegação em cujos dizeres …temos a mulher que vai ajudar o marido na ocasião em que esta ajuda se torna necessária. Esta ajuda é feita nos termos normais, isto é, sendo necessário dinheiro, pede-se à família e aos amigos), enfrentou-se e interpretou-se a factualidade decisiva com a seguinte fundamentação (transcrevemos os passos mais impressivos das considerações expendidas, não obstante a sua extensão):

‘O que a trabalhadora não logrou demonstrar, e tinha alegado, é que CC e GG, clientes, não sendo seus familiares, eram seus amigos.

Diga-se desde já que não foi estabelecida, em termos factuais, nenhuma ligação entre o conhecimento da A. do saldo da conta de CC e o pedido de empréstimo a este. Com grande segurança se pode afirmar que não é por o trabalhador bancário conhecer o saldo do cliente, que este fica compelido a mutuar dinheiro àquele, ou sequer determinado a isso, múltiplas desculpas se podendo arranjar. Aliás, não se provou sequer que a A. fosse gestora da conta deste cliente, ou dos outros a quem pediu empréstimos.

Concordamos com a sentença recorrida quando desvaloriza o empréstimo ao cliente GG, porque se é certo que a trabalhadora não provou que era amiga dele, menos se explica porque é que emprestou duas vezes. E é também verdade, como se diz na mesma sentença, que estes clientes – e repare-se que há muito deixámos NN de lado, porque é primo da trabalhadora – não se foram queixar à recorrente, e que só quando interpelados pelo superior hierárquico da trabalhadora, que se apercebeu dos pagamentos, é que, perante ele, referiram, um, não ter gostado da atitude e, outro, ter ponderado levantar o dinheiro. Ora, quem não gosta da atitude, não empresta duas vezes, e quem ponderou levantar o dinheiro não o levantou. Repare-se portanto que o facto provado não é que não tenham gostado ou que tenham ponderado levantar o dinheiro, mas que referiram, quando procurados pelo recorrente, não ter gostado e ter ponderado levantar o dinheiro.

Há porém, como a sentença também referiu, ilícito no levantamento do valor de um dos empréstimos através da amiga DD. Há obviamente também ilícito nas três faltas injustificadas, embora como se saiba, não tendo ficado demonstrado que elas determinaram prejuízos, o juízo de adequabilidade para a sanção mais grave fique quebrado. Finalmente há ilícito no não registo dos cheques pré-‑datados, concordando-se aqui com a sentença quando refere que este ilícito foi considerado pela recorrente, através do superior hierárquico, e tratado com a advertência constante da alínea LL. Por isso que já foi merecedor de censura disciplinar, e por isso que não se provou que a trabalhadora tenha voltado a não registar cheques pré-datados, a questão disciplinar ficou assim arrumada.

Uma última nota sobre os factos, antes de considerarmos um aspecto mais relevante. Dos factos não resulta evidente que a trabalhadora, avisada para não tratar de problemas pessoais, tenha continuado a tratar deles: - faltou circunstanciar a data em que tal aviso ocorreu.

 Por outro lado, apesar dos deveres laborais da recorrida, resultantes da própria essência do contrato de trabalho, lhe determinassem que o tempo de trabalho é para trabalho e não para tratar de assuntos pessoais – e nessa medida há incumprimento contratual – é verdade que, por enquanto, não há fronteiras estanques nem tal é humanamente possível – o trabalhador não está isento de ser pessoa enquanto trabalha, e de se afligir com questões pessoais, ou de lhes prover, por isso que tem recursos legais para o fazer, designadamente faltar justificadamente em determinadas situações, e por isso que em tempos inferiores ao de uma falta, pode tratar de assuntos pessoais.

 Isto mesmo é reconhecido pela recorrente, porque aquilo de que acusa a recorrida é de gastar tempo demasiado com assuntos pessoais, não simplesmente gastar tempo com assuntos pessoais. O que nos parece é que ficou indemonstrado nos autos a medida desse excesso de tempo – ela não se deduz com rigor de afirmações genéricas, nem mesmo do desagrado dos colegas. E essa medida de tempo era indispensável para se ponderar, face à não ilicitude originária da actividade em que a trabalhadora se cometeu, ou pelo menos, face à compreensibilidade de tal comissão, se tinha havido excesso que, pela sua gravidade e consequências, pudesse determinar o imediato rompimento do vínculo laboral.

A pergunta que ficou sem resposta é a de saber até que ponto, em que medida, é que por força dos trabalhadores terem de participar da sua condição de pessoas enquanto trabalham, a entidade empregadora tem de suportar a decorrência de tal condição.

Como resulta do Código de Conduta do grupo Caixa BB, citado na sentença recorrida, os trabalhadores devem evitar qualquer situação susceptível de originar directa ou indirectamente conflitos de interesses. Existe conflito de interesses sempre que trabalhadores tenham um interesse pessoal ou privado em determinada matéria que possa influenciar o desempenho imparcial e objectivo das suas funções. Por interesse pessoal ou privado entende-se qualquer potencial vantagem para o próprio, para os seus familiares e afins, ou para qualquer tipo de sociedades onde estes directamente participem.

Quando a recorrida pede empréstimos a clientes da recorrente para as empresas familiares, evidentemente fica a dever favores a estes clientes, além de ficar devedora, ela ou as empresas familiares consoante o modo pelo qual garantiu o mútuo, das quantias mutuadas.

É claro que a medida em que pede os empréstimos é a medida em que fica devedora de favor. As quantias dos empréstimos não são insignificantes – estamos em crer que para a recorrente o sejam – mas não deixam de ser pequenas. Na parte em que pode estar em causa um conflito de interesses, a medida da obrigação da recorrida não é constituída pelo universo de todas as suas dívidas, mas por cada dívida individualmente considerada. (Bold nosso).

O favor em que a trabalhadora fica perante os seus credores gera a suspeita de que a trabalhadora venha a não observar regras que o banco estatui nas relações comerciais com esses mesmos credores, seus clientes. O interesse da recorrente em que os seus trabalhadores cumpram estritamente as normas que ela estatui na sua política comercial – que é um interesse garantido pelas obrigações decorrentes do contrato de trabalho – poderá não ser inteiramente satisfeito se o trabalhador tiver ele próprio, directa ou indirectamente, uma relação com o cliente. Há pois ilícito disciplinar quando a recorrida pede empréstimos a clientes. (Bold agora).

Este ilícito tem porém os contornos da medida do favor em que a recorrida ficou perante cada cliente, e tem a fronteira do próprio poder de acção da recorrida dentro da organização estabelecida pela recorrente. Sendo o valor de cada empréstimo pequeno e desempenhando a recorrida as funções de caixa, não pode suspeitar-se do maior risco que se configura numa situação destas, que é a concessão indevida de crédito.

(…)

Quando a recorrente cita vasta jurisprudência sobre o carácter absoluto do valor da confiança no trabalhador, que qualquer sua incorrecção inelutavelmente contamina, não está obviamente a ponderar meros incumprimentos técnicos ou falhas pontuais – como o caso do não registo de cheques pré-datados ou as faltas injustificadas – mas sim a discorrer sobre a necessidade de que o trabalhador bancário exiba e se conduza, permanentemente, de acordo com um padrão de honestidade acima de qualquer suspeita. Este padrão reporta-se ao objecto do negócio, isto é, à relação do trabalhador com o trânsito monetário.

Consideramos que, face ao acima exposto, embora tenha ocorrido um conflito de interesses, nenhum dos factos imputados à trabalhadora e que vimos analisando, foi em si suficientemente grave, nem todos no seu conjunto somaram a gravidade necessária para considerar que a sanção de despedimento era a única possível, não havendo evidência, salvo melhor opinião, do carácter ou da suspeita de carácter desonesto da trabalhadora, nem do estabelecimento na comunidade de clientes da suspeita dum descalabro que, sem remédio, impelisse a trabalhadora a, futuramente, aproveitar-se das circunstâncias do seu cargo para se locupletar.

Termos em que entendemos justificada a conclusão da sentença recorrida de que o comportamento da recorrida não foi suficientemente grave em termos de justificar a sanção de despedimento, por outra mais leve poder ter sido utilizada, improcedendo assim as conclusões do recurso nesta parte em que pretende que o despedimento seja declarado lícito porque assistido de justa causa’.

Tudo ponderado, e orientados pelos ditames que os princípios axiológico-‑normativos acima dilucidados inspiram – sem embargo de se reconhecer o são propósito que subjaz à solução proclamada, que naturalmente se respeita – não podemos sufragar a solução eleita.

É diverso o nosso entendimento e juízo.

O ‘primum movens’, o reconhecido ilícito disciplinar consistente no repetido pedido de empréstimos a clientes da R., tem reflexos perversos para além dos identificados e valorados na deliberação sob protesto, aí circunscritos aos contornos da medida do favor em que a recorrida ficou perante o cliente …e limitados à fronteira dos poderes de acção da recorrida dentro da organização, com o risco potencial da sua intervenção funcional reduzido às suas estritas operações de ‘Caixa’, longe do verdadeiro risco que é o da eventual concessão indevida de crédito.

As gravosas consequências (i)mediatamente decorrentes da actuação da trabalhadora/A. não se prefiguram nem se esgotam, propriamente, a nosso ver, na relação directa com o trânsito monetário.

Antes contendem com a lesão da imagem pública de confiança e segurança da instituição bancária, acautelada desde logo na enfática ‘regula agendi’ constante do ‘Código de Conduta do Grupo Caixa BB’, citado na sentença e lembrado no Acórdão sub judicio, segundo a qual os trabalhadores devem evitar qualquer situação susceptível de originar, directa ou indirectamente, conflitos de interesses, na dimensão aí circunstanciada.

O repetido desrespeito da afrontada regra expõe/expôs a instituição bancária em que a trabalhadora infractora exercia funções a todos os efeitos deletérios à vista, reflectidos na reserva que, compreensivelmente, qualquer cliente interiorizaria, e que passa pela constatação do uso/abuso do implícito conhecimento dos elementos sigilosos respeitantes à sua situação/posição bancária, seus saldos e disponibilidades – e que o posterior ‘desabafo’ dos identificados clientes da R., quando interpelados a propósito dos pedidos de empréstimos feitos pela trabalhadora, bem demonstram.

A essa regra específica do contrato acresce, em perfeita simbiose com o princípio da boa-fé na execução do contrato de trabalho, o dever de lealdade – arts. 126.º/1 e 128.º, n.º 1, alínea f) do Código do Trabalho revisto – que constitui, na sua ambivalência, como é consensualmente considerado, o dever orientador geral da conduta do trabalhador no cumprimento do contrato.

Ao servir-se da sua posição privilegiada enquanto trabalhadora bancária da R. e dos conhecimentos (pessoais) decorrentes do respectivo exercício funcional, a A., solicitando empréstimos de dinheiro a clientes da sua empregadora, desvirtuou o postulado decorrente daquele princípio geral, que lhe impõe que proceda de boa fé, com idoneidade e transparência,  no cumprimento das respectivas obrigações.

 Incumpriu assim o dever acessório autónomo de lealdade[4], em qualquer das suas dimensões, maxime enquanto dever de sigilo relativamente a informações de clientes de que dispunha, (usando-as implicitamente e retirando disso vantagem ou aproveitamento pessoal), repercutido negativamente no prejuízo para a boa imagem institucional da sua entidade empregadora.

A esta decisiva perspectiva se reporta seguramente a declaração de voto exarada pela Exm.ª Desembargadora que, vencida, subscreveu o Acórdão revidendo, ao considerar que os empréstimos a clientes revelam uma promiscuidade entre as funções do trabalhador e a sua vida pessoal, a reflectir-se na imagem do empregador.

Com efeito:

Na verdade, se, em rectas contas, as demais condutas, disciplinarmente imputadas e valoradas, sendo embora censuráveis, não assumem – individual e/ou globalmente consideradas – a gravidade postada na dimensão normativa da justa causa para despedir, o mesmo não acontece com a gravosa conduta da trabalhadora analisada nos repetidos pedidos de empréstimos a clientes da sua empregadora, no factualizado contexto.

Dir-se-á – como se sustenta na fundamentação da preconizada solução, acima parcialmente reproduzida – que a situação de queda de solvabilidade da trabalhadora, sendo embora um risco ponderável pelo empregador, enquanto perigo/suspeita de queda em tentação, não é, só por si e sem mais, indício de desonestidade, de falha de carácter ou de propensão para algum vício.

Convimos inteiramente que sim.

Simplesmente, não é apenas disso que se trata, como se adiantou já, e, por certo, se concederá.

A contratada ‘função de confiança’ técnico-laboral, integrada numa organização empresarial com as características de uma instituição bancária, não consente – por patentes exigências funcionais de transparência e lealdade, necessariamente pressupostas na imagem de indefectível confiança e segurança que se presumem numa instituição a quem se confiam os aforros, a sua aplicação e gestão e/ou os pedidos de financiamento – que um trabalhador bancário se sirva do exercício da sua actividade (e, necessariamente, do conhecimentos que a mesma lhe viabiliza acerca do saldo/disponibilidades financeiras dos clientes da sua empregadora), para os abordar particularmente, solicitando-lhes a concessão de empréstimos pessoais, à revelia da instituição, independentemente das vantagens, garantias e pontualidade na satisfação dos respectivos compromissos.

Esse comportamento implica (i)mediatamente, em termos e medida não mensuráveis embora, a deterioração da credibilidade da instituição bancária, a sua boa imagem, essencial à prossecução do objecto social, da sua actividade.

E foi isso que aconteceu repetidamente com a trabalhadora/A.

No contexto em que se desenrola a actuação desta, pontuada por episódios sucessivos, disciplinarmente desviantes, relevam, na análise em curso:

- No decorrer de 2009, e como essas sociedades atravessassem dificuldades económicas, a trabalhadora envolveu-se na actividade e gestão das empresas ‘HH’ (que teve conta aberta na R.), e ‘II Ld.ª’, sendo desta a legal representante;

- A trabalhadora efectuava contactos telefónicos do seu posto de trabalho para tratar de assuntos daquelas sociedades, sendo que saía das instalações da R. em horário de trabalho, prolongando as suas ausências a meio da manhã par ao pequeno-almoço;

- Nas contas particulares da A., que esta utilizava para a gestão de negócios associados às ditas empresas, mormente quanto à domiciliação de cobranças e emissão de cheques, foram devolvidas cobranças por falta de provisão bem como dois cheques, que foram entretanto justificados,

- A A. era contactada telefonicamente no local de trabalho para a regularização de dívidas das sociedades referidas ou por aquela assumidas;

- A situação financeira da trabalhadora/A. e o tempo despendido por esta na sua resolução gerava desconforto junto dos seus colegas de trabalho;

- A trabalhadora solicitou empréstimos a alguns amigos e familiares, sendo alguns deles clientes da R., nomeadamente o irmão JJ, a amiga KK, a amiga e colega da CCAM da Póvoa do Varzim, LL e MM;

- Em dia indeterminado, mas anterior a 3.11.2009, a A. solicitou ao seu primo NN, cliente da R., alegando dificuldades financeiras, um empréstimo de € 2.000,00, que seria honrado assim que possível;

- Este emitiu cheque sobre a conta de que é titular na R., cheque que foi pago em numerário, directamente à A., no balcão de Vila Nova de Famalicão, em 3.11.2009, tendo a A. entregue a NN um cheque de garantia. Essa quantia pedida ainda não se encontra paga;

- Em 24.2.2010 foi levantado pela trabalhadora, no balcão da R. em ..., um cheque no valor de € 2.000,00, emitido por CC, cliente do Banco, que transmitiu a OO, funcionário da R. e superior hierárquico da A., que esta lhe solicitou um empréstimo desse valor, que seria reembolsado daí a alguns dias;

- A A. conhecia o saldo da conta do cliente em causa, sendo que este cliente foi interpelado sobre o assunto pelo referido OO quando este teve conhecimento de que o cheque em causa foi pago, um ou dois dias depois;

- Após a interpelação, nos termos referidos, o cliente em causa referiu ter ficado aborrecido com a situação com que foi confrontado e que ponderou levantar o dinheiro que possuía depositado na R.

- Mais referiu então este cliente da R. que, tendo-se apercebido de que o cheque que fora dado como garantia era da empresa da trabalhadora, ligou-lhe a pedir para o substituir por um cheque pessoal, o que esta fez;

- Em 18.2.2010 foi levantado pelo marido da A., no balcão da R., em ..., o cheque n.º ..., no montante de € 1.900,00, emitido por GG;

- Questionado, uns dias depois sobre a referida data, sobre aquele pagamento, pelo superior hierárquico da A., OO, o GG confirmou a solicitação do empréstimo, em 17.2.2010, e referiu que já em data anterior, em Novembro de 2009, a trabalhadora em causa o havia procurado, pedindo-lhe um empréstimo de € 2.000,00, que lhe foi depois pago, em 11 de Novembro de 2009;

- Quando foi interpelado, o referido GG evidenciou desconforto pelo facto de a trabalhadora da R. lhe ter solicitado os referidos empréstimos, não tendo gostado da atitude.

Em suma, aproximando a conclusão:

Esta reiterada actuação da A. afectou, de modo irreparável, a relação de confiança que o vínculo pressupõe, sendo fundada a dúvida do empregador sobre a idoneidade da futura prestação da A., se mantida no exercício daquelas funções.

 As consequências, causalmente daí decorrentes, consistindo num prejuízo grave para o empregador, nos termos delineados, não têm que constituir necessariamente um prejuízo de ordem material - cfr. Júlio Gomes, ‘Direito do Trabalho’, vol. I, 2007, pg. 951, que reconduz genericamente essas consequências à figura da vulgarmente referida ‘perda de confiança no trabalhador’.

Violando os referidos deveres, a repetida conduta do A. pôs em crise a constância da confiança enquanto elemento estruturante do contrato, inquinando fatalmente o suporte psicológico em que assentava a relação fiduciária do empregador, a quem não é razoável impor, por isso, a manutenção do vínculo.

Acolhendo-se, no essencial, as razões que enformam as asserções conclusivas da recorrente, a deliberação sub judicio não é de manter.

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                                    III -

                                DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se conceder a Revista e, revogando o Acórdão impugnado, absolve-se a R. dos pedidos contra si deduzidos.

Custas pela recorrida, nas Instâncias e neste Supremo Tribunal.

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Anexa-se o sumário – art. 713.º/7 do C.P.C.

                                      ***

Lisboa, 8 de Janeiro de 2013

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

António Leones Dantas

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[1]  - Cfr. M. Rosário Palma Ramalho, ‘Direito do Trabalho’, Parte II, 3.ª Edição, pgs. 722-723.
[2] - Vide, por todos, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 17.10.2001 (Relator Cons. Mário Torres) e de 18.2.2011 (Relator Cons. Pinto Hespanhol), consultáveis in www.dgsi.pt.
[3] - Cfr. Monteiro Fernandes, ‘Direito do Trabalho’, 13.ª Edição, pg. 561. E, mais recentemente, 16.ª Edição, Outubro de 2012, pg. 473 e seguintes.
[4] - Cfr. M. Rosário Palma Ramalho, ‘Direito do Trabalho’, Parte II, pgs. 420-422.