Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
28079/15.3T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO
CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
MEDIAÇÃO
MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
OBRIGAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
OBRIGAÇÃO DE RESULTADO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
REMUNERAÇÃO
CAUSALIDADE
NEXO DE CAUSALIDADE
CONCAUSALIDADE
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMNETE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / DELIMITAÇÃO SUBJECTIVA E OBJECTIVA DO RECURSO.
Doutrina:
- Carlos Lacerda Barata, Contrato de Mediação, in Estudos do Instituto do Direito do Consumo, Vol. I, Almedina, 2002, p. 203-204;
- Higina Orvalho Castelo, Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, Almedina, Coimbra, 2015, p. 34-38, 122 e ss. ; O Contrato de Mediação, Almedina, Coimbra, 2014, p. 298, 299 e 410;
- Maria de Fátima Ribeiro, O contrato de mediação, Scientia Ivridica, n.º 331, 2013, p. 92, 93, 98, 99 e 101.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 635.º, N.º 4.
LEI N.º 15/2013, DE 08-02: - ARTIGO 2.º, N.ºS 1 E 2 E 19.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 15-11-2007, PROCESSOS N.º 3569/07;
- DE 19-05-2009, PROCESSO N.º 5339/06.9TVLSB;
- DE 27-05-2010, PROCESSO N.º 9934/03.0TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-03-2011, PROCESSO N.º 2439/07.1TBPTM.E1.S1;
- DE 22-09-2016, PROCESSO N.º 1081/12.0TVLSB.L1.S1, IN SASTJ, SECÇÃO CIVEL, WW.STJ.PT.
Sumário :
I. De acordo com a doutrina especializada, na vigência do regime introduzido pela Lei nº 15/2013, de 08.02 (cfr. art. 2º, nºs 1 e 2), aplicável ao caso dos autos, do contrato de mediação imobiliária pode ou não resultar uma verdadeira obrigação para o mediador. Em caso afirmativo, a obrigação do mediador será uma obrigação de resultado se aquele se tiver obrigado a obter um interessado na celebração do negócio final; e será uma obrigação de meios se o mediador se tiver obrigado a diligenciar no sentido de conseguir um interessado na celebração de tal negócio.

II. Tendo sido provado que, pelo contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes, a autora “se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de (…) desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis”, conclui-se estarmos perante um contrato do qual nasce para aquela uma verdadeira obrigação (e não apenas um ónus material), a qual reveste a natureza de obrigação de meios.

III. Porém, o direito da autora à remuneração contratual não é contrapartida do cumprimento dessa obrigação nem sequer da verificação do resultado de obtenção de efectivos interessados na aquisição do imóvel (cfr. art. 19º, nº 1, da Lei nº 15/2013, de 08.02); o direito à remuneração só existe se o contrato final de compra e venda vier a ser celebrado, desde que verifique entre a actividade da mediadora e o dito contrato um nexo de causalidade.

IV. No caso dos autos, considera-se estarmos perante uma situação em que a actividade de mediação da aurora e a actividade de mediação da interveniente concorreram causalmente para a celebração do contrato de compra e venda entre os réus e os interessados, sendo que a possibilidade de mais do que uma mediadora concorrer para a celebração do contrato visado é pacificamente admitida pela doutrina especializada e foi já acolhida pela jurisprudência do STJ.

V. Da factualidade provada, resulta que, enquanto a actividade desenvolvida pela autora foi determinante na formação da vontade dos compradores, a actividade de mediação da interveniente foi determinante na formação da decisão dos réus em venderem, e em fazê-lo pelo preço indicado na escritura de compra e venda.

VI. Assim sendo, considera-se que cada uma das mediadoras contribuiu igualmente para a realização do negócio de compra e venda, reconhecendo-se, em consonância, ter a autora direito a metade da remuneração contratualmente acordada com os réus.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. AA - Mediação Imobiliária Unipessoal, Lda., instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, pedindo a condenação solidária dos RR. a pagar-lhe a quantia de € 55.000,00 de capital, acrescidos de € 446,18 de juros de mora vencidos, até 12/10/2015, e vincendos, desde essa data e até pagamento integral.

Para o efeito invocou que, no exercício da sua actividade, celebrou com os RR., em 24/01/2014, um contrato de mediação imobiliária em regime de não exclusividade, pelo qual se obrigou a diligenciar encontrar interessados para a compra, pelo preço de € 1.750.000,00, de um imóvel sito no …, que identifica, obrigando-se os RR. a pagar-lhe a remuneração correspondente a 5% do valor da venda, acrescido de IVA. Alegou ainda que, em resultado da sua actividade, obteve interessados na compra do imóvel, no caso, DD e EE, levando-os a visitar o imóvel em 19/04/2015 e em 29/04/2015, a segunda vez acompanhados por um arquitecto. Entre 29/05/2015 e 01/06/2015 a A. e o R. trocaram correspondência electrónica com vista a fixar o valor de venda, sendo que, em 02/06/2015, o R. informou a A. de que teria uma proposta, através da imobiliária FF, ligeiramente acima de € 1.100.000,00; em 02/06/2015 os RR. acertaram a venda com DD e EE; a escritura de compra e venda foi outorgada em 31/08/2015, pelo preço de € 1.110.000,00, com os interessados por si angariados, nela se declarando, porém, que o negócio foi celebrado com a intermediação da “GG - Med. Imob., Lda.” (FF).

Citados, os RR. contestaram alegando, em síntese, que o contrato que celebraram com a A. não foi com exclusividade e que celebraram também contratos com outras mediadoras imobiliárias, entre as quais a FF (desde Abril de 2009); desconheciam a identidade dos potenciais interessados na compra; em 30/05/2015 a A. informou os RR. de que os interessados haviam subido a proposta para € 1.100.000,00, condicionada à aprovação de crédito bancário, respondendo o R. que pretendia uma proposta mais próxima de €1.200.000,00 e que aguardava por proposta da FF; em 01/06/2015 receberam os RR. proposta da FF de compra por € 1.110.000,00, com pagamento de reserva no montante de € 10.000,00 e com possibilidade de celebrar o contrato-promessa em quinze dias ou o contrato definitivo em noventa dias; de imediato o R. deu conhecimento dessa proposta à A., para que os interessados por esta angariados a melhorassem, o que não sucedeu.

Afirmaram ainda que não podem ser responsabilizados pelo comportamento dos interessados/compradores de apresentarem propostas diferentes através de mediadoras diferentes. Limitaram-se a aderir à proposta mais vantajosa, que estava apresentada por escrito, com valor de reserva, o que lhe conferia maior firmeza. Os compradores estavam registados como tal na FF desde 04/05/2015 e quando, em 28/05/2015, a FF lhes enviou mensagem sobre a realização de visita ao imóvel eles disseram que já conheciam a casa; foi a FF quem conseguiu que os compradores aumentassem o valor do preço de compra e apresentassem proposta por escrito e com sinal de reserva.

Requereram a intervenção acessória da GG - Mediação Imobiliária, Lda. (FF), a qual foi deferida por despacho de fls. 66.

Citada, a interveniente apresentou contestação em que alega que os RR. celebraram com ela um contrato de mediação imobiliária, sem exclusividade, em 13/04/2009. Os compradores contactaram a GG, em Maio de 2015, manifestando interesse na aquisição de lote de terreno e, mais tarde, de moradia em … e, posteriormente, a técnica comercial indicou-lhes o imóvel dos RR. e eles, compradores, disseram que já o conheciam; mais tarde, antes da celebração do contrato-promessa de compra e venda (em 27/06/2015), acabaram por o visitar, acompanhados por comercial da GG; foi a técnica comercial da GG que, ao saber que os compradores haviam apresentado proposta de compra através de outra agência imobiliária, os convenceu a aumentarem o valor e a apresentarem proposta por escrito para submeter aos RR., o que aqueles fizeram.

Por sentença de fls. 123 foi proferida decisão julgando a acção procedente e condenando os RR. no pedido.

Inconformados, tanto os RR. como a interveniente interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 220 foi proferida a seguinte decisão:

Face ao exposto, procedendo-se à alteração parcial da matéria de facto nos termos que acima se deixam consignados, julga-se procedente a Apelação e revoga-se a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, absolvendo-se os RR. do pedido.”


2. Vem a A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

“a) Existe lapso manifesto na redacção do ponto 9 dos Factos Provados, ou, se assim se não entender, contradição entre o facto do ponto 9 e os dos pontos 5 e 7, ou ambiguidade e obscuridade, geradora de nulidade;

b) No caso em apreço, verifica-se um nexo causal (causa adequada) entre a actuação da ora Rec.te, no âmbito do contrato de mediação que firmou com os ora Rec.dos, e a formação do interesse destes na compra do imóvel em causa e a concretização do negócio final;

c) A actuação da interveniente foi absolutamente irrelevante para a determinação dos interessados angariados pela ora Rec.te a comprarem o imóvel dos ora Rec.dos;

d) À Rec.te assiste o direito à remuneração contratualmente estipulada;

e) O douto acórdão recorrido, decidindo como decidiu, não fez correcta interpretação e aplicação da lei, tendo infringido, entre outros, os preceitos do contrato celebrado entre a ora Rec.te e os ora Rec.dos, e o dos art°s 19° n° 1 da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, e 406° n° 1 do Cód. Civil;

Termos em que, deve conceder-se provimento ao recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido e mantendo-se a douta sentença do Tribunal de 1ª instância

Mais se requer a rectificação do lapso na redacção dada ao ponto 9 dos Factos Provados, devendo ler-se “...1.100.000,00...” onde se lê “...1.000.000,00...”.


         Os RR. contra-alegaram, concluindo nos seguintes termos:

“1. O Tribunal a quo não violou, no douto acórdão recorrido, o contrato de mediação imobiliária celebrado entre a Recorrente e os Recorridos e os artigos 19.°, n.º 1. da Lei n.º 15/2013 de 8 de fevereiro, e 406.°, n.º 1 do Código Civil;

2. Não assiste qualquer razão à Recorrente porquanto não ficou demonstrado que esta tenha praticado atos de mediação que tivessem levedo à conclusão do negócio, não lhe assistindo, por isso, qualquer direito a ser remunerada;

3. Para haver direito à remuneração tem de existir um nexo causal entre o atividade de mediação e a conclusão e perfeição do contrato final celebrado, o que não se verifica no que tange à atuação da Recorrente;

4. Resulta dos factos provados que, apesar ter acompanhado os Recorridos numa visita ao imóvel e de estes terem desde logo manifestado interesse na aquisição, a Recorrente nada fez no sentido de aproximar as pretensões das partes, viabilizando, por essa forma, o negócio;

5. Somente através dos atos de mediação imobiliária levados a cabo pela GG que se estabeleceu o nexo causal entre a atividade do mediador e a perfeição do negócio celebrado, condição necessária para que se constitua na esfera jurídica desta Mediadora Imobiliária o direito à comissão, nos termos do artigo 19.°. n.º 1 da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro.

6. É a GG que tem direito à remuneração por ter sido esta agência imobiliária que verdadeiramente promoveu e intermediou o contrato de compra e venda, levando os compradores a nova visita ao imóvel e fazendo-lhe[s] sugestões quanto à proposto o apresentar, tendo essas sugestões sido acolhidas pelos compradores e a proposta por estes apresentada, nessa sequência, sido aceite pelos Recorridos.”


3. Por decisão de fls. 324 reconheceu-se existir o alegado lapso manifesto na redacção do ponto 9 dos factos provados, o qual foi rectificado.


         Cumpre apreciar e decidir.


4. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção das instâncias):

1. A autora tem por objeto, entre outros, o exercício de atividade de mediação imobiliária, sendo titular da licença n° 6…5-AMI emitida pelo Instituto de Construção e do Imobiliário.

2. No exercício da sua atividade, a autora celebrou com os réus, em 24/01/2014, um contrato de mediação imobiliária em regime de não exclusividade, nos termos do qual a autora se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de 1 750 000€, do prédio sito na Rua …, sito em …, …, desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis.

3. Acordaram ainda as partes que qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicado de imediato e por escrito à mediadora; e que os réus se obrigaram a pagar à autora, a título de remuneração, a quantia correspondente a 5% do preço pelo qual o negócio fosse concluído, acrescido de IVA à taxa legal; estipularam ainda que o pagamento da remuneração seria efetuado aquando da celebração da escritura ou conclusão do negócio visado; foi estipulado um prazo de seis meses renovável automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não fosse denunciado.

4. Foi na sequência de a autora ter referenciado e mostrado duas vezes o imóvel a DD e a EE que estes ficaram interessados na compra do imóvel.

5. Na segunda visita efetuada ao imóvel os referidos DD e EE fizeram-se acompanhar por um arquiteto e ofereceram 1 100 000 como preço de aquisição do imóvel.

6. Nos dias 29 e 30 de Maio e 01 de Junho de 2015 entre os colaboradores da autora e o 1° réu foram trocadas mensagens de correio eletrónico a respeito do valor de aquisição do imóvel proposto por DD e EE. [alterado pela Relação]

7. Em 02/06/2015 o 1° réu dirigiu à colaboradora da autora mensagem de correio eletrónico na qual escreveu “Recebemos, entretanto, a proposta que aguardávamos através da FF a qual é em valor ligeiramente acima dos 1.100.000€ e não condicionada a financiamento bancário. Veja se os seus clientes têm interesse em melhorar a respetiva proposta, para podermos tomar uma decisão”.

8. Entre os dias 1 e 2 de Junho de 2015, nenhuns outros interessados apresentaram proposta de compra aos réus.

9. No dia 02 de Junho de 2015, os RR. aceitaram a proposta feita por DD e EE, por € 1.110.000,00, apresentada através da FF, tendo os RR., nessa data, tomado conhecimento que eram os mesmos interessados que haviam apresentado a proposta de € 1.100.000,00 dois dias antes através da A. [alterado pela Relação; rectificado a fls. 324]

10. Por escritura de 31/08/2015 foi celebrada a escritura de compra e venda do imóvel, entre os réus e DD e EE, pelo preço declarado de 1 110 000€, com recurso pelos compradores a crédito bancário concedido pela HH e, nessa escritura os réus declararam que houve intermediação de mediador imobiliário GG – Mediação Imobiliária Lda., com a licença AMI 7…8.

11. Por contrato escrito datado de 13 de Abril de 2009 os réus celebraram com a “GG – Mediação Imobiliária, Lda.” (FF) contrato de mediação imobiliária, em regime de não exclusividade, relativo ao imóvel sito na Rua …, sito em …, …, referido em 2º supra, pelo qual a “GG” (FF) se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do imóvel, desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos, mediante o pagamento de remuneração correspondente a 5% sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado.

12. No dia 01/06/2015, os réus receberam uma proposta, por intermédio da FF (GG) ainda sem identificação dos clientes, no montante de 1.110.000€, por escrito, e com sinalização de reserva de 10 000€ e com possibilidade de celebração do contrato-promessa em 15 dias ou escritura de compra e venda em 90 dias.

13. Logo no dia 02/06/2017, os réus deram conhecimento dessa proposta à autora e colocaram à consideração desta a possibilidade de os clientes melhorarem a proposta de 1.100.000€.

14. A GG (FF) enviou um link da casa ao EE e DD e eles disseram que já conheciam a casa e não precisavam de a visitar.

14-A. Os RR. não tinham conhecimento da identidade dos potenciais compradores que apresentavam as ofertas de compra do imóvel seja através da A., seja através da outra agências de mediação imobiliária. [aditado pela Relação]

14-B. O comprador EE estava inscrito como cliente da GG desde 04 de Maio de 2015. [aditado pela Relação]

14-C. Após a GG ter mostrado ao EE a casa aqui em causa nos autos, este informou-a que já conhecida aquela casa através de uma outra imobiliária e que da mesma tinha desistido uma vez que os vendedores não baixavam o preço de € 1.200.000,00. [aditado pela Relação]

14-D. A partir desta informação a GG desenvolveu as diligências mencionadas no Ponto 15-A, com vista à respetiva aquisição. [aditado pela Relação]

15. Entre os dias 28 e 30 de Maio de 2015 o EE informou a GG (FF) que havia apresentado uma proposta de 1 100 000€ pela casa, através da autora (II) e que não havia sido aceita pelos réus.

15-A. A proposta apresentada pela “GG - Mediação Imobiliária, Lda.” encontrava-se reduzida a escrito e assinada pelo potencial comprador, vindo acompanhada de uma reserva e início de pagamento de € 10.000,00 (dez mil euros), prevendo ainda um prazo de realização da escritura de 90 dias. [aditado pela Relação]

Não foram elencados factos não provados.


5. Tendo em conta o disposto no nº 4 do art. 635º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões. Contudo, no caso dos autos verifica-se que, no que respeita ao alegado “lapso manifesto na redacção do ponto 9 dos Factos Provados, ou, se assim se não entender, [à] contradição entre o facto do ponto 9 e os dos pontos 5 e 7, ou ambiguidade e obscuridade, geradora de nulidade”, como se referiu supra (nº 3), por decisão de fls. 324 foi tal lapso reconhecido e rectificado, ficando assim prejudicada a apreciação desta questão recursória.

Deste modo, o presente recurso tem como objecto unicamente a seguinte questão:

- Reconhecimento do direito da A. ao pagamento da remuneração acordada com os RR. pelo contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes.


6. Importa realizar o enquadramento do objecto da presente lide em função da factualidade dada como provada pela Relação, devendo ainda ter-se em conta os termos em que as instâncias decidiram.


6.1. A A., empresa que exerce a actividade de mediação imobiliária, celebrou com os RR. um contrato de mediação em regime de não exclusividade, pelo qual aquela se obrigou “a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de 1.750.000€, (…) desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis” (facto 2). Pelo mesmo contrato os RR. obrigaram-se “a pagar à autora, a título de remuneração, a quantia correspondente a 5% do preço pelo qual o negócio fosse concluído, acrescido de IVA à taxa legal; estipularam ainda que o pagamento da remuneração seria efetuado aquando da celebração da escritura ou conclusão do negócio visado” (facto 3).

       No exercício da sua actividade a A. referenciou o imóvel a DD e EE, tendo com eles realizado duas visitas ao mesmo imóvel, a segunda das quais com a presença do arquitecto dos interessados. Estes fizeram uma proposta de aquisição pelo preço de € 1.100.000,00, que a A. comunicou aos RR., sem porém identificar os interessados, proposta que os RR. não aceitaram por a considerarem baixa. Seguiu-se, entre 29 de Maio e 1 de Junho de 2015, troca de mensagens entre a A. e os RR., por correio electrónico, a respeito da proposta dos referidos interessados, continuando a A. sem informar os RR. sobre a identidade dos mesmos (cfr. facto 14-A).

       No dia 2 de Junho de 2015, os RR. enviaram à A. mensagem de correio electrónico na qual davam conta de terem recebido “a proposta que aguardávamos através da FF a qual é em valor ligeiramente acima dos 1.100.000€ e não condicionada a financiamento bancário”, pedindo que a A. visse se os seus clientes “têm interesse em melhorar a respetiva proposta, para podermos tomar uma decisão” (facto 7). Ficou provado que a nova proposta fora apresentada aos RR. no dia anterior (1 de Junho de 2015) “por intermédio da FF (GG) ainda sem identificação dos clientes, no montante de 1.110.000€, por escrito, e com sinalização de reserva de 10.000€ e com possibilidade de celebração do contrato-promessa em 15 dias ou escritura de compra e venda em 90 dias” (facto 12).

      Ficou também provado que, não obstante os RR. terem, no referido dia 2 de Junho de 2015, dado à A. a possibilidade de conseguir uma melhoria da proposta, nesse mesmo dia “aceitaram a proposta feita por DD e EE, por € 1.110.000,00, apresentada através da FF, tendo os RR., nessa data, tomado conhecimento que eram os mesmos interessados que haviam apresentado a proposta de € 1.100.000,00 dois dias antes através da A.” (facto 9, alterado pela Relação).

       Entretanto, “Por escritura de 31/08/2015 foi celebrada a escritura de compra e venda do imóvel, entre os réus e DD e EE, pelo preço declarado de 1.110.000€, com recurso pelos compradores a crédito bancário (…)” (facto 10), tendo os RR. declarado que a intermediação imobiliária fora feita pela empresa GG (FF).

       Considera a A. que, ao terem celebrado contrato de compra e venda do imóvel com os interessados por si angariados sem lhe pagarem a percentagem prevista no contrato de mediação imobiliária, incorreram os RR. em responsabilidade contratual. Na presente acção peticiona a A. que sejam condenados a pagar-lhe a percentagem do valor do preço, contratualmente acordada, acrescida de juros moratórios.


6.2. As instâncias decidiram em sentido divergente, a 1ª instância pela procedência da acção e a Relação, tendo alterado a matéria de facto, pela sua improcedência.

       Vejamos mais detalhadamente.

      A sentença deu como provados os seguintes factos relevantes:

4. Foi na sequência de a autora ter referenciado e mostrado duas vezes o imóvel a DD e a EE que estes ficaram interessados na compra do imóvel.

5. Na segunda visita efetuada ao imóvel os referidos DD e EE fizeram-se acompanhar por um arquiteto e ofereceram 1.100.000 como preço de aquisição do imóvel.

6. Nos dias 29 e 30 de Maio e 1 de Junho de 2015 entre os colaboradores da autora e o 1° réu foram trocadas mensagens de correio eletrónico em vista da fixação do preço final para a compra e venda do imóvel.

7. Em 02/06/2015 o 1° réu dirigiu à colaboradora da autora mensagem de correio eletrónico na qual escreveu “Recebemos, entretanto, a proposta que aguardávamos através da FF a qual é em valor ligeiramente acima dos 1.100.000€ e não condicionada a financiamento bancário. Veja se os seus clientes têm interesse em melhorar a respetiva proposta, para podermos tomar uma decisão”.

8. Entre os dias 1 e 2 de Junho de 2015, nenhuns outros interessados apresentaram proposta de compra aos réus.

9. No dia 2 de Junho de 2015, os réus aceitaram a proposta feita por DD e EE, por 1.110.000€, apresentada através da FF, sabendo os réus que eram os mesmos interessados que haviam apresentado a proposta de 1.100.000€ dois dias antes através da autora.

12. No dia 01/06/2015, os réus receberam uma proposta, por intermédio da FF (GG) ainda sem identificação dos clientes, no montante de 1.110.000€, por escrito, e com sinalização de reserva de 10 000€ e com possibilidade de celebração do contrato-promessa em 15 dias ou escritura de compra e venda em 90 dias.

13. Logo no dia 02/06/2017, os réus deram conhecimento dessa proposta à autora e colocaram à consideração desta a possibilidade de os clientes melhorarem a proposta de 1.100.000€.

14. A GG (FF) enviou um link da casa ao EE e DD e eles disseram que já conheciam a casa e não precisavam de a visitar.

15. Entre os dias 28 e 30 de Maio de 2015 o EE informou a GG (FF) que havia apresentado uma proposta de 1.100.000€ pela casa, através da autora (II) e que não havia sido aceita pelos réus.


      A 1ª instância, fazendo uma resenha dos sucessivos regimes legais do contrato de mediação imobiliária (aprovados pelo Decreto-Lei nº 285/92, de 19 de Dezembro, pelo Decreto-Lei nº 77/99, de 16 de Março, pelo Decreto-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto e pela Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro, actualmente em vigor), e recorrendo à doutrina especializada, considerou que, na vigência do regime legal aplicável ao caso dos autos (cfr. nº 1 do art. 19º da Lei nº 15/2013), seria de concluir o seguinte:

(i) No contrato de mediação imobiliária sem exclusividade o mediador desenvolve a actividade no interesse de ambos, cliente e mediador, sabendo que “só será remunerado se for bem sucedido na procura e se, na sequência disso, o cliente vier a celebrar o contrato desejado” (Higina Orvalho Castelo, Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 36);

(ii) O direito à remuneração implica a existência de um nexo causal entre a actividade de mediação e o negócio final celebrado, o que “tem por função afastar a retribuição quando o nexo causal não se estabelece, mas também mantê-la quando, após o seu estabelecimento, actos alheios ao comportamento do mediador conduzem à sua aparente quebra” (Higina Orvalho Castelo, O Contrato de Mediação, Almedina, Coimbra, 2014, pág.410).

Tendo sido provado que “Foi na sequência de a autora ter referenciado e mostrado duas vezes o imóvel a DD e a EE que estes ficaram interessados na compra do imóvel” (facto 4), a 1ª instância entendeu verificar-se o necessário nexo causal entre a actividade de mediação imobiliária da A. e a celebração do contrato de compra e venda, reconhecendo o direito da A. à remuneração contratual. Assinalando, a final, que a interferência da mediadora GG (FF), aqui interveniente acessória, foi irrelevante, não tendo produzido o efeito de quebra do nexo causal entre a actuação da A. e a celebração do negócio final.


Em sede de apelação, os RR. impugnaram a matéria de facto, tendo a Relação vindo a introduzir as seguintes modificações:

Factos cuja redacção foi alterada

6. Nos dias 29 e 30 de Maio e 01 de Junho de 2015 entre os colaboradores da autora e o 1° réu foram trocadas mensagens de correio eletrónico a respeito do valor de aquisição do imóvel proposto por DD e EE. [alterado pela Relação]

9. No dia 02 de Junho de 2015, os RR. aceitaram a proposta feita por DD e EE, por € 1.110.000,00, apresentada através da FF, tendo os RR., nessa data, tomado conhecimento que eram os mesmos interessados que haviam apresentado a proposta de € 1.100.000,00 dois dias antes através da A. [alterado pela Relação; rectificado a fls. 324]

Factos aditados

14-A. Os RR. não tinham conhecimento da identidade dos potenciais compradores que apresentavam as ofertas de compra do imóvel seja através da A., seja através da outra agências de mediação imobiliária. [aditado pela Relação]

14-B. O comprador EE estava inscrito como cliente da GG desde 04 de Maio de 2015. [aditado pela Relação]

14-C. Após a GG ter mostrado ao EE a casa aqui em causa nos autos, este informou-a que já conhecida aquela casa através de uma outra imobiliária e que da mesma tinha desistido uma vez que os vendedores não baixavam o preço de € 1.200.000,00. [aditado pela Relação]

14-D. A partir desta informação a GG desenvolveu as diligências mencionadas no Ponto 15-A, com vista à respetiva aquisição. [aditado pela Relação]

15-A. A proposta apresentada pela “GG - Mediação Imobiliária, Lda.” encontrava-se reduzida a escrito e assinada pelo potencial comprador, vindo acompanhada de uma reserva e início de pagamento de € 10.000,00 (dez mil euros), prevendo ainda um prazo de realização da escritura de 90 dias. [aditado pela Relação]


      Aderindo ao enquadramento teórico apresentado na sentença, a Relação entendeu que, da factualidade provada (com as alterações introduzidas), resulta que a actividade desenvolvida pela A. não foi essencial para a celebração do contrato de compra e venda final. Porque, se é certo que essa actividade fez com que os futuros compradores ficassem seriamente interessados na compra do imóvel, também é certo que a proposta de aquisição pelo valor de € 1.100.00,00, por eles apresentada por meio da A., se “frustrou”, uma vez que os vendedores não admitiram vender por valor inferior a € 1.200.000,00, exigência que os interessados não aceitaram.

       Foi, por isso, a intervenção da mediadora GG que se veio a revelar determinante no “renascer” do interesse dos compradores, de tal forma que, de acordo com a fundamentação do acórdão recorrido, “embora mantendo o preço que estes se dispunham a pagar [€ 1.100.000,00], procede [a dita imobiliária] a um pequeno aumento daquele valor, com a introdução de uma sinalização de € 10.000,00 por forma a demonstrar perante os compradores [rectius: vendedores] uma vontade séria de contratar; reduz esta proposta a escrito, por forma a desencadear uma sua análise por parte dos vendedores, ali indicando a ‘possibilidade de celebração de contrato-promessa em 15 dias ou escritura de compra e venda em 90 dias’ – (Ponto 12 dos Factos Provados).”

Consequentemente entende a Relação que foram as diligências desenvolvidas pela GG que conduziram à celebração do contrato de compra e venda, existindo nexo causal entre a actividade desta mediadora e o referido contrato pelo que a comissão lhe foi devidamente paga pelos RR.

Afirma-se no acórdão recorrido que as comunicações dirigidas aos RR. pela A., via correio electrónico, no dia 2 de Junho de 2015, tiveram como objectivo impedir a realização do negócio com a intermediação da GG. Estando provado que os RR. desconheciam a identidade dos potenciais compradores, quer nas relações com a A. quer nas relações com a GG, “apenas o tendo vindo a saber pela própria A., no dia 02 de Junho de 2015 (pontos 9 e 12 dos Factos Provados)”, não é de censurar a conduta dos mesmos RR. que “deram conhecimento por escrito, da proposta aqui em causa nos autos à A.” e, entre duas propostas, optaram legitimamente pela que melhor servia os seus interesses.


Insurge-se a Recorrente contra a decisão do acórdão recorrido, concluindo o seguinte: “b) No caso em apreço, verifica-se um nexo causal (causa adequada) entre a actuação da ora Rec.te, no âmbito do contrato de mediação que firmou com os ora Rec.dos, e a formação do interesse destes na compra do imóvel em causa e a concretização do negócio final; c) A actuação da interveniente foi absolutamente irrelevante para a determinação dos interessados angariados pela ora Rec.te a comprarem o imóvel dos ora Rec.dos; d) À Rec.te assiste o direito à remuneração contratualmente estipulada; e) O douto acórdão recorrido, decidindo como decidiu, não fez correcta interpretação e aplicação da lei, tendo infringido, entre outros, os preceitos do contrato celebrado entre a ora Rec.te e os ora Rec.dos, e o dos art°s 19° n° 1 da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, e 406° n° 1 do Cód. Civil”.

     No presente recurso cumpre apreciar a pretensão da Recorrente, o que implica caracterizar, ainda que em termos necessariamente breves, a relação jurídica existente entre as partes.


7.1. O problema da natureza jurídica da actividade de mediação imobiliária tem suscitado alguma controvérsia, acentuada pela sucessão de alterações legislativas a que o regime de exercício da actividade tem sido sujeito (ver supra, ponto nº 6.2 do presente acórdão), discutindo-se, designadamente, se a actividade de procura de destinatários para a celebração de negócios de constituição ou de transmissão de direitos reais sobre imóveis constitui uma verdadeira obrigação da empresa imobiliária ou antes um simples ónus material da mesma (ver, por todos, Higina Orvalho Castelo, Regime Jurídico da Atividade…, cit., págs. 34-38).

       No regime legal actual (aprovado pela Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro), em vigor à data dos factos dos autos, tal actividade encontra-se assim definida, no nº 1 do art. 2º daquela lei:

A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.”

       Com base nesta definição, completada pela regra do nº 2 do mesmo artigo, admite-se que, dependendo do caso concreto, o contrato de mediação imobiliária possa ou não gerar uma verdadeira obrigação para o mediador (cfr. Higina Orvalho Castelo, Regime Jurídico da Atividade…, cit., pág. 38).  

Acrescenta a mesma autora:

“Mas nos casos em que uma tal obrigação seja contratualmente assumida, importa perceber qual o seu conteúdo. Obriga-se o mediador a obter o resultado que dá direta satisfação ao interesse primário ou final do cliente? Ou obriga-se ele somente a diligenciar no sentido de obter esse resultado? No primeiro caso, estamos perante uma obrigação de resultado, no segundo perante uma obrigação de meios. Trate-se de um caso ou do outro, em que consiste o resultado que diretamente satifaz o interesse primário ou final do credor?” (cit., pág. 38).

        Mais à frente, tais interrogações são assim respondidas:

        “No que ao contrato que nos ocupa diz respeito, a classificação [que distingue entre obrigações de meios e obrigações de resultado] tem vindo a lume com alguma constância, o que parece justificar-se pelo papel de particular peso que um dado evento em regra, a celebração do contrato visado assume na consumação do contrato de mediação. Por vezes, confunde-se esse evento com o resultado que o mediador se obriga a causar ou a tentar causar, e, com base nisso, classifica-se a obrigação do mediador, respetivamente, como ‘obrigação de resultado’ ou ‘obrigação de meios’.

Segundo entendo, o interesse primário ou final do cliente do mediador consiste na obtenção de um interessado para certo contrato. Não consiste jamais na celebração do contrato visado; esta está na disponibilidade do cliente e de um terceiro e nem sequer é o resultado suscetível de ser diretamente obtido pela atuação do mediador. Se a obrigação do mediador consistir na obtenção de um interessado, a sua obrigação é de resultado. Se a ohrigação ou mediador for apenas a de diligenciar no sentido de conseguir o tal interessado, a sua obrigação é de meios.

Saber se a obrigação do mediador, a existir, consiste numa obrigação de resultado, se de meios, vai depender da interpretação do contrato concreto. As mais das vezes, porém, e não resultando o contrário do acordo contratual, estaremos perante uma mera obrigação de meios: o mediador obrigar-se-á a diligenciar no sentido de encontrar interessado no contrato desejado pelo cliente; não se obrigará a encontrar esse mesmo interessado.” (cit., pág. 41).


Afiguram-se de acolher estes ensinamentos (não se ignorando, porém, que, ainda que sem consequências de ordem prática para a decisão do caso dos autos, existem outras qualificações doutrinais possíveis; ver, por exemplo, já na vigência do actual regime legal, Maria de Fátima Ribeiro, O contrato de mediação, in Scientia Ivridica, nº 331, 2013, págs. 92 e segs.).

Recordando-se ter sido provado que, pelo contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes, a A. “se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de (…) desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis” (facto 2), conclui-se estarmos perante um contrato do qual nasce para a A. uma verdadeira obrigação (e não apenas um ónus material), a qual reveste a natureza de obrigação de meios.

Contudo, desta conclusão não resulta – nem, aliás, a A. o invoca – que o cumprimento da referida obrigação de meios atribua à A., por si só, o direito à remuneração contratualmente prevista.

Com efeito, o nº 1 do art. 19º da Lei nº 15/2013 dispõe o seguinte:

A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.”

Trata-se de uma especificidade do regime do contrato de mediação (em geral e não apenas da mediação imobiliária) que a doutrina especializada explicita nos seguintes termos:

- “O direito à retribuição depende da celebração do contrato promovido, embora seja independente do cumprimento do mesmo. Só com a verificação de um «resultado útil» – a realização do negócio – da actuação do mediador, este ganha o direito à retribuição. Está em causa mais do que a mera exigibilidade; é da própria constituição do direito que se trata.” (Carlos Lacerda Barata, Contrato de Mediação, in Estudos do Instituto do Direito do Consumo, Vol. I, Almedina, 2002, págs. 203-204). No mesmo sentido, cfr. Higina Orvalho Castelo, Regime Jurídico da Atividade…, cit., pág. 122).

- “(…) existe, na remuneração do mediador, uma nota específica: o direito à remuneração depende directamente da produção do resultado pretendido pelas partes (de resto, consiste habitualmente numa percentagem do valor do contrato definitivo). Ou seja, para que se torne devida a remuneração acordada, não basta que o mediador tenha desenvolvido todos os esforços para a produção desse resultado, sendo ao invés necessário que esses esforços tenham conduzido à celebração do negócio visado e que o negócio assim celebrado tenha resultado directamente dessa actividade do mediador.” (Maria de Fátima Ribeiro, O contrato de mediação, cit., pág. 93).


A consagração da regra do nº 1 do art. 19º da Lei nº 15/2013, que faz depender o direito da mediadora à remuneração da celebração do contrato visado, suscita dificuldades de qualificação dogmática, podendo colocar-se a hipótese de, no que ao contrato de mediação imobiliária se refere, estarmos perante um contrato condicional (cfr. Carlos Lacerda Barata, Contrato de Mediação, cit., pág. 203) ou um contrato aleatório (cfr. Maria de Fátima Ribeiro, O contrato de mediação, cit., págs. 98-99; Higina Orvalho Castelo, Regime Jurídico da Atividade…, cit., págs. 123 e segs.).

Nas palavras desta última autora (Regime Jurídico da Atividade…, cit., pág. 126): “O contrato de mediação não se classifica como contrato condicional em sentido próprio, mas incorpora uma condição atípica, ou circunstância de eventualidade, cuja ocorrência é necessária à produção de um dos seus efeitos jurídicos principais, o dever de remunerar.

Por causa desta circunstância, que coloca a remuneração na dependência da celebração do contrato visado, o mediador corre um risco específico de não ser remunerado, mesmo tendo cumprido escrupulosamente a sua prestação. Daí a referida frequente qualificação como aleatório”.


Retornando ao caso sub judice, temos assim que, do contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes, resultou para a A. uma obrigação de meios (a obrigação de “diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra” do imóvel” dos RR.); porém, o direito da A. à remuneração não nasce do cumprimento dessa obrigação nem sequer da verificação do resultado de obtenção de efectivos interessados na aquisição.

Tal direito à remuneração só existe se o contrato final de compra e venda vier a ser celebrado, desde que – como ajuizaram as instâncias – se verifique entre a actividade da mediadora e o dito contrato um nexo de causalidade. Neste sentido, cfr. os acórdãos deste Supremo Tribunal de 15/11/2007 (Proc. n.º 3569/07), de 19/05/2009 (Proc. n.º 5339/06.9TVLSB), de 29/03/2011 (Proc. nº 2439/07.1TBPTM.E1.S1) e de 22/09/2016 (Proc. n.º 1081/12.0TVLSB.L1.S1), consultáveis em sumários de jurisprudência cível, www.stj.pt; e ainda de 27/05/2010 (Proc. 9934/03.0TVLSB.L1.S1) consultável em www.dgsi.pt.


7.2. A exigência do nexo causal, a respeito do direito à remuneração no contrato de mediação em geral, é assim enunciada na doutrina que vimos citando:

- “(…) só o negócio cuja celebração advenha (exclusivamente ou não) da actuação do mediador relevará, para este efeito. A prestação do mediador terá de ser causal, em relação ao negócio celebrado entre o comitente e o terceiro. Todavia, o mediador não assume já o risco da boa execução do contrato promovido, sendo indiferente, para o efeito, o cumprimento ou incumprimento contratual.” (Carlos Lacerda Barata, Contrato de Mediação, cit., pág. 203).

- “(…) cabe apurar em que consiste e como se identifica esse nexo causal. O critério determinante deverá ser o da ligação psicológica entre a actividade do mediador e a vontade de o terceiro concluir um contrato com o comitente – e a afirmação dessa ligação não deve ser posta em causa pelo lapso temporal entretanto decorrido entre o exercício da actividade e a conclusão do contrato, nem pelos factos ocorridos nesse período de tempo, v. g., a intervenção de um novo mediador.” (Maria de Fátima Ribeiro, O contrato de mediação, cit., pág. 101).

- “A necessidade de um nexo causal entre a atividade do mediador e o evento de que depende a sua remuneração – normalmente a celebração do contrato desejado – tem sido consistentemente afirmada pela doutrina e pela jurisprudência. A atividade do mediador deve ter contribuído de forma decisiva ou importante para a conclusão do contrato, não tendo, porém, que ser a única causa. É visível a consciência da importância do nexo de causalidade na solução de vários problemas: desfasamento temporal entre a vigência do contrato de mediação e a conclusão do contrato visado; contribuição de vários mediadores; celebração do contrato com interessado diferente do angariado pelo mediador.” (Higina Orvalho Castelo, O Contrato de Mediação, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 298-299).


Referindo-se especificamente ao contrato de mediação imobiliária, afirma esta última autora (O Contrato de Mediação, cit., pág. 410) o seguinte:

É necessário “que a atividade do mediador tenha contribuído para essa celebração, ou seja, que se verifique um nexo entre a sua atividade e o contrato a final celebrado, aferindo-se o cumprimento do mediador pela existência desse nexo. A necessidade de um tal nexo decorre dos compromissos assumidos pelas partes no âmbito da relação contratual de mediação imobiliária e é incansavelmente lembrada pela jurisprudência. Tem por função afastar a retribuição quando o nexo causal não se estabelece, mas também mantê-la quando, após o seu estabelecimento, actos alheios ao comportamento do mediador conduzem à sua aparente quebra.


É precisamente aqui que se situa a questão essencial da presente lide: determinar se o nexo causal entre a actividade de mediação da A. e a celebração do contrato de compra e venda do imóvel dos RR. se manteve apesar de actos alheios ao comportamento do mediador (i.e., actos da interveniente GG e/ou dos interessados e/ou dos RR.)conduzirem à aparente quebra desse nexo.


         Consideremos, de novo, os factos provados relevantes:

2. No exercício da sua atividade, a autora celebrou com os réus, em 24/01/2014, um contrato de mediação imobiliária em regime de não exclusividade, nos termos do qual a autora se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de 1 750 000€, do prédio sito na Rua …, sito em …, …, desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis.

3. Acordaram ainda as partes que qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicado de imediato e por escrito à mediadora; e que os réus se obrigaram a pagar à autora, a título de remuneração, a quantia correspondente a 5% do preço pelo qual o negócio fosse concluído, acrescido de IVA à taxa legal; estipularam ainda que o pagamento da remuneração seria efetuado aquando da celebração da escritura ou conclusão do negócio visado; foi estipulado um prazo de seis meses renovável automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não fosse denunciado.

4. Foi na sequência de a autora ter referenciado e mostrado duas vezes o imóvel a DD e a EE que estes ficaram interessados na compra do imóvel.

5. Na segunda visita efetuada ao imóvel os referidos DD e EE fizeram-se acompanhar por um arquiteto e ofereceram 1 100 000 como preço de aquisição do imóvel.

6. Nos dias 29 e 30 de Maio e 01 de Junho de 2015 entre os colaboradores da autora e o 1° réu foram trocadas mensagens de correio eletrónico a respeito do valor de aquisição do imóvel proposto por DD e EE. [alterado pela Relação]

7. Em 02/06/2015 o 1° réu dirigiu à colaboradora da autora mensagem de correio eletrónico na qual escreveu “Recebemos, entretanto, a proposta que aguardávamos através da FF a qual é em valor ligeiramente acima dos 1.100.000€ e não condicionada a financiamento bancário. Veja se os seus clientes têm interesse em melhorar a respetiva proposta, para podermos tomar uma decisão”.

8. Entre os dias 1 e 2 de Junho de 2015, nenhuns outros interessados apresentaram proposta de compra aos réus.

9. No dia 02 de Junho de 2015, os RR. aceitaram a proposta feita por DD e EE, por € 1.110.000,00, apresentada através da FF, tendo os RR., nessa data, tomado conhecimento que eram os mesmos interessados que haviam apresentado a proposta de € 1.100.000,00 dois dias antes através da A. [alterado pela Relação; rectificado a fls. 324]

10. Por escritura de 31/08/2015 foi celebrada a escritura de compra e venda do imóvel, entre os réus e DD e EE, pelo preço declarado de 1 110 000€, com recurso pelos compradores a crédito bancário concedido pela HH e, nessa escritura os réus declararam que houve intermediação de mediador imobiliário GG – Mediação Imobiliária Lda, com a licença AMI 7…8.

11. Por contrato escrito datado de 13 de Abril de 2009 os réus celebraram com a “GG – Mediação Imobiliária, Lda.” (FF) contrato de mediação imobiliária, em regime de não exclusividade, relativo ao imóvel sito na Rua …, sito em …, …, referido em 2º supra, pelo qual a “GG” (FF) se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do imóvel, desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos, mediante o pagamento de remuneração correspondente a 5% sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado.

12. No dia 01/06/2015, os réus receberam uma proposta, por intermédio da FF (GG) ainda sem identificação dos clientes, no montante de 1.110.000€, por escrito, e com sinalização de reserva de 10.000€ e com possibilidade de celebração do contrato-promessa em 15 dias ou escritura de compra e venda em 90 dias.

13. Logo no dia 02/06/2017, os réus deram conhecimento dessa proposta à autora e colocaram à consideração desta a possibilidade de os clientes melhorarem a proposta de 1.100.000€.

14. A GG (FF) enviou um link da casa ao EE e DD e eles disseram que já conheciam a casa e não precisavam de a visitar.

14-A. Os RR. não tinham conhecimento da identidade dos potenciais compradores que apresentavam as ofertas de compra do imóvel seja através da A., seja através da outra agências de mediação imobiliária. [aditado pela Relação]

14-B. O comprador EE estava inscrito como cliente da GG desde 04 de Maio de 2015. [aditado pela Relação]

14-C. Após a GG ter mostrado ao EE a casa aqui em causa nos autos, este informou-a que já conhecida aquela casa através de uma outra imobiliária e que da mesma tinha desistido uma vez que os vendedores não baixavam o preço de € 1.200.000,00. [aditado pela Relação]

14-D. A partir desta informação a GG desenvolveu as diligências mencionadas no Ponto 15-A, com vista à respetiva aquisição. [aditado pela Relação]

15. Entre os dias 28 e 30 de Maio de 2015 o EE informou a GG (FF) que havia apresentado uma proposta de 1.100.000€ pela casa, através da autora (II) e que não havia sido aceita pelos réus.

15-A. A proposta apresentada pela “GG - Mediação Imobiliária, Lda.” encontrava-se reduzida a escrito e assinada pelo potencial comprador, vindo acompanhada de uma reserva e início de pagamento de € 10.000,00 (dez mil euros), prevendo ainda um prazo de realização da escritura de 90 dias. [aditado pela Relação]


    Como se referiu supra, as instâncias responderam de forma divergente à questão da existência de nexo de causalidade (adequada) entre a actividade de mediação da A. e a celebração do contrato final.

A 1ª instância respondeu em sentido afirmativo com base essencialmente no facto provado 4, não alterado pela Relação (“Foi na sequência de a autora ter referenciado e mostrado duas vezes o imóvel a DD e a EE que estes ficaram interessados na compra do imóvel.”), considerando assim bastar que o interesse dos compradores se tenha formado em resultado da actividade da A. para dar como provado o nexo causal.  

A Relação respondeu em sentido negativo por entender que – admitindo embora que actividade da A. levou a que os futuros compradores se interessassem pela aquisição do imóvel – tal não relevaria, uma vez que a proposta de aquisição pelo valor de € 1.100.00,00, apresentada aos RR. por meio da A., se terá frustrado pois os vendedores não admitiram vender por valor inferior a € 1.200.000,00, exigência que os interessados não aceitaram. Terá sido assim a actuação da mediadora GG que terá sido determinante no renascimento do interesse dos compradores, na medida em que “só pela intervenção da GG, com as diligências desenvolvidas e com as propostas concretas que apresentou para este negócio, é que foi possível chegar a bom porto e concretizar esta aquisição, com o que podemos afirmar que se estabeleceu o nexo causal entre a atividade do mediador e a perfeição do negócio celebrado” (juízo do acórdão recorrido que assenta na factualidade dada como provada, designadamente no facto 6, cuja redacção foi alterada pela Relação, e nos factos aditados em sede de apelação).

Estando em causa aferir da correcção deste juízo de causalidade normativa feito pelo tribunal a quo, estamos perante questão de direito que, como tal, cabe a este Supremo Tribunal reapreciar.

Afigura-se que, como ponto de partida para a devida consideração da questão, há que ter em conta que, aquando da celebração do contrato de mediação dos autos, “a autora se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de 1 750 000€(facto 2), quando, a final, o contrato de compra e venda veio a ser celebrado pelo preço de € 1.110.000,00, dos quais € 10.000,00 correspondentes ao valor de “reserva e início de pagamento” entregue pelos interessados com a proposta de aquisição feita aos RR. por intermédio da GG (factos 12 e 15-A).  

Não fora a diferença entre o montante do preço inicialmente pedido pelos proprietários do imóvel, os aqui RR., e o montante do preço pelo qual o bem foi vendido, estaria correcta a decisão da 1ª instância que reconheceu a existência de nexo causal exclusivo entre a actividade de mediação da A. e a celebração da compra e venda. Dito por outras palavras, nas hipóteses em que os interessados angariados por uma mediadora aceitam, com ou sem negociação prévia, o valor de venda pedido pelos vendedores, o nexo causal entre a actividade da mediadora e a celebração do contrato visado fica demonstrado. Trata-se afinal de acolher a doutrina supra indicada, segundo a qual “O critério determinante deverá ser o da ligação psicológica entre a actividade do mediador e a vontade de o terceiro concluir um contrato com o comitente”, sendo que “a afirmação dessa ligação não deve ser posta em causa pelo lapso temporal entretanto decorrido entre o exercício da actividade e a conclusão do contrato, nem pelos factos ocorridos nesse período de tempo, v. g., a intervenção de um novo mediador.” (Maria de Fátima Ribeiro, O contrato de mediação, cit., pág. 101).

Contudo, a afirmação do nexo causal torna-se menos linear quando, como sucede no caso sub judice, a compra e venda vem a ser celebrada entre os RR. vendedores e os interessados angariados pela A. mas por preço cujo montante (€ 1.110.000,00) não corresponde ao valor inicialmente pedido pelos vendedores (€ 1.750.000,00) nem ao valor que, durante a negociação mediada pela A., eles se dispuseram a aceitar (€ 1.200.000,00).

Foi a esta discrepância que a Relação atribuiu relevância, tanto no plano da decisão de facto como no plano da decisão de direito. Na verdade, na medida em que a celebração do contrato de compra e venda depende do acordo de vontades, i.e., da conjugação de vontades contrapostas (a vontade dos interessados/compradores e a vontade dos RR./vendedores), não bastará provar-se que a actividade da A. foi causal em relação ao surgimento do interesse dos compradores, antes é preciso provar que essa actividade foi também causal em relação à formação da vontade de vender pelo preço final, no caso, por € 1.110.000,00, dos quais € 10.000,00 a título de “reserva e início de pagamento”.

Assim sendo, o facto dado como provado pela sentença e mantido pela Relação, segundo o qual, “No dia 01/06/2015, os réus receberam uma proposta, por intermédio da FF (GG) ainda sem identificação dos clientes, no montante de 1.110.000€, por escrito, e com sinalização de reserva de 10.000€ e com possibilidade de celebração do contrato-promessa em 15 dias ou escritura de compra e venda em 90 dias” (facto 12), reforçado com o facto provado aditado pela Relação (“A proposta apresentada pela “GG - Mediação Imobiliária, Lda.” encontrava-se reduzida a escrito e assinada pelo potencial comprador, vindo acompanhada de uma reserva e início de pagamento de € 10.000,00 (dez mil euros), prevendo ainda um prazo de realização da escritura de 90 dias.” - facto 15-A), levou, com razão, a Relação a concluir que a actividade da segunda mediadora (a GG) contribuiu causalmente para a formação do consenso de vontades das partes e, consequentemente, para a realização do contrato definitivo.

Porém, tais factos não permitem que se conclua pela ausência de todo e qualquer nexo causal entre a actividade de mediação da A. e a celebração do negócio final. Diversamente do que entendeu o acórdão recorrido, não se afigura que o interesse dos futuros compradores tenha “renascido” com a actuação da mediadora GG, o que, a ser verdade, implicaria que tal interesse teria “morrido” ao não terem os RR. vendedores aceite a sua proposta de aquisição por € 1.100.000,00, apresentada por meio da A.

Na verdade, se há conclusão que se extrai com clareza dos factos provados é a de que o interesse dos compradores, uma vez surgido, se manteve e consolidou ao longo do tempo. Se tal se poderia afirmar mesmo que as datas de apresentação das suas propostas (uma mediada pela A. e a outra mediada pela interveniente) fossem mais distanciadas e o conteúdo das mesmas propostas fosse menos próximo, por maioria de razão deve ser entendido ao ter sido provado (factos 6 a 9, 12 e 13) que tais propostas foram apresentadas em dias sucessivos, tendo inclusivamente os interessados (que já tinham efectuado duas visitas ao imóvel com a A., a segunda das quais acompanhados de arquitecto) dispensado a realização de nova visita com a mediadora GG (factos 14 e 14-C) antes de apresentarem a proposta por esta mediada. Que se tenha provado que o interessado EE informou a GG de “que já conhecida aquela casa através de uma outra imobiliária e que da mesma tinha desistido uma vez que os vendedores não baixavam o preço de € 1.200.000,00” (facto 14-C) não basta para considerar que tivesse cessado o interesse dos ditos EE e DD. A declaração de “desistência” do dito EE poderá, quanto muito, ser tida como conforme aos demais factos relativos à conduta dos futuros compradores se reportada à aquisição pelo valor de € 1.200.000,00. Pois, na verdade, a prova feita demonstra que, ainda que por outro valor, os clientes angariados pela A. se mantinham seriamente interessados no imóvel.  

Aqui chegados, considera-se estarmos perante uma situação em que a actividade de mediação da A. e a actividade de mediação da interveniente concorreram causalmente para a celebração do contrato de compra e venda entre os RR. e os interessados. A possibilidade de a actividade de mais do que uma mediadora ter relação de causalidade com a realização do contrato final é, como vimos, pacificamente admitida pela doutrina. Neste sentido, decidiu também o acórdão deste Supremo Tribunal de 22/09/2016 (Proc. n.º 1081/12.0TVLSB.L1.S1), supra referido.

Tratando-se, porém, de orientação decisória não considerada pelas partes ao longo do processo, foram aquelas notificadas para, querendo, se pronunciarem.

Veio a Recorrente responder, afirmando que a sua actividade de mediação “foi determinante da vontade dos Rec.dos comprarem o imóvel em causa”, podendo admitir-se que a actuação da interveniente “contribuiu, quando muito, para a formação do preço de € 1.110.000,00, em vez dos € 1.100.000,00 da proposta veiculada pela Rec.te”.

A interveniente GG respondeu, acompanhando de perto a fundamentação do acórdão da Relação, no sentido de se entender que “a actividade de mediação decisiva e causal da celebração do negócio foi unicamente desenvolvida pela GG”, na medida em que, à data em que os futuros compradores procuraram a mesma GG, tinham já “desistido do negócio” tal como mediado pela A.  

No mesmo sentido se pronunciaram os RR., concluindo que “é entendimento da Recorrida que apenas a GG tem direito à remuneração por ter sido esta agência imobiliária que verdadeiramente promoveu e intermediou o contrato de compra e venda, levando os compradores a nova visita ao imóvel e fazendo-lhe[s] sugestões quanto à proposta a apresentar, tendo essas sugestões sido acolhidas pelos compradores e a proposta por estes apresentada, nessa sequência, sido aceite pelos Recorridos.”

Cumpre decidir.


7.3. Admitida a possibilidade de verificação de concausalidade entre a actividade de mais do que uma mediadora imobiliária e a celebração do contrato visado, nada nas respostas das partes e da interveniente leva a afastar a confirmação dessa concausalidade no caso dos autos.   

      Com efeito, da factualidade provada, tal como desenvolvidamente apreciada nos pontos anteriores do presente acórdão, resulta que, enquanto a actividade de mediação desenvolvida pela A. foi determinante na formação da vontade dos interessados/compradores em comprar (a não ser, como se viu, pelo preço de € 1.200.000,00), a actividade de mediação da interveniente GG – com a iniciativa de obter dos interessados/compradores uma proposta reduzida a escrito, acompanhada de uma “reserva” e início de pagamento de € 10.000,00, assim como da assunção de compromisso quanto ao prazo máximo para celebração tanto do contrato-promessa como do contrato de compra e venda – foi determinante na formação da decisão dos RR. em venderem, e em fazê-lo pelo preço indicado na escritura de compra e venda (€ 1.110.000,00).  

      Temos assim que, diversamente do alegado pela A., a contribuição causal da actividade da interveniente não respeita apenas à “formação do preço de € 1.110.000,00, em vez dos € 1.100.000,00 da proposta veiculada pela Rec.te”. A decisão, por parte dos RR., de celebrar o contrato de compra e venda foi tomada perante a proposta dos interessados, tal como apresentada pela GG, com todas as referidas componentes (repita-se: proposta reduzida a escrito; realização de “reserva” e início de pagamento no montante de €10.000,00; assunção de compromisso quanto ao prazo máximo para celebração tanto do contrato-promessa como do contrato definitivo).

       Mas também não é possível acolher a posição, comum à interveniente e aos RR., segundo a qual a única actividade de mediação causal da celebração do negócio terá sido a daquela interveniente. Como ficou amplamente comprovado, para o surgimento do interesse dos futuros compradores, sério e persistente, na aquisição do imóvel em causa e, em consequência, na formação da sua vontade na celebração do contrato definitivo (salvo, repita-se, pelo preço de € 1.200.000,00), foi determinante a actividade desenvolvida pela A. É, aliás, particularmente significativo que, diversamente do alegado pelos RR. a fls. 351v (“apenas a GG tem direito à remuneração por ter sido esta agência imobiliária que verdadeiramente promoveu e intermediou o contrato de compra e venda, levando os compradores a nova visita ao imóvel (…)”), tenha antes ficado provado (factos 14 e 14-C) que os interessados, tendo já efectuado duas visitas ao imóvel com a A., a segunda das quais acompanhados de arquitecto, tenham dispensado a realização de nova visita, desta vez com a mediadora GG, antes de, em 1 de Junho de 2015, apresentarem a proposta por esta mediada. Conforme admitido pela interveniente em sede de contestação, só mais tarde (em 27 de Junho de 2015), aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda, os mesmos interessados foram acompanhados por comercial da GG numa visita ao imóvel.

      Assinale-se que, tendo ficado provado que, “No dia 02 de Junho de 2015, os RR. aceitaram a proposta feita por DD e EE, por € 1.110.000,00, apresentada através da FF, tendo os RR., nessa data, tomado conhecimento que eram os mesmos interessados que haviam apresentado a proposta de € 1.100.000,00 dois dias antes através da A.” (facto 9), dispunham os RR. de todos os elementos para reconhecerem a contribuição causal da A. para a realização do contrato final de compra e venda com os referidos interessados.


       Na falta de outro critério objectivo para a ponderação da contribuição causal de cada uma das mediadoras, entende-se que ambas, A. e interveniente, contribuíram em igual medida para a celebração do contrato final entre os RR. e os interessados, reconhecendo-se, em consonância, ter a A. direito a metade da remuneração contratualmente acordada com os RR., o que perfaz €27.500,00.


8. Peticionou a A. a condenação dos RR. em juros de mora vencidos, até 12/10/2015, e vincendos, desde essa data e até integral pagamento. Contudo, uma vez que, nos termos do nº 3 do art. 805º do Código Civil, a constituição do devedor em mora depende da liquidação da obrigação, e que, no caso presente, tal apenas ocorre com o proferimento da presente decisão, só são devidos juros de mora a partir da data de trânsito em julgado da mesma decisão.


9. Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, revogando-se a decisão do acórdão recorrido e condenando-se os RR. a pagar à A. a quantia de € 27.500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros), correspondente a metade da remuneração contratualmente prevista, vencendo-se juros de mora, à taxa supletiva das dívidas civis, a partir da data do trânsito em julgado da presente decisão.


Custas na acção e nos recursos pelas partes, na proporção de 50% para cada uma.


Lisboa, 11 de Julho de 2019


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho