Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3653/16.4T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
CONTRATO DE SEGURO
ACIDENTE DE TRABALHO
DIREITO DE REGRESSO
SEGURADORA
TRIBUNAL COMPETENTE
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
RELAÇÃO JURÍDICA SUBJACENTE
TRIBUNAL CÍVEL
TRIBUNAL DO TRABALHO
Data do Acordão: 12/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA – TRIBUNAIS JUDICIAIS DE PRIMEIRA INSTÂNCIA / JUÍZOS DO TRABALHO / COMPETÊNCIA CÍVEL.
Doutrina:
-ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, p. 196;
-MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, p. 88 e 91.
Legislação Nacional:
LEI DE ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ), APROVADO PELA LEI N.º 62/2013, DE 26 DE AGOSTO: - ARTIGO 126.º, N.º 1, ALÍNEA C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 11-01-2001, PROCESSO N.º 3376/00;
- DE 22-06-2006, PROCESSO N.º 06B2020, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. A competência em razão da matéria resulta da natureza da matéria alegada na ação.

II. A natureza da matéria alegada afere-se pela pretensão jurisdicional deduzida e pelo fundamento invocado ou pelo pedido e causa de pedir.

III. Compete aos tribunais comuns, nomeadamente de competência cível, conhecer da ação proposta por seguradora, no exercício do direito de regresso, contra a tomadora do seguro (entidade empregadora), para obter a sua condenação no reembolso das quantias pagas, em resultado de acidente de trabalho causado por violação das regras de segurança do trabalho.   

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I – RELATÓRIO


AA, S.A., instaurou, em 16 de junho de 2016, nos Juízos Cíveis da Instância Local de …, Comarca de …, contra BB, S.A., ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 12 800,28, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação é efetivo e integral pagamento, bem como todos os pagamentos que venham a ser realizados, decorrentes do processo de acidente de trabalho, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que, por efeito de contrato de seguro e na regularização de acidente de trabalho, pagou já a quantia de € 12 800,28, tendo direito a ser reembolsada em virtude da responsabilidade do acidente de trabalho ser única e exclusivamente da R., por violação grave das mais elementares regras de segurança do trabalho.

Contestou a R., designadamente por exceção, arguindo a incompetência do Tribunal, em razão da matéria, sendo o competente o tribunal do trabalho, de harmonia com o disposto no art. 126.º, n.º 1, alínea c), da LOSJ.

Respondeu a A., alegando que o pedido da ação não se baseia no acidente de trabalho em si, nem em factos diretamente decorrentes daquele.

Por despacho de 28 de setembro de 2016, considerada a incompetência do tribunal, em razão da matéria, nos termos do art. 126.º, n.º 1, alínea c), da LOSJ, foi a Ré absolvida da instância.

Inconformada, a Autora apelou para o Tribunal da Relação de …, que, por acórdão de 5 de janeiro de 2017, dando provimento ao recurso, revogou tal despacho.


Inconformada, a Ré recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:


a) Na ação especial de acidente de trabalho, não ficaram demonstrados os pressupostos em que assenta o direito de regresso invocado pela Recorrida, não podendo o tribunal apreciar a existência do suposto direito de regresso.

b) A sua efetivação teria de ser feita com base na eventual verificação de alguma das situações do art. 18.º da LAT, matéria da exclusiva competência do tribunal do trabalho, conforme o art. 126.º, n.º 1, alínea c), da LOSJ.

c) A decisão recorrida violou, expressamente, o disposto nos artigos 674.º, n.º 1, alínea b), do CPC, 126.º da LOSJ, 18.º, 79.º, n.º 3, da LAT, e 154.º do CPT.


Com a revista, a Recorrente pretende a revogação do acórdão recorrido e a sua absolvição da instância, por incompetência material do tribunal.


As contra-alegações da A. foram desentranhadas do processo.


Cumpre, desde já, apreciar e decidir.


Neste recurso, está somente em discussão a competência material para a ação de regresso, proposta por seguradora, pelas quantias a pagar, em resultado de acidente de trabalho.



II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. Descrita a dinâmica processual, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, e que respeita à competência material para o conhecimento da ação.

O acórdão recorrido, divergindo da decisão da 1.ª instância, concluiu no sentido da competência material estar atribuída aos tribunais de competência genérica.

A Recorrente, por seu turno, insurgindo-se contra o entendimento sufragado no acórdão recorrido, continua a defender que a competência material cabe aos tribunais do trabalho, nomeadamente nos termos do art. 126.º, n.º 1, alínea c), da LOSJ.

Identificada, assim, a controvérsia emergente dos autos, vejamos então a solução normativa prevista na lei aplicável, sendo certo que a jurisprudência, designadamente ao nível da Relação, tem chegado a resultados divergentes.


A competência do tribunal, como pressuposto processual, corresponde à medida de jurisdição dos diversos tribunais, nomeadamente ao modo como entre eles se fraciona e reparte o poder jurisdicional (MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 88, e ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, pág. 196).

Internamente, o fracionamento ou repartição do poder de julgar deriva de vários fatores, designadamente em razão da matéria.

A competência em razão da matéria para as diversas espécies de tribunais, situados entre si no mesmo plano horizontal, sem qualquer relação de hierarquia, resulta da natureza da matéria alegada na ação, tendo por justificação o princípio da especialização, com as reconhecidas vantagens.

A natureza da matéria alegada na ação afere-se pela pretensão jurisdicional deduzida e pelo fundamento invocado ou pelo pedido e causa de pedir (MANUEL DE ANDRADE, ibidem, pág. 91), como, aliás, é entendido, pacificamente, pela jurisprudência.


Na ação proposta, a Recorrida pediu que a Recorrente fosse condenada no reembolso das quantias já despendidas e a despender, com acréscimo de juros, por efeito de acidente de trabalho, invocando para tal um direito de regresso.

Perante a pretensão formulada, não pode existir qualquer dúvida de que os tribunais comuns são materialmente competentes para a ação.

Todavia, neste caso, a natureza do pedido é insuficiente para a determinação da competência material para a ação, sendo necessário atender à causa de pedir invocada na ação.

O fundamento da ação, que consubstancia a causa de pedir, assenta na alegação do direito de regresso, resultante da Recorrida, por efeito de contrato de seguro, ter satisfeito o pagamento das prestações devidas por acidente de trabalho, com atuação culposa da entidade empregadora.

Nestas circunstâncias, evidencia-se que o direito de crédito invocado na ação tem por fundamento ou justificação o direito de regresso a favor da Recorrida, que assumiu a responsabilidade pelo acidente de trabalho.

Deste modo, considerada a natureza do pedido e da causa de pedir da ação especificados, a competência material cabe aos tribunais comuns.

Embora o direito de regresso invocado possa resultar da responsabilidade assumida por acidente de trabalho, é por demais evidente que não é essa a problemática que se discute na presente causa.

Por isso, e ao contrário do que defende a Recorrente, a competência material para a ação não se enquadra no âmbito do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), segundo o qual “compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível, das questões emergentes de acidente de trabalho e doenças profissionais”.

Na verdade, na ação, não está em causa qualquer questão emergente de acidente de trabalho, mas apenas o reflexo da responsabilidade, assumida pelo acidente de trabalho, por parte da seguradora.

A posição da Recorrente, porém, assenta manifestamente num equívoco.

Com efeito, a verificação do direito de regresso, nomeadamente quanto aos seus pressupostos legais, insere-se claramente no âmbito da apreciação do mérito da ação. Essa questão, no entanto, não interfere na determinação da competência material do tribunal da causa. Isto mesmo foi entendido pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de junho de 2006 (06B2020), acessível em www.dgsi.pt.

Nesta conformidade, não pode deixar de se concluir que compete aos tribunais comuns, nomeadamente de competência cível, conhecer da ação proposta por seguradora, no exercício do direito de regresso, contra a tomadora do seguro (entidade empregadora), para obter a sua condenação no reembolso das quantias pagas, em resultado de acidente de trabalho causado por violação das regras de segurança do trabalho.    

Neste sentido, decidiram, designadamente, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de janeiro de 2001 (3376/00) e de 22 de junho de 2006, anteriormente citado.


Assim sendo, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.


2.2. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. A competência em razão da matéria resulta da natureza da matéria alegada na ação.

II. A natureza da matéria alegada afere-se pela pretensão jurisdicional deduzida e pelo fundamento invocado ou pelo pedido e causa de pedir.

III. Compete aos tribunais comuns, nomeadamente de competência cível, conhecer da ação proposta por seguradora, no exercício do direito de regresso, contra a tomadora do seguro (entidade empregadora), para obter a sua condenação no reembolso das quantias pagas, em resultado de acidente de trabalho causado por violação das regras de segurança do trabalho.   


2.3. A Recorrente, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Negar a revista, confirmando a decisão recorrida.


2) Condenar a Recorrente (Ré) no pagamento das custas.


Lisboa, 14 de dezembro de 2017


Olindo Geraldes (Relator)

Maria do Rosário Morgado

José Sousa Lameira