Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
914/12.5TBCLD.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
NOTIFICAÇÃO POSTAL
DOMICÍLIO PROFISSIONAL
FACTO NOTÓRIO
ESCRITÓRIO DO MANDATÁRIO
MANDATÁRIO JUDICIAL
DISTRIBUIÇÃO
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
CARTA REGISTADA
ACÓRDÃO
PRESUNÇÕES LEGAIS
Data do Acordão: 03/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / ATOS PROCESSUAIS / ATOS EM GERAL / ATOS ESPECIAIS / CITAÇÃO E NOTIFICAÇÕES / NOTIFICAÇÕES EM PROCESSOS PENDENTES / NOTIFICAÇÕES DA SECRETARIA / INSTRUÇÃO DO PROCESSO – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS.
Doutrina:
-ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil, Reimpressão, 1981, p. 261;
-RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, 3.ª Edição, 2001, p. 76.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 140.º, N.º 1, 247.º, N.º 1, 254.º, N.ºS 1, 3 E 4, 412.º, N.º 1, 552.º, N.º 1, ALÍNEA B) E 558.º, ALÍNEA C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 12-11-1991, IN BMJ, N.º 411, P. 569;
- DE 25-10-2005, CJSTJ, ANO, XIII, TOMO III, P. 91.
Sumário :
I. Sendo a carta registada, com cópia do acórdão, enviada para o domicílio profissional do mandatário do autor, nomeadamente para o domicílio indicado na petição inicial, sem que, entretanto, tivesse sido comunicada qualquer alteração, não obstante nalgumas peças processuais se mencionasse também, no rodapé de página, outra morada, e não sendo ilidida a presunção estabelecida, a notificação do acórdão foi realizada e produziu o seu efeito.

II. Considera-se facto notório o que é do conhecimento geral, nomeadamente da grande maioria dos cidadãos, regularmente informados.

III. Não configura um facto notório o exercício deficiente da distribuição postal pelos CTT, nomeadamente numa certa zona da cidade de Lisboa, por o facto não ser de conhecimento generalizado.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – RELATÓRIO

AA - Construções e Restauro, Lda., e BB, Autores e Recorrentes, vieram arguir, em 5 de fevereiro de 2017, a nulidade, por omissão de notificação do acórdão do Tribunal da Relação de … de 22 de novembro de 2016, que julgara improcedente a apelação por si interposta, pois só, com o processo na 1.ª instância, ficaram a saber de que fora proferido o acórdão, mas do qual nunca tomaram conhecimento.

A parte contrária, CC e DD - Destilaria de Resíduos Agro Industriais, Unipessoal, Lda., notificada, não respondeu.

Pelo relator, foi proferido despacho de 6 de junho de 2017, a julgar improcedente a arguição da nulidade processual.

O Recorrente BB reclamou, então, para a conferência, alegando, designadamente, que a não entrega da carta, com a notificação do acórdão, se deveu a erro de terceiros (funcionário dos CTT), configurando também uma situação de justo impedimento.

Por acórdão de 7 de novembro de 2017, o Tribunal da Relação de … julgou improcedente a reclamação e confirmou o despacho reclamado.

Inconformado, o Autor BB recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou em resumo as seguintes conclusões:

a) Os Autores nunca em momento algum foram notificados do acórdão, nem nunca rececionaram na caixa de correio qualquer tipo de correspondência do TRC, relativamente ao mesmo acórdão.

b) É uma situação real, efetiva, pública e notória, sobretudo em Lisboa, a maior insegurança na entrega de forma correta por parte dos funcionários contratados pelos CTT, que não os antigos carteiros.

c) O acórdão recorrido descorou as circunstâncias que ocorreram, dependentes da execução escorreita e séria das tarefas por terceiros, os CTT.

d) Estão em causa direitos inalienáveis dos Autores, por erros grosseiros, única e exclusivamente, cometidos por terceiros.

e) Constituiu-se uma situação de justo impedimento, nos termos do art. 140.º do CPC.

f) O acórdão recorrido labora em erro quando considera que o mau funcionamento dos serviços dos funcionários dos CTT, na Rua …, Campo … ou Cruz …, em Lisboa, não configura uma situação de facto notório na aceção do disposto no art. 412.º do CPC.

g) Foi com a notificação do despacho do TRC que os Autores tomaram conhecimento, pela primeira vez, que a secretaria havia procedido à notificação do acórdão.

h) Está ainda em causa uma séria e grave violação do direito constitucional dos Autores ao recurso.

Com a revista, o Recorrente pretende a revogação do acórdão recorrido.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Na revista, está essencialmente em causa a nulidade processual, decorrente da omissão de notificação de acórdão.

II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:

1. Os Autores instauraram a ação através de petição inicial subscrita pelo Advogado Dr. EE.

2. Na petição é mencionada, em rodapé, a morada “Rua …, n.º … – 2.º D, 1150- LISBOA”, correspondente à da procuração forense.

3. Na réplica, é referida também a mesma morada.

4. No requerimento de apresentação dos meios de prova, é indicada a mesma morada.

5. Foi notificado na referida morada do despacho de fls.116.

6. No requerimento de 29/3/2014, menciona-se a mesma morada.

7. No requerimento de 11/1/2015, subscrito pelo Advogado Dr. FF, refere-se, em rodapé de página, a morada “Rua …, n.º 54, 1150 - Lisboa”.

8. No requerimento de 7/4/2015, de interposição do recurso da sentença, é mencionada a morada de “Rua … n.º 54, 1150 – Lisboa”.

9. Por carta de 15/4/2015, foi enviada cópia da gravação para a morada “Rua …, n.º 11, 2.º D, 1150 - Lisboa”.

10. Nas alegações de recurso, subscritas pelo Advogado Dr. FF, é indicada a seguinte morada do mandatário subscritor: FF - Rua ..., n.º11, 2.º D - 1150 – Lisboa; e, em rodapé de página, menciona-se “Rua …, n,º 54, 1150 - Lisboa”.

11. O requerimento de 6/7/2015 menciona, em rodapé de página, a morada Rua … n.º 54, 1150 – Lisboa.

12. No requerimento de 22/10/2015, é indicada a seguinte morada do mandatário subscritor: Rua …, n.º 11, 2.º D, 1150 – Lisboa; e, em rodapé de página, menciona-se “Rua …, n.º 54, 1150 – Lisboa”.

13. O despacho de 23/11/2015, sobre o requerimento dos Autores, foi notificado para a morada “Rua …, n.º 11, 2.º D, 1150 – Lisboa”.

14. O despacho 15/2/2016, de recebimento do recurso e remessa do processo à Relação, foi notificado na morada “Rua …, n.º 11, 2.º D, 1150 - Lisboa”.

15. O acórdão da Relação de 22/11/2016 foi notificado aos Autores, por carta remetida ao seu mandatário, em 24/11/2016, para a morada “Rua …, n.º 11 – 2.º D, 1150 – Lisboa”.

16. Esta carta veio devolvida, com a menção de “não atendeu às 11h45” (…) “aviso Santa Marta”.

17. No requerimento de arguição da nulidade, é indicada a morada do mandatário subscritor - “Rua …, n.º 11, 2.º D, 1150 – Lisboa”.


***

2.2. Descrita a dinâmica processual, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões e respeitante à nulidade processual, decorrente da omissão de notificação do acórdão proferido pela Relação em 22 de novembro de 2016.

O Recorrente insiste na arguição da nulidade, de modo a que possa ser notificado do acórdão e manter o direito ao recurso no prazo legal.

A questão controversa, emergente dos autos, insere-se no âmbito da notificação dos atos judiciais às partes que constituíram mandatário.

De harmonia com o disposto no art. 247.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários, cabendo nomeadamente ao autor da ação, na petição inicial, “indicar o domicílio profissional do mandatário judicial”, sob pena da sua recusa pela secretaria (arts. 552.º, n.º 1, alínea b), e 558.º, alínea c), ambos do CPC).

Nos tribunais superiores, não sendo ainda aplicável a Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, reguladora da tramitação eletrónica dos processos judiciais nos tribunais de 1.ª instância, incluindo as notificações, terá de se preencher a lacuna existente mediante o regime que vinha sendo aplicado no âmbito do CPC/1961, nomeadamente o disposto no art. 254.º, na redação dada pelo DL n.º 303/2007, de 24 de agosto, que regula as formalidades da notificação aos mandatários das partes.

Assim, os mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu escritório ou para o domicílio escolhido, podendo ser também notificados pessoalmente pelo funcionário quando se encontrem no edifício do tribunal (art. 254.º, n.º 1).

A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja (art. 254.º, n.º 3).

A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou para o domicílio por ele escolhido; nesse caso, ou no da carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere o n.º 3 do art. 254.º (art. 254.º, n.º 4).

Descrito o regime jurídico aplicável, verifica-se que o acórdão do Tribunal da Relação de … de 22 de novembro de 2016 foi notificado, por carta registada ao mandatário do Autor, em 24 de novembro de 2016, nomeadamente na morada localizada na Rua …, n.º 11, 2.º D, 1150 – Lisboa, carta que, porém, veio devolvida, com a menção de “não atendeu às 11h45” (…) “aviso Santa Marta”.

Perante esta realidade, não há qualquer dúvida de que a carta registada, com cópia do acórdão, foi enviada para o domicílio profissional do mandatário do Autor, nomeadamente para o domicílio indicado na petição inicial, sem que, entretanto, tivesse sido comunicada qualquer alteração, não obstante nalgumas peças processuais se mencionasse também, no rodapé de página, a morada Rua …, n.º 54, 1150 – Lisboa. De resto, e sem qualquer incidente conhecido, o Autor, até então, sempre foi, sucessivamente, notificado dos diversos atos judiciais no domicílio profissional do mandatário indicado na petição inicial.

No contexto descrito, a notificação do acórdão foi realizada e produziu o seu efeito, em conformidade com o disposto no referido art. 254.º, n.º 4.

Por outro lado, os Autores não ilidiram a presunção da notificação, nomeadamente que não fora efetuada por razões não imputáveis ao seu mandatário. Efetivamente, como ficou provado, o mandatário do Autor não atendeu o chamamento do funcionário dos CTT, quando este procurou fazer a entrega da carta registada no seu domicílio profissional, nem o aviso do mesmo funcionário o terá levado, depois, a reclamar a entrega da carta.

Não houve, pois, omissão da notificação ao Autor do acórdão de 22 de novembro de 2016 e, por isso, não se cometeu qualquer nulidade processual, tal como se decidiu no acórdão recorrido.

Aliás, o próprio Recorrente acaba por admitir essa conclusão, ao referir, expressamente, neste recurso, que a “secretaria havia procedido à notificação do acórdão”.

Por outro lado, o Recorrente, na reclamação para a conferência do despacho proferido pelo Relator, alegou também o justo impedimento, por erro do funcionário dos CTT e ser pública e notória a cada vez maior insegurança na entrega de forma correta da correspondência pelos CTT.

O justo impedimento encontra-se regulado no art. 140.º do CPC, considerando-se como tal “o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato” (n.º 1).

Desde logo, a invocação do justo impedimento é intempestiva, porquanto não foi alegada no requerimento em que foi suscitada a nulidade processual ou mesmo logo quando o Recorrente conheceu o despacho do Relator (notificação por carta registada de 8 de junho de 2017 (fls. 329)), que julgara improcedente a nulidade processual, mas apenas na reclamação para a conferência daquele despacho (22 de junho de 2017), para além da parte nem sequer se ter apresentado a praticar o ato processual fora de prazo.

Para além da intempestividade da alegação do justo impedimento, também não está demonstrado o evento impeditivo, no caso, atribuído aos CTT.

No entanto, para a dispensa da prova, o Recorrente alegou tratar-se de um facto notório, que, além disso, nem sequer carecia de ser alegado, conforme decorre do disposto no art. 412.º, n.º 1, do CPC.

Para o efeito, considera-se facto notório o que é do conhecimento geral. Trata-se, com efeito, do conhecimento por parte da grande maioria dos cidadãos do País, que possam considerar-se regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação. A noção normativa constante do art.º 412.º, n.º 1, coincidente com a antes consagrada no art. 512.º, n.º 1, do CPC/1961, elege, como critério, o conhecimento resultante da vasta publicidade emprestada ao facto, conferindo-lhe um caráter de certeza, e que o juiz também deverá conhecer, enquanto cidadão regularmente informado, sem necessidade de se socorrer de quaisquer operações lógicas e cognitivas, nomeadamente de juízos presuntivos (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de novembro de 1991 (BMJ, n.º 411, pág. 569), e de 25 de outubro de 2005 (Coletânea de Jurisprudência (STJ), Ano, XIII, t. 3, pág. 91), RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 3.ª ed., 2001, pág. 76, e ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil, Reimpressão, 1981, pág. 261).

Em face da noção normativa de facto notório, facilmente se percebe que, no caso vertente, não se configura qualquer facto notório quanto ao exercício, deficiente, da distribuição postal pelos CTT, nomeadamente na Rua …, Campo … ou Cruz …, em Lisboa. Podendo até admitir-se, por vezes, alguma deficiência na entrega ao destinatário da correspondência postal, já não é admissível, no entanto, aceitar-se que tal circunstância seja do conhecimento generalizado e, muito menos, quando a deficiência é referida a uma zona muito circunscrita da cidade de Lisboa.

Não sendo o facto alegado notório, tinha o Autor o ónus legal da sua demonstração, o que, consabidamente, não logrou concretizar.

Nestas condições, para além de não ter sido cometida qualquer nulidade processual, também não estão reunidos os pressupostos legais para a procedência do justo impedimento, e, por isso, o Autor não pode imputar, designadamente a terceiros, a negação de qualquer direito processual, na decorrência da prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de novembro de 2016.

Assim, improcedendo o recurso, não pode ser concedida a revista.

2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

I. Sendo a carta registada, com cópia do acórdão, enviada para o domicílio profissional do mandatário do autor, nomeadamente para o domicílio indicado na petição inicial, sem que, entretanto, tivesse sido comunicada qualquer alteração, não obstante nalgumas peças processuais se mencionasse também, no rodapé de página, outra morada, e não sendo ilidida a presunção estabelecida, a notificação do acórdão foi realizada e produziu o seu efeito.

II. Considera-se facto notório o que é do conhecimento geral, nomeadamente da grande maioria dos cidadãos, regularmente informados.

III. Não configura um facto notório o exercício deficiente da distribuição postal pelos CTT, nomeadamente numa certa zona da cidade de Lisboa, por o facto não ser de conhecimento generalizado.

2.4. O Recorrente, ao ficar vencido por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC, embora inexigível, por efeito do benefício do apoio judiciário.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1) Negar a revista.

2) Condenar o Recorrente (Autor) no pagamento das custas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

Lisboa, 1 de março de 2018

Olindo Geraldes (Relator)

Maria do Rosário Morgado

José Sousa Lameira