Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | SÉNIO ALVES | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS MEDIDA CONCRETA DA PENA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL PENA DE EXPULSÃO | ||
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Data do Acordão: | 10/25/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I. A atenuação especial da pena prevista no artº 4º do DL 401/82, de 23/9, só é de aplicar quando o conjunto dos factos apurados, relativos ao ilícito mas, também, às características da personalidade do arguido, à sua conduta anterior e posterior aos factos, à sua inserção social e familiar, revelar de forma clara que a atenuação especial da pena se traduzirá em efectivo contributo para a sua reinserção social. II. A atenuação especial da pena não pode, assim, assentar no simples facto de o agente ter – à data dos factos – idade compreendida entre os 16 e os 21 anos de idade. Nem, tão pouco, na circunstância de não se terem demonstrado factos que obstem à aplicação de tal medida. Como, aliás, não pode ser aplicada como voto de confiança ou manifestação de fé na reinserção social do jovem condenado. Tem, isso sim, que assentar em factos positivos, isto é, na demonstração de circunstâncias que, globalmente consideradas, inculquem no julgador esse juízo seguro de que o arguido beneficiará, na sua reinserção social, dessa atenuação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, neste Supremo Tribunal de Justiça: I. 1. No âmbito do Processo Comum Colectivo nº 271/21.9JALRA, do Juízo central criminal de ..., J., o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi julgado, com outro, como autor de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º, 131º e 132º, nº 1 e nº 2, alíneas e) e j) do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão e, bem assim, na pena acessória de expulsão do território nacional, estando-lhe interdita a entrada neste território pelo período de 5 (cinco) anos. 2. Inconformado, recorreu o arguido AA, pedindo a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que o condene em pena não superior ao limite mínimo legalmente admissível de 2 anos, 4 meses e 24 dias de prisão e, bem assim, que “extinga a pena acessória de expulsão aplicada”, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas): «1ª - Afigura-se excessiva a medida da pena aplicada, tendo sido o jovem Arguido condenado a 7 (Sete) anos de prisão pelo crime de Homicídio na forma tentada. 2ª - O Relatório Social do Jovem Arguido não foi devidamente relevado para a atribuição da medida concreta da pena pelo Tribunal a quo, sendo descuradas as concretas necessidades de prevenção especial do Arguido. 3ª - Neste sentido, a Decisão Recorrida violou os preceitos dos Artºs 40º e 71º do Código Penal., sendo que tais dispositivos apenas funcionaram in pejus para o Arguido, mas nunca sequer foi aventado fazer o devido uso in melus. Ora, se o Tribunal a quo ressalta a intensidade do dolo na prática dos factos, o mesmo raciocínio deveria existir na análise das circunstâncias atenuantes…o que infelizmente não aconteceu. 4ª - Não se atendeu à situação de jovem adulto do Arguido, condicionado por fragilidades Pessoais (imaturidade) e por um trajecto de reclusão desde idade precoce. 5ª - Que por tal facto, teve de interromper os seus estudos, não tendo tido a oportunidade de ingressar numa actividade laboral. 6ª – Contudo, o Arguido cresceu integrado numa família estruturada que o irá apoiar em regime livre, sendo este filho único do casal. 7ª - Em situação de liberdade pretende o Arguido, permanecer em Portugal e viver com os seus pais na casa que dispõem em ... e ali exercer uma actividade, sendo útil à sociedade. 8ª – Refere ainda o Relatório Social, que “O Arguido dispõe de recursos cognitivos passiveis de potenciar a sua evolução em contexto de acompanhamento, estando integrado em família nuclear minimamente estruturante e apoiante.” (negrito nosso) 9ª - De realçar que no decurso do cumprimento da pena no EP de ..., o Arguido tem mantido até à presente data uma conduta adequada sem qualquer registo disciplinar. 10ª - A experiência indica no sentido de que um encarceramento prolongado irá ter sérias repercussões no Jovem Arguido e no seu seio familiar, que em nada contribuirá para a sua ressocialização. 11ª - Sendo que uma pena mais curta, irá cumprir de igual forma os seus fins. 12ª -O Douto Tribunal a quo não fez também a aplicação ao Arguido do Regime Especial para jovens, atenuando especialmente a pena conforme prevê o DL nº 401/82 de 23/09 ex vi Artº 9º do CP. 13ª - A recusa da atenuação não pode ter como fundamento razões preventivas ou de culpa, a culpa pode ser intensa e as exigências de prevenção muito fortes e ser possível formular um juízo favorável sobre as vantagens da atenuação da pena para a reinserção do jovem condenado. 14ª - Analisado o percurso do Arguido, que à data tinha 18 anos, verifica-se que este não apresenta traços de marginalidade ou condutas desviantes quer no aspecto social quer familiar. 15ª - À data da prática dos factos o jovem arguido não tinha registado qualquer antecedente, pelo que não foi condenado como reincidente. 16ª - Ao não aplicar ao Arguido o referido regime, o Tribunal a quo violou as disposições constantes do citado DL 401/82 de 23/09 ex vi artº 9º do CP, e o artº 73º do CP. 17ª - Face a todos os considerandos, pugna-se pela diminuição da pena aplicável ao Arguido para um enquadramento penal nunca superior ao limite mínimo de 2 anos e 4 meses e 24 dias (Artº 73º n.1º al. a) e b) do CP). 18ª - A Pena acessória de expulsão não é nunca de aplicação automática, exigindo sempre a sua aplicação, uma criteriosa avaliação por parte do Tribunal. 19ª - Existem requisitos para a sua aplicação que têm de ser valorados, previstos no Artº 151º nº 2 da Lei 22/2007 de 4 de Julho. 20ª - Apesar de não se pretender branquear ou desculpar a atitude do Arguido, pois a sua conduta está pejada de desvalor, sempre terá que se atender que. este jovem adulto não revela uma personalidade de adição ao crime ou desviante. 21ª – Como já se referiu supra, na data da prática dos factos o Arguido não tinha nenhuma condenação registada, pelo que não foi condenado por reincidência. 22ª - O mesmo reside em Portugal com os seus pais há cerca de 5 anos, tendo estabelecido já vínculos sociais com a comunidade de acolhimento os quais geram no Arguido um sentimento de pertença. 23ª - Em regime livre terá todo o apoio dos seus pais, que já têm perspectiva de ocupação laboral para o jovem arguido na restauração, como vem referido. no Relatório social. 24ª - Se quanto à prevenção geral, na sua dimensão negativa, a pena de expulsão se justifica como meio de afastar a “ameaça” que os estrangeiros podem constituir para a segurança nacional. 25ª – Já na óptica da prevenção especial positiva, o afastamento do delinquente da sociedade de acolhimento, não irá prosseguir qualquer objetivo de reintegração. 26ª - Em atenção ao nº 3 do Artº 151º da Lei 22/2007 de 4 de Julho, a medida só pode ser aplicada a estrangeiro com residência permanente quando a sua conduta constituir perigo ou ameaça grave para a ordem pública, a segurança ou defesa Nacional, o que não se verifica no caso sub judice . 27ª -Acresce que por imposição Constitucional Artº 30º nº4 “…nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais e políticos” 28ª - Neste sentido, há que atender ao Douto Acórdão do STJ, de 1996-06-12 (in CJ-STJ 1996, tomo II, pag. 197) que refere: “… Para decidir se o estrangeiro deve ou não ser expulso…é utilizável o critério do TribunalEuropeu dos Direitos do Homem, que, garantindo o direito ao respeito da vida privada e familiar e reconhecendo que incumbe aos Estados assegurar a Ordem Pública, em particular o exercício do seu direito de controlar a entrada e permanência de estrangeiros, atenda à gravidade das sanções penais aplicadas e aos antecedentes criminais, na medida do necessário numa sociedade democrática e preservando o justo equilíbrio entre esses interesses em confronto”. “Por isso, qualquer decisão neste domínio pressupõe que seja respeitado um justo equilíbrio entre os interesses em confronto, a saber o direito do Requerente ao respeito da sua vida privada e familiar e a proteção da ordem pública e a prevenção de infrações penais” (sublinhado nosso) 29ª - Ponderando os interesses em confronto, a factualidade dada como provada, não revela uma necessidade social imperiosa de expulsão do Arguido, que, apresenta uma inserção social e familiar que deve ser respeitada e defendida, sendo que a expulsão será mais perniciosa que benéfica para a sua ressocialização. 30ª – Não se verificando assim os pressupostos da aplicação ao Arguido da pena de expulsão, deve o Douto Acórdão ser revogado nessa parte por violar os dispositivos legais aplicáveis (Artº 151 nº 2 e 3 da Lei 22/2007 de 4/07, e o Artº 30º nº 4 da CRP)». 3. Respondeu a Exmª Magistrada do MºPº junto do tribunal a quo, pugnando pelo não provimento do recurso e assim concluindo (mais uma vez, por transcrição): «1. A pena de sete anos de prisão aplicada ao recorrente respeita os critérios legais para a sua determinação, sendo adequada às necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto exige. 2. Não são apenas as finalidades de prevenção especial que norteiam a escolha e a medida da pena, sendo que inclusivamente podem determinar a aplicação de uma pena mais elevada. 3. A aplicação do regime especial para jovens, previsto no Decreto-Lei 401/82, 23 de Setembro, pressupõe por um lado, um elemento formal (idade inferior a 21 anos de idade), mas também um elemento material (que o Tribunal conclua que a atenuação especial da pena se constitua como uma vantagem para a reinserção social do jovem condenado. 4. No caso em apreço - ausência de integração escolar, laboral e social - tendo já o arguido sido condenado em pena de prisão efectiva pela prática de crime de idêntica natureza, não poderia o Tribunal a quo decidir pela verificação daquele pressuposto material. 5. Apesar de estar em cumprimento da pena de três anos e oito meses de prisão pela prática de crime de homicídio na forma tentada, o recorrente incorre na prática do mesmo crime, pelo que não existem circunstâncias favoráveis que possam beneficiar o recorrente. 6. A pena de sete anos de prisão, considerando o antecedente criminal e a ausência de factores favoráveis, revela-se adequada e proporcional. 7. A pena concreta nunca poderia ser fixada no limite mínimo da moldura penal - 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses - desde logo porque em momento anterior já havia o recorrente sido condenado numa pena de três anos e oito meses pela prática de idêntico crime. 8. A decidir pela de prisão conforme peticionado pelo recorrente, estaria o Tribunal a quo a incorrer na violação do artigo 40.º e 71.º, do Código Penal. 9. Na ausência de integração social e laboral por parte do recorrente, que apenas dois anos volvidos sobre a sua entrada em território nacional já se encontra em cumprimento de uma pena de prisão, a pena acessória de expulsão revela-se adequada. 10. O recorrente ao incorrer na prática de idêntico crime, revela-se como um elemento desvalioso para a sociedade portuguesa, inexistindo factores de onde se possa extrair qualquer ganho, para a sua manutenção em território português. Por tudo o exposto entendemos dever improceder, na totalidade, o recurso interposto pelo arguido, mantendo-se na íntegra o douto acórdão, assim farão V. Ex.as a costumada Justiça!». 4. Os autos subiram ao Tribunal da Relação de Coimbra onde, em 13/7/2023, foi proferida decisão sumária, ordenando a remessa dos autos a este Supremo Tribunal, por aí se ter entendido – aliás, bem – que o recurso visa exclusivamente matéria de direito, tendo a condenação do recorrente em pena superior a 5 anos de prisão sido proferida por tribunal colectivo – artº 432º, nº 1, al. c) do CPP. II. 1. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pugnando pelo não provimento do recurso: «(…) Ponderando, então, a pena concreta aplicada no caso: A moldura penal abstrata a considerar no caso, quanto ao crime de homicídio qualificado, nas formas de tentativa e coautoria, é a de prisão de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses. Em concreto, há que atender e ponderar o bem jurídico protegido, que no caso se trata da vida humana, tendo na devida conta que a norma que no Código Penal pune o crime de homicídio pressupõe, como fundamento, o princípio que proíbe dispor da vida humana de outrem, suportando-se este princípio na justificação da vida humana como o valor primordial, com a máxima dignidade constitucional (artigo 24.º da Constituição da Républica Portuguesa) e coerentemente tutelado pela lei (Código Penal); portanto com validade ética material essencial, enquanto suporte da correspondente validade jurídica. O nível de motivação do arguido perante o bem jurídico-penal protegido não só foi insuficiente (o arguido não se motivou a agir de modo normativamente adequado em obediência à proibição de matar e à inviolabilidade da vida humana), como o antecedente crime homólogo a que os autos se referem sugere que a motivação insuficiente emerge como resultado de anomia ou falta de ressonância emocional quanto ao valor e significado social da vida humana, à proibição de matar e à desvinculação ao inerente dever-ser, como se a proibição de matar não o vinculasse e se desse a si próprio a liberdade de matar. Há que ponderar que a prevenção geral corporizada na ameaça de uma pena de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses prisão não funcionou e, seguindo-se a condenação do arguido pelo crime de homicídio qualificado tentado, teremos que avaliar a sua culpa para individualizar a pena concreta dentro daquela moldura legal, que será o seu limite também concreto, e ter ainda em conta as exigências de prevenção geral positiva na execução da pena. Centrando-nos na culpa, cujo conceito ou definição não se encontra positivada no Código Penal, ela traduz-se na reprovabilidade da conduta que recai sobre o agente por não ter agido conforme ao direito (infidelidade ao direito), sendo conceito há muito pacificamente consensual na jurisprudência, que o tem positivado enquanto juízo de censura dirigido ao arguido, porquanto pressupõe no agente, neste arguido em concreto, a liberdade necessária para se determinar de acordo com a proibição legal do crime de homicídio e mesmo assim agiu contra a proibição legal, e fê-lo em moldes que reclamam um juízo severo de censura, por via dos seguintes fatores: - o desvalor da ação, com reflexos ponderativos tanto na ilicitude, como na culpa (lado objetivo e subjetivo do facto), é bastante elevado por o arguido ter agido - num contexto onde era suposto haver contenção de comportamento e cumprimento de regras (o EP onde se encontrava em cumprimento de pena) e, indiferente à coerção inerente ao ambiente prisional, agiu com o firme propósito de matar, - planeando e acordando com o coautor o tempo e o modo de o fazerem, aproveitando ocasião em que a vítima estivesse mais indefesa e distraída com a sua higiene pessoal, - garantindo a eficácia do atentado fatal através da específica seleção dos meios de agressão (lâmina para golpear), - instrumentalizando e condicionando o posicionamento da vítima para local mais reservado do balneário, denotando frieza e cálculo na consecução dos seus propósitos, - manietando a vítima depois de a fazerem cair, - usando meios violentos cumulados para tirar a vida à vítima ao utilizarem uma meia para a estrangular até esta perder os sentidos e, nessa circunstância, golpeando-lhe o pescoço com a lâmina, enquanto era manietada pelos braços, e ali deixada a sangrar sem piedade. - Tal comportamento, no seu modo de execução, traduz uma forma violenta e cruel de matar, sem hesitações, dirigida a garantir o efetivo resultado, conjunta, consciente e voluntariamente visado, abandonando a vítima para morrer que, inocente do ardil preparado pelo arguido e coautor, desconhecia que ia ao encontro da morte. - Agredida para morrer, a vítima foi atingida em várias vezes em locais vitais do corpo, o que continua a manter o juízo quanto à ilicitude em grau muito elevado. - O desvalor do resultado, também com reflexos ponderativos tanto na ilicitude, como na culpa (lado objetivo e subjetivo do facto), igualmente se mostra muito elevado, pois a vítima sofreu agressões de violência intensa no processo do assassinato tentado, que se traduziu contemporaneamente numa eficaz neutralização da sua capacidade de defesa ao ser empurrado, com subsequente queda com lesão traumática do crânio e subsequente perda de sentidos, - depois sujeito a enforcamento e a golpes de lâmina, fatores que devem ainda ser aliados à supremacia representada pela atuação conjunta do arguido e coautor, - do que resultou o real e efetivo perigo para a vida da vítima, cuja morte só o socorro prestado evitou (perdeu 2,5 litros de sangue, foram cortadas veias jugulares vitais ao ser degolado, sofreu 60 dias de doença/convalescença), - circunstâncias que acentuam tanto a ilicitude, como não podem deixar de se refletir no juízo de censurabilidade por o arguido se ter assegurado da eficácia dos meios empregados nos seus propósitos criminosos, que só circunstâncias alheias à sua vontade evitaram. - Ainda no âmbito da culpa, o dolo é direto e os sentimentos manifestados na prática do homicídio revelam o completo desprezo pelo valor da vida humana, acentuada, quanto ao recorrente, pelos antecedentes homólogos, e acentuada pelos motivos provados: o de fazerem “justiça” pelas próprias mãos a pretexto da natureza sexual do crime que determinara a privação de liberdade da vítima. No contexto acabado de referir, a culpa é elevada e impõe uma moldura concreta que não pode ficar abaixo dos 12 anos de prisão, como limite máximo, por estar patente tanto o dolo muito intenso, a consciência plena, planeada e executada da ilicitude da sua conduta e dos meios usados para a levar a cabo, e bem assim dos resultados de dano voluntariamente pretendidos, com os concretos contornos referidos. O crime de homicídio, ainda que tentado, cometido nestas circunstâncias, é um dos crimes que maior abominação, alarme e insegurança causam, impondo-se um efetivo e significativo reforço da validade das normas violadas aos olhos da comunidade, para mais quando ocorreu em ambiente prisional, onde é suposto haver contenção deste tipo de comportamentos, apenas correntes na ficção cinematográfica para adultos. É tido, normativamente, como integrando o conceito de criminalidade especialmente violenta – artigo 1.º alínea l) do Código de Processo Penal – e leva à qualificação das vítimas desse tipo de crimes como “vítimas especialmente vulneráveis” – artigo 67.º-A n.º 3 do Código de Processo Penal, a que a nossa ordem jurídica concede especial proteção, ainda para mais quando o espaço onde o facto criminoso ocorreu é estabelecimento público à responsabilidade do Estado. São, pois, muito elevadas as exigências de prevenção geral, que no caso em apreço não consentem que a submoldura concreta da pena a aplicar fique abaixo dos 6 anos de prisão. No que respeita às exigências de prevenção especial (que devem então fazer coincidir todos os fatores já enunciados com as exigências de que a condenação, mormente em pena de prisão, tenha como objetivo a reintegração do delinquente na vida em sociedade sem cometer mais crimes), dever-se-ão considerar os seguintes fatores: - a frieza e a violência demostrada na prática dos factos, traduzida no desprezo pela condição humana da vítima e pela sua cruel agressão, de forma premeditada, abandonando a vítima a sangrar depois de degolada, estrangulada, agredida e manietada, - aliado aos antecedentes criminais homólogos, - ao comportamento indisciplinado em ambiente prisional, à dificuldade de cumprir regras e controlar impulsos no mesmo ambiente, - com inserção social desestruturada, tanto em ambiente escolar - onde os problemas de comportamento tiveram registo negativo -, quanto na inserção profissional, sem trajeto laboral consistente, estando em reclusão desde 21-1-2020; - fatores que, na sua globalidade acentuam o juízo de intensa reprovabilidade imputável ao arguido. Avaliados os seus antecedentes pessoais e criminais, não podem, de todo, ser ponderados como fatores atenuantes, como é pretendido pelo recorrente, tanto mais que não foi sequer reconhecido no processo qualquer manifestação de arrependimento. Do que fica dito resulta que dentro da submoldura acima apontada (6 anos a 12 anos), limitada pela culpa e pela exigências de prevenção geral, as exigências de prevenção especial não consentem - dadas as necessidades de prevenção geral e especial e as agravantes concretas que importa considerar e a que se aludiu, respeitantes ao modo como o crime foi praticado pelo arguido, com necessários reflexos no grau elevado da ilicitude e da culpa – que a pena concreta seja outra que não a de 7 anos de prisão, aplicada pelo tribunal recorrido e que deve ser mantida por respeito à proibição da reformatio in pejus. Tal pena respeita os princípios constitucionais da intervenção mínima, da proporcionalidade das penas e da igualdade, e sobretudo o princípio da culpa, pois a realização da justiça penal num Estado de Direito democrático tanto se alcança na proibição da punição sem culpa ou para além da culpa (nulla poena sine culpa), como se cumpre por meio de uma punição adequada dos culpados, quando necessária for para salvaguarda do interesse púbico subjacente ao respeito pelo Direito do próprio Estado (nulla culpa sine poena). Afigura-se-nos, assim que, de forma suficiente, na determinação da medida da pena, o tribunal a quo alicerçou-se corretamente na consideração da culpa e da prevenção como princípios regulativos dessa medida, e foi fiel à medida da necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto. Do que vem de ser dito não resulta viável a pretendida aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes, previsto no DL n.º 401/82, de 23 de setembro. À parte o que há de arbitrário e de legalmente ficcionado na determinação de certa idade como limite formal da imputabilidade no limiar da maturidade - embora o tratamento penal de favor dos jovens entre 16 e 21 anos seja tributário de uma certa ideia de justiça, por se entender terem os jovens delinquentes, em tese, maior viabilidade de ressocialização, conforme se refere no preâmbulo ao DL n.º 48/95, de 15 de março -, julgamos que seria incompreensível, tanto do ponto de vista de uma ética dos princípios, como de um ponto de vista de uma ética da responsabilidade, com tradução no regime jurídico referido e na prudência do julgador, que ao arguido não fosse aplicada a pena de prisão efetiva fixada 7 anos, na qual já terá pesado – cremos - a juventude do arguido e as frágeis competências sociais, enquanto atenuantes gerais. Trata-se de uma pena necessária para uma adequada e firme defesa da sociedade e para a prevenção da criminalidade especialmente violenta, tanto mais que a pena aplicada é a de prisão superior a 2 anos que, na economia do DL n.º 401/82, dilui o poder-dever tanto da atenuação especial, quanto da ponderação de eventuais medidas corretivas ou reeducativas (artigos 4.º e 5.º). O propósito da ressocialização através de medidas atenuativas ou corretivas está manifestamente comprometido, pois o passado do arguido, se nos situarmos no crime de homicídio tentado pelo qual veio a ser condenado no processo 342/20.9..., cometido em 20-1-2020, já foi diacronicamente um presente na vida do arguido e o crime pelo qual veio a ser condenado em 1.ª instância neste processo já foi um futuro que não foi invertido nem contramotivada por aquele primeiro crime, i.e., não teve qualquer eficácia preventiva, quer para a automotivação do arguido, quer para a defesa da sociedade e do bem jurídico-penal protegido. Não existe acentuada diminuição da ilicitude, nem da culpa, nem da necessidade da pena, como é pressuposto no artigo 4.º, do DL n.º 401/82 em conjugação com os artigos 73.º e 74.º do Código Penal. Faltando esses pressupostos materiais, falta também a base para ponderar das sérias razões para crer que da solicitada atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem arguido, pois este não demonstrou capacidade regenerativa, nem personalidade refletida no facto ou comportamento compaginável com as intensas exigências de prevenção geral; ou seja, aliando-se a propensão para a violação dos mais básicos valores da vida em sociedade com a gravidade do facto cometido, a prognose favorável à reinserção social do arguido, pressuposta no regime penal especial para jovens, não tem, em absoluto, sustentação de facto e de direito. Isto posto, de modo abreviado, julgamos que se encontra plenamente justificada a não aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes, devendo manter-se o decidido a esse propósito, em conformidade com a jurisprudência deste supremo tribunal em situações similares. 4.2.2. Quanto à pena de expulsão: Lê-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-04-2020, no processo n.º 499/18.9YRLSB.S1, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, que “A expulsão é uma medida de autodefesa da ordem jurídica, política, económica e social dos Estados que tem de conciliar-se com as liberdades e as garantias dos direitos fundamentais do homem. Por outras palavras, esse direito de defesa dos Estados não pode coartar o direito à liberdade e à segurança da pessoa humana (na medida, como é óbvio, em que estas não devam ser legitimamente afetadas) – assim, no Parecer da Procuradoria-Geral da República, n.º 146/76, de 25-11-1976, in BMJ n.º 269, pág. 52 e acórdão do STJ de 10-05-1978, in BMJ n.º 277, pág. 107, versando então as disposições do Decreto-Lei n.º 582/76, de 22 de Julho.”. Prevista no artigo 151.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, a pena acessória de expulsão aplicada ao arguido, não sendo um efeito automático da condenação, teve na devida conta a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a prognose de eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal, enquanto requisitos legais; pena essa que só pode ser aplicada a residentes permanentes quando a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional (n.º 3 do mesmo aludido preceito). O tribunal a quo considerou a propósito o seguinte: (…) No caso em apreço, resulta dos factos provados que o arguido AA reside em Portugal desde 2018, tendo, em 20.01.2020, praticado um crime de homicídio tentado, pelo qual veio a ser condenado a 07 de Junho de 2021, voltando a praticar factos da mesma natureza no dia 24 de Março de 2021, quando se encontrava em situação de prisão preventiva à ordem dos mencionados autos, donde resulta a forte possibilidade de reincidência por banda do arguido (o qual nem mesmo após a aplicação de medida de coação privativa de liberdade deixou de praticar factos da mesma natureza), assim como as fortes exigências de prevenção especial que o caso requer, radicadas nos factos praticados pelo arguido, em tão curto espaço de tempo, e na personalidade do arguido revelada nos mesmos, ao que acresce a sua situação pessoal constante dos factos provados (com desinserção laboral, dificuldade de cumprimento de regras, incluindo em meio prisional e fraco controlo de impulsos, não obstante o apoio psicológico e o apoio familiar de que beneficiou antes ainda da maioridade). Os factos praticados pelo arguido, no âmbito dos presentes autos e do Processo Comum Coletivo nº 342/20.9..., do J... .. do Juízo Central Criminal do... (de igual natureza), constituem, de facto, ameaça grave à ordem pública. (…) Dando aqui por reproduzido o que acima foi dito quanto às prementes exigências de prevenção especial e geral, a pena de expulsão é tanto necessária, como proporcional à gravidade do crime, como suficientemente justificada, ao levar em conta a incapacidade de o arguido demonstrar uma adequada e normativa inserção social, profissional e pessoal. Não há, pois, justificação bastante para proteger a permanência e a situação vivencial do recorrente na ordem jurídica, política, económica e social do nosso país; nem o arguido pode reclamar um atendível sentimento de pertença ou um relevante vinculo à comunidade e ao Estado que o acolheu, e agora pune, quando não é motivado pelas normas que proíbem o crime de homicídio, e quando desatende aos mais básicos valores que estruturam tanto a comunidade, quanto a ordem pública e jurídico–penal do nosso Estado. A pena acessória de expulsão não deve merecer censura, quer na sua aplicação, quer na sua medida, acompanhando-se aqui – e no mais – as alegações do Ministério Público na 1.ª instância. 4.3. Conclusão: Em conformidade, somos de parecer que o recurso deverá ser julgado improcedente, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido». 2. Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, não houve resposta. III. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir. São as conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação que delimitam o âmbito do recurso - artº 412º, nº 1 do CPP. E em face de tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir: A) Justificava-se, no caso, a atenuação especial da pena, por força do artº 4º do DL 401/82, de 23/9? B) A pena aplicada deve ser reduzida e fixada em medida não superior ao limite mínimo legalmente previsto? C) Deve ser revogada a pena acessória de expulsão do território nacional aplicada ao arguido? IV. O tribunal a quo fixou a seguinte matéria de facto: 1. À data dos factos em causa nos autos, os arguidos BB, AA e CC encontravam-se presos no Estabelecimento Prisional de ... – Jovens, na Ala.... 2. No dia 22 de Março de 2021, DD deu entrada no referido Estabelecimento Prisional, encontrando-se sujeito à medida de coação de prisão preventiva, à ordem do Processo nº 23/20.3..., do Juízo de Instrução Criminal de... (Lisboa Oeste), pela prática de factos integradores dos crimes de coação sexual, violação, importunação sexual e pornografia de menores. 3. Os arguidos BB e AA, sabendo dos crimes pelos quais o arguido DD se encontrava indiciado, decidiram, de comum acordo e em conjugação de esforços, tirar-lhe a vida. 4. No dia 23 de Março de 2021, o arguido CC abordou EE e propôs-lhe que participasse na morte de DD, a troco de € 200,00. 5. Perante o que o arguido CC lhe disse, EE ficou receoso de que viessem a atentar contra a sua vida ou integridade física, no entanto, recusou a proposta feita. 6. Na sequência do decidido em 3, no dia 24 de Março de 2021, os arguidos BB e AA aguardaram pelo fim do recreio e que DD fosse tomar banho no balneário. 7. Pelas 16h18m da referida data, o arguido BB deslocou-se para o interior dos balneários, onde permaneceu à espera que DD ali entrasse, o que sucedeu passados uns instantes. 8. Entretanto, o arguido AA deslocou-se à cela do arguido CC. 9. Após, pelas 16h19m, o arguido AA dirigiu-se ao balneário onde estava o arguido BB e DD. 10. No interior do balneário, o arguido BB calçou um par de luvas e pegou numa lâmina de dimensões não concretamente apuradas. 11. Entretanto, o arguido AA dirigiu-se a DD, que se preparava para usar uma das cabines do meio, e disse-lhe para ir para a cabine de duche mais à direita, que fica numa zona mais escondida. 12. DD foi para a cabine de duche que o arguido AA lhe indicou, tendo verificado que não funcionava, e, quando estava a ir para outra, o arguido AA insistiu que voltasse para a referida cabine. 13. Ato contínuo, o arguido AA empurrou DD, fazendo com que este caísse na cabine que antecede o chuveiro e batesse com a cabeça. 14. Enquanto DD permaneceu caído, o arguido AA colocou-se em cima de si e agarrou-o pelas pernas, impedindo-o de se mexer. 15. Simultaneamente, o arguido BB, recorrendo a uma meia preta que tinha consigo, colocou-a à volta do pescoço do DD, e, com ambas as mãos, apertou-a com força, asfixiando-o até aquele perder os sentidos. 16. Passados uns instantes, DD recuperou a consciência, encontrando-se nesse momento o arguido BB a cortar-lhe o pescoço com uma lâmina, enquanto o arguido AA estava por trás a agarrar os braços daquele. 17. Pelas 16h34m, o arguido BB saiu do balneário, e pelas 16h35m saiu o arguido AA, deixando DD a sangrar no interior daquele espaço. 18. Após saírem do balneário, os arguidos dirigiram-se à cela do arguido CC. 19. DD, apesar de ferido, conseguiu levantar-se e caminhar, ensanguentado, até à porta dos balneários, onde surgiu pelas 16h47m, perdendo os sentidos. 20. De imediato, DD foi socorrido e transportado para o Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de ..., onde deu entrada inconsciente. 21. Em consequência da atuação conjunta dos arguidos BB e AA, DD sofreu feridas na região cervical: uma ântero-lateral direita, com lesão da jugular externa direita, e uma esquerda, com lesão das veias jugular interna esquerda e jugular externa esquerda – tendo sido feita exclusão das lesões vasculonervosas major da região cervical e tendo sido submetido a rafia da jugular interna esquerda e a laqueação das jugulares externas. 22. DD sofreu ainda uma perda hemática abundante, de cerca de 2,5 litros, tendo sido efetuadas transfusões de sangue, no total de quatro unidades de concentrado eritrocitário e de quatro unidades de plasma. 23. As lesões causadas determinaram perigo para a vida de DD e um período de 60 dias para a consolidação médico-legal, com afetação da capacidade para o trabalho geral durante estes dias. 24. Os arguidos BB e AA atuaram de forma livre, concertada e em comunhão de esforços, dando expressão prática a um plano por eles gizado, com o propósito de colocarem termo à vida de DD, atendendo ao instrumento utilizado e à parte do corpo que atingiram, onde estão alojados vasos sanguíneos vitais, o que não lograram por motivos alheios à sua vontade, mormente pelo facto de DD ter sido socorrido. 25. Os arguidos BB e AA agiram revelando desprezo e total desrespeito pela vida de DD, querendo tirar-lhe a vida por estar preso preventivamente pela prática de crimes de natureza sexual, sabendo que tal não lhes era permitido e, ainda assim, quiseram praticar os factos descritos. 26. Os arguidos BB e AA estavam cientes de que agiam em conjunto e quiseram atuar da forma descrita, apesar de saberem que a desproporção numérica entre eles e DD impedia que este se defendesse. 27. Os arguidos BB e AA delinearam um plano conjunto, definindo o método para retirar a vida a DD, determinando as tarefas que a cada um competia e munindo-se de luvas e da lâmina que usaram, sabendo que tal não lhes era permitido e, ainda assim, executaram tal plano. 28. Os arguidos BB e AA atuaram sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei. (29 a 36 – factos relativos à reincidência do arguido BB) DA SITUAÇÃO DE ESTRANGEIROS DOS DEMAIS ARGUIDOS: 37. Os arguidos AA e CC são cidadãos estrangeiros, naturais do Brasil. 38. Os referidos arguidos não têm qualquer vínculo laboral e social em território nacional. 39. O arguido AA foi já condenado, por decisão transitada em julgado em 09.12.2021, no âmbito do Processo Comum Coletivo nº 342/20.9..., do J... .. do Juízo Central Criminal do ..., pela prática de um crime de homicídio da forma tentada, na pena de 3 anos e 8 meses de prisão. 40. A permanência do arguido AA em Portugal, depois de cumpridas as penas aplicadas, constituirá um fator de risco da prática de novos crimes e fará perigar a tranquilidade e a ordem públicas. DO PEDIDO CÍVEL DO CENTRO HOSPITALAR DE ...: 41. No dia 24 de Março de 2021, em consequência dos factos praticados pelos arguidos BB e AA, DD foi assistido no Serviço de Urgência do Hospital d. ..... ....., do Centro Hospitalar de ..., tendo sido sujeito a cirurgia e internado no Serviço de Medicina Intensiva até 27 de Março de 2021, data em que foi transferido para o Hospital de .... 42. A assistência prestada a DD no Centro Hospitalar de ... tem o valor de € 8.671,35, não pagos. Mais se apurou que: 43 a 67 (factos relativos às condições pessoais e antecedentes criminais do arguido BB) DA SITUAÇÃO PESSOAL DO ARGUIDO AA: 68. O arguido AA foi preso preventivamente no EP d. ..... a 21.01.2020, vindo a ser transferido para o EP d. ...... a 08.02.2021. 69. A 23.04.2021, e na sequência dos factos em apreço nos autos, o arguido foi transferido para o EP d. ..... .. ........, em regime de alta segurança, vindo, a 09.07.2021, a ser transferido para o EP d. ........, onde atualmente se encontra. 70. Em meio prisional, sofreu 5 infrações disciplinares, relacionadas com a dificuldade de cumprir regras, de controlar impulsos e de respeitar figuras de autoridade – o que determinou a sua permanência em regime de segurança. 71. O arguido emigrou do Brasil para Portugal em 2018, acompanhado dos seus pais. 72. Em meio escolar, registou reprovações e problemas disciplinares, relacionados com dificuldade de ajustamento emocional e autocontrole, com registo de condutas impróprias dirigidas a agentes educativos, que motivaram transferência escolares. 73. Aquando da mudança para Portugal, o arguido beneficiou de apoio por parte de professores, de psicólogo escolar e de inserção em atividades estruturadas de tempos livres, mantendo, contudo, os seus problemas comportamentais. 74. Como habilitações literárias, tem o 6º ano de escolaridade. 75. O arguido não tem trajeto laboral de relevo nem trabalho previsto, pelo que a sua subsistência em meio livre dependerá do apoio dos pais, mostrando-se o pai disposto a integrá-lo no ramo da restauração ou da construção civil. 76. O arguido pretende permanecer em Portugal, quando em liberdade, a residir com os pais. 77. O pai do arguido encontra-se desempregado e a mãe trabalha como assistente ..., auferindo € 750,00 mensais. 78. Face à distância de casa ao EP ........, os pais do arguido não o têm visitado no EP, contactando telefonicamente o filho duas vezes por semana. 79. No âmbito da pena que se encontra a cumprir, não lhe foram concedidas medidas de flexibilização da mesma (a meio e nos 2/3 de pena), atendendo ao seu trajeto prisional desfavorável. 80. No decurso do cumprimento da pena no EP ........, mantém conduta mais adequada, sem registo de novos problemas disciplinares. 81. O arguido AA foi já condenado: ii. Por decisão proferida em 07.06.2021 e transitada em julgado em 09.12.2021, no Processo Comum Coletivo nº 342/20.9..., do J... .. do Juízo Central Criminal do ..., pela prática, em 20.01.2020, de um crime de homicídio tentado (p. e p. pelos artigos 22º, 23º e 131º do CP e artigo 4º do DL 401/82, de 23.09), na pena de 3 anos e 8 meses de prisão. Restantes factos (relativos às condições pessoais e antecedentes criminais do arguido CC). V. Decidindo: A) Justificava-se, no caso, a atenuação especial da pena, por força do artº 4º do DL 401/82, de 23/9? No acórdão recorrido considerou-se que a factualidade apurada nos autos integra a prática pelo arguido e ora recorrente, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º, 131º e 132º, nº 1 e nº 2, alíneas e) e j) do Código Penal. Tal factualidade e respectiva qualificação jurídica não foram questionadas pelo recorrente. Este tinha, à data dos factos, 19 anos de idade. O DL 401/82, de 23/9 estabelece um regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos de idade, assim se estatuindo no seu artº 4º: “Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”. Da simples leitura do preceito resulta claro que a atenuação especial da pena não é efeito automático do simples facto de agente ser menor de 21 anos de idade. A lei é clara 1: a atenuação deve ser aplicada quando o tribunal tiver “sérias razões” para acreditar que dessa atenuação resultarão vantagens para a reinserção social do jovem condenado. “Sérias razões”, impõe a lei. A atenuação especial da pena só é de aplicar quando o conjunto dos factos apurados, relativos ao ilícito mas, também, às características da personalidade do arguido, à sua conduta anterior e posterior aos factos, à sua inserção social e familiar, revelar de forma clara que a atenuação especial da pena se traduzirá em efectivo contributo para a sua reinserção social. A atenuação especial da pena não pode, assim, assentar no simples facto de o agente ter – à data dos factos – idade compreendida entre os 16 e os 21 anos de idade. Nem, tão pouco, na circunstância de não se terem demonstrado factos que obstem à aplicação de tal medida. Como, aliás, não pode ser aplicada como voto de confiança ou manifestação de fé na reinserção social do jovem condenado. Tem, isso sim, que assentar em factos positivos, isto é, na demonstração de circunstâncias que, globalmente consideradas, inculquem no julgador esse juízo seguro de que o arguido beneficiará, na sua reinserção social, dessa atenuação. Tem sido este, cremos, o entendimento maioritário da jurisprudência deste Supremo Tribunal. No Ac. STJ de 2/8/2013, Proc. 69/12.5TAPCV.C1-A.S1, rel. Souto Moura 2, assim se decidiu: “I - Se a equacionação da aplicação do regime penal especial para jovens é obrigatória sempre que o arguido seja um jovem com idade superior a 16 anos e inferior a 21 anos, a sua efectiva aplicação não é automática, como decorre do articulado do DL 401/82, de 23-09, e, com especial incidência, do seu art. 4.º, onde se dispõe que o juiz só deve atenuar especialmente a pena “quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”. II - Sendo de exigir ao juiz que pondere a aplicação da atenuação especial da pena, esta não deve ser aplicada quando não se encontrem as tais sérias razões que inculquem vantagens para o menor, isto é, para a sua ressocialização”. E no Ac. STJ de 23/3/2017, Proc. 267/15.0PAPTS.L1.S1, rel. Isabel Pais Martins, desta forma se entendeu: “É líquido que não é obrigatória a aplicação do regime instituído no DL 401/82. A atenuação especial da pena prevista no art. 4.º também não opera automaticamente; é necessário que se estabeleça positivamente que há sérias razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado” 3. Do mesmo modo, no Ac. STJ de 13/1/2021, Proc. 733/17.2JAPRT.G2.S1, rel. Manuel Augusto de Matos: ”I - A aplicação do regime penal especial para jovens não é obrigatória nem automática, sendo necessário que se tenha estabelecido positivamente que há razões para crer que dessa atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem sem ser afectada a exigência de prevenção geral, isto é, de protecção dos bens jurídicos e da validade das normas. II -O juízo a formular sobre as vantagens da atenuação especial para a reinserção social tem de assentar em condicionalismo que, não se reduzindo à idade do agente, atenda a todo o condicionalismo do cometimento do crime”. Ou, por fim, no Ac. STJ de 22/9/2022, Proc. 178/20.7PALGS.S1, rel. Orlando Gonçalves: “(…) entendemos que a atenuação especial da pena nos termos dos arts. 4.º do DL n.º 401/82, de 23 de setembro e 72.º e 73.º do CP apenas terá lugar quando o tribunal, em decisão fundamentada, tiver sérias razões para crer que dela resultam vantagens para a reinserção social do jovem, em face das concretas circunstâncias dadas como provadas. Aceitando-se que a gravidade do ilícito não pode constituir, por si só, fundamento para afastar o regime penal especial para jovens consagrado pelo DL n.º 401/82, de 23 de setembro, não pode essa gravidade deixar de ser ponderada”. Ora, o recorrente foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada. Na verdade, por um motivo absolutamente torpe 4, ignóbil (o facto de DD se encontrar indiciado pela prática de crimes de coação sexual, violação, importunação sexual e pornografia de menores), o recorrente tentou retirar-lhe a vida de uma forma particularmente violenta, absolutamente insensível ao valor da vida humana e ao sofrimento que necessariamente provocaria ao ofendido: em conjugação com o seu co-arguido BB e em execução de plano previamente acordado entre eles, empurrou o ofendido, fazendo com que o mesmo caísse e batesse com a cabeça, colocou-se em cima dele, prendendo-lhe as pernas, enquanto o BB o asfixiou com uma meia, até perder os sentidos, acordando quando este lhe cortava o pescoço com uma lâmina, enquanto o recorrente lhe prendia os braços. É evidente a violência utilizada, sendo certo, de outro lado, que existiu (por banda do recorrente e do seu co-arguido BB) uma preparação cuidada da referida actuação, uma persistência na mesma e uma preocupante frieza na sua execução. De outro lado: O arguido era primário, é certo, à data dos factos por cuja autoria foi julgado nestes autos. Mas estava preso preventivamente desde 21/1/2020, indiciado precisamente pela prática de um crime de homicídio tentado, cometido no dia anterior, por cuja autoria foi julgado e condenado, por decisão transitada em julgado em 9/12/2021, em 3 anos e 8 meses de prisão. Quer dizer: à data em que praticou o crime de homicídio qualificado na forma tentada a que os presentes autos se reportam, o recorrente havia já cometido um outro homicídio tentado, por cuja autoria viria a ser condenado por decisão transitada em julgado. Tudo isto, repare-se, num jovem que acabara de perfazer 19 anos de idade. Um jovem que, como provado ficou, sofreu - em meio prisional - 5 (cinco) infrações disciplinares, relacionadas com a dificuldade de cumprir regras, de controlar impulsos e de respeitar figuras de autoridade – o que, aliás, determinou a sua permanência em regime de segurança. E que, anteriormente e em meio escolar, apesar do apoio de professores e de psicólogo escolar, registou reprovações e problemas disciplinares, relacionados com dificuldade de ajustamento emocional e autocontrole, com registo de condutas impróprias dirigidas a agentes educativos, que motivaram transferência escolares. Um jovem, por fim, que não tem trajeto laboral de relevo nem trabalho previsto. Acresce que os autos não revelam qualquer atitude de arrependimento do arguido, relativamente à sua apurada conduta. Dito de outro modo: inexistem, de todo em todo, quaisquer razões (ainda para mais, sérias) para crer que da atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do recorrente. Bem pelo contrário: a eventual atenuação especial da pena transmitiria ao recorrente uma ideia de desresponsabilização ou, ao menos, de desculpabilização, como se a sua conduta, porque praticada antes de perfazer os 21 anos de idade não tivesse a gravidade que efectivamente tem, o que – salvo o devido respeito por melhor opinião – não só não contribuiria para a sua desejável reinserção social, como contribuiria para a dificultar. Em suma: não existem razões sérias, ostensivas, para acreditar que, in casu, da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção social do recorrente. Nenhuma censura nos merece, pois, a não aplicação, no caso, da atenuação especial da pena a que alude o artº 4º do DL 401/82, de 23/9. B) A pena aplicada deve ser reduzida e fixada em medida não superior ao limite mínimo legalmente previsto? O arguido foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º, 131º e 132º, nº 1 e nº 2, alíneas e) e j) do Código Penal. A moldura penal aplicável, na situação em apreço, comporta um mínimo de 2 anos, 4 meses e 24 dias e um máximo de 16 anos e 8 meses de prisão, tendo o arguido sido condenado na pena de 7 anos de prisão, que o recorrente entende por exagerada, pugnando pela fixação da mesma no seu limite mínimo. Desta forma justificou o tribunal a quo a pena aplicada: «Na determinação da medida das penas a aplicar, tomar-se-ão em consideração os elementos constantes do artigo 71º do Código Penal, designadamente: • As exigências de prevenção geral, que, no caso, são bastante elevadas, atenta a frequência cada vez maior com que ocorrem crimes desta natureza (de que esta Comarca, lamentavelmente, não é exceção) e a gravidade das suas consequências (bem patente nas lesões supra descritas); • O modo de prática dos factos e as circunstâncias em que ocorreram, que permitem concluir por um grau de ilicitude e de culpa de intensidade elevada; • O dolo direto dos arguidos; • A personalidade dos arguidos revelada nos fatos (supra descritos) e em audiência (nada havendo, nesta sede, a assinalar, uma vez que manifestaram comportamento educado e respeitador); • A admissão parcial dos factos por parte do arguido BB, com ausência de um verdadeiro juízo de autocensura e de arrependimento; • A situação pessoal dos arguidos constante dos factos provados; • O passado criminal dos arguidos (excluindo, no caso do arguido BB, as condenações sopesadas a propósito da reincidência do mesmo, obviando à sua dupla valoração). Como tal, e em face de todos estes critérios, considera-se justo e adequado aplicar aos arguidos as seguintes penas: - ao arguido BB – a pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão; - ao arguido AA – a pena de 7 (sete) anos de prisão». Vejamos: A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa – artº 40º, nºs 1 e 2 do Cod. Penal. No que concerne à determinação da medida da pena, estatui-se no artº 71º do Cod. Penal que a mesma é feita “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº 1), devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente (nº 2) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências (al. a)), a intensidade do dolo ou da negligência (al. b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (al. c)), as condições pessoais do arguido (al. d)), a sua conduta anterior e posterior ao facto (al. e)) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, quando a mesma deva ser censurada através da aplicação da pena (al. f)). Como refere Germano Marques da Silva, “Direito Penal Português”, III, 130, “a determinação definitiva e concreta da pena é a resultante de um sistema pluridimensional de factores necessários à sua individualização. Um desses factores, fundamento, aliás, do próprio direito penal e consequentemente da pena, é a culpabilidade, que irá não só fundamentar como limitar a pena. (…) Mas para além da função repressiva, medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas – de protecção de bens jurídicos – e de reintegração do agente na sociedade”. Presentes os critérios de determinação da medida concreta da pena enunciados no artº 71º do Cod. Penal, todos haveremos de concordar que o arguido agiu com dolo directo, daí que intenso. É intenso o grau de ilicitude dos factos, traduzido desde logo no seu modo de execução: em colaboração com o co-arguido BB, dessa forma reduzindo as possibilidades de defesa do ofendido, com recurso a asfixia do ofendido, seguida da utilização de uma lâmina, com a qual lhe cortaram o pescoço. As consequências da conduta do arguido são, naturalmente, de uma extrema gravidade: o ofendido perdeu cerca de 2,5 litros de sangue e sofreu feridas na região cervical: uma ântero-lateral direita, com lesão da jugular externa direita, e uma esquerda, com lesão das veias jugular interna esquerda e jugular externa esquerda – tendo sido feita exclusão das lesões vasculonervosas major da região cervical e tendo sido submetido a rafia da jugular interna esquerda e a laqueação das jugulares externas, o que tudo determinou um período de 60 dias para a consolidação médico-legal, com afetação da capacidade para o trabalho geral durante estes dias. De outro lado, O crime de homicídio constitui objecto de manifesta reprovação geral e gera um compreensível sentimento de insegurança, sendo certo que a frequência com que vem ocorrendo eleva as necessidades de prevenção geral. Como correctamente se assinala no Ac. deste STJ de 13/12/2018, Proc. 83/17.4GAARC.P1.S1, da 5ª secção, “a criminalidade contra a vida tem um efeito devastador e potencialmente desestruturante da tranquilidade social comunitária. Os crimes de homicídio constituem um dos factores que maior perturbação e comoção social provocam, designadamente em face da insegurança que geram e ampliam na comunidade. As exigências de prevenção geral são pois de acentuada intensidade”. E a vida – como todos, por certo, o reconhecemos - é o bem jurídico mais valioso, aquele de cuja preservação dependem todos os outros. No caso – e como bem assinala o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal – impõe-se “um efetivo e significativo reforço da validade das normas violadas aos olhos da comunidade, para mais quando ocorreu em ambiente prisional, onde é suposto haver contenção deste tipo de comportamentos”, sendo certo que um estabelecimento prisional é um local sob responsabilidade do Estado e onde, por razões evidentes, factos como os dos autos não deveriam, em momento algum, ter acontecido. Simas Santos e Leal-Henriques, “Noções Elementares de Direito Penal”, 2ª ed., 169, escrevem: “(…) a prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena, não como prevenção negativa, de intimidação, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma, enquanto estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da regra infringida”. No ensinamento de Taipa de Carvalho, “Direito Penal, Parte Geral”, Publicações Universidade Católica, 87 - na determinação da medida e espécie da pena o “critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral. Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à medida da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo-especiais (…). Condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena não detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores juridíco-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima. Em síntese: a prevenção geral constitui o limite mínimo da pena determinada pelo critério da prevenção especial”. O arguido/recorrente não estava, nem nunca esteve, profissionalmente inserido. Chegou a Portugal, emigrado do Brasil, em 2018, na companhia de seus pais. Três anos depois, ainda com 19 anos de idade, cometeu o seu segundo crime de homicídio, na forma tentada. Em meio escolar, “registou reprovações e problemas disciplinares, relacionados com dificuldade de ajustamento emocional e autocontrole, com registo de condutas impróprias dirigidas a agentes educativos, que motivaram transferência escolares”, apesar do apoio de professores e psicólogo escolar, não ultrapassando o 6º ano de escolaridade. Registou 5 infracções disciplinares em estabelecimento prisional, embora no EP ......., onde agora se encontra, mantenha comportamento mais adequado, sem registo de novos problemas disciplinares. Porém, no âmbito da pena que se encontra a cumprir, não lhe foram concedidas medidas de flexibilização da mesma (a meio e nos 2/3 de pena), atendendo ao seu trajeto prisional desfavorável. Como se referiu, foi já condenado pela prática de um outro crime de homicídio, na forma tentada, na pena de 3 anos e 8 meses de prisão. Posto isto: O crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p.p. pelos artºs 131º, 132, nºs 1 e 2, als. e) e j), 22º, 23º e 73º, todos do Cod. Penal, é punível com prisão de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses. Ponderado todo o circunstancialismo supra enunciado, uma pena de 7 (sete) anos de prisão, situada no ponto médio da pena abstractamente aplicável, não se mostra excessiva, antes há-de ser encarada como justa e adequada a satisfazer as fortes necessidades de prevenção geral e especial em presença, razão pela qual deve ser mantida. C) Deve ser revogada a pena acessória de expulsão do território nacional aplicada ao arguido? Entende o recorrente que sim, porquanto “não revela uma personalidade de adição ao crime ou desviante”, “reside em Portugal com os seus pais há cerca de 5 anos”, “em regime livre terá todo o apoio dos seus pais, que já têm perspectiva de ocupação laboral para o jovem arguido na restauração”; que “a medida só pode ser aplicada a estrangeiro com residência permanente quando a sua conduta constituir perigo ou ameaça grave para a ordem pública, a segurança ou defesa Nacional, o que não se verifica no caso”. Assim o não entendeu o tribunal a quo, que o condenou “na pena acessória de expulsão do território nacional, estando-lhe interdita a entrada neste território pelo período de 5 (cinco) anos”. E que desta forma o justificou: «Requer o Ministério Público a expulsão do arguido AA do território nacional, em face da sua situação de estrangeiro, ao que acresce o facto de não se encontrar socialmente inserido e haver reiterado na prática de crimes que constituem ameaça grave para a ordem pública. Prevê o nº 2 do artigo 151º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho (que estabelece o regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional) a possibilidade de expulsão de um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, a eventual inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal. No caso em apreço, resulta dos factos provados que o arguido AA reside em Portugal desde 2018, tendo, em 20.01.2020, praticado um crime de homicídio tentado, pelo qual veio a ser condenado a 07 de Junho de 2021, voltando a praticar factos da mesma natureza no dia 24 de Março de 2021, quando se encontrava em situação de prisão preventiva à ordem dos mencionados autos, donde resulta a forte possibilidade de reincidência por banda do arguido (o qual nem mesmo após a aplicação de medida de coação privativa de liberdade deixou de praticar factos da mesma natureza), assim como as fortes exigências de prevenção especial que o caso requer, radicadas nos factos praticados pelo arguido, em tão curto espaço de tempo, e na personalidade do arguido revelada nos mesmos, ao que acresce a sua situação pessoal constante dos factos provados (com desinserção laboral, dificuldade de cumprimento de regras, incluindo em meio prisional e fraco controlo de impulsos, não obstante o apoio psicológico e o apoio familiar de que beneficiou antes ainda da maioridade). Os factos praticados pelo arguido, no âmbito dos presentes autos e do Processo Comum Coletivo nº 342/20.9..., do J... .. do Juízo Central Criminal do ...(de igual natureza), constituem, de facto, ameaça grave à ordem pública. Assim, atenta a pena de prisão a aplicar ao arguido, a gravidade da sua conduta, as elevadas exigências de prevenção especial do caso, a personalidade do arguido refletida nos factos e no seu passado criminal, bem como o seu grau de inserção na vida social e tempo de residência em Portugal, considera este Tribunal ser de aplicar ao arguido AA, conforme requerido, a pena acessória de expulsão do território nacional, sendo-lhe vedada a entrada neste território pelo período de 5 (cinco) anos (nos termos do artigo 144º da referida lei)». Ora, estatui-se no artº 151º da Lei 23/2007, de 04 de Julho: “1 - A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão efetiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a seis meses. 2 - A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal. 3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro com residência permanente, quando a sua conduta constitua perigo ou ameaça graves para a ordem pública, a segurança ou a defesa nacional. (…)” O arguido e ora recorrente, nascido em ... de ... de 2002 e, portanto, actualmente com 21 anos de idade, é cidadão brasileiro e reside em Portugal, para onde emigrou, com os seus pais, vindo do Brasil, em 2018. Deu entrada no estabelecimento prisional em 21/1/2020, portanto ainda com 17 anos de idade, preso preventivamente em face da existência de indícios da prática, por si, de um crime de homicídio tentado, cometido na véspera, por cuja autoria viria a ser julgado e condenado, por decisão transitada em julgado, em 3 anos e 8 meses de prisão. O crime por cuja autoria foi julgado e condenado nestes autos (homicídio qualificado, na forma tentada) foi cometido no interior do estabelecimento prisional, num momento em que se encontrava em prisão preventiva, à ordem do processo referido no parágrafo anterior. O arguido não tem qualquer tipo de inserção laboral e social em Portugal (ponto 38 da matéria de facto assente). Dizer-se – como faz o arguido - que o mesmo “reside em Portugal com os seus pais há cerca de 5 anos” (conclusão 22ª da sua motivação de recurso) é, apenas, uma meia-verdade: o arguido reside em Portugal há 5 anos, é certo; porém, menos de dois anos residiu “com os seus pais”; os restantes três anos vem “residindo” em quatro estabelecimentos prisionais (sendo certo que nem sequer no sistema prisional, por responsabilidade inteiramente sua, encontra estabilidade, porquanto a sua transferência do EP de ... para o EP de ..., em regime de alta segurança 5, ocorreu na sequência e em consequência dos factos por cuja autoria foi julgado nestes autos). Afirma o recorrente que, em liberdade, beneficiará do apoio dos seus pais. A verdade, porém, é que ao recorrente tal apoio – como, aliás, o de professores e psicólogo escolar – nunca terá faltado e, contudo, isso não o impediu de, num espaço de tempo de pouco mais de um ano, ter cometido dois crimes de homicídio, um deles qualificado, na forma tentada. A comprovada incapacidade do recorrente para manter um comportamento conforme às normas que presidem à vida em sociedade mas, sobretudo, a sua manifesta insensibilidade ao valor da vida humana, retratada em duas condenações sucessivas pela prática de crimes de homicídio na forma tentada, um deles qualificado, praticados com pouco mais de um ano de intervalo, sendo certo que o mesmo, à data da prática da última infracção, acabara de perfazer 19 anos de idade, aliadas à violência que caracterizou os factos por cuja autoria foi, nestes autos, julgado e condenado, bem como à ausência de manifestação de qualquer arrependimento, constituem evidente perigo para a ordem pública e prenúncio de repetição de condutas criminosas. Daí que, portanto e como bem refere o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, inexiste “justificação bastante para proteger a permanência e a situação vivencial do recorrente na ordem jurídica, política, económica e social do nosso país; nem o arguido pode reclamar um atendível sentimento de pertença ou um relevante vinculo à comunidade e ao Estado que o acolheu, e agora pune, quando não é motivado pelas normas que proíbem o crime de homicídio, e quando desatende aos mais básicos valores que estruturam tanto a comunidade, quanto a ordem pública e jurídico–penal do nosso Estado”. Não há, efectivamente, como divergir da decisão tomada no acórdão recorrido nesta matéria (como nas restantes em discussão neste recurso): em face da pena aplicada ao recorrente, da gravidade da sua conduta, das elevadíssimas exigências de prevenção especial em presença, da personalidade do arguido refletida nos factos e no seu passado criminal, bem como do seu grau de inserção na vida social (que é nulo) e tempo de residência em Portugal, impunha-se a aplicação da pena acessória de expulsão a que se refere o nº 2 do artº 151º da Lei 23/2007, de 04 de Julho. E daí que improceda, também, esta última pretensão do recorrente. VI. São termos em que, sem necessidade de mais considerações, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando assim o douto acórdão recorrido. Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) UC´s – artº 513º, nº 1 do CPP e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais. Lisboa, 25 de Outubro de 2023 (processado e revisto pelo relator) Sénio Alves (relator) Lopes da Mota (1º adjunto) Ernesto Vaz Pereira (2º adjunto) ____
1. E aqui seguiremos de muito perto o Ac. deste STJ de , Proc. 988/22.0S6LSB.S1, com o mesmo relator. 2. Acessível, como os restantes, relativamente aos quais não for indicada fonte diversa, em www.dgsi.pt. 3. No mesmo sentido, cfr. Acs. STJ de 8/4/2021, Proc. 1/19.5PBPTM.S1, rel. Margarida Blasco, de 6/5/2021, Proc. 793/19.1S7LSB.S1, rel. Helena Moniz e de 11/11/2021, Proc. 147/18.7PALGS.S1, rel. M. Carmo Silva Dias. 4. Por motivo torpe ou fútil há-de entender-se que “o motivo da actuação, avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito” – Jorge de Figueiredo Dias, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, I, 32. 5. Regime que foi determinado, aliás, pelo facto de ter sofrido 5 infrações disciplinares, relacionadas com a dificuldade de cumprir regras, de controlar impulsos e de respeitar figuras de autoridade – ponto 70 da factualidade assente. |