Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4852/08.8YYLSB-A.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ACTAS
ATAS
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 10/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Doutrina:
- Cons. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo CPC”, 2013, pp. 341 e 342
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, N.º 1, E N.º 3; 236.º, 817.º, 818.º, 1424.º, N.º 1, N.º 2
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC (2013)): - ARTIGOS 10.º, N.º 5; 703.º, N.º 1, ALÍNEA D)
DECRETO-LEI N.º 268/94, DE 25/10 – ARTIGO 6.º, N.º 1;
Jurisprudência Nacional:
- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: DE 04-06-2009, EM WWW.DGSI.PT
- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: DE 09-06-2010, EM WWW.DGSI.PT
Sumário :
I - Para constituir título executivo, a acta da assembleia de condóminos tem de permitir, de forma clara e por simples aritmética, a determinação do valor exacto da dívida de cada condómino, não dependendo, pois, a respectiva força executiva, da assinatura de todos os condóminos (ainda que participantes), nem de, nela, ser explicitado aquele valor.

II - Abstendo-se a Relação de tomar conhecimento de qualquer questão que tenha havido por prejudicada pela decisão, aí, proferida, caso proceda a respectiva revista, deve o Supremo, nos termos decorrentes do preceituado no art. 679.º do CPC, ordenar a baixa dos autos à Relação, com vista ao omitido conhecimento.
Decisão Texto Integral:

Proc. nº 4852/08.8YYLSB-A.L1.S1[1]

                (Rel. 177)

                               Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 – “AA, …, Lda”, executada nos autos de execução principais em que figura como exequente, “Condomínio denominado «BB»”, sito na Av. …, 74, em Lisboa, deduziu oposição à execução, o que, em suma, fundamentou na impugnação de todos os cálculos constantes do requerimento executivo, na alegação de que as actas apresentadas não constituem título executivo, uma vez que não fixam a quota-parte correspondente a cada fracção e na invocação da sua qualidade de credora do exequente em montante superior à quantia exequenda, devendo ser operada a respectiva compensação. Tudo justificando, a seu ver, o formulado pedido de, na procedência da oposição, ser extinta a execução

       O exequente contestou, alegando, em síntese, que as actas consubstanciam títulos executivos, nos termos legais, porquanto as contribuições devidas por cada condómino são aferidas de acordo com a permilagem de cada fracção, em conformidade com o preceituado no art. 1424º do CC. Simultaneamente, sustentou não ser por si devida à executada-opoente qualquer quantia, sendo descabida a pretensão de operância de qualquer compensação com a quantia exequenda, tanto mais que nunca ocorreu qualquer correspondente aprovação por parte do condomínio.

       No respectivo despacho saneador-sentença, proferido em 12.08.13, foi a oposição à execução julgada improcedente.

       Porém, a Relação de Lisboa, por acórdão de 27.02.14, na procedência da apelação da opoente, revogou a decisão recorrida, com a inerente extinção da execução, tendo, por outro lado, por, assim, prejudicado o conhecimento da questão da compensação invocada pela opoente.

       Daí a presente revista interposta pelo exequente, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões:

                                                      /

1ª – Está em causa no presente recurso determinar se as actas sob os nº/s 9 e 11 dos autos, referentes às assembleias de condóminos realizadas em 24/01/2007 e 21/11/2007, respectivamente, juntas com o requerimento de execução e completadas com uma concreta deliberação da assembleia de condóminos realizada em 24/09/2014 (acta nº14), constituem, ou não, títulos executivos relativamente à quantia exequenda;

2ª – Designadamente, face à letra e à ratio do artigo 6°, nº1, do Dec. Lei nº 268/94, de 25-10, já transcrito nas presentes alegações e para cuja interpretação importa, em primeira linha, ter presente que, de acordo com o Preâmbulo desse DL 268/94, o legislador visou, por um lado, tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal, e, por outro, facilitar o decorrer das relações com terceiros (por interesses relativos ao condomínio), face à complexidade das relações que envolve a propriedade horizontal e das dificuldades (frequentes) criadas ao seu funcionamento, em especial pelo comportamento incumpridor de alguns condóminos, que, apesar disso, não prescindam nem deixem de aproveitar dos benefícios da contribuição dos outros, e, para isso, criou um instrumento (título executivo) que facilita a cobrança dos valores devidos ao condomínio;

3ª – No essencial, a finalidade do legislador foi evitar ao condomínio o ónus do recurso à acção declarativa, em matéria imprescindível para o seu adequado funcionamento e em que não se suscitam questões de especial controvérsia e que, aliada à sujeição do intérprete às regras do art°9° do CC, não permite a adopção de um critério restritivo de interpretação e aplicação do referido art°6;

4ª – Designadamente, de um critério que nem sequer se coadune com a letra do preceito, concretamente, aquele que considere que o mesmo se refere "às contribuições devidas por cada condómino" e, não, como dele consta, às "contribuições devidas ao condomínio";

5ª – O disposto no nº1 do art° 6° do DL 268/94 deve ser interpretado tendo em conta que se trata de um título executivo especial e os objectivos que o legislador pretendeu prosseguir com a sua criação, pelo que, ao desconsiderar tais elementos, o Tribunal "a quo" violou o disposto no art°9° do CC;

6ª – A exequibilidade de uma acta de assembleia de condóminos não exige, necessariamente, a menção, na acta, do quantitativo exacto relativo à dívida de cada condómino, nomeadamente do condómino contra quem o administrador venha a instaurar a execução: necessário é que haja sido aprovado o montante certo da contribuição ou da despesa global de modo que, pela simples aplicação da permilagem relativa a cada fracção da propriedade (ou de outro critério que haja sido aprovado), se determine o "quantum" devido por cada condómino";

7ª – No caso do condomínio ora recorrente, o valor das contribuições devidas por cada condómino resulta do montante das despesas orçamentadas na proporção da permilagem da fracção de que cada condómino é proprietário (de acordo com a regra legal consagrada no nº1 do art°1424° do CC);

8ª – Constando de ambas as actas juntas como títulos executivos (actas nº/s 9 e 11) esses montantes orçamentados e aprovados, o(s) valor(es) devido(s) por cada proprietário resulta(m) de uma mera operação aritmética, assente, exclusivamente, em critérios legais e em dois pressupostos objectivos: o valor orçamentado/aprovado e a permilagem de cada condómino;

9ª – Em ambos os casos, quer quanto às quotizações mensais de Janeiro 2007 a Fevereiro de 2008 (acta nº9), quer quanto à comparticipação no orçamento extraordinário de 2007 (ata nº11), esse singelo cálculo aritmético conduz, como se demonstrou nas presentes alegações, aos exactos valores reclamados, a título de capital, no requerimento executivo;

10ª – Uma deliberação de uma assembleia de condóminos constitui uma declaração de vontade colectiva, que tem que ser interpretada como outra qualquer declaração de vontade, que pode ser expressa ou tácita, pelo que, designadamente na interpretação da declaração contida na acta nº9, o Tribunal "a quo" devia ter atendido ao disposto no art° 236° do CC e, consequentemente, devia ter interpretado a mesma de acordo com o sentido que um declaratário normal – ou seja, um outro condómino do mesmo prédio – podia deduzir da mesma, sobretudo tendo em conta que a recorrida e todos os outros condóminos conheciam qual o real sentido dessa declaração, designadamente por já existir deliberação anterior quanto à periodicidade dos pagamentos, que sempre foram feitos mensalmente;

11ª – Exigir que, em cada acta, se volte a repetir, sucessivamente, que cada condómino deve pagar de acordo com a sua permilagem, em prestações que se vencem todos os meses e que, de qualquer modo, sempre teriam que ser pagas durante o ano a que se referem (no caso, 2007 e 2008) é, certamente, excessivo e, sobretudo, desadequado, tendo em conta os objectivos prosseguidos pelo legislador;

12ª – Para que uma acta de assembleia de condóminos constitua título executivo não é, naturalmente, necessário que, na mesma, se encontre já liquidada a dívida do condómino executado, já que é impossível fazer constar do documento que cria a obrigação de efectuar pagamentos futuros o valor daqueles que serão, no futuro, incumpridos;

13ª – O acórdão recorrido desvaloriza, por completo, o valor probatório e a relevância da acta nº14 e em cuja parte aqui pertinente se pode ler o seguinte:

"foi deliberado por maioria, com abstenção do condómino do lugar 41, o qual referiu, em declaração de voto nada ter a opor quanto ao ano de 2008, abstendo-se porém quanto aos anos de 2006 e 2007 por não ter estado presente, o seguinte:

A assembleia ratifica os valores debitados aos condóminos pela administração a título de quotização dos anos de 2006, 2007 e 2008 que são os seguintes: fracção com 3,25%0 25,20€; fracção com 6,00%0 46, 52€; fracção com 12,25%0 94, 98€, todos valores mensais.

A Assembleia ratifica também os valores debitados aos condóminos pela Administração a título de comparticipação no orçamento extraordinário, aprovado em 21 de Novembro de 2007 e que são os seguintes:

fracção com 3,25%0 - 162,50€; fracção com 6,00%0 - 300, OO€ e fracção com 12,25%0 - 612,50€";

14ª – Embora essa acta seja superveniente e não ter acompanhado o requerimento executivo, não se pode deixar de retirar efeitos jurídicos dos factos da recorrida (i) ter votado favoravelmente tais deliberações, reconhecendo expressamente (todos) os valores que são objecto da presente execução; (ii) saber que as quotizações se vencem mensalmente (facto que nem sequer contestou) e (iii) confessar não ter pago nenhuma das com participações reclamadas no requerimento executivo;

15ª – Logrando a recorrida obter vencimento com base numa interpretação restritiva de um preceito introduzido no ordenamento jurídico com o inequívoco propósito de dotar os condomínios de um meio mais eficaz e célere de cobrança de valores essenciais ao seu funcionamento normal;

16ª – Em resumo, quer a acta nº9, quer a acta nº11, por delas constar expressamente os montantes do orçamento de gestão corrente de 2007 e do orçamento extraordinário, a periocidade mensal (ata nº9), a data em que se vence a obrigação de pagamento (ata nº11) e a forma de determinar a contribuição de cada condómino através da simples aplicação da permilagem relativa a cada fracção, revestem a natureza de título executivo;

17ª – Ao decidir que as actas nº/s 9 e 11 dadas à execução não constituem títulos executivos, o Tribunal "a quo" interpretou incorrectamente a lei e as declarações que constam dos títulos executivos e, em consequência, violou as normas dos artsO 9°, 236° e 1424°, nº1, do Código Civil; dos já revogados arts. 45°, nº1, e 46°, nº1, alínea d), do CPC de 1961 (actuais arts 10° nº5 e 703° nº 1, aI. d) do NCPC) e o disposto no nº 1 do art° 6° do DL 268/94, de 25/10, bem como o princípio da economia processual e, por desconsiderar o facto da recorrida ter votado favoravelmente as deliberações em causa nas actas 11 e 14 e os efeitos jurídicos da deliberação de ratificação constante da acta nº 14, as regras da boa-fé;

18ª – Em qualquer caso e porque nos autos de execução foi deduzida cumulação sucessiva com base em sentença, conforme certidão requerida no requerimento de interposição do presente recurso, deverá ser modificada a decisão recorrida quanto à extinção total da execução.

       NESTES TERMOS, NOS MELHORES DE DIREITO E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, REVOGANDO-SE O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO E CONFIRMANDO-SE INTEGRALMENTE A DOUTA SENTENÇA DE 12 DE AGOSTO DE 2013, E, CONSEQUENTEMENTE, DETERMINANDO-SE A PROSSECUÇÃO DA EXECUÇÃO, ASSIM SE FAZENDO           JUSTiÇA.

       Contra-alegando, defende a recorrida a manutenção do julgado, devendo, na hipótese – académica – inversa, serem os autos devolvidos à Relação para  conhecimento da questão da compensação, aí tido por prejudicado.

       Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

                                                   *

2 – A Relação teve por provados os seguintes factos:

                                                   /

                                                   /

1 – O exequente instaurou a execução principal apresentando a acta nº… da Assembleia de Condóminos do prédio sito na Avenida …, denominado por “CC”, em Lisboa, de 24.01.07 (lapso, 21.01.07), em que esteve presente a opoente, constante de fls. 14 a 22 dos autos de execução, cujo teor se dá por reproduzido, da qual consta, além do mais:

"Acta n° …

(...) 3°: Apreciação e votação do orçamento para 2007 (...) Colocado à votação o orçamento apresentado, foi o mesmo aprovado com os votos de abstenção da “DD”, “AA” e as fracções 79, 88, 89 e 90, com os seguintes valores (...)

Total do orçamento 93 041,59";

2 – Apresentou também o exequente a acta nº 11 da Assembleia de Condóminos do “CC”, em Lisboa, de 21.11.07, em que esteve presente a opoente, constante de fls. 23 a 34 dos autos de execução, cujo teor se dá por reproduzido, da qual consta, além do mais, a aprovação de um orçamento suplementar de € 50 000,00 para solucionar o problema de tesouraria, a repartir de acordo com as permilagens;

3 – A opoente é condómina de várias fracções no Estacionamento "BB";

4 – A fls. 106 a 119 dos autos consta a acta nº 14 da Assembleia de Condóminos do prédio denominado “CC”, em Lisboa, de 24.03.09, em que esteve presente a opoente, cujo teor se dá por reproduzido, da qual consta, além do mais, a ratificação dos valores debitados a título de quotizações dos anos de 2006, 2007 e 2008, conforme deliberação, respectivamente, das assembleias de 04.04.06, 24.01.07 e 03.03.08 e dos valores debitados a título de comparticipação/rateio no orçamento extraordinário aprovado em deliberação da assembleia de 21.11.07, com os valores:

- Quotização dos anos 2006, 2007 e 2008

Fracção com 3,25%, € 25,50

Fracção com 6%, € 46,52

Fracção com 12,25%, € 94,98

- Comparticipação no orçamento extraordinário:

Fracção com 3,25%, € 162,50

Fracção com 6,00%, € 300,00

Fracção com 12,25%, € 612,50;

5 – A opoente foi administradora do condomínio exequente, desde 1999 até 10.10.05 (acordo das partes e documento – acta da Assembleia – de fls. 83 a 85);

6 – A fls. 37 a 52, consta o documento denominado "Relatório de Gestão do Condomínio do Parque de CC, Av. … nº …, …, … e .., em Lisboa, do exercício de 2004", datado de 02.01.05 e subscrito pela Administração do Condomínio, para submissão à Assembleia Geral das contas de 2004, para apreciação e votação, cujo teor se dá por reproduzido e em que consta, além do mais, no "Balanço do Condomínio do Parque de Estacionamento – Exercício de 2004", como "Dívidas a Terceiros – Curto Prazo", à opoente, o valor de € 189 832,26;

7 – Por deliberação por maioria dos condóminos na Assembleia Geral Extraordinária de 10.10.05, foi decidido rejeitar a discussão das contas relativas aos anos de 1999 a 2005, pelo facto de as mesmas já terem sido recusadas aquando da sua apresentação ao condomínio em Assembleia de 23.09.05 (doc. de fis. 83 a 85 dos autos - acta);

8 – Por deliberação por maioria dos condóminos, na Assembleia Geral de 26.06.06, foi decidido rejeitar as contas referentes ao exercício de 1999 a 10.10.05 (doc. de fis. 83 a 85 dos autos – acta n° 7);

9 – A opoente intentou contra o exequente execução para pagamento de quantia certa, em 10.07.06, com o valor de € 53 269,00, fundando-se em duas letras de câmbio, execução que foi julgada extinta por sentença transitada em julgado proferida nos autos de oposição à execução, julgando-a procedente (certidão de fis. 170 a 213 dos autos).

                                                              *

3 – Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente e não havendo lugar a qualquer conhecimento oficioso, uma única questão é por si suscitada e que, no âmbito da revista, demanda apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso: saber se as actas de assembleia de condóminos por si dadas à execução constituem (como decidido na 1ª instância e por si propugnado), ou não (como entendido, com o aplauso da recorrida, na Relação), títulos executivos.

       Apreciando:

                                                    *

4I - Nos termos do disposto no art. 10º, nº5, do CPC (art. 45º, nº1, do CPC na pregressa redacção)“Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.

      O título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização coactiva da correspondente pretensão através de uma acção executiva; esse título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar o património do devedor ou de um terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação (Cfr. arts. 817º e 818º do CC).

       As partes não podem atribuir força executiva a um documento ao qual a lei não concede eficácia de título executivo (“nullus titulus sine lege”) e também não podem retirar essa força a um documento que a lei qualifica como título executivo; tal significa que os títulos executivos são, sem possibilidade de quaisquer excepções criadas “ex voluntate”, aqueles que são indicados como tal pela lei e que, por isso, a sua enumeração legal está submetida a uma regra de tipicidade.

                                                     /

II – Nos termos do disposto no art. 6º, nº1, do DL nº 268/94, de 25.10, “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.

       Está, pois, em causa um documento a que, por disposição especial, é atribuída força executiva, nos termos previstos na al. d) do nº1 do elenco taxativo de títulos executivos constante do art. 703º do CPC.

     Como se refere no Preâmbulo do citado DL, visou-se, por um lado, tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal, e, por outro, facilitar o decorrer das relações com terceiros (por interesses relativos ao condomínio). É que – ponderou-se, acertadamente, no Ac. da Rel. do Porto, de 04.06.09, relatado pelo Ex. mo Desembargador José Ferraz e acessível em www.dgsi.pt –, “sabendo-se das relações complexas que envolve a propriedade horizontal e das dificuldades (frequentes) criadas ao seu funcionamento, nomeadamente pela actuação relapsa e frequente de alguns condóminos, avessos a contribuir para as despesas comuns, sem que, não obstante, prescindam ou deixem de aproveitar dos benefícios da contribuição dos outros (revelador de, pelo menos, algum deficit de civismo), é criado um instrumento que facilite a cobrança dos valores devidos ao condomínio, legalmente previstos e regularmente aprovados”. Daí que, e em conformidade, tenha sido atribuída, nos sobreditos termos, força executiva às actas das reuniões das assembleias de condóminos.

       No que toca às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, estatui-se, no nº1 do art. 1424º do CC, que as mesmas são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções, dispondo-se, por outro lado, no nº2 do mesmo art., que “Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação”.

                                                         /

III – Como se mostra sumariado no mencionado Ac. da Relação do Porto, “ I – A força executiva da acta da assembleia de condóminos não depende nem da assinatura de todos os condóminos (ainda que participantes), nem de, nela, se expressar o valor determinado e exacto da dívida de cada condómino, mas deve permitir, de forma clara e por simples aritmética, a determinação desse valor” II – A acta só constitui título executivo enquanto contém a deliberação da assembleia que fixa a «obrigação» exequenda, não podendo valer como tal se não permitir saber qual é essa obrigação”.

       De igual modo, mostra-se sumariado no Ac. da Rel. do Porto, de 09.06.10, relatado pelo, ora, 2º Adjunto e, igualmente, acessível em www.dgsi.pt: “I – Para as actas da assembleia de condóminos assumirem força executiva é necessário, desde logo, que fixem os montantes das contribuições devidas ao condomínio, o prazo de pagamento e a fixação da quota-parte de cada condómino. II – Porém, a exequibilidade desse título não demanda, necessariamente, a menção, na acta, do quantitativo exacto relativo à dívida de cada condómino, nomeadamente do condómino contra quem o administrador venha a instaurar a execução: necessário é que haja sido aprovado o montante certo da contribuição ou da despesa global de modo que, pela simples aplicação da permilagem relativa a cada fracção da propriedade (ou de outro critério que haja sido aprovado), se determine o «quantum» devido por cada condómino”.

       Afigura-se-nos não poder ser defendida diferente interpretação do correspondente regime legal, pelas seguintes e essenciais razões:

--- Desde logo, em homenagem ao elemento literal da interpretação da lei, já que a expressão empregue pelo legislador foi a de “deixar de pagar”, o que  consente uma projecção “in futurum”, quando teria sido muito mais apropriada a expressão “tenha deixado de pagar”, caso tivesse em mente a omissão de pagamento de prestações já vencidas, com possibilidade da respectiva quantificação exacta, desde logo, na própria acta que constitui a fonte da obrigação exequenda;

--- Depois, e muito mais decisivamente, porque só a propugnada interpretação se compatibiliza com o propósito legislativo subjacente à criação deste novo título executivo – elemento teleológico da interpretação (art. 9º, nº1, do CC) –, dotando o condomínio dum instrumento célere e eficaz para a prossecução e realização das atribuições a seu cargo, dispensando-o do recurso a fastidiosas, longas e desgastantes acções declarativas, em ordem ao cumprimento coercivo das obrigações impendentes sobre condóminos recalcitrantes, oportunistas e relapsos;

--- Ainda porque para uma acta de assembleia de condóminos constituir título executivo não é necessário que, na mesma, se encontre já liquidada a dívida do condómino executado, já que é impossível fazer constar, desde logo, do documento que cria a obrigação de efectuar pagamentos futuros o valor daqueles que, nesse mesmo futuro, virão a ser incumpridos;

--- Caso o condomínio tenha incorrido em lapso, instaurando execução indevida, sempre o condómino perseguido poderá deduzir oposição à execução, nesta fazendo prevalecer a regularidade da sua situação perante o exequente, com as inerentes consequências legais;

--- A interpretação perfilhada é a única que permite considerar que, no caso, o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nº3, do CC), uma vez que a adversa, como, de resto, os presentes autos evidenciam, teria o condão de estimular a tendencial eternização de conflitos surgidos no seio do condomínio por não serem, atempadamente, pagas as prestações a cargo dos respectivos condóminos.

                                                       /      

                                                                                      

IV – No caso dos autos, trata-se: num caso, da apreciação e votação do orçamento do condomínio exequente para o ano de 2007, o que teve lugar na respectiva assembleia de condóminos ocorrida, em 24.01.07; e, por outro lado, da aprovação dum orçamento extraordinário de € 50 000,00, em assembleia de condóminos ocorrida, em 21.11.07, para poder fazer face à constatada ruptura financeira ou de tesouraria do condomínio exequente.

       Em ambos os casos, se visou poder fazer face a despesas com a natureza das previstas no art. 1424º, nº1, do CC, não havendo notícia, nos autos, de qualquer deliberação que tenha, entretanto, sido aprovada nos termos previstos no nº2 do mesmo art. 1424º.

       No primeiro caso, o orçamento dizia respeito ao ano de 2007, constando, expressamente, da discriminação/especificação do mesmo orçamento que acompanhou as respectivas convocatórias dos condóminos a indicação de que as prestações eram devidas, mensalmente – obviamente reportadas àquele ano de 2007 –, concretizando-se, mesmo, o montante correspondente a cada fracção, em função da respectiva permilagem.

       No segundo caso, foi validamente deliberado que o orçamento extraordinário aprovado e a repartir por cada fracção de acordo com a respectiva permilagem fosse objecto de solicitação de cobrança/nota de débito com vencimento no dia 30 de Novembro de 2007.

       Tem, pois, de concluir-se que dos documentos de suporte que fazem parte integrante da acta da assembleia de 24.01.07, em conjugação com uma correcta interpretação dos mesmos, nos termos preceituados pelo art. 236º do CC, complementados com o que, em situações semelhantes, era usual fazer-se, e, bem assim, da própria deliberação validamente aprovada na assembleia de 21.11.07 e documentada na acta nº11 que se mostra junta aos autos emerge que as obrigações exequendas são certas, já que dos títulos executivos decorre a identificação do respectivo objecto e sujeitos; são exigíveis, na medida em que estão vencidas, tanto mais que a execução foi instaurada já no decorrer do ano de 2008; e são líquidas, porquanto se acham determinados os respectivos quantitativos.

       Procedendo, pois, as doutas conclusões formuladas pelo recorrente.

                                                 *

5 – Atendendo ao que se mostra estatuído no art. 679º do CPC e face ao sentido em que foi prolatado o acórdão recorrido, em confronto com o veredicto que, aqui, virá a ser proferido, terá de ser ordenada a baixa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, a fim de, aí, ser conhecida a questão da compensação suscitada pela executada – Cfr. Cons. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo CPC” (2013), pags. 341/342.

                                                  *

6 – Na decorrência do exposto, acorda-se em conceder a revista, revogando-se, em conformidade, o acórdão recorrido, devendo, no entanto, os autos baixar ao Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos e para os fins mencionados em 5 antecedente.

       Custas pelo vencido, a final, sem prejuízo das respeitantes à desistência parcial do pedido exequendo, as quais serão suportadas pelo exequente (art. 537º, nº1, do CPC).

                                                     /

                                        Lx    14 / 10    /   2014  /

Fernandes do Vale (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

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[1]  Relator: Fernandes do Vale (16/14)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Ana Paula Boularot
   Cons. Pinto de Almeida