Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2380/05.2TBOER.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LEITE
Descritores: DOAÇÃO
SOCIEDADE COMERCIAL
MUNICÍPIO
LIBERALIDADE
NULIDADE DO CONTRATO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA DO RÉU; CONCEDIDA EM PARTE A DA AUTORA.
Sumário : I - A capacidade de direito (ou capacidade de gozo) das sociedades comerciais, entendida esta como a medida da extensão da sua susceptibilidade de serem sujeitos de relações jurídicas, colhe a sua regulamentação legal no art. 6.º, n.º 1, do CSC, do qual se extrai que “a capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessárias ou convenientes à prossecução do seu fim”, fim esse que, nas sociedades com aquela indicada natureza, se pauta pela obtenção de lucros a distribuir pelos respectivos sócios ou accionistas (arts. 980.º do CC e 2.º, 21.º, n.º 1, al. a), 22.º, 31.º, 33.º, 176.º, n.º 1, al. b), 217.º e 294.º, entre outros, do CSC).
II - De acordo com o princípio da especialidade do fim, que integra o factor determinante e específico da constituição das sociedades, quer civis, quer comerciais, os actos gratuitos mostram-se, regra geral, excluídos da capacidade de gozo daquelas sociedades, por não necessários ou convenientes à prossecução do aludido fim, como se estatui no art. 160.º, n.º 1, a contrario, do CC, relativamente às sociedades civis, pelo que a sua prática por parte daquelas tem como directa e imediata consequência que sobre os mesmos incida a ocorrência do vício respeitante à sua nulidade.
III - A exclusão da prática pelas sociedades de actos gratuitos sofre uma excepção relativa às liberalidades usuais, nos termos estatuídos no art. 6.º, n.º 2, do CSC.
IV - Nas doações inseridas no âmbito daquela qualificação, de que se mostram desde logo excluídas as liberalidades que se enquadram nos donativos conformes aos usos sociais (art. 940.º, n.º 2, do CC) e em que se exige que o seu objecto não extravase o que se encontra estabelecido em termos de normalidade social, relativamente à actividade desenvolvida pela respectiva sociedade, englobam-se os brindes a clientes, as ofertas feitas pelos promotores de vendas, as gratificações aos trabalhadores, os donativos, objecto de devida publicitação, do patrocínio a iniciativas culturais ou desportivas ou efectuados no âmbito do estatuto do mecenato.
V - Inexistindo qualquer provada relação de causa/efeito entre a doação de um terreno efectuada ao Município réu pelo conselho de administração da sociedade comercial autora e a adjudicação por aquele a esta de uma empreitada, o que, a ocorrer, sempre constituiria uma circunstância assaz anómala, atendendo a que tal contrato foi celebrado cerca de sete meses antes da outorga do “protocolo” de doação, período temporal este que se constitui como factor manifestamente revelador da exclusão de uma actuação interesseira da autora no sentido de obter em seu favor a adjudicação da empreitada em causa, fica apenas a subsistir, dada a inexistência de quaisquer outros factos alegados e provados, que à doação em causa presidiu apenas o mero espírito de generosidade da autora em beneficiar o réu, sem quaisquer contrapartidas (art. 940.º, n.º 1, do CC), o que extravasa completamente o que se tem por usual no âmbito da actividade societária, por manifestamente prejudicial, quer para os seus accionistas ou sócios, quer para os seus credores, pelo que enferma de nulidade o contrato de doação celebrado entre a autora e o réu.
Decisão Texto Integral: