Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2189/16.8T8PNF.P1.S2
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
FACTOS ESSENCIAIS
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ORDENADA A BAIXA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DA RELAÇÃO PARA AMPLIAR A MATÉRIA DE FACTO
Sumário :
I. Se, no âmbito da intermediação financeira, o gerente do Banco referiu ao autor que o produto das obrigações “detinha a mesma segurança que o depósito a prazo, com garantia de capital a 100% (cem por cento), como num depósito a prazo” (7), que “não corria qualquer risco, posto que tinha o reembolso do capital investido garantido a 100% (cem por cento) e lhe daria uma melhor rentabilidade ao dinheiro que ele detinha em depósito a prazo” (9),  que propôs, quando da SLN 2006 “, garantia de reembolso de capital a 100% (cem por cento), absolutamente seguro, de melhor taxa de remuneração, tal como acontecia com o SLN de 2004, sendo este de 2006, um complemento do anterior” (17), o Banco viola os deveres de informação como intermediário financeiro, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

II. Para efeitos de apuramento do nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano, importa que as instâncias se pronunciem, ainda, sobre o facto alegado (e impugnado) de que “se banco réu não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido seguramente os autores não teriam dado a sua anuência na aquisição dos identificados activos financeiros”.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:



*


AA, BB e CC, residentes na rua ..., ..., intentaram a presente acção declarativa comum contra, entre outros, o Banco BIC Português, S.A., com sede na Av. ..., ..., ..., pedindo que:

a) Se declare que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra de obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004 e SLN 2006, por parte do Autor ao Réu, BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A.), foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100% (cem por cento);

b) Se declare que é da Responsabilidade do BANCO BIC  S.A, Contribuinte, o reembolso do capital reportado à aquisição por parte do Autor das obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004 e SLN 2006, no valor de global de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), porquanto com a transmissão do Nacionalizado Banco BPN, para a esfera jurídica do Réu BANCO BIC S.A, transmitiram- se de igual modo na sua totalidade  todas  as  obrigações emergentes  dos contratos que obrigavam o BPN, independentemente de todo e qualquer acordo que o Réu BANCO BIC S.A., tenha estabelecido com o Estado Português no acto de compra ou em momento anterior, o que só lhe concede o direito de regresso a discutir entre as partes em causa (Estado Português e BANCO BIC S.A), sendo tal acordo marginal aos aqui Autores; e

c) Se condene o ao Réu, BANCO BIC S.A., a proceder ao imediato reembolso do capital de e 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), acrescidos dos juros vencidos desde 24 de Abril de 2015, até integral reembolso do capital, e reportados à aplicação de 2006, e desde 10 de Novembro de 2014 reportados à aplicação de 2004, até efectivo e integral pagamento, bem como ao pagamento de todas as despesas e encargos com a presente acção, nestas se incluindo os honorários de advogado, condenando ainda o Réu BANCO BIC S.A., a pagar a cada um dos Autores quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, mas nunca inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros), por danos morais sofridos pelos Autores com o comportamento imputável ao Réu BANCO BIC S.A., traduzidos na dor e angustia vividas ainda hoje pelos Autores.

Para tanto, alegam os factos melhor descritos na petição inicial.

Regularmente citados, o réu BANCO BIC, S.A., apresentou a contestação   excepcionando a ilegitimidade da autora CC e a prescrição do eventual direito dos autores. No mais, aceita alguns dos factos alegados pelos autores, impugna outros e descreve a sua própria versão do litígio, concluindo pela sua absolvição da instância, no tocante à autora CC, e pela sua absolvição dos pedidos.

Os autores desistiram dos seus pedidos contra os restantes réus, com excepção do réu BANCO BIC, S.A., transacção que foi homologada por sentença, passando os autos a prosseguir apenas quanto ao referido réu.

Oportunamente foi proferida sentença em que se decidiu:

"Pelo exposto, julgando-se a acção parcialmente procedente, decide-se:

a) declarar que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra de obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004 e SLN 2006, por parte do Autor ao BPN (ACTUAL réu BANCO BIC, S.A.), foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100% (cem por cento);

b) declarar que é da responsabilidade do BANCO BIC, S.A., o reembolso do capital reportado à aquisição por parte do Autor das obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004 e SLN 2006, no valor de global de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), porquanto com a transmissão do Nacionalizado Banco BPN para a esfera jurídica do Réu BANCO BIC, S.A, transmitiram-se de igual modo na sua totalidade todas as obrigações emergentes dos contratos que obrigavam o BPN;

c) condenar o Réu, BANCO BIC, S.A., a proceder ao imediato reembolso ao autor AA do capital do € 50.000,00 (cinquenta mil euros), respeitante às referidas obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde 28/10/2014, à taxa legal de 4%, e até efectivo e integral pagamento;

e) condenar o Réu, BANCO BIC, S.A., a proceder ao imediato reembolso ao autor AA do capital do € 100.000,00 (cem mil euros), respeitante às referidas obrigações SLN 2006, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde 10/05/2016, à taxa legal de 4%, e até efectivo e integral pagamento;

f) condenar o Réu, BANCO BIC, S.A., a pagar ao autor AA a quantia de 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos;   

g) condenar o Réu, BANCO BIC, S.A., a pagar à autora BB a quantia de e 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos;

h) absolver o réu BIC do demais peticionado pelos autores.

Quanto à percentagem remanescente das custas, fica a cargo dos autores e do réu BIC, na proporção do respectivo decaimento.

Registe e notifique".

Desta sentença apelou o Banco BIC Português,  mas sem êxito, uma vez que a sentença foi confirmada.

Do acórdão da Relação interpôs, então, o Réu recurso de revista excepcional, que foi admitido pela Formação em 19.6.2019.

Formulou, a final da alegação, as seguintes conclusões:

1.A declaração do banco com proposta apresentada ao primeiro autor de vir a adquirir OBRIGAÇÕES SLN Rendimento Mais 2004 e OBRIGAÇÕS SLN 2006, deverá ser entendida não tal qual, sem mais, o declaratário a terá entendido, mas no sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, a teria entendido de acordo com as circunstâncias à data por ele conhecidas ou cognoscíveis.

2. Para tal aponta a teoria da impressão do destinatário que o nosso CCivil acolheu na disposição do seu art. 236º nº 1 .

3. A factualidade dada por provada nos presentes autos não permite de forma alguma que se conclua pela celebração de qualquer contrato entre o banco e o autor marido, e por via do qual aquele tivesse assumido a obrigação de reembolso do capital investido nos produtos que estão em causa no presente processo .

4. Nem permite também que se conclua pela assunção, por parte do banco recorrente, seja qual for a forma, do dever de reembolsar o autor marido do capital investido nesses mesmos produtos.

5.As Obrigações não têm cotação oficial e, no essencial, quem nelas investe sabe que, aquando do seu vencimento, o capital investido é devido pela entidade que as emitiu.

6. São, por isso mesmo, produtos que constituem o oposto das “Acções”, sujeitas sempre à valorização ou desvalorização da situação económico- financeira da entidade delas emitente, e que, portanto, nenhuma garantia contém do reembolso do capital investido.

7. A garantia do reembolso das Obrigações é sempre o conjunto de activos da sociedade emitente, e o risco da sua insolvência é um risco geral do comércio jurídico, que não tem que ser objecto de qualquer dever de informação por parte do intermediário financeiro.

8. As Obrigações são, por tudo o acima exposto nesta alegação, produtos muito semelhantes aos depósitos a prazo, sem risco, sendo relevante a seu propósito, que a informação recaia sobre o prazo e a rentabilidade respectiva.

9. Tal era inquestionável à data em que o autor marido adquiriu os produtos em causa nestes autos – Outubro 2004 e Maio 2006 – seno a essas datas de todo imprevisto e imprevisível que o banco ora recorrente viesse a ser nacionalizado, e que essa nacionalização tivesse assumido a forma que assumiu, com divisão do grupo então denominado SLN.

10. A informação de que as OBRIGAÇÕES SLN eram produto com capital garantido a 100% é absolutamente inócua e omissa quanto à possibilidade de ser o banco a entidade responsável pelo seu pagamento, aquando da sua maturidade.

11. E nada existe nos autos que permita concluir ter o banco assumido tal obrigação e responsabilidade.

Por outro lado,

12.Ainda que assim não fosse, sempre seria de concluir pela inexistência de responsabilidade civil do banco recorrente, dado que os autores não provaram, e nem sequer alegaram, a existência de qualquer nexo de causalidade adequada entre a pretensa violação do dever de informação da parte do banco recorrente e o dano por ele sofrido.

13. E era a eles que cabia o ónus de fazer tal prova, alegando desde logo que, caso tivesse sido cumprido o dever de informação com a extensão e conteúdo alegadamente exigido, se teriam abstido de adquirir os produtos que estão em causa nestes autos.

14. O douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, as disposições dos arts. 236º nº 1, 563º, e 798º, todos do CCivil, e o art. 312º nº 1 al e) do CVM .”

Pediram, a final, a revogação do acórdão recorrido.

Os autos foram suspensos por despacho de 12.11.2019 a aguardar o trânsito em jugado do AUJ relativamente às questões da ilicitude e do nexo de causalidade, o que só ocorreu em data recente.

Cumpre decidir.

Estão provados os seguintes factos:

“1º - O primeiro Autor, à data 22 de Outubro de 2004, detinha conjuntamente com a segunda Autora BB, com quem é casado, um depósito a prazo no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), no C..., Actual B ..., S.A. resultante da fusão operada em Dezembro de 2004, e, à data de 4 de Maio de 2006, um depósito a prazo no montante de € 100.000,00 (cem mil euros) no BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A.), agência ou balcão de ....

2º- Tais depósitos a prazo, estavam a essas datas a atingir a sua data de vencimento, maís precisamente tinham vencimento no dia 22 de Outubro de 2004, e o segundo em 5 de Maio de 2006, pelo que nas datas do seu vencimento, poderiam ser resgatados ou manterem-se por iguais períodos,

3º - Sabendo disso, o gerente do BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A.), na agência ou balcão de ..., contactou o primeiro Autor pois queria falar com ele porque tinha uma proposta para lhe fazer.

4º - Dessa forma, em dia que não pode precisar mas no mês de Outubro de 2004, o primeiro Autor dirigiu-se ao Balcão/Agência de ... do BPN - (ACTUAL BANCO BIC S.A.), com vista a tomar conhecimento da proposta que o referido gerente do Banco tinha para lhe fazer.

5º - Uma vez aí, foi recebido pelo gerente do Balcão do Banco primeiro Réu, que de forma muito clara e esclarecida, lhe disse que o BANCO BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A.), tinha efectivamente uma proposta para lhe fazer, proposta esta que seria interessante para o aqui Autor.

6- - O primeiro Autor questionou então o gerente do Banco em causa sobre o teor da proposta.

7e - Sendo que o mesmo referiu desde logo ao primeiro Autor que, como este sabia os depósitos a prazo que detinha naquele Banco, estava na data limite de vencimento, pelo que, poderia proceder ao resgate do mesmo e aplicar o montante que ele titulava num programa de aplicação financeira que lhe traria uma maior rentabilidade e detinha a mesma segurança que o depósito a prazo, com garantia de capital a 100% (cem por cento), como num depósito a prazo.

8S - Para o efeito, e com o intuito de convencer o aqui primeiro Autor, o identificado gerente daquele balcão disse ao primeiro Autor que tal aplicação seria feita pelo prazo de dez anos, mas que poderia eventualmente proceder ao seu resgate antecipado ao fim de cinco anos.

9º - Que a aplicação em causa e que lhe estava a propor era absolutamente segura, que não corria qualquer risco, posto que tinha o reembolso do capital investido garantido a 1oo°/o (cem por cento) e lhe daria uma melhor rentabilidade ao dinheiro que ele detinha em depósito a prazo.

10º - Para melhor o convencer, o identificado gerente exibiu e facultou ao aqui primeiro Autor, um documento com o teor da cópia de fls. 91 a 93 dos autos (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), onde constava de entre outras condições a do capital garantido a 100% (cem por cento), bem como a garantia de taxa de remuneração acima do mercado.

11º - Perante os argumentos do gerente do BPN' (ACTUAL BANCO BIC, S.A.), pessoa que o primeiro Autor enquanto cliente do Banco conhecia já há longo tempo e na qual depositava absoluta confiança, enquanto responsável pelo acompanhamento dessa conta de depósitos a prazo, e de todos os movimentos e operações bancárias que o primeiro Autor de há longo tempo vinha tendo com o banco e que lhe propôs a realização de uma aplicação em activos financeiros, mediante a aquisição de um produto com rentabilidade garantida e liquidez trimestral ao par, ou seja, com garantia do montante de capital investido, e com uma rentabilidade superior à de um depósito a prazo, o primeiro Autor acedeu em resgatar o depósito a prazo e proceder à sua aplicação na aplicação financeira que se traduzia na subscrição de obrigações, atentas as condições e garantias que lhe estavam a ser dadas pelo segundo Réu, pessoa em quem, como já se disse confiava pelas relações existentes entre ambos no quadro de gerente do Banco e Cliente do mesmo.

12º - Em 22 de Outubro de 2004, o aqui primeiro Autor, subscreveu tais obrigações no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), correspondentes ao montante que detinha no depósito a prazo, que para  o  efeito  resgatou  no  C.P.P.,  que  depositou  no  BPN  para aquisição de tal produto.

13º - Sendo que, até ao dia 24 de Abril de 2015, sempre lhe foram pagos os juros do capital investido na aludida aplicação financeira.

14º - Pagamentos esses que autor estava convencido que lhe tinham sido feitos pelo BPN, até 25 de Outubro de 2012, e pelo primeiro Réu BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., a partir dessa data e até 24 de Abril de 2015, data do último pagamento dos juros reportados à aplicação financeira em causa,

15º - No mês de Abril de 2006, em dia que não pode precisar, o gerente do BPN - (ACTUAL BANCO BIC S.A.), agência ou balcão de ..., contactou novamente o aqui primeiro Autor, pedindo-lhe para que este logo que lhe fosse possível, se dirigir ao Balcão do Banco pois queira falar com ele.

16º - Desta forma, no mês de Abril de 2006, em dia que não pode precisar com exactidão, o aqui primeiro Autor dirigiu-se ao do BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A.), agência ou balcão de ..., com vista a saber o que o gerente do BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A.), teria para lhe dizer.

17º - Foi então que o gerente do BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A.), uma vez mais, e com o mesmo argumentário antecedente, propôs ao aqui primeiro Autor que o mesmo investisse em nova aplicação financeira, desta vez denominada de SLN 2006, com as mesmas garantias da aplicação anterior, ou seja, garantia de reembolso de capital a 100% (cem por cento), absolutamente seguro, de melhor taxa de remuneração, tal como acontecia com o SLN de 2004, sendo este de 2006, um complemento do anterior.

18º - Assim, perante os argumentos do gerente do BPN, pessoa que como já disse e reafirma merecia toda a confiança do aqui primeiro Autor, e até porque sempre até essa data lhe tinham sido pontualmente pagos os juros da anterior aplicação, o aqui primeiro Autor, convencido de que tal aplicação lhe traria mais rentabilidade, acedeu em efectuar a operação de investimento na aplicação em causa, ou seja, SLN 2006.

19º - No dia 18 de Abril de 2006, o aqui primeiro Autor subscreveu na agência (ou balcão se assim se preferir) de ..., daquele BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A.), a subscrição de tais obrigações na importância de € 100.000,00 (cem mil euros).

20º - E, no dia 5 de Maio de 2006, procede ao resgate do depósito a prazo no referido valor, fazendo, no dia 8 de Maio de 2006, a aplicação financeira para a qual o gerente do BPN o havia aconselhado, mas convencido nas já descritas circunstâncias.

21º - Sendo que, até ao dia 7/05/2015, sempre lhe foram pagos os juros do capital investido na aludida aplicação financeira.

22º - Pagamentos esses que o autor estava convencido que lhe foram feitos pelo BPN, até 7 de Outubro de 2012, e pelo primeiro Réu BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., a partir dessa data e até 7 de Maio de  2015,  data do último pagamento dos juros reportados à aplicação financeira em causa.

23º - O aqui primeiro Autor, 07.10.2008, e confiante naquilo que o segundo réu lhe havia afirmado e garantido, deslocou-se ao BANCO BPN, com vista a proceder ao resgate do capital investido, o que não conseguiu.

24º - A partir daí, começaram a gerar-se no primeiro Autor e na autora BB angústias e receios.

25º - Apesar de o BANCO BPN, ao vender as referidas obrigações, apenas ter funcionado enquanto intermediário da SLN -Sociedade Lusa de Negócios, S.A., não sendo tais obrigações propriedade ou títulos do BANCO, mas apenas e só, vendidas ao Balcão do Banco por conta e risco da dita SLN, o autor não foi, aquando das respectivas subscrições e negociações prévias supra descritas, informado, pelo gerente supra referido ou por qualquer outro funcionário do BPN, dessa situação e de que o BPN actuava como mero intermediário, e bem assim nunca foi informado de que a garantia do reembolso do capital investido garantido a 100% (cem por cento) lhe estava a ser dada, não pelo BPN, mas pela dita SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A..

26º- - O primeiro Autor subscritor das aludidas e identificadas obrigações, quer a A. BB, esposa daquele, confrontados com a ideia de perder todo o dinheiro que tinham investido nas aplicações financeiras cujas garantias de retorno total lhe foram dadas, passaram algumas noites sem dormir, existindo destabilização no seio   do   seu   agregado   familiar,  sofrendo   angústia,   que   ainda   hoje continuam a sentir, embora com menos regularidade e intensidade.

27º - A relação dos Autores com o BPN nasceu no ano de 2003, mais precisamente em 06.02.2003, muito antes portanto de 2004, com a abertura de uma conta solidária conjuntamente com sua esposa, aqui segunda autora, e sua filha CC.

28º - A conta foi aberta com o n...1, era solidária, e podia ser movimentada por qualquer dos seus titulares.

29º - A tal conta estava associada uma outra conta, apenas titulada pelos primeiro e segundo autores, usada como carteira de títulos depositados no banco.

30º - Já no corrente ano de 2016, e por indicações dos autores, foram aditados à dita conta mais dois titulares, BB e DD, como foram também alteradas as condições da sua movimentação.

31º - Passando a conta a poder ser movimentada por qualquer dos aqui primeiro e segundo autores, ou então pelos demais titulares, com a assinatura conjunta de todos eles.

32º - O primeiro Autor, ao longo de todo o período que foi de meados de 2002 até 23.05.2016, e sobretudo até à nacionalização do então BPN, em finais de 2008, fez as seguintes aplicações em produtos distintos de simples   depósitos   a   prazo, aplicações   estas   que   eram efectuadas em simultâneo com tais depósitos a prazo, que a seguir se descrevem, embora com uma rentabilidade superior àquela que os simples depósitos a prazo lhe asseguravam:

-logo em 25.06.2004, o primeiro autor subscreveu € 50.000,00 de Papel Comercial SLN Valor;

-em 10.08.2004 o primeiro autor constitui junto do banco ora contestante um depósito a prazo no montante de € 150.000,00;

-em 25.10.2004 o primeiro autor subscreveu a aquisição de € 50.000,00 de Obrigações Rendimento Mais 2004;

-em 09.02.2005 o primeiro autor subscreveu mais um produto catalogado com a designação ...05, no montante de € 159-999,99!

-tendo subscrito mais € 74.999,99 do mesmo tipo de produto em 15.04.2005;

-com data de 24.06.2005, o primeiro autor subscreveu € 50.000,00 de Papel Comercial SLN Valor;

-e com data de 08.05.2006, a conta DO dos autores foi debitada no montante de € 100.000,00, relativos à subscrição do produto SLN Rendimento Mais 2006 (produto este a que se reporta o documento junto com a petição inicial como doe. n- 6, bem como o doc. nº 8 , cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

-a 23.06.2006, o primeiro autor subscreveu mais produto denominado Papel Comercial SLN Valor, no montante de e 50.000,00, renovando a aplicação feita em 24.06.2005 acima citada;

-a 02.11.2006, o primeiro autor subscreveu produto denominado ...06, no montante de € 69.999,01;

-a 25.06.2007, e renovando a aplicação em Papel Comercial SLN Valor acima referida, o primeiro autor voltou a subscrever igual montante do mesmo produto;

-o que voltou a acontecer em 20.06.2008, com nova renovação por igual montante.

33º - Com data de 07.10.2008, o primeiro autor deu ordem de resgate, na data do respectivo vencimento, da aplicação SLN Rendimento Mais 2004, no montante de € 50.000,00, bem como da totalidade da restante aplicação (aplicação no Fundo de Investimento Imonegócios), tendo o pedido sido formalizado por escrito através do respectivo formulário, que foi preenchido pelo funcionário do BPN nos moldes retratados no documento de fls. 236 dos autos, que o primeiro autor assinou.

34º - Logo a 07.10.2008, tal como ordenado pelo primeiro autor, o resgate do Fundo de Investimento Imonegócios foi executado.

35º - Todas as aplicações acima citadas ocorreram ao mesmo tempo que os autores constituíam simples depósitos a prazo.

36º - Os autores, ao longo dos anos em que fizeram as supra descritas aplicações, auferiram os respectivos juros, que foram sempre creditados na sua emissão, tal como definidas no respectivo Prospecto, disponível nas Agências do BPN".

39º - Em 9 de Dezembro de 2011, o Estado Português, então accionista único do BPN, BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS BPN- (ACTUAL BANCO BIC, S.A.), e no âmbito do processo de reprivatização daquela Instituição, celebrou um Acordo Quadro com o Banco BIC Português, SA, no qual foram estabelecidos os procedimentos e as acções necessárias a desenvolver por cada uma das partes, passo intermédio considerado essencial para a celebração do contrato de compra e venda das acções do BPN.

40º - No dia 30 de Março de 2012, foi assinado o contrato de compra e venda do BPN, entre o Estado Português e o Banco BIC, sendo que nos termos do disposto na cláusula 15.â do Acordo Quadro celebrado entre o Estado Português e o Banco BIC, relativo à reprivatização do BPN, neste se mostram incluídas todas as entidades do espectro do antigo Banco BPN, S. A., BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A., sendo estas a P1..., S. A., a P2..., S. A., P3..., S. A., B..., S. A., BPN Serviços, S. A., BPN Imofundos, S. A., BPN Gestão de Activos, S. A. (actualmente P..., G..., S. A.), BPN ACE eBPN, SGPS, S. A.

41º - A actual Instituição resultou assim da fusão ocorrida em 7 de Dezembro de 2012, por incorporação do Banco BIC Português S.A., no Banco Português de Negócios, S.A., assumindo a designação social do primeiro.”

Aos factos provados em primeira instância a Relação aditou ainda os seguintes:

“ a) Todo o conjunto de informações dadas aos clientes e e também o primeiro autor eram sérios e verdadeiras a data em que foram prestadas;

b) E só se alteraram em finais de 2008 com é a operação de nacionalização do então BPN e pela forma como teve lugar;

c) já que abrangeu o capital do então BPN, deixando de fora a SLN Sociedade Lusa de negócios SGPS,A.

d) Dividindo assim o até então conhecido grupo SLN de que o banco réu fazia parte;

e) Essa nacionalização e forma como ocorreu, era de toda imprevista e é imprevisível à data em que o autor subscreveu as obrigações que aqui estão em causa”

Os factos não provados são os seguintes:

“1º - Os pagamentos referidos em 149 dos factos provados tivessem sido feitos pelo BPN até 25 de Outubro de 2012, e pelo primeiro Réu BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., a partir dessa data.

2º - Os pagamentos referidos em 22º dos factos provados tivessem sido feitos pelo BPN, até 7 de Outubro de 2012, e pelo primeiro Réu BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., a partir dessa data.

3º - Em Outubro de 2009, o autor, ao pretender proceder ao resgate do capital investido, tivesse sido informado pelo Banco BPN que só ao fim de 10 anos poderia proceder a tal resgate, ou seja, só no fim do prazo contratual e não antes, sendo certo que tal resgate ao fim de dez anos, ou seja, do prazo contratual se aplicava tanto à aplicação reportada a 2004, como à de 2006, e bem assim que esta informação lhe tivesse sido prestada na sequência do facto descrito em 239 dos factos provados.

4º - Nas circunstâncias descritas em 23a dos factos provados, o primeiro Autor tivesse sido informado, no Balcão de ..., pelo gerente do BANCO BIC, de que a aplicação financeira em causa, não tinham cobertura de garantia de capital por parte do BPN, que é uma subscrição de obrigações da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe será concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julga com direito no aludido processo de Insolvência.

5º - Em consequência dos factos apurados, os autores tivessem passado dias e dias sem conseguir gerir os seus negócios.

6º - O autor fosse um cliente bem informado sobre as alternativas de investimento aos simples depósitos a prazo e que procurasse sempre produtos com melhor rentabilidade, e bem assim que contactasse com frequência o seu gestor de conta, sobretudo quando se aproximava o vencimento de aplicações de que era titular.

7º - O primeiro autor era pessoa que prezava a obtenção de boas rentabilidades para as suas poupanças, procurando sempre aplicações que as assegurassem, e bem assim que tivesse sido nessa lógica, e com esse intuito, que o autor veio a subscrever e adquirir as Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, em Outubro de 2004, bem como as Obrigações SLN 2006.

8º - Os funcionários do banco réu procurassem satisfazer a vontade dos clientes de encontrarem produtos com melhor rentabilidade financeira.

9º - Antes ou aquando da subscrição das aplicações em causa nos autos, o primeiro autor tivesse sido, apenas e tão só, informado pelo seu gestor de conta que se anunciava para breve a emissão de Obrigações denominadas de SLN Rendimento Mais 2004 e Obrigações SLN 2006, com uma  rentabilidade  mais elevada que  a dos  simples  depósitos a prazo,  e bem assim que tivesse sido só com base nesse anúncio e informação que o primeiro autor decidiu subescrevê-las.

10º - Para além do documento referido em io9 dos factos provados e dos impressos referidos em 38- dos factos provados, ao primeiro autor tivesse sido então facultada a leitura de qualquer outro documento classificado de prospecto, oficial e destinado ao cliente, do produto que iria adquirir, e bem assim que o autor tivesse tomado conhecimento da existência e teor de tal prospecto.

11º - Os autores soubessem bem que o produto em causa não era emitido pelo banco, e que a responsabilidade do seu reembolso, aquando do seu vencimento, era exclusivamente da entidade emitente, então SLN.

O Direito.

O acórdão da Relação considerou que, de acordo com os critérios interpretativos do art. 236º do CC houve um contrato entre o Banco e o autor, através do qual o primeiro se vinculou à restituição do montante das obrigações.

Considera, porém, a recorrente que a factualidade dada por provada nos presentes autos não permite de forma alguma que se conclua pela celebração de qualquer contrato entre o banco e o autor marido,  não permite também que se conclua pela assunção, por parte do banco recorrente, seja qual for a forma, do dever de reembolsar o autor marido do capital investido nesses mesmos produto, acrescentando que, em todo o caso, a informação de que as obrigações SLN eram produto com capital garantido a 100% é absolutamente inócua e omissa quanto à possibilidade de ser o banco a entidade responsável pelo seu pagamento, aquando da sua maturidade.

É certo que o acórdão da Relação figurou o contrato não propriamente de intermediação, mas um contrato directo entre o Banco e o autor. Todavia, lida a petição, verifica-se que o autor também assentou a causa de pedir na violação dos deveres do réu enquanto intermediário financeiro, o que significa que se se concluir que são de aplicar as regras da intermediação financeira, terá de ser observada a doutrina do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/2022, publicado no DR I Série, nº 212, que uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:

“1- No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto -Lei n.º 357 -A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2 – Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” -  informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3 – O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4 – Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”

Ora, no âmbito da intermediação financeira,  se, por um lado, ao equiparar a subscrição de obrigações a um depósito a prazo, com garantia de 100% de reembolso ( cfr. factos 7, 9, 17), o Banco terá  prestado informação não verdadeira ( como decorre do AUJ) e, por isso, ilícita e também culposa (com culpa grave), nos termos conjugados do art. 799º, nº 1 do CC e do art. 324º, nº 2 do CVM, por outro lado, não se detectam factos provados suficientes em ordem a preencher o necessário nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano do não reembolso do capital, ou seja, a prova por parte do autor de que a prestação da informação devida (com a dilucidação devida da diferença entre o depósito a prazo e as obrigações) o levaria a não tomar a decisão de investir, (ponto 4 do segmento uniformizador),  ou seja, que ele não teria subscrito as aplicações financeiras se o dever de informação tivesse sido cumprido de forma “completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”.

Todavia, relida a petição, verifica-se que, ainda que em sede de direito, vem alegado, a pág. 36., que no caso dos autos, “foi com base na “informação de capital garantido” que os Autores deram o seu acordo na aquisição dos mencionados títulos, sendo certo, como também diz Sinde Monteiro, in Responsabilidade Por Conselhos e Recomendações ou Informações , Almedina , 1999 a pág.. 49, “sem essa informação os Autores dificilmente dariam o seu acordo na aquisição dos identificados activos financeiros”; e a pág. 47 que “ se o banco réu não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido seguramente os Autores não teriam dado a sua anuência na aquisição dos identificados activos financeiros”.

Estas alegações, apesar de constarem na parte de direito, têm um dimensão de facto, podendo delas decorrer que se os deveres de informação tivessem sido cumpridos (isto é, se lhe fosse prestada informação correcta (a de que a garantia das obrigações não era absoluta, a 100%), o autor não teria investido nas aplicações dos autos.  Dizer que “se o banco réu não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido seguramente os Autores não teriam dado a sua anuência na aquisição dos identificados activos financeiros” é o mesmo que dizer que se o banco réu tivesse prestado a informação correcta (ou seja a de que não havia garantia de reembolso a 100%), os autores não teriam investido naquelas aplicações.

O Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação não se pronunciaram sobre estes factos (impugnados), que se revelam essenciais para a solução jurídica do pleito, do ponto de vista da violação dos deveres do Banco enquanto intermediário financeiro.

E, por isso, se justifica a ampliação de facto (n.º 3 do artigo 682º do Código de Processo Civil).

Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):

1.Se, no âmbito da intermediação financeira, o gerente do Banco referiu ao autor que o produto das obrigações “detinha a mesma segurança que o depósito a prazo, com garantia de capital a 100% (cem por cento), como num depósito a prazo” (7), que “não corria qualquer risco, posto que tinha o reembolso do capital investido garantido a 100% (cem por cento) e lhe daria uma melhor rentabilidade ao dinheiro que ele detinha em depósito a prazo” (9),  que propôs, quando da SLN 2006 “, garantia de reembolso de capital a 100% (cem por cento), absolutamente seguro, de melhor taxa de remuneração, tal como acontecia com o SLN de 2004, sendo este de 2006, um complemento do anterior” (17), o Banco viola os deveres de informação como intermediário financeiro, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

2. Para efeitos de apuramento do nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano, importa que as instâncias se pronunciem, ainda, sobre o facto alegado (e impugnado) de que “se banco réu não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido seguramente os autores não teriam dado a sua anuência na aquisição dos identificados activos financeiros”.

Pelo exposto, acorda-se em ordenar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para ampliação da matéria de facto, nos termos referidos.

Custas pela parte vencida a final.


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Lisboa, 31 de Janeiro de 2023


António Magalhães (Relator)

Jorge Dias

Jorge Arcanjo